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Percepção do cuidado à saúde de adultos após o infarto do miocárdio

RESUMO

Objetivos:

das percepções do cuidado à saúde de adultos após o infarto do miocárdio.

Métodos:

pesquisa qualitativa descritiva analítica realizada com 12 adultos que tiveram infarto do miocárdio, de fevereiro a maio de 2018. O desenho baseou-se no “Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research”. A coleta de dados foi realizada mediante questionário semiestruturado, roteiro de entrevista e diário de campo. As entrevistas foram codificadas, e seu conteúdo foi analisado com auxílio de software.

Resultado:

obtiveram-se três classes: “Medo, (in)certeza e (des)conhecimento”; “Estilo de vida e crenças do adoecimento” e “Busca pelo cuidado de saúde”. Os hábitos de vida não saudáveis, a falta de prevenção/promoção da saúde, as dificuldades de acesso aos serviços e o desconhecimento da doença geraram medo e incerteza quanto ao futuro.

Considerações Finais:

a percepção do infarto agudo se relaciona com a trajetória do adoecimento, estilo de vida e crença de que o infarto só acomete o outro.

Descritores:
Doença Crônica; Infarto do Miocárdio; Saúde do Adulto; Percepção; Enfermagem em Saúde Comunitária

ABSTRACT

Objectives:

to describe the Adult's perception of healthcare after Myocardium Infarction.

Methods:

qualitative descriptive analysis carried out with 12 adults who had myocardial infarction and conducted from February to May 2018. The research design was based on the “Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research”. Data collection was performed through semi-structured questionnaire, interview script and field diary. The interviews were encoded, and their content was analyzed using software support.

Results:

three classes were obtained: “Fear, (un) certainty and (un) awareness”; “Lifestyle and beliefs of illness” and “Health care search”. Unhealthy lifestyle habits, lack of health prevention / promotion, difficulties in accessing services and lack of knowledge about the disease generated fear and uncertainty about the future.

Final Considerations:

the perception of acute myocardial infarction is related to the trajectory of illness, lifestyle and the belief that the infarction only affects others.

Descriptors:
Chronic Disease; Myocardial Infarction; Adult Health; Perception; Community Health Nursing

RESUMEN

Objetivos:

describir las percepciones del cuidado a la salud de adultos después del infarto de miocardio.

Métodos:

investigación cualitativa descriptiva analítica realizada de febrero a mayo de 2018 con 12 adultos que tuvieron infarto de miocardio. El dibujo ha sido basado en el “Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research”. La recogida de datos ha sido realizada mediante cuestionario semiestructurado, guion de entrevista y diario de campo. Las entrevistas han sido codificadas, y su contenido ha sido analizado con auxilio de software.

Resultados:

se obtuvieron tres clases: “Medo, duda y (des)conocimiento”; “Estilo de vida y creencias de enfermedad” y “Búsqueda por el cuidado de salud”. Los hábitos de vida no saludables, la falta de prevención/promoción de la salud, las dificultades de acceso a los servicios y el desconocimiento de la enfermedad generaron medo y duda cuanto al futuro.

Consideraciones Finales:

la percepción del infarto agudo relacionase con la trayectoria de la enfermedad, estilo de vida y creencia de que el infarto solo acomete al otro.

Descriptores:
Enfermedad Crónica; Infarto de Miocardio; Salud del Adulto; Percepción; Enfermería en Salud Comunitaria

INTRODUÇÃO

O processo que culmina em um infarto do miocárdio (IAM) ocorre de forma lenta e silenciosa, pois a doença arterial coronariana desenvolve-se de forma gradual ao longo dos anos, de modo que as pessoas possuem dificuldades para identificar e interpretar que há alguma coisa de “errado” com o seu corpo(11 American Heart Association (AHA). History of the American Heart Association. AHA [Internet]. ©2018[cited 2018 Feb 16]. Available from: https://www.heart.org/en/about-us/history-of-the-american-heart-association
https://www.heart.org/en/about-us/histor...
).

Pode-se caracterizar o infarto como uma deficiência no fornecimento de sangue para os vasos e artérias do coração, vindo a ocasionar falha no funcionamento cardíaco e provocar várias complicações na saúde das pessoas acometidas, principalmente nos adultos jovens(22 Vargas RA, Riegel F, Oliveira Jr N, Siqueira DS, Crosetti, MGO. Quality of Life of Patients after myocardial infarction: literature integrative review. Rev Enferm UFPE. 2017;11(7):2803-9. doi: 10.5205/reuol.10939-97553-1-RV.1107201721
https://doi.org/10.5205/reuol.10939-9755...
).

Não há dúvidas de que os hábitos cotidianos de vida podem exercer efeitos profundos sobre a probabilidade do desenvolvimento de uma doença cardiovascular. Entre os riscos descritos, podemos classificá-los como os não modificáveis, sendo eles os antecedentes familiares, sexo e idade avançada; e os modificáveis sendo o hábito de fumar, o sedentarismo, a ingestão de álcool, a obesidade e o sobrepeso, assim como, o estresse psicológico(33 Rippe JM, Angelopoulos TJ. Lifestyle strategies for cardiovascular risk reduction. Curr Atheroscler Rep. 2014;16(10):444. doi: 10.1007/s11883-014-0444-y
https://doi.org/10.1007/s11883-014-0444-...
).

Quando ocorre o evento agudo do infarto, as pessoas ficam assustadas e surpresas, pois não estavam preparadas para adoecer e encontravam-se, muitas vezes, exercendo suas atividades rotineiras. Após o IAM, por serem jovens e considerarem-se saudáveis, surgem sentimentos de medo da morte, da invalidez e do desconhecido. Nessa nova fase, necessitam aprender a lidar com a dependência causada pela doença e com a necessidade de cuidados contínuos(44 Garcia RP, Budó MLD, Simon BS, Wünsch S, Oliveira SG, Barbosa MS. Family experiences post-acute myocardial infarction. Rev Gaucha Enferm. 2013;34(3):171-8. doi:10.1590/S1983-14472013000300022
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-55 Vieira MB, Souza WS, Cavalcante PF, Carcalho IGM, Almeida RJ. Men’s perception after acute myocardial infarction. Rev Bras Promoç Saúde. 2017;30(3):1-9. doi: 10.5020/18061230.2017.5833
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).

O adoecimento causado pelo IAM altera a vida tanto da pessoa acometida como de seus familiares, por modificar a rotina devido ao afastamento das atividades laborais e gerar limitações físicas na pessoa que adoeceu. Nesse momento, surge a importância de uma rede familiar estruturada para auxiliar nos cuidados domiciliares(66 Camponogara S, Silveira M, Cielo C. Percepções de pacientes submetidos à cirurgia cardiovascular sobre o adoecimento. Rev Enferm Cent O Min. 2014;4(1):993-1003. doi:10.19175/recom.v0i0.554
https://doi.org/10.19175/recom.v0i0.554...
).

Pode-se considerar que a busca pelo cuidado à saúde realizada pelas pessoas infartadas encontra-se relacionada à forma com que elas vivenciam e compreendem o adoecimento e o quanto este adoecer impacta a sua rotina de vida(77 Gyberg A, Björck L, Nielsen S, Määttä S, Falk K. Women's help-seeking behavior during a first acute myocardial infarctio. Scand. J Caring Sci. 2016;30(4):670-7. doi: 10.1111 / scs.12286
https://doi.org/10.1111 / scs.12286...
-88 Mussi FC, Mendes AS, Damasceno CA, Gibaut MAM, Guimarães AC, Teles CAS. Fatores ambientais associados ao tempo de decisão para procura de atendimento no infarto do miocárdio. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):722-9. doi: 10.1590/0034-7167.2014670508
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).

A saúde e a doença surgem por meio da interação entre o biológico e o meio em que a pessoa vive, seja a sociedade ou a comunidade em que se encontra inserida, e a forma que ela vem a compreender o adoecimento não pode ser caracterizada unicamente como um evento biológico, mas um processo de vivências. Nele, para cada pessoa, existe um significado individual sobre o que é “estar doente”, sendo este construído pelos seus valores culturais e sociais, de uma forma dinâmica, o que leva a vários questionamentos por parte da pessoa acometida pelo evento cardíaco, no trabalho com a família e com a equipe de saúde em busca da cura(99 Langdon EJ. Os diálogos da antropologia com a saúde: contribuições para as políticas públicas. Ciên. e Saúde Coletiva. 2014;19(4):1019-29. doi: 10.1590/1413-81232014194.22302013
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).

Assim, verifica-se a necessidade de descrever como as pessoas percebem o infarto do miocárdio e como o evento cardíaco interfere em suas vidas.

OBJETIVOS

Descrever as percepções do cuidado à saúde de adultos após o infarto do miocárdio.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética no estado do Paraná, e foram seguidas as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com o CAAE nº 82916018.9.0000.0107 e Parecer de aprovação nº 3.178.581. Para a realização do estudo, obteve-se o termo de autorização da Secretaria Municipal de Saúde da cidade em que se deu o estudo. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após a transcrição integral do conteúdo das entrevistas, uma cópia foi entregue ao participante para leitura prévia do material e a confirmação ou retificação de algum trecho lido. As informações coletadas foram mantidas em anonimato; e o nome do participante, substituído por um código identificador, com a utilização da letra EP (entrevista/participante) seguida por um número arábico em ordem crescente (EP_1, EP_2...). A pesquisa foi desenvolvida no domicílio do participante, em local reservado, sem a presença de outras pessoas, excetuando-se os casos em que o participante o solicitou.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo analítico, derivado de uma dissertação de mestrado. Utilizou-se como instrumento para a fundamentação do estudo o “Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research” (COREQ).

Procedimento metodológico

Participaram da pesquisa 12 adultos de ambos os sexos, na faixa etária de 18 a 65 anos, que foram acometidos por IAM, no período de fevereiro a maio de 2018, tendo como critérios de inclusão: ter diagnóstico de IAM em prontuário, ter confirmação por familiar ou pelo participante, morar no município de desenvolvimento da pesquisa, ter sido atendido em uma unidade de pronto atendimento e transferido para o hospital de referência em cardiologia. Para a exclusão, utilizou-se o Mini Exame do Estado Mental (Mini Mental), tendo como ponto de corte a pontuação mínima requerida de 13 para analfabetos, 18 para baixa e média escolaridade e 26 para a alta escolaridade. Consideram-se como baixa escolaridade os valores de 1 a 4; média escolaridade, de 4 a 8 anos incompletos; e alta escolaridade, com mais de 8 anos(1010 Bertolucci P HF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. et al. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52(1):1-7. doi: 10.1590/S0004-282X1994000100001
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).

Cenário do estudo e fonte de dados

A pesquisa foi desenvolvida numa cidade localizada no oeste do Paraná. Para elencar os participantes que poderiam fazer parte da pesquisa, a pesquisadora principal verificava diariamente a lista de internamento e transferência do setor de Serviço de Arquivo Médico (SAME) das Unidades de Pronto Atendimento do município. Após a identificação dos possíveis participantes pela constatação diagnóstica obtida na ficha de atendimento ambulatorial on-line, foi realizado o contato telefônico e agendamento de uma visita domiciliar com a finalidade de apresentar o projeto de pesquisa, em local, data e horário definido pelo participante ou seu familiar.

Coleta e organização dos dados

Para a coleta de dados, utilizou-se um formulário semiestruturado que contemplou variáveis sociodemográficas, clínicas e os hábitos de vida dos participantes. Também se utilizou de um roteiro de entrevista com dez questões abertas e o diário de campo, no qual foram anotados aspectos sobre o ambiente físico, interação familiar e respostas verbais e não verbais.

As entrevistas foram gravadas pela pesquisadora, com o consentimento prévio dos entrevistados e tiveram duração média de uma hora. Após a transcrição e leitura das entrevistas na íntegra, utilizou-se como apoio à análise de conteúdo o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ_0.6-alpha3®), para a codificação dos dados. A caracterização dos participantes foi apresentada por meio de tabelas e analisada por meio de estatística descritiva com auxílio do Microsoft Excel® 2010. Para análise lexical, utilizou-se o IRAMUTEQ_0.6-alpha3®.

Análise dos dados

A análise de conteúdo dos depoimentos foi realizada de acordo com as etapas propostas por Creswell(1111 Creswell JW. Investigação Qualitativa: Projeto de Pesquisa escolhendo entre cinco abordagens. 3. ed. São Paulo: Penso Editora, 2014.), mediante as seguintes etapas: 1) pré-análise; 2) exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados; e 3) interpretação. Na primeira etapa, foram organizadas as entrevistas e realizada a sua transformação em unidades de texto para a exploração do conteúdo por meio da transcrição e leitura das entrevistas na íntegra. Utilizou-se o diário de campo para complementar as informações, enfatizando as diferentes fases vivenciadas pelas pessoas por IAM cronologicamente. Realizou-se a leitura dos relatos dos participantes com vistas ao entendimento e posterior fragmentação e construção do corpus textual, para a inserção no software de análise qualitativa IRAMUTEQ_0.6-alpha3®.

Esse software proporciona um rigor estatístico, permitindo a utilização de vários recursos técnicos de análise do vocabulário, em que as palavras são agrupadas e organizadas graficamente de acordo com a sua frequência, possibilitando a construção de um único arquivo (corpus), que reúne os textos originais da entrevista(1212 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas psicol. 2013;21(2):513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16.
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
).

As estatísticas textuais ou análise lexical clássica, fornecidas pelo software, fornecem o número e segmentos de textos, identificam a quantidade de palavras, frequência média e hápax (palavras com frequência de um), investigam o vocabulário, reduzem as palavras com base em suas raízes (forma reduzidas) e identificam formas ativas e suplementares. A análise de especificidades permite a associação dos textos com variáveis de caracterização dos narradores dos textos(1212 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas psicol. 2013;21(2):513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16.
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
-1313 Salviati ME. Manual do Aplicativo Iramuteq: versão 0.7 Alpha 2 e R Versão 3.2.3. [Internet] 2017 [cited 2018 Aug 01];sn. Available form: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/anexo-manual-do-aplicativo-iramuteq-par-maria-elisabeth-salviati
http://www.iramuteq.org/documentation/fi...
). Para a construção do corpus de análise, os textos foram gravados no formato “txt” e codificados em Unicode UTF 8(1212 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas psicol. 2013;21(2):513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16.
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
).

Na segunda etapa, exploração ou codificação do material, foi realizada a descrição detalhada das entrevistas, em sequência, e a separação do texto em categorias menores de informação, permitindo uma descrição exata das propriedades relevantes do conteúdo apresentado. Foram nominadas as classes correspondentes identificadas com a utilização do software(1111 Creswell JW. Investigação Qualitativa: Projeto de Pesquisa escolhendo entre cinco abordagens. 3. ed. São Paulo: Penso Editora, 2014.).

Na terceira etapa, realizou-se a interpretação e análise das falas, ampliando os significados dos códigos e temas encontrados para além da representação inicial. A interpretação e compreensão dos dados foram realizadas com base na literatura de pesquisa.

RESULTADOS

As transcrições das entrevistas possibilitaram um corpus geral constituído por 12 textos, separados em 226 segmentos de texto (ST) com aproveitamento de 81,42%. A 1ª categoria originou-se pelo subcorpus das classes 1 e 6, com 23 Unidades de Contexto Elementar (UCEs) e 31 UCEs, correspondendo a 12,5% e 16,85%, respectivamente. A 2ª categoria foi formada pelo subcorpus das classes 2 e 3, ambos com 29 UCEs, equivalente a 15,76%. E a 3ª categoria corresponde às classes 4 e 5, com a 38 e 34 das UCEs, concentrando 20,65% e 18,48% das UCEs do corpus total, respectivamente. Essas classes foram organizadas por semelhança em três categorias: “Estilo de Vida e crenças do adoecimento”, “Medo, (in)certeza e (des)conhecimento”, e “Busca pelo cuidado a saúde”.

Os participantes foram 4 mulheres e 8 homens, com idade variando entre 36 a 65 anos; possuíam renda maior que 2 salários mínimos, casados ou com união estável, com menos de 3 filhos. Dois participantes não eram alfabetizados. Em relação aos hábitos de vida, oito participantes, antes do IAM, faziam uso de bebida alcoólica, dois fumavam e todos não praticavam atividades físicas regularmente.

Em relação à presença de comorbidades, cinco possuíam hipertensão arterial, um era diabético e os demais desconheciam a presença de qualquer tipo de patologia associada, porém apresentavam histórico familiar de doença cardiovascular. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi a primeira escolha na busca pelo cuidado à saúde, mas migravam ao serviço particular para complementar o atendimento.

Na primeira categoria, “Estilo de vida e crenças do adoecimento”, percebe-se que os hábitos de vida dos participantes refletem sua história familiar. O estresse e a ansiedade, relacionados ao estilo de vida moderno, agitação e correria do dia a dia, foram considerados como importantes causas do adoecimento e responsáveis pela aquisição de hábitos de vida pouco saudáveis.

[...] considero como fator de risco a correria do dia, muito estresse… sou muito estressado e nervoso, esse era meu maior problema. Qualquer coisa estava brigando, me estressava com a vida das outras pessoas, queria resolver os problemas dos outros e que não tinha nada a ver comigo. O infartoédecorrente desse processo. (EP_2)

Antes de descobrir a pressão alta, era normal. Comia bastante, fumava e bebia. Depois que descobri a pressão alta, modifiquei meus hábitos. Não acho que fumar e beber faz bem, mas acho que não foi isso, porque eu não bebia tanto tempo assim, talvez a alimentação. (EP_3)

[...] fatores de risco eu acho que não me cuidei, abusava na comida gordurosa e na comida com sal e foi aonde aconteceu. Churrasco nós comíamos direto, meu pai colocava carne de porco, era carne direto. (EP_6)

Naquele tempo, morava no sítio, na roça e comia de tudo. Era comida salgada, eu lembro que a minha mãe até leite com sal tomava, mas tudo era normal [...]. (EP_8)

Na segunda categoria, “(Des)conhecimento, medo e (in)certeza”, os depoimentos revelaram questões acerca do adoecimento, medo e incertezas em relação ao futuro, bem como desconhecimento dos fatores precipitantes do IAM.

A percepção das repercussões relativas ao adoecimento demostra que os participantes não executavam os cuidados com a saúde de forma contínua, o que se evidencia pelos hábitos de vida inadequados, ausência de adesão ao tratamento medicamentoso, falta de preocupação com a prevenção e promoção da saúde, desconhecimento em relação à doença e às modificações causadas pelo infarto em suas vidas.

Agora é cuidar de mim. Essa semana eu não abri o bar nem um dia, se tiver vontade eu abro. Não vou estressar, antes era muito estressado se não abrisse o bar, Deus me livre, era um estresse. [...]. Na alimentação, principalmente estou me cuidando. Marquei consulta com nutricionista, tenho que me cuidar, Deus me livre. Para o futuro, eu espero me cuidar como um príncipe, cuidar, ir ao posto de saúde e fazer exames. (EP_2)

A pressão sempre oscilante, se comer qualquer comida com um pouco de sal já altera. Nunca me preocupei com a saúde, quando jovem, minha vida era trabalhar, saía cedo e voltava à noite. Nunca tivemos infância de brincar, sempre trabalhando. (EP_6)

Na minha família, a minha esposa toma medicamento e vai consultar. Antes do infarto, não tinha medo de nada e não me assustava com nada, mas levei o maior susto. Depois do infarto, mudou muita coisa e já penso um pouco diferente. Meu maior problema é o cigarro. (EP_11)

[...] não tinha noção de tanta coisa, de que o meu coração tinha uma lesão… achava que era só uma veia entupida. Você pode tocar a sua vida normal, então eu posso tocar a minha vida normal, mas tem uma restrição, que vou ter agora é ter que tomar medicamento. Eu odeio tomar medicamento, mas vou ter que tomar. (EP_12)

Na categoria “Busca pelo cuidado a saúde”, foi possível perceber as barreiras encontradas pelos participantes durante a busca pelo atendimento no setor de saúde, como a demora no atendimento, a dificuldade na identificação precoce do IAM, a falta de acolhimento e resolutividade por parte dos profissionais.

Pedi para chamar o serviço de atendimento móvel de urgência porque estava infartando, estava ruim… foi súbito. Mediram a pressão e estava normal, mas sentia muita dor. Falei que não estava bem e não quiseram me levar na unidade de pronto atendimento, então chamei meu cunhado que me levou na unidade de pronto atendimento. (EP_2)

Fui sozinho até o posto de saúde de madrugada buscar ficha e não consegui. Na segunda vez, no outro dia, fui mais cedo e consegui. A dor já estava insuportável; não aguentava mais: começava na garganta e descia até a metade do peito. Era terrível. (EP_4)

Fiquei preocupado. Acho que é algo sério. Então fui de moto para unidade de pronto atendimento, onde mediram pressão e mandaram esperar. Fiquei das 4h até as 9h para ser atendido; e a dor, cada vez mais forte. Estava quase chorando. (EP_11)

DISCUSSÃO

Os relatos dos participantes demonstraram as percepções que estes possuíam sobre o IAM, por meio das quais foi possível evidenciar o desinteresse caracterizado pela negligência em relação ao cuidado com a saúde, o descuidado e a perspectiva de que o adoecimento só acomete o outro.

Essa percepção pode estar atrelada ao fato de que o IAM instala-se de forma súbita e determina alterações difíceis e dolorosas no estado de saúde das pessoas que não tinham a expectativa de adoecer nem de terem suas vidas modificadas em função do adoecimento. Além disso, o episódio agudo gera sentimentos de incerteza quanto ao futuro, dúvidas e medos em relação ao tratamento e à gravidade da doença, assim como aos procedimentos terapêuticos, pois levam os infartados a refletirem sobre a possibilidade de desampararem seus familiares e seus dependentes, bem como sobre a sua finitude(55 Vieira MB, Souza WS, Cavalcante PF, Carcalho IGM, Almeida RJ. Men’s perception after acute myocardial infarction. Rev Bras Promoç Saúde. 2017;30(3):1-9. doi: 10.5020/18061230.2017.5833
https://doi.org/10.5020/18061230.2017.58...
).

O desconhecimento em relação ao processo do adoecimento interfere na adesão ao tratamento, pois sofre influência de crenças e mitos vivenciados pelas pessoas ao longo da sua vida e pode gerar desmotivação para controlar a doença, inabilidade de relacionar o comportamento com o manejo das situações adversas e baixa expectativa no resultado do tratamento(1414 Barreto MS, Reiners AAO, Marcon SS. Knowledge about hypertension and factors associates with the non-adherence to drug therapy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(3):491-8. doi: 10.1590/0104-1169.3447.2442
https://doi.org/10.1590/0104-1169.3447.2...
).

As atitudes das pessoas representam a maneira como elas pensam e o que sentem em relação à doença, tendo como base a experiência de vida, fato que predispõe a uma maneira de agir ou de se comportar diante de determinadas situações. Suas decisões sofrem influência da visão de mundo adquirida ao longo da sua vida e compreendem as diferentes formas de comportamentos apresentadas pelas pessoas no seu adoecimento(1515 Coelho AC, Barros ALBL de, Matheus MCC, Domingues TAM. [Beliefs, values and attitudes of cohabiting relatives of coronary artery disease patients]. Rev Min Enferm. 2016;20:e980. doi:10.5935/1415-2762.20160050 Portuguese.
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201600...
).

O evento cardíaco desencadeia um efeito estressor no paciente e em toda a sua família, pois gera medo de que a pessoa infartada venha a ter uma nova ocorrência. Após o IAM, surge, na maioria dos casos, um cuidador dentro da rede familiar, tendo a finalidade de vigiar e controlar o infartado a fim de que não venha a adoecer novamente, pois a família acredita que o motivo do adoecimento é baseado na resistência ao tratamento(1616 Garcia RP, Budó M de LD, Viegas A da C, Cardoso DH, Schwartz E, Muniz RM. Estrutura e vínculos de uma família após infarto agudo do miocárdio. Rev Cuidarte. 2015;6(1):991-8. doi: 10.15649/cuidarte.v6i1.142
https://doi.org/10.15649/cuidarte.v6i1.1...
).

Em relação ao estilo de vida e às crenças do adoecimento, os participantes reconheceram que os hábitos não saudáveis, principalmente a alimentação, o estresse e a ansiedade, contribuíram para a ocorrência do IAM. A compreensão do adoecimento relaciona-se com as crenças que os pacientes possuem em relação ao motivo pelo qual ele ocorre; e, na maioria dos casos, é atribuído à herança familiar alimentar e aos problemas com o ambiente, pessoas e sociedade(1717 Bankoff ADP, Arruda M de, Bispo IMGP, Rodrigues MD. Doenças crônicas não transmissíveis: história familiar, hábitos alimentares e sedentarismo em alunos de graduação de ambos os sexos. Revista Saúde e Meio Ambiente - RESMA, [Internet] 2017 [cited 2018 Aug 11];5(2):37-56. Available from: http://seer.ufms.br/index.php/sameamb/article/view/4246/pdf_26
http://seer.ufms.br/index.php/sameamb/ar...
).

Nos relatos dos participantes, percebeu-se a dificuldade na identificação primária do evento cardíaco por meio da negação da gravidade em relação aos sinais e sintomas apresentados. Esse resultado corrobora um estudo realizado em Istambul, Turquia, com 93 pacientes infartados, no qual foi possível perceber que 81,7% afirmaram que, se tivessem conhecimento ou a compreensão de que os sinais e sintomas eram indicativos de problemas cardíacos, teriam procurado atendimento pré-hospitalar mais cedo. Ainda, 33,3% dos pacientes não consideraram suas queixas sérias e esperavam que se recuperassem; um total de 45,2% não atribuíram os sintomas às causas cardíacas(1818 Koc S, Durna Z, Akin S. Interpretation of symptoms as a cause of delays in patients with acute myocardial infarction, Istanbul, Turkey. East Mediterr Health J[Internet]. 2017 [cited 2018 Sep 10];23(4):287-97. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28634979
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2863...
).

Outro estudo desenvolvido na Suécia, com 21 homens infartados, também constatou que a demora na busca pelo atendimento médico especializado estava associada à interpretação errônea dos sintomas, ilusão de invulnerabilidade, crença de que os sintomas desapareceriam ou à tentativa de aliviar ou tratar os sintomas antes de procurar o atendimento especializado(1919 Nielsen S, Falk K, Gyberg A. et al. Experiences and Actions During the Decision Making process among Men with a first acute myocardial infarction. J Cardiovasc Nurs. 2015;30(4):332-9. doi: 10.1097/JCN.0000000000000137
https://doi.org/10.1097/JCN.000000000000...
).

Esses estudos apresentaram similaridades com a presente pesquisa, na qual participantes relataram dificuldades de identificação do evento cardíaco, resistência em procurar o serviço de saúde no primeiro momento, negação da gravidade, medo da perda do controle e da sua independência devido à doença, tolerância à dor e esperança de que os sintomas desaparecessem.

Após o evento cardíaco, as pessoas infartadas percebem que sua maneira de viver foi modificada, frequentemente apresentam limitações em relação às atividades diárias e, a fim de evitar um novo episódio de infarto ou de desenvolver outras doenças cardíacas, procuram modificar obrigatoriamente seu estilo de vida(2020 Nunes S, Rego G, Nunes R. Difficulties of Portuguese patients following acute myocardial infarction: Predictors of readmissions and unchanged lifestyles. Asian Nursing Research. 2016;10(2016)150-7. doi: 10.1016/j.anr.2016.03.005
https://doi.org/10.1016/j.anr.2016.03.00...
).

O conhecimento em relação aos fatores de risco para o desenvolvimento de doença coronariana tem uma estreita relação com a maneira pela qual as pessoas lidam com a vida, com a doença e saúde. Um estudo qualitativo realizado com 31 pessoas em uma unidade de saúde da família, após terem sido acometidas por um IAM, observou que, em relação ao conhecimento da doença, sua definição e os fatores de risco para desenvolvimento do episódio de IAM, 15% souberam explicar a doença, e 74% das pessoas entrevistadas referiram apenas 1 a 2 causas como fatores de riscos. Em relação ao estilo de vida, 58% não modificaram seus hábitos de vida, e percebeu-se que as pessoas ainda possuem poucas informações acerca da doença e sua prevenção, fato que contribui para a dificuldade na adesão aos hábitos de vida saudáveis(2121 Oliveira LB, Püschel VAA. [Knowledge on disease and lifestyle changes in patients post-infarction]. Rev Eletr Enferm. 2013;15(4):1026-33. doi: 10.5216/ree.v15i4.18442 Portuguese.
https://doi.org/10.5216/ree.v15i4.18442...
).

O estilo de vida pode permanecer por décadas em uma família e vir a acarretar no desenvolvimento das mesmas doenças daquele núcleo familiar, pois os hábitos alimentares são elaborados na infância e podem perpetuar de geração em geração(1717 Bankoff ADP, Arruda M de, Bispo IMGP, Rodrigues MD. Doenças crônicas não transmissíveis: história familiar, hábitos alimentares e sedentarismo em alunos de graduação de ambos os sexos. Revista Saúde e Meio Ambiente - RESMA, [Internet] 2017 [cited 2018 Aug 11];5(2):37-56. Available from: http://seer.ufms.br/index.php/sameamb/article/view/4246/pdf_26
http://seer.ufms.br/index.php/sameamb/ar...
).

Em estudo realizado no sul de Taiwan, observou-se a associação entre o excesso de peso dos pais, diabetes, hipertensão e adiposidade pediátrica ao desenvolvimento de fatores de risco cardiometabólicos entre adolescentes, constatando-se que o estilo de vida saudável baseado na família é importante para a prevenção dos fatores de risco como obesidade e hiperlipidemia, pois os ambientes compartilhados através das gerações influenciam os hábitos alimentares adquiridos e reproduzidos na vida adulta(2222 Lee, C-Y, Lin W-T, Tsai S, Hung YC, Wu PW, Yang YC , et al. Association of Parental Overweight and cardiometabolic diseases and pediatric adiposity and lifestyle factors with cardiovascular risk factor clustering in adolescents. Nutrients. 2016; 8(9).piiE567. doi: 10.3390/nu8090567
https://doi.org/10.3390/nu8090567...
).

Para o tratamento das doenças cardiovasculares, é necessário que as pessoas acometidas compreendam os fatores que influenciam o seu surgimento e desenvolvimento, para que, dessa forma, se conscientizem sobre a importância de um estilo de vida saudável na prevenção de complicações relacionadas(2323 Knebel IL, Marin AH. Fatores psicossociais associados à doença cardíaca e manejo clínico psicológico: percepção de psicólogos e pacientes. Rev SBPH (Sociedade Brasileira Psicologia Hospitalar). [Internet] 2018 [cited 2018 Oct 28];21(1). Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v21n1/v21n1a07.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v21n...
).

O conhecimento da história familiar é importante para o desenvolvimento de ações voltadas para a prevenção e/ou retardo do aparecimento dos agravos causados pelas doenças cardiovasculares, principalmente em adultos jovens(2424 Mauricio TF, Moreira RP, Costa EC, Bernardo FMS, Lima PAL, Viegas BJ. [Evaluation of the presence of cardiovascular risk factors in university students from portuguese-speaking countries]. Cogitare Enferm. 2018; (23)3:e55216. doi:10.5380/ce.v23i3.55216 Portuguese.
https://doi.org/10.5380/ce.v23i3.55216...
).

Os fatores de risco relacionado ao estilo de vida, como os hábitos alimentares, o uso do tabaco e do álcool e o sedentarismo, também se encontram associados a fatores psicossociais, resultado da vida moderna, que tem intensificado o estresse e, consequentemente, gerado ansiedade e depressão. Isso leva as pessoas a desenvolverem hábitos pouco saudáveis, que afetam diretamente a sua saúde, podendo desencadear o infarto(2525 Araújo MCF, Alves MS, Padre PMM, Andrade DM, Silva ACMS, Baretto LP, et al. Perfil de Não adesão ao tratamento de usuários com diabetes e hipertensão em uma unidade de Saúde da família. Ensaios Cienc Biol Agrar Saúde[Internet] 2016 [cited 2017 Dec 06];20(1):43-48. Available form: http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/ensaioeciencia/article/view/3851
http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/...
-2626 Gomes CM, Capellari C, Pereira D dos SG, Volkart PR, Moraes AP, Jardim V, et al. Stress and cardiovascular risk: multi-professional intervention in health education. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):329-36. doi: 10.1590/0034-7167.2016690219i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
).

Em um estudo realizado no Brasil, observou-se que os pacientes com sintomas de IAM não procuravam imediatamente os serviços de saúde, por terem dificuldade em compreender inicialmente seus sinais e sintomas. Isso interferiu na procura imediata pelo atendimento profissional de saúde(2727 Santos AAA, Braz DDS, Cavalcante AB, Trindade LS, Barros AMMS, Souza DS. Identificação precoce da síndrome coronariana aguda: uma revisão bibliográfica. Ciênc Biol Saúde Unit [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 05];4(2):219-36. Available from: https://periodicos.set.edu.br/index.php/cadernobiologicas/article/view/4609.
https://periodicos.set.edu.br/index.php/...
-2828 Bastos AS, Beccaria LM, Contrin LM, Cesarino CB. [Time of arrival of patients with acute myocardial infarction to the emergency department]. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012; 27(3)411-418. doi: 10.5935/1678-9741.20120070 Portuguese.
https://doi.org/10.5935/1678-9741.201200...
), o que também foi observado nos depoimentos dos participantes desta pesquisa.

O atraso no reconhecimento do evento cardíaco e, por conseguinte, a busca tardia do sistema de saúde são resultado da dificuldade dos pacientes acometidos pelo IAM em identificarem os sinais e sintomas relacionados a esse episódio, de modo que essa posição interfere no prognóstico, o qual poderia ser melhor caso não consigam recolher precocemente os sinais e sintomas apresentado como uma urgência(2929 Tummala SR, Farshid A. Patients’ understanding of their heart attack and the impact of exposure to a media campaign on pre-hospital time. Heart, Lung Circulat. 2015;24(1):4-10. doi: 10.1016/j.hlc.2014.07.063
https://doi.org/10.1016/j.hlc.2014.07.06...
).

Além dos participantes apresentarem atraso na procura pelos serviços de saúde, percebeu-se que, quando o procuravam, tinham dificuldades de serem atendidos, o que se deu principalmente pela falta de reconhecimento precoce dos sinais e sintomas do IAM por parte dos profissionais de saúde, dificuldade de acolhimento, negação de atendimento e superlotação das unidades pré-hospitalares.

O atraso na busca pelo atendimento pré-hospitalar é um importante obstáculo para o manejo adequado do IAM(3030 Li PWC, Yu DSF. Predictors of pre-hospital delay in Hon Kong Chinese patients with acute myocardial infarction. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018; 17(1):75-84. doi: 10.1177/1474515117718914.
https://doi.org/10.1177/1474515117718914...
). E quando ocorre a procura aos serviços de emergência, muitas vezes as pessoas se deparam com: superlotação, sucateamento da estrutura física, atendimento precário e ineficaz, dificuldade no reconhecimento precoce do IAM pelos profissionais, dificuldades de acolhimento e negação de atendimento(77 Gyberg A, Björck L, Nielsen S, Määttä S, Falk K. Women's help-seeking behavior during a first acute myocardial infarctio. Scand. J Caring Sci. 2016;30(4):670-7. doi: 10.1111 / scs.12286
https://doi.org/10.1111 / scs.12286...
,3131 Ammouri AA, Kamanyire JK, Abu Raddaha AH, Achora S, Obeidat AA. Another chance at life: Jordanian patients’ experience of going through a myocardial infarction. Rev Theor Nurs Pract. 2017;31(4: 334-348. doi: 10.1891/1541-6577.31.4.334
https://doi.org/10.1891/1541-6577.31.4.3...
).

Em um estudo realizado na Bahia, em dois hospitais de referência em cardiologia, com 100 usuários que tiveram infarto do miocárdio, observou-se que, em relação à conduta dos profissionais de saúde, 82% tiveram o atendimento esperado, ou seja, foram atendidos e admitidos ou admitidos e transferidos a outros serviços, e 18% não tiveram o atendimento esperado, devido à falta de estrutura das instituições e à dificuldade do manejo clínico dos profissionais de saúde quanto ao infarto(3232 Mendes AS, Reis VRSS, Menezes TMO, Santos CAST, Mussi FC. Access of patients with myocardial infarction to cardiology reference hospitals. Acta Paul Enferm. 2014;27(6):505-12. doi:10.1590/1982- 0194201400083
https://doi.org/10.1590/1982- 0194201400...
).

Nesta pesquisa, foram percebidos problemas na oferta e organização do atendimento às pessoas acometidas pelo IAM, fato que corrobora a falta de estrutura pública da saúde, evidenciada pela baixa oferta de leitos clínicos e cirúrgicos na especialidade de cardiologia, insuficiência na resposta dos serviços de urgência e emergência. Isso porque, embora esses serviços tenham como objetivo o atendimento rápido aos usuários e contrarreferência para os demais setores da rede de saúde, existem dificuldades no processo de trabalho, tais como sobrecarga de atendimentos da demanda espontânea desvinculada das unidades básicas de saúde, equipes de saúde desfalcadas, processo de trabalho desarticulado, sucateamento das estruturas físicas e dificuldades de referência e contrarreferência(3333 Mendes AS, Reis VRSS, Santos CAST, Mussi FC. Access times to health services in cases of myocardial infarction. Acta Paul Enferm. 2016;29(4):446-53. doi:10.1590/1982- 0194201600061
https://doi.org/10.1590/1982- 0194201600...
).

Vale destacar que as percepções das pessoas acerca do adoecimento possuem múltiplos fatores, que perpassam o fisiológico, e determinam a adesão ou não ao tratamento, como os hábitos familiares, a história de vida e as experiências vivenciadas na busca pelo sistema de saúde, as quais interferem na forma pela qual as pessoas procuram os serviços de saúde.

Assim, é importante que os profissionais estejam atentos para as necessidades dos pacientes e desenvolvam ações práticas e efetivas para o tratamento — seja no aspecto fisiológico e terapêutico, seja nas limitações e frustações geradas pelo adoecer — por meio da escuta ativa e do acolhimento, valorizando as pessoas na sua essência. Estudos que avaliam a percepção das pessoas devem ser realizados em ambientes externos aos serviços de saúde, a fim de que elas possam discorrer sobre suas reais percepções vivenciadas.

Limitações do estudo

A limitação deste estudo consiste em ter sido realizado apenas em Unidades de Pronto Atendimento e exclusivamente com pessoas que utilizam os serviços públicos de saúde. Na busca executada nas Unidades de Pronto Atendimento, na faixa etária escolhida para a pesquisa, o número de participantes foi reduzido devido às perdas relacionadas à complicação do quadro clínico, resultando em uma amostra de 12 participantes.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados deste estudo contribuem para um olhar diferenciado no atendimento à pessoa adulta infartada, não se limitando aos aspectos fisiológicos, mas numa percepção que venha a considerar o cuidado de forma mais ampla, por meio da escuta ativa e da valorização das informações repassadas pelas pessoas no momento em que procuram os serviços de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os participantes da pesquisa, por meio dos seus depoimentos, percebem o IAM como consequência do seu estilo de vida e das crenças do adoecimento, as quais estão relacionadas com os hábitos de vida, com destaque para o hábito alimentar, considerado como fator principal para o desenvolvimento do infarto, de modo que este se torna o objetivo de mudança, pois, ao modificá-lo, não voltariam a adoecer.

Já no período de agudização, percebeu-se que a busca pelo cuidado à saúde foi dificultada pelo desconhecimento dos sinais e sintomas, bem como pelas barreiras no acesso ao atendimento. Após o IAM, os participantes relataram o medo de um novo episódio, o que os fez repensarem sobre a sua vida e sobre a finitude, sobre a necessidade de cuidarem da saúde e de adquirirem hábitos mais saudáveis, assim como de aderirem ao tratamento medicamentoso de forma correta.

Sugere-se a ampliação desta pesquisa por meio da investigação sobre a compreensão de como os profissionais de saúde realizam a abordagem às pessoas acometidas por IAM.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2019
  • Aceito
    11 Nov 2019
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