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Formação e autonomia profissional dos docentes de enfermagem na qualificação do ensino superior em enfermagem

RESUMO

Objetivos:

identificar aspectos relativos à formação profissional e à autonomia dos docentes de graduação em Enfermagem de uma instituição pública de Brasília, Distrito Federal, de forma a contribuir na gestão e na qualificação do curso.

Métodos:

estudo misto, realizado com 77 docentes. Aplicou-se questionário semiestruturado, onde os itens quantitativos foram avaliados por testes paramétricos: Teste t-student e ANOVA (p<0,05%). A parte qualitativa passou por análise de conteúdo com subsídio do software IRAMUTEQ, e foi empregada a Classificação Hierárquica Descendente.

Resultados:

com formação voltada majoritariamente (67,5%) à sua área de atuação inicial, os profissionais expressaram médias baixas e moderadas nos fatores relacionados à autonomia. Na análise qualitativa emergiram duas categorias: “Identificando a autonomia docente” e “Aplicando a autonomia docente”.

Conclusões:

entender o significado e o grau de autonomia percebido pelo docente pode fomentar a reflexão da práxis e potencializar sua atuação.

Descritores:
Autonomia Profissional; Docentes de Enfermagem; Educação Superior; Educação em Enfermagem; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to identify the aspects related to professional training and autonomy of undergraduate nursing teachers of a public institution in Brasília, Federal District, in order to contribute to the course management and qualification.

Methods:

mixed method study conducted with 77 teachers. A semi-structured questionnaire was applied, where quantitative items were evaluated through the Student’s T and ANOVA (p<0.05%) parametric tests. The qualitative part underwent content analysis with use of the IRAMUTEQ software and descending hierarchical classification.

Results:

the training of professionals was focused mostly (67.5%) on their initial area of expertise, and their mean values in autonomy-related factors were low and moderate. Two categories emerged in the qualitative analysis: “Identifying teacher autonomy” and “Applying teacher autonomy”.

Conclusions:

understanding the meaning and degree of autonomy perceived by teachers can foster the reflection on the praxis and enhance their performance.

Descriptors:
Professional Autonomy; Faculty, Nursing; Education, Professional; Education, Nursing, Baccalaureate; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

identificar aspectos relacionados con la formación profesional y la autonomía de los docentes universitarios de enfermería de una institución pública en Brasilia, Distrito Federal, para contribuir a la gestión y calificación del curso.

Métodos:

investigación de método mixto realizada con 77 docentes. Se aplicó un cuestionario semiestructurado, donde los ítems cuantitativos se evaluaron mediante las pruebas paramétricas T de Student y ANOVA (p<0.05%). La parte cualitativa se sometió a análisis de contenido con el uso del software IRAMUTEQ y clasificación jerárquica descendente.

Resultados:

con la formación enfocada principalmente (67.5%) en su área inicial de experiencia, los profesionales expresaron promedios bajos y moderados en factores relacionados con la autonomía. En el análisis cualitativo surgieron dos categorías: “Identificar la autonomía del docente” y “Aplicar la autonomía del docente”.

Conclusiones:

comprender el significado y el grado de autonomía percibido por los docentes puede fomentar la reflexión de la praxis y mejorar su desempeño.

Descriptores:
Autonomía Profesional; Docentes de Enfermería; Educación Superior; Educación en Enfermería; Enfermería

INTRODUÇÃO

O papel do docente de Enfermagem e a sua formação têm sido alvo de pesquisas(11 Medeiros ESM, Prestes DRM, Pignata EKAA, Furtado RMS. Perfil do enfermeiro docente e sua percepção sobre a formação pedagógica. Recien. 2018;8(24):42-53. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2018.8.24.42-53
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-22 Fernandes CNS, Souza MCBM. [Teaching in higher educacion in nursing and identify construction: entry, career and permanence]. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e64495. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.64495
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) e estão diretamente relacionados ao perfil de competências do enfermeiro e à sua capacidade de prestar os cuidados à população de forma integral, contemplando os aspectos técnicos, éticos, sociais, de prevenção, promoção e recuperação da saúde. No ensino superior, os docentes, geralmente bacharéis, muitas vezes não têm o devido preparo pedagógico para a docência(33 Lacerda CR. Saberes necessários à prática docente no ensino superior: olhares dos docentes dos cursos de bacharelado. Rev Docência Ens Sup [internet]. 2015 [cited 2019 Sept 15];5(2):79-100. Available from: https://periodicos.ufmg.br/index.php/rdes/article/view/2051/1367.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rde...

4 Vendrusculo C, Pozzebon A, Bender JW, Kloh D, Zocche DAA, Zanatta EA. Enfermeiro professor: limites e possibilidades da carreira docente. Rev Bras Cienc Saude. 2018;22(2):95-100. doi: 10.4034/RBCS.2018.22.02.01.
https://doi.org/10.4034/RBCS.2018.22.02....
-55 Treviso P, Costa BEP. The perception of Professionals from the health área regarding their training as lecturers. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e5020015. doi: 10.1590/0104-07072017005020015
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). Para minimizar isto, a legislação da Educação exige, para o ensino superior, a preparação dos docentes por meio de cursos de pós-graduação, e pelo menos um terço deles deve ter formação stricto sensu(11 Medeiros ESM, Prestes DRM, Pignata EKAA, Furtado RMS. Perfil do enfermeiro docente e sua percepção sobre a formação pedagógica. Recien. 2018;8(24):42-53. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2018.8.24.42-53
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,66 Oliveira TP, Cruz GB. Inserção profissional docente no ensino superior. Arq Anal Pol Educat. 2017 24;25(78):1-23. doi: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.25.2887.
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). Entretanto, a pós-graduação tradicionalmente forma experts e pesquisadores, e não docentes, o que dificulta o processo identitário destes profissionais(66 Oliveira TP, Cruz GB. Inserção profissional docente no ensino superior. Arq Anal Pol Educat. 2017 24;25(78):1-23. doi: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.25.2887.
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).

A construção desta identidade profissional é um processo de socialização(22 Fernandes CNS, Souza MCBM. [Teaching in higher educacion in nursing and identify construction: entry, career and permanence]. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e64495. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.64495
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) baseado em construção contínua, que reúne a experiência técnica do profissional de Enfermagem e o exercício da função docente(77 Lazzari DD, Martini JG, Busana JA. Teaching in higher education in nursing: na integrative literature review. Rev Gaucha Enferm. 2015;36(3):93-101. doi: 10.1590/1983-1447.2015.03.49670
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). Estudos apontam que a autonomia pode ser elemento motivador para melhores desempenhos profissionais na docência de Enfermagem(22 Fernandes CNS, Souza MCBM. [Teaching in higher educacion in nursing and identify construction: entry, career and permanence]. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e64495. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.64495
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,66 Oliveira TP, Cruz GB. Inserção profissional docente no ensino superior. Arq Anal Pol Educat. 2017 24;25(78):1-23. doi: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.25.2887.
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).

A autonomia profissional do docente é uma discussão complexa, em que várias visões influenciam o seu entendimento(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.). Uma das interpretações traz a ideia de liberdade, de independência ou individualismo(99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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). Segundo isto, a autonomia está concentrada na sala de aula e exige que o docente seja livre de influências externas(99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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). Lá, o professor é considerado especialista, tem sua prática despolitizada e se preocupa mais com a eficácia e eficiência no domínio de técnicas para alcançar objetivos prévios, sem avaliar outros setores sociais(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.).

Ao conceber a autonomia docente desconsiderando os setores que influenciam o ensino, e vendo-a como o não cumprimento de normas, os profissionais dão a ela significado simplista e deturpado. Esta visão reduzida da autonomia docente deixa o professor ilhado em sala de aula, desvaloriza o compromisso com a comunidade e a obrigação moral da profissão, que estão ligados à dimensão emocional dos agentes do processo de ensino e aprendizagem(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.). Esse isolamento enfraquece a dimensão coletiva da profissão, prejudica as conquistas da classe para além da sala de aula e também nega a possibilidade de os atores agirem com colaboração interdependente por temerem interferências em sua autonomia(99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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-1010 Martins EBA. Formação de docentes e autonomia docente: algumas reflexões. Rev Eletr Fac Metodista Granbery [Internet]. 2010 [cited 2018 Nov 19];9:2-13. Available from: http://re.granbery.edu.br/artigos/Mzk4.pdf
http://re.granbery.edu.br/artigos/Mzk4.p...
).

A autonomia docente não é uma capacidade inata do habilitado, mas um exercício constante no desempenho de sua vida pessoal e profissional(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.). As atividades docentes estão separadas em dois eixos: o nível de decisão e o conteúdo de decisão(1111 Friedman IA. Teacher-perceived work autonomy: the concept and its measurement. Educ Psychol Meas. 1999;59(1):58-76. doi: 10.1177/0013164499591005
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). O primeiro engloba políticas, regras e métodos para sua execução; o segundo diz respeito a questões pedagógicas, administrativas e organizacionais. A autonomia docente deve considerar o princípio pedagógico e o organizacional(1111 Friedman IA. Teacher-perceived work autonomy: the concept and its measurement. Educ Psychol Meas. 1999;59(1):58-76. doi: 10.1177/0013164499591005
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).

Esta multidimensionalidade impulsiona o ser autônomo em diferentes graus, em determinadas dimensões, e refuta o pensamento de um exercício ilimitado da autonomia docente(99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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,1111 Friedman IA. Teacher-perceived work autonomy: the concept and its measurement. Educ Psychol Meas. 1999;59(1):58-76. doi: 10.1177/0013164499591005
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12 Frostenson M. Three forms of professional autonomy: de professionalisation of teachers in a new light. Nord J Stud Educ Policy. 2015;2:20-29. doi: 10.3402/nstep.v1.28464
https://doi.org/10.3402/nstep.v1.28464...
-1313 Wermke W, Rick SO, Salokangas M. Decision-making and control: perceived autonomy of teachers in Germany and Sweden. J Curriculum Stud. 2018;51(3):306-325. doi: 10.1080/00220272.2018.1482960
https://doi.org/10.1080/00220272.2018.14...
). Esta deve ser reflexiva. E pela sua construção histórico-social, possui vínculo com as mudanças históricas, culturais e sociais sofridas ao longo dos tempos(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.-99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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). Ao contrário da concepção solipsista, na visão contemporânea de autonomia docente ela se revela uma construção negociada entre os desejos conscientes e reflexivos do docente e as normatizações e regras institucionais e sociais(1414 Selles SE, Andrade EP. Políticas curriculares e subalternização do trabalho docente. Educ Foco. 2016;21(1):39-64. doi: 10.22195/2447-5246v21n120162941
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-1515 Vasconcellos M, Vilela ML. Limites e possibilidades da formação inicial para o desenvolvimento de práticas docentes autônomas. Educ Rev. 2017;(63):157-172. doi: 10.1590/0104-4060.46646
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), pois a autonomia se dá a partir da experiência, das decisões e dos conflitos vividos coletivamente(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.,1616 Gebran RA, Trevizan Z. Social representations in the construction of professional identity and teachers' activity. Acta Sci Educ. 2018;40(2):e34534. doi: 10.4025/actascieduc.v40i2.34534
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).

Desta forma, este estudo concebe a autonomia docente como capacidade de atuação mediante reflexão da práxis, que considera seus fatores interferentes e media as relações entre os sujeitos, impulsionando a tomada de decisão consciente e responsável. Conhecer o significado de autonomia para o corpo docente de Enfermagem, e como este a exerce, pode contribuir para melhorar os processos de trabalho. Portanto, esta pesquisa é necessária para potencializar estudos sobre um tema pouco explorado na literatura de Enfermagem. Pode ainda melhorar a qualidade da atuação dos profissionais ligados à docência à medida que estimula a reflexão da prática e contribuir para a valorização da formação de enfermeiros.

As questões norteadoras deste estudo: o que significa autonomia para os docentes de Enfermagem? Em que medida os docentes de Enfermagem se sentem autônomos no exercício da docência?

OBJETIVOS

Identificar os aspectos relativos à formação profissional e à autonomia dos docentes de graduação em Enfermagem de uma instituição pública de Brasília, Distrito Federal (DF), de forma a contribuir na gestão e qualificação do curso.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Esta pesquisa atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do DF.

Tipo, período e local do estudo

Estudo de caráter descritivo, transversal, com abordagem mista. O método misto consiste em abordar duas etapas: a quantitativa e a qualitativa. Os dados quantitativos e qualitativos foram coletados concomitantemente e depois comparados para determinar convergências, diferenças e combinações entre as partes a saber: a quantitativa (QUAN), primeira e prioritária; e a qualitativa (Qual), segunda e de menor peso. Essas duas abordagens foram interligadas por triangulação de dados. A análise dos dados coletados da etapa “QUAN” direcionou a coleta dos dados da etapa “Qual”(1717 Creswell JW, Clark VLP. Pesquisa de métodos mistos. 2. ed. Porto Alegre: Penso; 2013.). Os dados foram coletados no período de outubro e novembro de 2017.

O local escolhido para o estudo foi uma Instituição de Ensino Superior (IES) Pública de Brasília, DF, Curso de Graduação em Enfermagem. Este curso foi criado em 2008 e utiliza metodologias ativas de ensino e aprendizagem em dois Programas Educacionais: (1) Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) na Dinâmica Tutorial (DT) do 1º ao 3º ano; (2) Metodologia da Problematização (MP), aplicada do 1º ao 3º ano no Programa Habilidades Profissionais em Enfermagem (HPE), bem como no Estágio Curricular Obrigatório (ECO) que finaliza o componente curricular do curso durante o 4º ano(1818 Escola Superior em Ciências da Saúde (DF). Projeto pedagógico do curso de graduação em enfermagem da ESCS [Internet]. Brasília (DF): FEPECS; 2018 [cited 2018 Nov 19]. Available from: http://www.escs.edu.br/arquivos/PPC_2018.pdf
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).

Para iniciar a pesquisa, foi solicitado ao coordenador do curso o contato dos docentes e gestores da IES e posteriormente, os objetivos da pesquisa foram apresentados a eles.

População: critérios de inclusão e exclusão

A seleção de participantes foi realizada de maneira intencional, com 77 docentes que exerciam funções de gestão e regência de turma. Para evitar viés, a amostra total foi calculada diminuindo a participação de uma docente, que é autora desta pesquisa. O cálculo de amostragem foi realizado por meio do software EPI INFOTM VERSÃO 7.2.0.1, de domínio público, disponível na internet pelo endereço eletrônico: <http://www.cdc.gov/epiinfo/index.html>. A fim de atingir o nível de confiança de 99,9%, a amostra teve frequência esperada de 50%, margem de erro de 5%, o resultado foi de uma amostra prevista de 81 docentes. Contudo, devido a licenças apresentadas pelos docentes no período de coleta de dados, participaram do estudo 77 docentes, representando, portanto, um nível de confiança de 99%.

Os critérios de inclusão foram: docência no curso de Enfermagem, na IES, há pelo menos seis meses. Foram excluídos os docentes que, no período da coleta de dados, estiveram ausentes por motivo de férias ou licenças ou aqueles que exerciam docência na IES há menos de seis meses.

Protocolo do estudo

Os dados foram coletados por meio de um instrumento semiestruturado, dividido em três partes: a caracterização da formação e da atuação profissional; a Escala de Autonomia Profissional do Professor (EAPP); e a entrevista individual. Esta última parte incluiu um Questionário de Satisfação no Trabalho para Professores, que será apresentado em outro momento.

A primeira parte “QUAN” caracterizou a formação técnica e pedagógica dos profissionais e as seguintes variáveis: tipo de graduação, tempo de formação, maior nível de pós-graduação e a área, realização de cursos na área de Educação e capacitação para a docência. Nesta parte, também foi identificada a atuação do participante na docência: experiência na docência, tempo de atuação na IES e no curso de Enfermagem, considerando funções gerenciais ou de docência.

Na segunda parte, continuação da etapa “QUAN”, os participantes responderam questões objetivas, mensuradas pela EAPP, que é uma escala com dimensões relacionadas com a autonomia docente(1919 Veiga FH, Roque P, Guerra T M, Fernandes L, Antunes J. Escala de avaliação da autonomia profissional dos professores: elaboração e validação. Proceedings of the 7 Congresso Galaico-Português de Psicopedagogia; 2003 Sept 24-26; Universidade do Minho, Universidade da Corunha. Corunha: Universidade da Corunha; 2003. p. 1009-1017.). Neste trabalho, sua utilização foi autorizada por escrito por um dos autores. É uma escala tipo Likert com seis níveis de mensuração, dados suficientes para atingir o objetivo proposto neste estudo; 1 representa nenhuma autonomia e 6 total autonomia. Os domínios são: Autonomia na formação de turmas; Autonomia nas temáticas de ensino; Autonomia na formação profissional; Autonomia no ensino e na avaliação do rendimento escolar; e Autonomia na mudança e desenvolvimento curricular.

Além de mensurar a autonomia dos docentes, foi necessário entender o seu significado para os participantes. Para isto, na terceira parte do instrumento, uma pergunta aberta solicitou ao docente que se manifestasse sobre a questão: “Para você, qual o significado de autonomia no exercício da docência?”. Garantindo o anonimato, cada registro foi transcrito e os participantes foram designados com a letra D, de docente, e o número sequencial de 1 a 77.

Respondida esta questão, foram realizadas várias leituras consecutivas para acrescentar todos os dados fornecidos. Finalizada a transcrição, informações complementares do diário de campo foram incluídas entre parênteses. Para a categorização dos dados, foi escolhido o software IRAMUTEC - Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires versão 0.7 alpha 2. Para este estudo, as peculiaridades da docência em Enfermagem foram utilizadas como pré-categorias. A codificação foi realizada por duas pesquisadoras separadamente, na busca por maior confiabilidade do processo.

Análise dos resultados e estatística

Na parte “QUAN”, a análise dos dados descritivos se deu por meio do software aplicativo estatístico denominado Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. Para as análises inferenciais, foram aplicados testes paramétricos. Primeiramente verificou-se a normalidade dos dados comprovada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Entre os testes paramétricos utilizados, incluiu-se o Teste t-student para comparação da média de dois grupos em variáveis com apenas duas categorias (sexo, tipo de graduação, tipo de especialização, experiência na IES, unidade que atua e função que exerce). A ANOVA one way foi utilizada para comparar as médias entre três grupos em variáveis, com três categorias (experiência total e faixa etária). Todas as análises foram realizadas considerando o nível de significância igual a 5%.

Os dados, parte “QUAL”, foram categorizados com o apoio do software. Em seguida, veio a análise das informações com utilização da técnica de análise de conteúdo segundo Bardin(2020 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.) e as etapas de pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados - inferência e interpretação. Foi empregada a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que “classifica os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários”(2121 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-518. doi: 10.9788/TP2013.2-16
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) e, posteriormente, são estabelecidas categorias e classes. Foram observados 50 segmentos de texto no corpus, com a ocorrência de 1829 palavras em 474 formas diferentes e aproveitamento de 84,75% (n= 1.550) das palavras.

Ao término, foi realizada a triangulação dos resultados, e o conjunto dos dados foi submetido às análises “QUAN” e “QUAL”.

RESULTADOS

Caracterização da formação e atuação profissional

Participaram da pesquisa 77 docentes, com idades variando entre 27 e 59 anos, média de 41,5 anos de idade (DP=8,6 anos). Todos eles possuíam pós-graduação; 52 (67,5%) fizeram pós-graduação relacionada à sua área de formação inicial e 25 docentes (32,5%) informaram ser pós-graduados em cursos voltados à Educação - sendo 23 (92%) cursos de especialização e dois (8%) cursos de mestrado em Educação. Como formação específica para a prática pedagógica, 29 docentes (37,6%) relataram ter cursado licenciatura e dois (2,6%) fizeram cursos de curta duração na área de Educação. Além disso, ao ingressar na IES, todos os docentes fizeram curso de capacitação de curta duração na docência em metodologias ativas de ensino e aprendizagem (Tabela 1).

Tabela 1
Dados sócio demográficos, de formação e de exercício profissional de docentes do Curso de Graduação em Enfermagem (n=77), Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2017

Os docentes possuíam experiência média de oito anos na docência em nível superior (DP=6,2 anos). Em relação ao tempo de atuação na IES, houve variação entre um e 10 anos, com média de 4,6 anos (DP=2,5 anos). Sessenta e oito docentes (88,3%) atuavam diretamente na regência de turmas, enquanto nove (11,7%) exerciam funções na gestão do Curso de Graduação em Enfermagem. Os docentes exercem a carga horária de 40 horas semanais, sendo 20 horas cumpridas na docência (conforme o regimento da IES) e o restante na assistência clínica no Sistema Único de Saúde do DF. Contudo, sete docentes (9,09%) cumprem carga horária integral na IES; destes, seis profissionais (85,7%) desempenham funções gerenciais e um (14,3%) a regência de turma. Sessenta e nove docentes (89,6%) relataram se sentir adaptados à utilização de metodologias ativas, bem como aos métodos de ensino e aprendizagem adotados pela instituição (MP e ABP). Três (3,9%) não se sentiam adaptados à execução destes métodos e cinco (6,5%) não responderam a esta questão.

Conforme Tabela 2, os docentes expressaram médias moderadas e baixas em relação à autonomia. O fator “Formação de turmas” apresentou menor média (1,95; DP=0,76), enquanto “Formação profissional” foi o fator com maior média (3,59; DP=1,40).

Tabela 2
Fatores relacionados à autonomia profissional de docentes de enfermagem (n=77), de acordo com a Escala de Autonomia Profissional do Professor, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2017

Escala de Autonomia Profissional do Professor

Na segunda etapa “QUAN”, no fator “Autonomia na formação de turmas”, o item com maior média (2,52; DP=1,64) foi “Tenho autonomia para decidir quanto à definição de critérios de formação de turmas (turmas heterogêneas ou homogêneas)”. Dentro do fator “Autonomia nas temáticas de ensino”, os itens que se destacaram com maiores médias foram “Tenho liberdade para escolher temáticas enriquecedoras para os meus alunos extraídas de programas oficias já existentes” (3,93; DP=1,46) e “Tenho liberdade para escolher temáticas enriquecedoras para os meus alunos extraídas de programas elaborados pela própria escola” (3,92; DP=1,51).

Em relação ao fator “Autonomia na formação profissional”, os docentes expressaram maiores médias nos itens “Posso escolher o local da minha formação profissional” (2,80; DP=1,71) e “Posso escolher a altura em que pretendo fazer a minha formação profissional” (3,72; DP=1,70). Os itens “Tenho poder para estabelecer limites ao comportamento dos estudantes” e “Tenho autonomia quanto ao trabalho a realizar dentro da sala de aula” se sobressaíram no fator “Autonomia no ensino e na avaliação do rendimento escolar”, com médias de 4,16 (DP=1,33) e 3,77 (DP=1,38) respectivamente. O último fator da EAPP trata da “Autonomia na mudança e desenvolvimento curricular” e detectou maiores médias nos itens “Tenho autonomia para definir os objetivos curriculares” (2,74; DP=1,49) e “Tenho autonomia para eliminar ou acrescentar temas ao currículo oficial” (2,29; DP=1,39).

Foram realizados testes estatísticos paramétricos para verificar a relação entre os fatores da EAPP e algumas variáveis como idade dos docentes, sexo, grau de pós-graduação, tempo de exercício da docência, entre outras, que são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Relação entre as médias dos fatores da Escala de Autonomia Profissional do Professor e variáveis, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2017

Análise qualitativa: Classificação Hierárquica Descendente e análise de conteúdo

A parte secundária “Qual”: na 1ª partição, a CHD dividiu o corpus em duas categorias (Figura 1) - sendo a primeira denominada “Identificando a autonomia docente”, representada pela Classe 3 (subcategoria “Definição de autonomia”) e correspondendo a 33,3% das Unidades de Contexto Elementar (UCE). Durante a 2ª partição, a segunda categoria, chamada de “Aplicando a autonomia docente”, foi dividida em duas subcategorias e deu origem à Classe 1 (subcategoria “Autonomia nos processos de trabalho”) e Classe 2 (subcategoria “Autonomia nas estratégias”), que corresponderam a 24,2% e 42,4% das UCE, respectivamente.

Figura 1
O significado de autonomia por docentes: dendrograma das classes fornecidas pelo software IRAMUTEQ, Brasília, Distrito Fedral, Brasil, 2017

Apresentando palavras com sólidas forças associativas confirmadas pelos resultados do teste qui-quadrado (X2), apresentado pelo dendrograma da Figura 1, a categoria “Identificando a autonomia docente” trouxe a subcategoria “Definição de autonomia” onde os profissionais utilizaram palavras como regra, minha, próprio, maneira e outras, no sentido de apresentar um conceito de autonomia, como apontam os trechos a seguir:

[Autonomia] é a liberdade em trabalhar o exercício da docência sem ou com o mínimo de interferência da coordenação junto ao trabalho desenvolvido com o discente. (D21)

Poder exercer a atividade docente sem interferência de outros componentes. (D23)

Autonomia é a capacidade de desenvolver o que foi proposto pela escola de maneira coerente com meus princípios e com os objetivos educacionais, isto é, uma forma própria de ensinar, é dar espaço ao estudante com responsabilidade. (D40)

Ser livre para atuar como docente respeitando as normas regimentais. (D61)

Autonomia: poder atuar em um contexto que não seja intensamente padronizado e vigiado. (D67)

As subcategorias “Autonomia nos processos de trabalho” e “Autonomia nas estratégias” apresentam estreita conexão e fazem parte da categoria “Aplicando a autonomia docente” por apresentarem conteúdo ligado às formas de expressão da autonomia docente. As palavras ‘pedagógico’, ‘possibilidade’ e ‘processo’ apareceram como elementos centrais da subcategoria “Autonomia nos processos de trabalho”, demonstrando relação que os docentes fazem entre significado da autonomia e o seu processo de trabalho pedagógico, conforme os seguintes trechos:

Autonomia é a liberdade de realizar modificações necessárias para aprimoramento ou melhoria do processo de ensino-aprendizagem. (D17)

Autonomia é a possibilidade de ter liberdade para construir ou reconstruir a organização do seu processo de trabalho na docência. (D64)

Premissa de utilização de inovação e mudanças no processo de ensino-aprendizagem (D49).

A subcategoria “Autonomia nas estratégias” foi responsável pela frequência de 42,4% das UCE, e teve ligação com as estratégias utilizadas pelos docentes durante suas atividades pedagógicas. Nela, palavras como aprendizagem, atividade, metodologia, avaliação, decisão, planejamento e outras apareceram como elementos centrais, como ilustrado pelos seguintes fragmentos:

Autonomia significa liberdade para inovar na execução da metodologia e ter credibilidade nas decisões frente à condução dos módulos e nas avaliações dos discentes. (D46)

Autonomia na docência é ter espaço de fala e diálogo sobre situações do cotidiano docente, é criar novas estratégias de ensino e avaliação, é realizar planejamento de atividades paralelamente ao planejamento coletivo (incluem temas ensino). (D50)

É possuir o direito de inovar, ser criativo e ter independência para propor e executar uma atividade didática com os estudantes e ser respeitado pelo corpo docente e discente. Tomar decisões de forma racional, com liberdade nas atividades didáticas, elaboração de provas e etc. (D74)

DISCUSSÃO

Esta pesquisa revelou a predominância de docentes do sexo feminino ao identificar aspectos relativos à formação profissional. Isto está em concordância com estudo realizado anteriormente(2222 Draganov PB, Sanna MC. Competências andragógicas dos docentes enfermeiros que atuam na graduação em enfermagem paulistana. Trab Educ Saude. 2016;14(1):155-182. doi: 10.1590/1981-7746-sip00098.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip000...
) e representa o fenômeno que acontece na Enfermagem como um todo. Além disso, conforme referido estudo(2222 Draganov PB, Sanna MC. Competências andragógicas dos docentes enfermeiros que atuam na graduação em enfermagem paulistana. Trab Educ Saude. 2016;14(1):155-182. doi: 10.1590/1981-7746-sip00098.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip000...
), nesta pesquisa os docentes apresentaram mediana indicativa de se tratar de uma população mais experiente, e a experiência na docência é uma divergência em relação aos achados anteriores(2222 Draganov PB, Sanna MC. Competências andragógicas dos docentes enfermeiros que atuam na graduação em enfermagem paulistana. Trab Educ Saude. 2016;14(1):155-182. doi: 10.1590/1981-7746-sip00098.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip000...
).

Nesta pesquisa, a titulação dos docentes supera a determinação legal(11 Medeiros ESM, Prestes DRM, Pignata EKAA, Furtado RMS. Perfil do enfermeiro docente e sua percepção sobre a formação pedagógica. Recien. 2018;8(24):42-53. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2018.8.24.42-53
https://doi.org/10.24276/rrecien2358-308...
,66 Oliveira TP, Cruz GB. Inserção profissional docente no ensino superior. Arq Anal Pol Educat. 2017 24;25(78):1-23. doi: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.25.2887.
http://dx.doi.org/10.14507/epaa.25.2887...
), uma vez que todos são pós-graduados, sendo 51,9% (n=40) mestres ou doutores. O grupo pesquisado reforça a tendência de os docentes se interessarem por cursos de pós-graduação nas suas áreas de formação em detrimento da área da Educação, corroborando com outros autores(11 Medeiros ESM, Prestes DRM, Pignata EKAA, Furtado RMS. Perfil do enfermeiro docente e sua percepção sobre a formação pedagógica. Recien. 2018;8(24):42-53. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2018.8.24.42-53
https://doi.org/10.24276/rrecien2358-308...
,44 Vendrusculo C, Pozzebon A, Bender JW, Kloh D, Zocche DAA, Zanatta EA. Enfermeiro professor: limites e possibilidades da carreira docente. Rev Bras Cienc Saude. 2018;22(2):95-100. doi: 10.4034/RBCS.2018.22.02.01.
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,2323 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013.) estudados. Apesar disso, demonstram preocupação com a capacitação para a docência, já que 37,6% (n= 29) cursaram licenciatura e 32,5% (n= 25) fizeram pós-graduação na área de Educação, o que fortalece a ideia de que a docência precisa de conhecimentos específicos não abordados comumente nos cursos de bacharelado(11 Medeiros ESM, Prestes DRM, Pignata EKAA, Furtado RMS. Perfil do enfermeiro docente e sua percepção sobre a formação pedagógica. Recien. 2018;8(24):42-53. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2018.8.24.42-53
https://doi.org/10.24276/rrecien2358-308...
,33 Lacerda CR. Saberes necessários à prática docente no ensino superior: olhares dos docentes dos cursos de bacharelado. Rev Docência Ens Sup [internet]. 2015 [cited 2019 Sept 15];5(2):79-100. Available from: https://periodicos.ufmg.br/index.php/rdes/article/view/2051/1367.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rde...

4 Vendrusculo C, Pozzebon A, Bender JW, Kloh D, Zocche DAA, Zanatta EA. Enfermeiro professor: limites e possibilidades da carreira docente. Rev Bras Cienc Saude. 2018;22(2):95-100. doi: 10.4034/RBCS.2018.22.02.01.
https://doi.org/10.4034/RBCS.2018.22.02....
-55 Treviso P, Costa BEP. The perception of Professionals from the health área regarding their training as lecturers. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e5020015. doi: 10.1590/0104-07072017005020015
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).

Apesar de a autonomia na docência ser discutida não como isolamento ou liberdade irrestrita, mas como construção e colaboração entre os agentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.-99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
https://doi.org/10.1016/j.tate.2017.06.0...
), é possível notar na fala dos docentes aqueles que conceituam autonomia docente como independência e execução de ações paralelas ou sem influência do coletivo.

A partir das falas dos docentes, fica claro que o significado de autonomia está mais ligado à autonomia individual(1212 Frostenson M. Three forms of professional autonomy: de professionalisation of teachers in a new light. Nord J Stud Educ Policy. 2015;2:20-29. doi: 10.3402/nstep.v1.28464
https://doi.org/10.3402/nstep.v1.28464...
): já que relataram uma interpretação individualista de autonomia, mais relacionada à aplicação de métodos e estratégias de ensino, com poucas referências à dimensão coletiva deste constructo.

Embora a maioria dos respondentes tenha retratado a autonomia sob concepção individualista, alguns a abordaram como capacidade de atuação consciente e singularizada, mediadora das relações entre as normas institucionais e as necessidades surgidas no processo de ensino e aprendizagem. Tal postura fortalece a perspectiva coletiva e de construção da autonomia(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.,1212 Frostenson M. Three forms of professional autonomy: de professionalisation of teachers in a new light. Nord J Stud Educ Policy. 2015;2:20-29. doi: 10.3402/nstep.v1.28464
https://doi.org/10.3402/nstep.v1.28464...
-1313 Wermke W, Rick SO, Salokangas M. Decision-making and control: perceived autonomy of teachers in Germany and Sweden. J Curriculum Stud. 2018;51(3):306-325. doi: 10.1080/00220272.2018.1482960
https://doi.org/10.1080/00220272.2018.14...
,1515 Vasconcellos M, Vilela ML. Limites e possibilidades da formação inicial para o desenvolvimento de práticas docentes autônomas. Educ Rev. 2017;(63):157-172. doi: 10.1590/0104-4060.46646
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) que se dá no dia a dia através de uma práxis crítico-reflexiva e mediada pelo diálogo com todos os agentes envolvidos nos processos de Educação(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.,2323 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013.).

Tomando como base os relatos da maioria dos docentes neste estudo, e as médias moderadas e baixas apresentadas por eles na EAPP (Tabela 2)), é possível dizer que consideram sua autonomia limitada. A visão é influenciada pela valorização da dimensão da autonomia individual e requer ponderação por parte do corpo docente, pois a autonomia individual não se opõe às normas institucionais nem às regulamentações do ensino(1212 Frostenson M. Three forms of professional autonomy: de professionalisation of teachers in a new light. Nord J Stud Educ Policy. 2015;2:20-29. doi: 10.3402/nstep.v1.28464
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), mas deve levar o profissional à reflexão de sua práxis e identificação dos desafios nas relações dos atores na instituição, uma vez que a autonomia é um processo de construção(88 Contreras J. Autonomia de docentes. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2012.,2323 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013.).

Outro importante aspecto considerado a partir da fala dos docentes e das médias obtidas na EAPP diz respeito ao fato de que, apesar de atuarem em uma IES cujo Projeto Pedagógico adota metodologias ativas, eles não valorizam a autonomia colegiada. Nas instituições que exigem um trabalho coletivo dos docentes, a autonomia individual perde sua força e os docentes precisam desenvolver a autonomia colegiada, ou seja, cada docente se posiciona e influencia na tomada de decisões, mas esta é coletiva(1212 Frostenson M. Three forms of professional autonomy: de professionalisation of teachers in a new light. Nord J Stud Educ Policy. 2015;2:20-29. doi: 10.3402/nstep.v1.28464
https://doi.org/10.3402/nstep.v1.28464...
).

Ao identificar os aspectos relativos à autonomia dos docentes de graduação em Enfermagem, este estudo relacionou os fatores da EAPP com algumas variáveis (Tabela 3)) e não houve diferença estatística significativa em relação à idade dos docentes. Também em relação à formação inicial, apesar de os docentes enfermeiros apresentarem médias superiores àqueles que não são, não foi evidenciada diferença estatisticamente significativa. Quanto ao sexo, foi encontrada significância estatística apenas no fator “Formação de turmas”, em que os homens referiram ter maior autonomia do que as mulheres, apresentando as médias 2,28 e 1,85 respectivamente (p-valor = 0,037).

Na amostra pesquisada, houve diferença significativa no fator “Formação de turmas” ao se relacionar as médias dos docentes que possuem titulação lato sensu e os que possuem pós-graduação stricto sensu. No referido fator, os especialistas obtiveram média de 1,77 enquanto os mestres e doutores apresentaram média de 2,11 (p-valor = 0,047).

Concernente à experiência do profissional na docência, os mais experientes apresentaram médias superiores em quatro fatores da EAPP, exceto em “Autonomia na mudança e desenvolvimento curricular”. Entretanto, houve diferença estatisticamente significativa apenas no fator “Autonomia na formação de turmas” (p-valor = 0,047). Este fator também apontou diferença estatística significativa ao relacionar a autonomia autorreferida com o tempo de atuação na IES, revelando média de 1,74 entre docentes atuantes há menos de cinco anos, enquanto os docentes com tempo igual ou superior a cinco anos obtiveram média de 2,16 (p-valor = 0,015). A literatura sobre questões identitárias dos docentes no ensino superior indica que a experiência profissional contribui para o aumento da segurança, melhora a identificação do docente com a profissão, fomentando sua autonomia(22 Fernandes CNS, Souza MCBM. [Teaching in higher educacion in nursing and identify construction: entry, career and permanence]. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e64495. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.64495
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.0...
).

Analisando a relação entre o tipo de metodologia adotada pelos docentes nesta pesquisa e o grau de autonomia, de uma maneira geral, os docentes que atuam no Programa Educacional DT utilizando ABP referem maior autonomia na maioria dos fatores da EAPP (com exceção do fator “Autonomia no ensino e na avaliação do rendimento escolar”) em comparação àqueles atuantes em HPE ou ECO, cuja metodologia empregada é a MP. Entretanto, há significância estatística apenas nos fatores “Autonomia na formação de turmas” e “Autonomia na formação profissional”. Na literatura, não foi encontrado estudo semelhante em cursos de graduação em Enfermagem.

A função que o docente ocupa no curso foi a variável com maior relevância estatística em todos os fatores da EAPP. Os gestores obtiveram médias superiores aos docentes em regência de turma. Isto reflete uma distinção natural devido à natureza dos cargos e pode ser esperada(2222 Draganov PB, Sanna MC. Competências andragógicas dos docentes enfermeiros que atuam na graduação em enfermagem paulistana. Trab Educ Saude. 2016;14(1):155-182. doi: 10.1590/1981-7746-sip00098.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip000...
), uma vez que as instituições de ensino no Brasil guardam uma cultura de controle dos processos de trabalho por parte dos gestores. Entretanto, o investimento de todos os atores do processo ensino e aprendizagem em prol da autonomia dos docentes contribui sobremaneira para a colaboração do corpo docente(99 Vangrieken K, Grosemans I, Dochy F, Kyndt E. Teacher autonomy and collaboration: a paradox? Conceptualizing and measuring teachers' autonomy and collaborative attitude. Teac Teach Educ. 2017;67:302-315. doi: 10.1016/j.tate.2017.06.021
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).

Limitações do estudo

Na literatura, há uma lacuna a respeito da autonomia do docente de Enfermagem. Os estudos com a temática de autonomia no ensino de Enfermagem giram em torno da autonomia do estudante e quando retratam a autonomia profissional, trazem o recorte do papel do enfermeiro no cuidado e na assistência à saúde. Por este motivo, aqui as análises foram embasadas em estudos sobre a docência de uma maneira geral, representando, portanto, uma limitação deste estudo.

A limitação de registros na literatura sobre a temática aqui abordada impossibilita a comparação com outros cursos de Enfermagem. Contudo, a instituição selecionada atendeu aos critérios, pois os seus docentes exerciam carga horária na docência e assistência, o que possibilitou a avaliação dos objetivos propostos nesta pesquisa.

Contribuições para a área da Enfermagem, saúde ou política pública

Refletir sobre questões acerca da formação e atuação docente permite o estabelecimento de estratégias de potencialização da práxis do docente enfermeiro, incrementando a influência que este profissional exerce na formação de novos enfermeiros.

CONCLUSÕES

Este estudo evidenciou a identificação dos aspectos relativos à formação profissional e à autonomia dos docentes de Enfermagem de uma IES pública do DF. Foi possível identificar a caracterização sócio demográfica e laboral dos docentes, bem como o grau de autonomia profissional que estes profissionais percebem em sua atuação cotidiana.

Apesar da lacuna de estudos sobre a autonomia do docente de Enfermagem na literatura, esta discussão é importante para que estratégias gerenciais nas IES e na formação de novos docentes sejam adotadas. A construção da autonomia demanda ação dialógica dos docentes com todos os atores do processo de ensino e aprendizagem. Neste sentido, o investimento na formação profissional do docente de Enfermagem corrobora para o fortalecimento da identidade profissional e o desenvolvimento da autonomia docente.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2019
  • Aceito
    20 Out 2019
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