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Experiência de enfermeiros empreendedores com instituições de longa permanência para idosos

RESUMO

Objetivos:

Compreender a experiência do enfermeiro empreendedor com instituição de longa permanência de idosos (ILPI) e elaborar modelo teórico desse processo de vivência.

Métodos:

Pesquisa qualitativa com saturação teórica, mediante a análise da 10ª entrevista não diretiva, audiogravada e transcrita, segundo a Teoria Fundamentada nos Dados, com enfermeiros em atividades e desistentes do negócio.

Resultados:

Emergiram três subprocessos: (A) vislumbrando na ILPI negócio promissor com o envelhecimento populacional; (B) descobrindo-se sem formação/experiência empresarial para o empreendimento social; (C) movendo-se entre a manutenção, a ampliação e a desistência do negócio. Do realinhamento dos componentes desses subprocessos, abstraiu-se a categoria central (processo): Do sonho à ampliação, manutenção e desistência do negócio ILPI: formação/experiência empresarial do enfermeiro para empreendimento social como componente interveniente.

Considerações finais:

À luz do Modelo de Negócios Canvas, mostrou-se processo experiencial pouco instrumentalizado pelos fundamentos da gestão empresarial, para apoiar na proposição, visualização e alteração de negócios.

Descritores:
Instituições de Longa Permanência para Idosos; Setor Privado; Enfermeiras e Enfermeiros; Organização e Administração; Enfermagem Geriátrica

ABSTRACT

Objective:

To understand the nurse entrepreneur experience in long term institutions for elderly (LTIE) and to elaborate a theorical model regarding that experience process.

Methods:

Qualitative research with theorical saturation, through analysis of the 10th nondirective interview, audio-recorded and transcribed, according to the Grounded Theory, with nurses in activity and those who had to quit the business.

Results:

Three subprocesses emerged: (A) looking at the LTIE as a promising business to offer to the aging population; (B) discovering herself/himself without entrepreneur training/experience to carry on a social enterprise; (C) changing from preservation, expansion, and finally business discontinuance. The core category (process) was abstracted from the realignment of those subprocesses components: From the dream to expansion, preservation, and business abandonment: nurse training/experience for social enterprise as an intervening component.

Final considerations:

In light of the Business Model Canvas, it showed the experiential process little instrumented by the fundamentals of business management, to support the proposal, overview and altering business.

Descriptors:
Long Term Institutions for Elderly; Private Sector; Female and Male Nurses; Organization and Administration; Geriatric Nursing

RESUMEN

Objetivos:

Comprender la experiencia del enfermero emprendedor con institución de larga permanencia de ancianos (ILPI) y elaborar modelo teórico de eso proceso de vivencia.

Métodos:

Investigación cualitativa con saturación teórica, mediante el análisis de la 10ª entrevista no directiva, audiograbada y transcripta, segundo la Teoría Fundamentada en los Datos, con enfermeros en actividades y renunciantes del negocio.

Resultados:

Emergieron tres subprocesos: (A) vislumbrando en la ILPI negocio prometedor con el envejecimiento poblacional; (B) descubriéndose sin formación/experiencia empresarial para el emprendimiento social; (C) moviéndose entre la manutención, la ampliación y la desistencia del negocio. Del realineamiento de los componentes de esos subprocesos, se abstrajo la categoría central (proceso): Del sueño a la ampliación, manutención y desistencia del negocio ILPI: formación/experiencia empresarial del enfermero para emprendimiento social como componente intermedio.

Consideraciones finales:

A la luz del Modelo de Negocios Canvas, se mostró proceso experiencial poco instrumentalizado por los fundamentos de la gestión empresarial, para apoyar en la proposición, visualización y alteración de negocios.

Descriptores:
Instituciones de Larga Permanencia para Ancianos; Sector Privado; Enfermeras y Enfermeros; Organización y Administración; Enfermería Geriátrica

INTRODUÇÃO

Este estudo coaduna com o impacto positivo do envelhecimento populacional brasileiro sobre a profissão de enfermagem, alavancando oportunidades para o exercício profissional autônomo do enfermeiro diante do nicho de negócios junto às pessoas físicas ou jurídicas, instituições públicas ou privadas, que representam as instituições de longa permanência de idosos (ILPIs), na reorganização da rede de apoio ao binômio idoso-família.

Nessa rede, consideram-se ILPIs os estabelecimentos governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinados a domicílio coletivo de pessoas com 60 anos ou mais, com ou sem apoio familiar, em condição de liberdade, dignidade e cidadania(11 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 283, de 26 de setembro de 2005 [Internet]. Brasília; 2005[cited 2020 Jan 31]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_283_2005_COMP.pdf/a38f2055-c23a-4eca-94ed-76fa43acb1df
http://portal.anvisa.gov.br/documents/10...
).

A existência de tais estabelecimentos leva em conta:

(a) o déficit previsto de familiares cuidadores, em relação ao perfil demográfico e, conjuntamente com as mudanças observadas nos arranjos familiares e no papel da mulher neste contexto(22 Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Care and functional disabilities in daily activities - ELSI-Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52(Suppl 2):9s. doi: 10.11606/s1518-8787.2018052000650
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018...
);

(b) o aumento da prevalência de idosos com acometimento da independência física e/ou cognitiva para as atividades de vida diária (AVDs), o que tem acontecido em outros países do mundo; e as características da transição epidemiológica, pela qual o Brasil está passando, com o aumento da prevalência de morbidades relativas às doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs)(33 Nunes BP, Batista SRR, Andrade FB de, Souza-Junior PRB de, Lima-Costa MF, Facchini L A. Multimorbidity: the Brazilian longitudinal study of aging (ELSI-Brazil). Rev Saude Publica. 2018;52(Suppl 2):10s. doi: 10.11606/s1518-8787.2018052000637
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);

(c) o descompasso entre a oferta e a demanda por cuidados de longo prazo às pessoas idosas, tanto em unidades hospitalares(44 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. Population aging in Brazil: current and future social challenges and consequences. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19. doi: 10.1590/1809-98232016019.150140
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) quanto em ILPIs públicas ou filantrópicas, somado à ausência de apoio às famílias que exercem os cuidados de seus familiares idosos;

(d) o negócio ILPI como uma oportunidade — do mesmo modo que ocorreu em outros países(57), enfermeiros brasileiros têm empreendido no ramo da prestação de serviços para o binômio familiar-idoso.

Contudo, para a prosperidade, é preciso que o profissional tenha competência e habilidades de saber identificar a oportunidade para transformá-la em organização lucrativa. Isso demandará criatividade, inovação, audácia e capacidade de estabelecer estratégias que vão delinear seu futuro.

Sendo assim, pergunta-se: “Como tem se configurado a experiência do enfermeiro empreendedor com ILPIs?” Em decorrência da escassez de pesquisas sobre o objeto de investigação e em resposta à inquietação, delinearam-se os objetivos deste estudo.

OBJETIVOS

Compreender a experiência do enfermeiro empreendedor com ILPI e elaborar modelo teórico desse processo de vivência.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Pesquisa conduzida após aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa e assinatura, pelos participantes/atores, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Respeitou-se a privacidade de suas informações, com horários e locais por eles definidos, salvaguardando-se o direito do anonimato.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Pesquisa qualitativa na abordagem compreensiva, realizada segundo o roteiro Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(88 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ):a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-357. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042...
), utilizando-se do referencial metodológico Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)(99 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa fundamentada. Porto Alegre: Artmed; 2008. 288 p.) e do referencial teórico Modelo de Negócios Canvas(1010 Osterwalder A. Business model generation - inovação em modelos de negócios: um manual para visionários. Rio de Janeiro: Alta Books; 2011. 300 p.).

Esse modelo constitui-se ferramenta da administração e compõe-se de nove componentes básicos (segmento de clientes, proposta de valor, canais, relacionamento com os clientes, fonte de receitas, recursos principais, atividades-chave, parcerias principais, estrutura de custo), reunidos em quatro áreas principais de um negócio: clientes, oferta, infraestrutura e viabilidade financeira(1010 Osterwalder A. Business model generation - inovação em modelos de negócios: um manual para visionários. Rio de Janeiro: Alta Books; 2011. 300 p.).

Cenário do estudo e atores

Realizou-se o estudo em três cidades do interior paulista, com enfermeiros empreendedores em ILPIs, em dois grupos amostrais: profissionais em atividade e desistentes do negócio.

Localizaram-se os enfermeiros em atividade por telefones e endereços divulgados na internet e se lhes explicou a finalidade do contato, convidando-os para o estudo e agendando-se o encontro. Para a localização de enfermeiros que haviam encerrado o negócio, utilizou-se a técnica de “bola de neve”, por intermédio dos entrevistados em atividade.

Não houve desistência dos atores que aceitaram participar da pesquisa, mas dificuldade de anuência daqueles enfermeiros que haviam encerrado suas atividades.

Fonte dos dados

Usou-se a entrevista individual e não estruturada como técnica de coleta de dados, com audiogravação média de 60 minutos, tendo como questão de partida: “Poderia me contar sobre a sua experiência com o seu próprio negócio ILPI?”

A coleta de dados deu-se de julho a novembro de 2018 por um dos pesquisadores com treinamento na técnica de coleta de dados, do sexo masculino e com formação em administração de empresas.

Análise dos dados

Ao término das entrevistas, estas foram transcritas e submetidas à análise, com apoio do software NVivo® 9, por um dos pesquisadores e validadas pelo segundo, com formação e experiência em operacionalizar os passos do referencial metodológico da TFD(99 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa fundamentada. Porto Alegre: Artmed; 2008. 288 p.): microanálise, codificação aberta, codificação axial, codificação seletiva.

Conforme preconizado por esse tipo de pesquisa, as etapas de coleta e análise dos dados se deram concomitantemente, até que se obtivesse a saturação teórica(99 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa fundamentada. Porto Alegre: Artmed; 2008. 288 p.) a partir da análise da décima entrevista. Para isso, foi usada uma das estratégias preconizadas pelo referencial metodológico de validação do modelo descoberto (Figura 1), recomendando comparação deste com os dados brutos, o que se mostrou capaz de explicar as experiências de enfermeiros empreendedores com ILPIs.

Figura 1
Categoria central (Modelo teórico) – Do sonho à ampliação, manutenção e desistência do negócio Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI): formação/experiência empresarial do enfermeiro para empreendimento social como componente interveniente, Brasil, 2019

RESULTADOS

Caracterização dos atores

Participaram do estudo dez enfermeiros proprietários de ILPI, oito em atividade e dois que haviam fechado o negócio recentemente, em três cidades de grande porte do interior paulista, com idade entre 33 e 58 anos, sendo oito mulheres e dois homens, todos graduados em Enfermagem, com tempo médio de formação de 12 anos.

Essas ILPIs caracterizam-se como pequenas empresas no ramo do empreendedorismo social, com atividade de prestação de serviços para idosos, com médias de sete anos de funcionamento, investimento de R$ 62 mil, oito funcionários, 16 residentes e faturamento mensal de R$ 22 mil.

Modelo teórico abstraído da experiência

Da análise dos dados, segundo os passos da TDF, apreendeu-se a compreensão da experiência de enfermeiros empreendedores com ILPI.

As categorias identificadas e as relações teóricas estabelecidas possibilitaram o desenvolvimento de processo analítico e explicativo das ações e das interações que compõem a experiência, por três subprocessos: (A) vislumbrando na ILPI negócio promissor com o envelhecimento populacional; (B) descobrindo-se sem formação/experiência empresarial para o empreendimento social; (C) movendo-se entre a manutenção, a ampliação e a desistência do negócio.

Do realinhamento dos componentes que formaram os subprocessos, pode-se descobrir a categoria central que os abarcam, constituindo então o processo da experiência (Modelo Teórico), denominado: do sonho à ampliação, manutenção e desistência do negócio ILPI: formação/experiência empresarial do enfermeiro para empreendimento social como componente interveniente (Figura 1) .

Vislumbrando na ILPI negócio promissor com o envelhecimento populacional (A) é o primeiro subprocesso e decorre da percepção do enfermeiro de oportunidade exitosa do exercício profissional autônomo, com empreendimento social em ascensão no mercado, em razão do aumento da expectativa de vida populacional e redução da disponibilidade do apoio de familiares cuidadores. Esse subprocesso desdobra-se em três categorias: percebendo o déficit de apoio de cuidadores familiares para idosos como problema social (A1); projetando-se bem-sucedido como empresário de negócio ILPI (A2); decidindo ser proprietário de ILPI (A3), conforme relata E1:

[...] Vejo ILPI como um negócio em crescimento no mercado, porque todo mundo tende a envelhecer e a família de hoje não tem como disponibilizar períodos longos para cuidar ou acompanhar seus idosos durante internações [...]. (E1)

Por se tratar de negócio promissor no mercado e pelo fato de o enfermeiro julgar-se com afinidade para a atividade de prestação de serviços, mediante o seu preparo técnico-científico para assistir e gerenciar o cuidado de enfermagem, ele decide pela abertura ou aquisição de empresa e, no contexto de sua experiência como proprietário de ILPI, ele está descobrindo-se sem formação/experiência empresarial para o empreendimento social (B) — segundo subprocesso da experiência que se desdobra em três categorias (B1, B2 e B3).

Iniciando o empreendimento sem plano de negócio (B1) é a decisão do enfermeiro assumindo negócio em funcionamento desprovido de diagnóstico empresarial (B1.1), movido por atitude precipitada e balizado por interpretação ilusória de lucro imediato como proprietário de ILPI, quando amparado em julgamento superficial e não técnico da viabilidade do negócio, seja na compra, seja na abertura, conforme conta E2:

[...] Quando fiz o negócio, eu pensava que seria fácil começar com uma casa em funcionamento, mas depois que você entra no negócio é que você percebe que não é nada fácil. É muita burocracia, tanto com a vigilância sanitária, como o bombeiro. Tudo tem que estar dentro da lei e isso demorou. Isso me desanimou [...]. (E2)

Outra atitude de risco emersa das experiências dos enfermeiros com o empreendimento ILPI se constata em começando o negócio sem o montante financeiro suficiente para a instalação e sustentação inicial do empreendimento (B1.2), como relatam:

[...] O meu maior desafio foi financeiro, porque quando comecei, não imaginava que ia tanto dinheiro [...]. (E1)

[...] Eu não tive ainda retorno financeiro algum para suprir a casa de repouso, estou tendo que trabalhar em dois hospitais [...]. (E2)

A terceira situação sinalizada pelo enfermeiro que não fez planejamento para a abertura de seu negócio dá-se quando se surpreendendo com as exigências para regularização do negócio (B1.3). Nesse momento, descobre necessidades de adaptações no imóvel, além das que ele previa e que, se agora não atendidas, inviabilizarão o funcionamento da ILPI por falta de alvará emitido por órgão fiscalizador, resultando no fechamento da empresa, como conta E7:

[...] O funcionamento da casa de repouso é complicado, porque tem muitos órgãos fiscalizadores, fiscal de nutrição, da vigilância sanitária e do bombeiro. Eu tive que fechar a casa de repouso, porque a construção de uma rampa não era viável [...]. (E7)

A segunda categoria que leva o enfermeiro ao subprocesso descobrindo-se sem formação/experiência empresarial para o empreendedorismo social (B) se dá quando deparando-se com desafios como proprietário de ILPI (B2). Essa categoria emerge a partir do encadeamento de sete subcategorias, de B2.1 a B2.7.

É no exercício de proprietário de ILPI e, portanto, no cotidiano do processo de trabalho vivenciado, que o enfermeiro classifica o negócio como não sendo fácil (2.1), pelos inúmeros desafios enfrentados e, muitos deles, inerentes ao ramo de atividade “prestação de serviço”. Como uma das caraterísticas desse tipo de negócio, o enfermeiro proprietário acaba tendo um cliente com dualidade de atenção (B2.2), o binômio familiar-idoso dependente, uma unidade que aumenta a complexidade no atendimento das necessidades. De um lado, os idosos frágeis e dependentes de cuidados contínuos; e de outro, os familiares com particularidades, conforme descreve E2:

[...] A parte mais difícil ocorre quando você doa toda a sua atenção para um paciente descompensado, para encaminhar e acompanhá-lo a serviços de atendimento de urgência e nem sempre a família reconhece o seu trabalho, reclamando e criticando [...]. (E2)

Ademais, diante da peculiaridade desse cliente, o enfermeiro proprietário, que na maioria das vezes acumula a função de responsável técnico (RT), aponta para a sobrecarga por associar o empreendimento à alta demanda de serviço exigindo dedicação integral (B2.3), ou seja, empresa funcionando 24 horas, com raras oportunidades de folgas e férias, conforme conta E8:

[...] às vezes, tenho vontade de ir para a minha casa, à igreja, cuidar de meus compromissos, mas eu nunca posso, fico aqui direto. Difícil faltar, mesmo em caso de doença ou tirar um dia de folga, é raro [...]. (E8)

Essa sobrecarga de trabalho agrava-se pelo fato de que, na maioria das vezes, as ILPIs são empresas de pequeno porte e com equipe mínima, em que o enfermeiro proprietário precisa estar desdobrando-se em vários papéis (B2.4) para suprir a falta de outros profissionais na equipe, conforme narra E3:

[...] Como proprietária, eu tenho que saber de tudo que está acontecendo e fazer de tudo. Eu acabo oferecendo a ceia para os idosos e colocando-os na cama, administro a limpeza e quando um funcionário falta, por exemplo a cozinheira, eu tenho que ir para a cozinha. Não é fácil empreender [...]. (E3)

Considerando desafiante manter a taxa de ocupação ideal (B2.5) é outro obstáculo que surge das experiências de enfermeiros proprietários de ILPIs e, de novo, algo inerente ao tipo de cliente atendido. Isso se dá porque a maioria está em cuidados paliativos para a finitude e, portanto, apresenta altas taxas de mortalidade. Ademais, existe a necessidade permanente de manter o padrão de qualidade nos serviços assistenciais humanizados, semelhante ao domiciliar, como contam:

[...] O desafio é melhorar e manter a qualidade do atendimento aos idosos, para que eles permaneçam [...]. (E1)

[...] Outra dificuldade para se manter o negócio ILPI é a instabilidade do número de idosos, em razão de se trabalhar com a finitude das pessoas [...]. (E4)

Soma-se ao contexto dos desafios do enfermeiro empreendedor com ILPI quando, deixando o altruísmo superar a finalidade da empresa (B2.6), comete deslizes em gestão administrativa não comprometida com a sustentabilidade do negócio. Isso ocorre por não ter clareza da importância de se gerir recursos para garantir sobrevivência do empreendimento, que, apesar de ser social, necessita de lucro, já que não se configura como entidade filantrópica.

Essa subcategoria desdobra-se em dois elementos: apresentando inclinação para trabalho altruísta (B2.6.1); assumindo postura filantrópica no empreendimento social (B2.6.2).

[...] às vezes, compro remédios, [...] já comprei muitas fraldas, dentre outras coisas com dinheiro do meu próprio bolso, para amenizar os problemas do idoso e ficar mais tranquilo. Esses tipos de despesas acabam pesando, mas isso é má administração. (E2)

[...] Eu tenho dois casos de idosos inadimplentes aqui. Uma está para sair e a outra eu não mando embora, porque eu tenho dó, em razão de saber que a família irá levá-la para qualquer lugar e, certamente, irá morrer em menos de um mês [...]. (E8)

O último desafio, tendo dificuldade com gestão administrativa empresarial (B2.7), elencado pelo enfermeiro proprietário de ILPI, abarca dois elementos: sentindo-se despreparado para administrar financeiramente o negócio (B2.7.1); encontrando dificuldades na gestão de recursos humanos pouco qualificados (B2.7.2).

[...] Nós enfermeiros gostamos de estar à frente do cuidado, mas temos mais dificuldades com a área administrativa para efetuar pagamentos, fazer o caixa para ver o quanto sobrou, perdeu ou faltou no mês [...]. (E5)

[...] Recursos humanos nessa área, você tem que capacitar, porque não têm preparo suficiente para cuidar de idosos, e a maioria não reúne as qualidades suficientes. Assim, a rotatividade é alta [...]. (E3)

O subprocesso descobrindo-se sem formação/experiência empresarial para o empreendorismo social (B) configura-se com o desdobramento da terceira categoria, com o enfermeiro tentando alavancar o negócio com redução de custos e manutenção de qualidade (B3) para enfrentar os desafios depois de iniciando o empreendimento sem plano de negócio (B1).

Tentando alavancar o negócio com redução de custos e manutenção de qualidade (B3) envolve tentativas de soluções para tornar a empresa competitiva no mercado, mediante a ampliação dos serviços assistenciais ao cliente e de assessoria de seus familiares ou da contratação de serviços terceirizados contábeis, jurídico, de marketing e propaganda. Essa categoria reúne três subcategorias: realizando investimentos com retorno de médio e longo prazo (B3.1); servindo-se do apoio na gestão empresarial de seus familiares (B3.2); terceirizando serviços (B3.3).

[...] Eu gastei R$ 10 mil para abrir um poço artesiano, mas hoje eu recebo de volta esse valor [...], substituí alguns auxiliares de enfermagem por cuidadores. (E5)

[...] Aqui, eu trabalho em família, com ajuda de minha filha e de meu marido [...]. (E3)

[...] Enfim, eu consegui contratar uma empresa de advocacia para negociar e lavrar os contratos com os clientes [...], serviços de fisioterapia, nutrição, médico e de marketing [...]. (E1)

O desfecho da experiência do enfermeiro como empreendedor com ILPI configura-se no subprocesso movendo-se entre a manutenção, a ampliação e a desistência do negócio (C), que se desdobra em três categorias: ampliando o empreendimento (C1); mantendo o negócio (C2); desistindo de ser empreendedor (C3).

Ampliando o negócio (C1) é uma condição desperta quando o enfermeiro proprietário de ILPI se percebe superando os desafios iniciais ao equacionar qualidade assistencial, com despesas com base no número ideal de clientes (C1.1), como relatam:

[...] No começo, é difícil investir [...]. O primeiro ano foi o pior, mas faz cinco anos que tenho a ILPI [...]. (E7)

[...] Eu verifiquei que, com 34 idosos, será possível obter um saldo positivo, com número adequado de funcionários e atendimento qualificado [...]. (E5)

Com a sensação de acerto com o empreendimento, por meio da superação da maioria dos problemas e agora com empresa lucrativa, o enfermeiro está motivando-se a investir no crescimento do negócio (C1.2), sinalizado por dois elementos: passando a ter facilidade na contratação, gestão e capacitação de recursos humanos (C1.2.1); almejando um serviço com diferenciais (C1.2.2).

[...] Eu considero fácil a contração de pessoal de enfermagem qualificado, por conhecê-los de hospitais e escola de ensino médio para formação de enfermagem, assim como no acompanhamento da equipe que tenho capacitado. [...] Meu negócio é competitivo no mercado, porque consigo oferecer mensalidades compatíveis com a concorrência, porém com serviços adicionais. (E1)

Com o tempo de experiência e estabilizado financeiramente, esse proprietário deixa de ampliar, passando a zelar pela manutenção do negócio (C2), ao compreender que o número de residentes basta para a oferta de atendimento de qualidade com equipe, para se preservar de sobrecargas financeira, física e psíquica, conforme relata E3:

[...] Eu optei por não mais trabalhar com o total de 16 leitos disponíveis na casa. Era uma loucura, muito corrido. É claro que se ganhava mais, mas trabalhava-se muito mais, esquentava-se muito a cabeça e hoje eu optei por trabalhar com número reduzido de idosos, porque consigo cuidar individualmente dos mesmos, sem a necessidade de muitos funcionários [...]. (E3)

Por fim, alguns enfermeiros acabam desistindo de ser empreendedores (C1.3), por compreenderem a ILPI conferindo-lhes sobrecarga física e mental (C1.3.1) e, consequentemente, frustrando-se com o negócio e como empreendedores (C1.3.2) por descobrirem que subestimaram a complexidade de empreender, mesmo em um mercado aparentemente promissor.

[...] Foi muito doloroso, mas eu optei por encerrar as atividades, mesmo tendo prejuízos financeiros, mas o principal motivo de fechar a casa de repouso deu-se em razão de ter me apegado demais aos idosos. Eu queria oferecer o melhor a eles, mas tinha hora que as famílias ficavam distantes dos problemas e eu tinha que resolver tudo e ainda era criticada [...]. (E9)

DISCUSSÃO

Analisando o movimento da vivência de enfermeiros empreendedores com ILPI, abstraído no modelo teórico (Figura 1), verificou-se que a formação/experiência do enfermeiro em empreendimento social é um componente interveniente para a concretização do sonho de se manter ou ampliar o negócio, diferentemente daquele que não se apropriou de fundamentos e teve que desistir do negócio.

O modelo teórico apontou que, embora a ILPI se apresente ao enfermeiro como área de atuação e negócio promissor no ramo da prestação de serviços para o binômio idoso-família, ainda se trata de processo experiencial pouco instrumentalizado pelos fundamentos da gestão empresarial, quando analisado à luz do Modelo de Negócios Canvas(1010 Osterwalder A. Business model generation - inovação em modelos de negócios: um manual para visionários. Rio de Janeiro: Alta Books; 2011. 300 p.).

Esse Modelo presume nove componentes básicos na proposição, visualização e alteração de negócios (segmento de clientes, proposta de valor, canais, relacionamento com os clientes, fonte de receitas, recursos principais, atividades-chave, parcerias principais, estrutura de custo), reunidos em quatro áreas principais de um negócio: clientes, oferta, infraestrutura e viabilidade financeira(1010 Osterwalder A. Business model generation - inovação em modelos de negócios: um manual para visionários. Rio de Janeiro: Alta Books; 2011. 300 p.).

O enfermeiro tem iniciado o seu negócio precipitadamente, sem a preocupação de buscar assessoria em gestão empresarial para o ramo do empreendedorismo social ILPI e, portanto, aventura-se em negócio sem estudo preliminar de viabilidade, motivado em se lançar em mercado promissor e influenciado por três símbolos: ILPI como possibilidade de atuação autônoma e de lucro imediato; enfermeiro preparado técnico-cientificamente para assistir e gerenciar o cuidado de enfermagem; inclinação para o trabalho altruísta.

O julgamento equivocado, amparado nesses símbolos, é percebido tardiamente, em meio aos inúmeros desafios enfrentados já com a empresa em funcionamento, pelos quais o enfermeiro proprietário se descobre sem conhecimento/experiência para a gestão de empreendimento social ILPI, ou seja, com necessidades de formação de competências e habilidades, muito além do assistir e gerenciar o cuidado de enfermagem.

O plano de negócio constitui-se instrumento essencial para o desenvolvimento e gestão de um novo empreendimento, inclusive contribuindo para identificação da viabilidade da ideia da empresa nos aspectos de planejamento prospectivo financeiro, estratégico, de mercado/cliente, de recursos humanos necessários, dentre outros que evitam riscos futuros(1111 Huber DL. Leadership and nursing care management. Elsevier: St. Louis; 2018. 458 p.).

Contudo, a não realização de plano de negócio não é peculiaridade do enfermeiro proprietário de ILPIs, mas uma prática comum entre os empresários em geral. Quando consultados, verificou-se, no estado de São Paulo, que 61% deles não procuraram assessoria de pessoas ou instituições para abertura do negócio, 55% não elaboraram sequer um plano de negócios, assim como mais da metade não realizou o planejamento de itens básicos antes do início das atividades da empresa(1212 Sebrae São Paulo. Entenda o motivo do sucesso e do fracasso das empresas [Internet]. São Paulo; 2017, [cited 2019 Jul 20]. Available from: http://bis.sebrae.com.br/bis/download.zhtml?t=D&uid=333000e30d218194165cd787496e57f9
http://bis.sebrae.com.br/bis/download.zh...
).

Nesse mesmo estudo, verificou-se que um maior tempo de planejamento permite melhor conhecimento de mercado antes de se abrir uma empresa, o que tende a aumentar as chances de sucesso. As empresas que se dedicaram mais de seis meses no plano de negócio foram as que prosperaram(1111 Huber DL. Leadership and nursing care management. Elsevier: St. Louis; 2018. 458 p.).

Infere-se que o enfermeiro instrumentalizado de posse do plano de negócio para a tomada de decisão em adquirir ou iniciar o empreendimento ILPI terá maiores chances de se preservar de sobrecargas físicas, psíquicas e financeiras, assim como de proteger os seus clientes. Esse cuidado poderia mudar a realidade retratada na experiência abstraída por este estudo, de forma que o enfermeiro venha adquirir ILPIs consciente do diagnóstico empresarial, dos recursos financeiros suficientes para a instalação e sustentação inicial do negócio, assim como das exigências legais e normativas para regularização do funcionamento do negócio.

Ademais, deve estar ciente de que todo empreendimento tem seus pontos negativos, tais como os seguintes desafios pertinentes de se manter o negócio ILPI: a complexidade do cliente idoso-família com dualidade de atenção; a manutenção de taxa de ocupação, visto que a maioria dos clientes encontram-se em cuidados paliativos e, portanto, próximos da finitude; o serviço exigir dimensionamento mínimo de equipe para atenção especializada em gerontologia, a qual ainda é escassa no país.

A sobrecarga de trabalho é apontada pela maioria dos participantes desta pesquisa, devido ao acúmulo de atividades de gestão do cuidado (responsável técnico), sendo que muitos deles assumem não só a gestão de pessoal e financeira, mas também serviços operacionais.

Considera-se a disponibilidade de tempo, dedicação e conhecimento essenciais para uma boa administração financeira. Na maioria dos casos, a falta de recursos para manter as contas do empreendimento em dia deve-se à não dedicação do empresário de pequeno negócio em analisar qual a melhor solução para os problemas financeiros(1313 Sebrae Nacional. Como fazer a gestão financeira do pequeno negócio [Internet]. Brasília; 2018, [cited 2019 Jul 19]. Available from: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/como-fazer-a-gestao-financeira-do-pequeno-negocio,d999a442d2e5a410VgnVCM1000003b74010aRCRD
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSeb...
).

Entende-se por gestão financeira o conjunto das ações e procedimentos administrativos relativos com o planejamento, execução, análise e controle das atividades financeiras do pequeno negócio, visando ao lucro máximo(1313 Sebrae Nacional. Como fazer a gestão financeira do pequeno negócio [Internet]. Brasília; 2018, [cited 2019 Jul 19]. Available from: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/como-fazer-a-gestao-financeira-do-pequeno-negocio,d999a442d2e5a410VgnVCM1000003b74010aRCRD
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSeb...
). Uma boa gestão financeira de pequeno negócio não conjuga despesas particulares para a manutenção do negócio e envolve: (a) gestão do caixa cotidiano, (b) gestão de investimentos e (c) gestão de crises(1414 Kelly A, Conell‐Price J, Covinsky K, Cenzer IS, Chang A, Boscardin W J et al. Length of stay for older adults residing in nursing homes at the end of life. J Am Geriatr Soc. 2010;58(9):1701-6. doi:10.1111/j.1532-5415.2010.03005.x
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).

Outro componente desafiante na gestão financeira apontado pelos enfermeiros donos de ILPIs tem sido a elaboração de custos competitivos no mercado, levando-se em consideração: grau de dependência e de complexidade do cuidado, taxa de ocupação e de inadimplência dos idosos. Ressalta-se que, dentre os componentes de formulação do custo, os enfermeiros mencionaram a instabilidade na manutenção da taxa de ocupação como um dos componentes mais difíceis de manejar.

Para minimizar essa dificuldade, seria preciso conduzir, no Brasil, pesquisa de âmbito nacional e regional sobre o tempo de permanência de idosos em ILPIs, a fim de embasar cálculos de custos nesses estabelecimentos. Embora tal tipo de estudo também seja escasso na literatura internacional, um deles, realizado nos Estados Unidos, mostrou ser curto o tempo de permanência de idosos em ILPIs, ou seja, 53% morreram no prazo de seis meses após a admissão(1414 Kelly A, Conell‐Price J, Covinsky K, Cenzer IS, Chang A, Boscardin W J et al. Length of stay for older adults residing in nursing homes at the end of life. J Am Geriatr Soc. 2010;58(9):1701-6. doi:10.1111/j.1532-5415.2010.03005.x
https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2010...
).

Outro componente levantado por esta pesquisa, peculiar à profissão e que vem interferindo na gestão financeira e sustentabilidade do negócio, foi a suscetibilidade do enfermeiro em assumir postura filantrópica no empreendimento social, justificada na tendência altruísta vocacional e fortalecida durante a sua graduação. Essa tendência contribui para a dificuldade de assumir negociações e gestão de contratos com custos estimados dos serviços prestados, sobretudo quando envolve clientes socialmente vulneráveis.

As empresas sociais, diferentemente das organizações sem fins lucrativos, utilizam mecanismos de mercado para, por meio da sua atividade principal, buscar soluções de problemas sociais, contudo são consideradas empresas, portanto precisam ser economicamente competitivas e rentáveis para sobreviverem(1515 Information Resources Management Association - USA. Social entrepreneurship: con-cepts, methodologies, tools and applications. Hershey: IGI Global; 2019. 1077 p.).

Estudo considera histórica a vinculação entre sentimentos e valores relacionados à enfermagem, os quais foram fundamentais para sua valorização, desde o tempo que não se configurava como profissão, influenciando-a na produção do conhecimento, na organização dos cuidados, com base em estruturas socializadoras de sentimentos como: maternidade, piedade, altruísmo, empirismo, tecnicismo, profissionalismo, cientificismo e humanismo(1616 González JS, Ruiz MCS. Cultural history and aesthetics of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(5):1096-105. doi: 10.1590/S0104-11692011000500006
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).

A contento, reconhecer os valores estruturantes e orientadores da enfermagem como prática social contribui para a compreensão da recorrência de algumas atitudes e comportamentos dos enfermeiros. Vislumbrar aqueles valores de ordenamento e cuidado, enquanto balizadores da enfermagem como prática social, pode contribuir para o reconhecimento do que sustenta ou desgasta o trabalho do enfermeiro no processo de atenção e cuidados à saúde(1717 Zoboli ELCP, Schveitzer MC. Nursing values as social practice: a qualitative meta-synthesis Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(3):695-703. doi: 10.1590/S0104-11692013000300007
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
).

Considerando o empreendedorismo social com ILPIs como oportunidade de atuação autônoma do enfermeiro, é preciso compreender que, enquanto empreendedor social, estará à frente de um modelo de negócio de prestação de serviços. No início, será para o cliente “idosos-familiares”, mas, num futuro imediato, poderá vender seus serviços para o Estado e operadoras de planos de saúde, sobretudo em atendimento aos idosos dependentes de cuidados de longo prazo e paliativos, de quem os hospitais e ILPIs sem fins lucrativos não serão suficientes para atender a demanda.

Trata-se de uma tendência já operacionalizada em outros países, conforme apontam estudos realizados nos Estados Unidos(55 Jacobs ML, Snow AL, Parmelee PA, Davis JA. Person-centered care practices in long-term care in the Deep South: consideration of structural, market, and administrator characteristics. J Appl Gerontol. 2018;37(3):349-70. doi: 10.1177/0733464816642583
https://doi.org/10.1177/0733464816642583...
), Inglaterra(66 Barron DN, West E. The quasi-market for adult residential care in the UK: do for-profit, not-for-profit or public sector residential care and nursing homes provide better quality care? Soc Sci Med. 2017;179:137-46. doi: 10.1016/j.socscimed.2017.02.037
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) e Dinamarca(77 Hjelmar U, Bhatti Y, Petersen OH, Rostgaard T, Vrangbæk K. Public/private ownership and quality of care: evidence from Danish nursing homes. Soc Sci Med. 2018;216:41-9. doi: 10.1016/j.socscimed.2018.09.029
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), com o Estado respondendo cada vez menos por ILPIs públicas e passando, majoritariamente, a comprador e regulador dos serviços da rede privada.

O terceiro subprocesso da experiência, movendo-se entre a ampliação, a manutenção e a desistência do negócio, sinaliza que os enfermeiros que se mantiveram com o empreendimento foram aqueles que, ao se descobrirem sem formação/experiência empresarial para empreendimento social, buscaram estratégias instrumentalizadas de gestão empresarial. Investiram em redução de custos e manutenção da qualidade, envolveram soluções para tornar a empresa competitiva no mercado, mediante a ampliação dos serviços assistenciais aos clientes, assim como realização de compras diretamente de fornecedores ou de atacadistas, terceirizando a gestão financeira, jurídica e de marketing e propaganda — alguns até chegaram a realizar investimentos com retorno de médio e longo prazo. Contudo, grande parte deles ainda se serve de apoio familiar para ajudá-los a aliviar as sobrecargas acarretadas por algumas tarefas relativas à gestão do negócio, principalmente a financeira. Além disso, alguns substituíram auxiliares de enfermagem por cuidadores, ou seja, por alguém sem formação para o desempenho do papel, o que ainda é comum no Brasil.

Tal decisão é arriscada, uma vez que, quanto maior a formação na área de enfermagem, melhor é a qualidade assistencial em ILPIs. Pesquisa conduzida na Coreia, onde ainda é aceitável haver auxiliares de enfermagem certificados como substitutos de enfermeiros, ressalta que as políticas públicas daquele país precisam considerar a necessidade de equipe de enfermagem completa em ILPIs. Essa recomendação está fundamentada em resultados apontando que as horas de permanência do enfermeiro na ILPI foi estatisticamente significante para redução do número de residentes com medicação psicotrópica e comprometimento cognitivo(1818 Shin JH, Shin I-S. The effect of registered nurses on nursing home residents’ outcomes, controlling for organizational and health care market factors. Geriatr Nurs. 2019;40(3):296-301. doi: 10.1016/j.gerinurse.2018.11.004
https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2018...
).

Nesse aspecto, há de se destacar que, mesmo em países com políticas avançadas na atenção aos idosos dependentes, a qualidade de formação dos profissionais que trabalham em ILPIs tem sido uma preocupação, inclusive com ações de formação. No Reino Unido, Noruega(1919 Christensen K, Hussein S, Ismail M. Migrants’ decision-process shaping work destination choice: the case of long-term care work in the United Kingdom and Norway. Eur J Ageing. 2017;14(3):219-32. doi: 10.1007/s10433-016-0405-0
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) e Canadá(2020 Novek S. Filipino health care aides and the nursing home labour market in Winnipeg. Can J Aging. 2013;32(4):405-16. doi: 10.1017/S071498081300038X
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), as ILPIs constam como opção de trabalho de imigrantes, inclusive veiculada nas redes sociais — no Reino Unido e Noruega, principalmente de pessoas oriundas de países do Leste Europeu(1919 Christensen K, Hussein S, Ismail M. Migrants’ decision-process shaping work destination choice: the case of long-term care work in the United Kingdom and Norway. Eur J Ageing. 2017;14(3):219-32. doi: 10.1007/s10433-016-0405-0
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); e no Canadá, de Filipinos, sobretudo mulheres e auxiliares de saúde(2020 Novek S. Filipino health care aides and the nursing home labour market in Winnipeg. Can J Aging. 2013;32(4):405-16. doi: 10.1017/S071498081300038X
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).

Destaca-se ainda o desfecho frustrante do segundo grupo, com a desistência do negócio, evidenciando a subestimação da necessidade de um perfil empreendedor para o ramo, assim como da complexidade conferida por esse mercado que se aparentava promissor. Foi um grupo de enfermeiros que não conseguiu superar os desafios iniciais do empreendimento e não buscou recursos na gestão empresarial para alavancar um negócio.

Estudo aponta o fracasso de empresas associado à falta de capital ou lucro, levando o proprietário a sobrecargas psicológica e financeira. O fechamento de empresa implica sentimentos de frustração, tristeza e mágoa de não ter sido capaz de ter o próprio negócio, além de grande repercussão financeira. Mais da metade dos empreendedores que fracassaram com seus negócios perde todo ou parte do dinheiro investido, de recursos próprios ou de familiares(1212 Sebrae São Paulo. Entenda o motivo do sucesso e do fracasso das empresas [Internet]. São Paulo; 2017, [cited 2019 Jul 20]. Available from: http://bis.sebrae.com.br/bis/download.zhtml?t=D&uid=333000e30d218194165cd787496e57f9
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).

A contento, estudo de mercado brasileiro corrobora esta pesquisa, recomendando formação de enfermeiros com competências e habilidades para o ramo do empreendedorismo, em razão do número relativamente inferior de empresas de enfermagem abertas, quando comparado ao de outras profissões mais jovens na área da saúde(2121 Colichi RMB, Lima SAM. Entrepreneurship in Nursing compared to other health professions. Rev Eletr Enf [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 31];20:v20a11. Available from: 10.5216/ree.v20.49358
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).

Limitações do estudo

Uma das limitações desta pesquisa foi o número amostral para compor o grupo dos não exitosos com o empreendimento social ILPI.

Contribuições para a área da Enfermagem

O estudo contribuiu sinalizando a importância de se constituir competências e habilidades sobre empreendedorismo social, durante a graduação do enfermeiro, contando com fundamentos da gestão empresarial para compreender que se trata de um negócio, por isso ele precisa ser não só benéfico à sociedade, mas também lucrativo.

Apesar de os enfermeiros reunirem oportunidades para desenvolver produtos ou serviços de saúde para atender às necessidades dos clientes/consumidores, historicamente têm hesitado em estabelecer negócios e competir no mercado de saúde. Hoje, eles estão avançando para esses nichos de mercado(1111 Huber DL. Leadership and nursing care management. Elsevier: St. Louis; 2018. 458 p.).

Visando à ampliação das oportunidades profissionais, é necessário que durante o curso de graduação em Enfermagem, além da formação voltada para o gerenciamento da assistência de enfermagem, seja apresentada ao aluno a gestão empresarial como um campo de atuação em expansão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se que a experiência de enfermeiros empreendedores com ILPI ainda é processo de trabalho pouco instrumentalizado pelos fundamentos da gestão empresarial.

Embora o empreendedorismo social ILPI apresente-se ao enfermeiro como área de atuação e negócio promissor no ramo da prestação de serviços para o binômio idoso-família, ainda se constitui em negócio de risco, por coadunar com os motivos de fracasso da maioria das empresas, do primeiro ao quinto ano de atividade, no estado de São Paulo.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José De Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2020
  • Aceito
    16 Jun 2020
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