Síndrome do idoso frágil: análise conceitual de acordo com Walker e Avant

RESUMO

Objetivo:

Analisar o conceito “síndrome do idoso frágil”, na literatura, de acordo com o método proposto por Walker e Avant. Métodos: Trata-se de uma análise de conceito, orientada pelo método proposto por Walker e Avant, operacionalizada mediante revisão integrativa da literatura. A busca em base de dados científicos foi efetivada utilizando-se os descritores: Frail elderly, syndrome, phenotype, geriatric assessment e aging. Para compor o corpus literário, foram elencados 66 estudos.

Resultados:

Constataram-se os antecedentes e atributos (categorizados em físicos, sociodemográficos, e comportamentais/ambientais) que integram os sinais e sintomas evidenciados na “síndrome do idoso frágil”, bem como os consequentes do referido conceito. Procedeu-se à análise das variáveis com destaque para as concepções que influenciam o processo de fragilização do idoso.

Conclusão:

O estudo demonstrou a complexidade proveniente da gênese multifatorial da referida síndrome, ressaltando as especificidades da fragilidade do idoso. Contudo, recomenda-se a realização de novas pesquisas envolvendo o fenômeno em questão para melhor compreensão do constructo.

Descritores:
Enfermagem; Idoso Fragilizado; Síndrome; Envelhecimento; Formação de Conceito

ABSTRACT

Objective:

To analyze the concept of “frailty syndrome” in the literature, according to the method proposed by Walker and Avant.

Methods:

It is a concept analysis, guided by the method proposed by Walker and Avant, made operational through an integrative literature review. The search in a scientific database was carried out using the descriptors: Frail elderly, syndrome, phenotype, geriatric assessment, and aging. The literary corpus comprised 66 studies. Results: The study found the antecedents and attributes (categorized as physical, sociodemographic, and behavioral/environmental) that integrate the signs and symptoms evidenced in the “frailty syndrome,” as well as the consequences of this concept. The variables were analyzed with emphasis on the conceptions that influence the frailty process of the elderly.

Conclusion:

The study demonstrated the complexity arising from the multifactorial genesis of the referred syndrome, emphasizing the specificities of the elderly’s frailty. However, we recommend conducting further research involving the phenomenon in question to understand the construct better.

Descriptors:
Nursing; Frail Elderly; Syndrome; Aging; Concept Formation

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el concepto “síndrome del anciano frágil”, en la literatura, según el método propuesto por Walker y Avant. Métodos: Se trata de un análisis de concepto, orientada por el método propuesto por Walker y Avant, es operacionada mediante revisión integrativa de la literatura. La búsqueda en base de datos científicos ha sido efectuada utilizándose los descriptores: Frail elderly, syndrome, phenotype, geriatric assessment y aging. Para componer el corpus literario, han sido seleccionados 66 estudios.

Resultados:

Se ha constatado los antecedentes y atributos (categorizados en físicos, sociodemográficos, y comportamentales/ambientales) que integran los señales y síntomas evidenciados en el “síndrome del anciano frágil”, así como los consecuentes del referido concepto. Ha procedido al análisis de las variables con destaque para las concepciones que influencian el proceso de fragilidad del anciano.

Conclusión:

El estudio demostró la complejidad proveniente de la génesis multifactorial del referido síndrome, resaltando las especificidades de la fragilidad del anciano. Sin embargo, se recomienda la realización de nuevas investigaciones envolviendo el fenómeno en cuestión para mejor comprensión del constructo.

Descriptores:
Enfermería; Anciano Debilitado; Síndrome; Envejecimiento; Formación de Concepto

INTRODUÇÃO

O alcance de idades mais avançadas é considerado grande avanço para a humanidade. Em decorrência de conquistas sociais e políticas associadas à utilização de novas tecnologias, as nações iniciaram um processo denominado transição demográfica. Este caracteriza-se por uma sucessão de eventos que iniciam com a queda nas taxas de mortalidade e fecundidade e culminam no envelhecimento populacional. O Brasil vem experimentando essa transição desde 1970 e, gradativamente, deixou de possuir uma população predominantemente jovem, para contar com um contingente cada vez maior de idosos⁽¹⁾.

Projeções estatísticas sugerem que em 2050 a população brasileira será de 253 milhões de habitantes, menor apenas que a da Índia, China, Estados Unidos e Indonésia, de modo que constituirá a quinta maior população do planeta. No Brasil, aproximadamente 23,8% serão idosos, o que contribuirá para que o índice de envelhecimento salte de 39,3, observado em 2010, para 152,9 em 2040. Essa transição vem ocorrendo de forma rápida e desordenada, gerando uma série de mudanças sociais, associadas às relações familiares, ao setor econômico e aos serviços de saúde. Tudo isso desvela a necessidade de criação de instrumentos e modelos teóricos que conduzam o manejo da saúde do idoso⁽²⁾.

Nessa perspectiva, surge o conceito de fragilidade no campo da geriatria e gerontologia, que se reporta à situação clínica não ótima, de natureza multicausal e dinâmica, interligada ao percurso de vida do idoso⁽³⁾. Nos últimos 30 anos, foram realizadas diversas tentativas de clarificar a fragilidade no idoso, no entanto, em razão da natureza multidimensional e complexa de sua gênese, ainda não existe concordância na literatura sobre a definição teórica do referido constructo, o que inviabiliza a formulação de definições operacionais precisas que possibilitem a identificação e mensuração do fenômeno em questão.

Na enfermagem, a fragilidade foi incluída na classificação de diagnósticos da NANDA International (NANDA-I) na versão de 2015-2017, com o título “Síndrome do Idoso Frágil”. Entretanto, convém destacar que alguns diagnósticos de enfermagem não apresentam embasamento teórico-conceitual bem desenvolvido. Dessa forma, na prática, o enfermeiro se depara com conjuntos de indicadores que estão presentes em vários diagnósticos, o que gera incerteza no julgamento e maior chance de formular diagnósticos imprecisos. Ademais, alguns elementos não condizem com a realidade observada⁽⁴⁾.

Embora ainda não exista concordância sobre esse conceito na literatura gerontológica, é unânime a compreensão de que a fragilidade atinge os domínios físico, biológico, psicológico e social, resultando no desequilíbrio das reservas homeostáticas e aumento da vulnerabilidade a estressores, o que gera inúmeras consequências prejudiciais para a vida da pessoa idosa, tais como a ocorrência de quedas, incapacidades e limitações, institucionalização, hospitalização e comorbidade, ou mesmo morte⁽³⁾.

Nesse contexto, verifica-se a necessidade de clarificar o significado do conceito “síndrome do idoso frágil” e, consequentemente, esclarecer os fenômenos que envolvem a fragilidade e o envelhecimento. Ressalta-se, assim, a importância de estudos de análise de conceito para fomento da construção do conhecimento da enfermagem, os quais, por meio da fundamentação teóricofilosófica, possibilitam a realização da identificação de atributos, antecedentes e consequentes de conceitos relevantes para o desenvolvimento da enfermagem e determinação do seu campo específico de conhecimento⁽⁵⁾.

Destaca-se ainda que a análise conceitual consiste em um exercício intelectual que visa sintetizar e elucidar o conhecimento em enfermagem. Tal método deve ser utilizado para criação de conceitos ou quando um determinado constructo, já introduzido e definido na literatura, carece de aperfeiçoamento complementar para aumentar seu nível de desenvolvimento, com vistas a torná-lo mais operacional na teoria, na pesquisa e na vivência prática de determinada disciplina, melhorando a sua compreensão⁽⁵⁾.

Tendo isso em vista, o desenvolvimento do presente estudo busca fornecer evidências que subsidiem a compreensão da síndrome do idoso frágil, por meio da identificação e elucidação das diversas variáveis envolvidas na fragilidade, as quais compreendem os atributos, antecedentes e consequentes do conceito em questão. Logo, o conhecimento resultante dessa construção favorecerá embasamento teórico para prática clínica do enfermeiro, com vistas à melhora da assistência de enfermagem a essa população; além disso, elucidará estudos no âmbito da prática acadêmica que envolvam esse fenômeno.

OBJETIVO

Analisar, na literatura, o conceito “síndrome do idoso frágil” de acordo com o método proposto por Walker e Avant.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O presente estudo foi desenvolvido por meio da utilização da literatura disponível em bases de dados on-line, não envolvendo assim seres humanos, o que dispensa a apreciação em Comitê de Ética e Pesquisa. Os autores foram devidamente citados, referenciados, respeitando o conhecimento técnico-científico segundo as normas de estudos embasados na literatura, respeitando-se, assim, todos os aspectos éticos.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Trata-se de um estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa, no qual foi utilizado modelo de análise conceitual de Walker e Avant⁽⁶⁾. Esse método conta com a execução de oito etapas: seleção do conceito; determinação dos objetivos e finalidades da análise; identificação de todos os usos possíveis do conceito; determinação dos atributos de definição; identificação de caso-modelo; identificação de casos-limite relacionados, contrários, inventados e inapropriados; identificação de antecedentes e consequentes; e definição de referenciais empíricos⁽⁵⁾. Para tanto, incorpora-se revisão integrativa da literatura para formulação do quadro teórico do processo de investigação.

Os autores compreendem que é necessário analisar a estrutura básica de um conceito, diferenciando seus atributos essenciais de outros menos relevantes, no intuito de mantê-lo atualizado uma vez que os constructos modificam-se em um continnum. Destarte, quanto mais claro e preciso for o conceito, melhor será seu entendimento e sua contribuição para determinada área^(5-6).

Procedimentos metodológicos

Fonte de dados

A fim de identificar as características associadas ao conceito, procedeu-se a uma revisão integrativa da literatura. Como fio condutor para sua realização, formulou-se a seguinte questão norteadora: “Quais os antecedentes, atributos e consequentes associados a síndrome da fragilidade são identificados na literatura?” Foram incluídos os artigos originais publicados on-line de 2012 a 2017 que envolviam pessoas com 60 anos ou mais de idade; estavam escritos em português, espanhol ou inglês; e que estavam disponíveis na íntegra. Foram excluídos os artigos de revisão, de opinião, cartas ao editor; dissertação e teses; e aqueles que não subsidiaram um melhor entendimento do fenômeno em questão

Para tanto, foi estabelecida, pela própria pesquisadora, a busca em fontes indexadas em banco de dados científicos, nas bases de dados Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), SciVerse Scopus e Base de dados em Enfermagem (BDENF).

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados em maio de 2017, por meio de um instrumento estruturado contendo informações sobre a caracterização sociodemográfica dos estudos e sobre os antecedentes, atributos e consequentes da síndrome do idoso frágil. Para tanto, na busca das bases de dados, foram utilizados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e seus respectivos correspondentes do Medical Subject Headings (MeSH): idoso fragilizado (frail elderly), síndrome (syndrome), fenótipo (phenotype), avaliação geriátrica (geriatric assessment) e envelhecimento (aging). Destaca-se que os descritores foram combinados em suas diversas possibilidades nos campos “título”, “resumo” e “assunto”, sempre levando-se em consideração o termo “idoso fragilizado” como descritor-chave. Foram aplicados, ainda, isoladamente ou em conjunto, por meio do operador booleano AND, com o objetivo de refinar os achados.

Após a busca na base de dados, utilizando os termos ora mencionados, foram identificados 890 estudos, dos quais foram excluídos 738, por não atenderem aos critérios de inclusão. Posteriormente, realizou-se a leitura criteriosa dos 152 artigos na íntegra, considerando-se sua adequação e consistência de conteúdo, para verificar antecedentes, atributos e consequentes associados à síndrome do idoso frágil. Assim, a amostra final da literatura investigada foi constituída por 66 estudos.

Análise dos dados

Servindo ao desenvolvimento dessa síntese, destacaram-se unidades de análises úteis para o esclarecimento do conceito estudado. Para tanto, utilizou-se a análise categorial temática proposta por Bardin⁽⁷⁾, que é operacionalizada pelas etapas de pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados obtidos e interpretação destes. Em geral, foram identificados os atributos, os antecedentes e os consequentes do conceito estudado, discutidos a posteriori com base na literatura.

RESULTADOS

Verificou-se que a maioria dos estudos foram desenvolvidos na área de conhecimento da medicina (n = 18; 54,5%), seguidos de saúde coletiva (n = 6; 18,2%) e nutrição (n = 4; 12,1%). Entretanto, a temática foi tratada em diferentes disciplinas, como fisioterapia, educação física, farmácia, meio ambiente, fisiologia e psicologia, o que confirma a abordagem plural do fenômeno e a necessidade de defini-lo na enfermagem.

Quanto ao idioma, houve a predominância de pesquisas publicadas na língua inglesa (52; 78,8%), visto que grande parte da amostra foi proveniente de artigos científicos publicados internacionalmente. Quanto aos aspectos metodológicos dos estudos, todos possuíam abordagem quantitativa, prevalecendo o tipo de estudo transversal (n = 56; 84,8).

No tocante ao país de publicação, prevaleceu o Brasil (n = 28; 42,4%), seguido por Estados Unidos (n = 9; 13,6%), Espanha (n = 5; 7,6%), Alemanha (n = 4; 6,1%) e Japão (n = 3; 4,5%). Dentre os estudos desenvolvidos no Brasil, prevaleceram aqueles realizados nos estados de São Paulo (n = 6; 21,4%) e Minas Gerais (n = 5; 17,8%;), além das pesquisas multicêntricas (n = 3; 9,5%). No que se refere aos elementos essenciais do fenômeno, antecedentes, atributos e consequências, estes estão apresentados em categorias e subcategorias de análise, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Antecedentes, atributos e consequentes do conceito “síndrome do idoso frágil”, conforme demonstrado na literatura analisada, Brasil, 2017 (n = 66)

DISCUSSÃO

Antecedentes do conceito “síndrome do idoso frágil”

Os antecedentes do conceito correspondem aos seus determinantes, que serão precursores do evento e influenciarão, assim, o surgimento do desfecho. Os resultados evidenciam que a síndrome do idoso frágil é resultante de diversas circunstâncias correlacionadas, que podem ser agrupadas em antecedentes físicos, sociodemográficos e comportamentais/ambientais. Características como diminuição dos níveis de vitamina D, sarcopenia, aumento do estresse oxidativo, arranjo familiar (morar só; viuvez), diminuição do apoio social, sedentarismo e polifarmácia foram identificados na literatura como causa ou fundamento para o desenvolvimento da fragilidade na pessoa idosa.

Quanto à diminuição de vitamina D, os baixos níveis de 25-hidroxivitamina D [25 (OH) D] e de 1,25-dihidroxivitamina D [1,25 (OH) 2 D] estão associados à fragilidade. Pesquisa⁽⁸⁾ constatou que níveis séricos de 25 (OH) D menores que 15 ng/ml estão diretamente relacionados a um maior risco de o idoso apresentar exaustão, diminuição dos níveis de atividade física e lentidão, características encontradas na fragilidade. O declínio ligado ao aumento da idade justifica-se pela diminuição da eficiência na conversão renal de 25 (OH) D à forma ativa [1,25 (OH)2 D], que ocorre mesmo na presença de 25 (OH) D no soro em níveis normais⁽⁸⁾.

Existem várias explicações biológicas para a associação entre níveis menores de 25 (OH) D e status de fragilidade. Muitos tecidos expressam receptores de vitamina D; portanto, um papel fisiológico para a vitamina D foi proposto em vários órgãos e sistemas de órgãos, inclusive no sistema musculoesquelético. Nesse contexto, baixos níveis de vitamina D resultam em diminuição da força muscular e síntese muscular. A 1,25 (OH) 2 tem alta afinidade com o receptor de vitamina D no tecido muscular e, após essa ligação, estimula suas ações para regular a síntese proteica. A influência direta de 1,25 (OH) 2 na homeostase de cálcio também afeta as propriedades contrácteis das células musculares⁽⁸⁾.

Além disso, em biópsias realizadas em indivíduos com deficiência de vitamina D, foi observada atrofia nas fibras musculares do tipo I e II. A deficiência da referida vitamina afeta ainda, o transporte de fosfato, metabolismo dos fosfolipídios e a manutenção da densidade óssea. Tais aspectos são contribuintes para o desenvolvimento da fragilidade uma vez que esta se apoia no tripé de transformações interligadas ao envelhecimento, compostas pela sarcopenia, desregulação neuroendócrina e disfunção imunológica^(3,8).

Nesse sentido, a atividade física ajuda na manutenção da massa muscular e reposição óssea no decorrer do processo de envelhecimento, ao passo que o sedentarismo vem sendo associado à diminuição da qualidade de vida, da funcionalidade e do aumento da fragilidade em idosos. Ademais, os fatores da fragilidade englobam a diminuição da força muscular, alterações na marcha, instabilidade postural, má nutrição e redução da mobilidade, que colaboram para a intolerância ao exercício⁽⁹⁾.

Outra variável amplamente atrelada à fragilidade é o estresse oxidativo, o qual é determinado pelo aumento de lipídios (malondialdeído) e da carbonilação proteica, independentemente de outras causas de confusão, incluindo idade⁽¹⁰⁾. A teoria dos radicais livres na senescência defende que existe um acúmulo gradual e irreversível de dano oxidativo no decorrer do processo de envelhecimento, acúmulo, este, responsável por prejuízos no funcionamento dos sistemas corporais e pela elevação da incidência de doenças. Isso é resultado do aumento na taxa metabólica de repouso, a qual gera maior necessidade de energia para manter a homeostase corporal. Assim, ocorre aumento da ativação mitocondrial, culminando na elevação das espécies de oxigênio reativo intracelulares. O alto estresse oxidativo interfere diretamente na utilização de proteínas, deixando-as ainda mais suscetíveis à degradação, o que irá realimentar essa condição. Outrossim, o aumento do estresse oxidativo ativa vias nucleares que levam à inflamação, que também está associada à fragilidade⁽¹⁰⁾.

Em relação especificamente ao arranjo familiar, estudos evidenciam que a fragilidade é maior no grupo de idosos que vivem sozinhos^(11-13) e os que são viúvos^(14-15), ressaltando a importância do suporte social na preservação da saúde nessa faixa etária populacional. Os idosos frágeis ou em processo de fragilização tendem a ter uma vida social mais isolada, em comparação com aqueles que não estão passando por esse transcurso. Nesse contexto, são interrompidas atividades de lazer envolvendo festas familiares, viagens, eventos culturais e reuniões, o que caracteriza dificuldades adaptativas e dificuldade em recrutar recursos, provenientes da fragilização⁽¹⁵⁾.

Estudo⁽¹⁶⁾ realizado com 495 idosos chineses observou que o nível de participação nas atividades sociais teve uma influência significativa na probabilidade de ser frágil, de maneira que, quanto menor o número de atividades nas quais os participantes estavam envolvidos, maior a probabilidade de fragilidade (OR = 2,39). Assim como o apoio social, a participação nas atividades e a interação com outras pessoas são benéficas para o bem-estar físico e mental dos idosos. Quanto menor a interação social, maior o isolamento e a ocorrência de depressão, o que também predispõe à fragilidade⁽¹⁶⁾.

Quanto à polifarmácia, estudos^(12,17-20) indicam associação estatisticamente relevante entre a utilização de cinco ou mais medicamentos e a fragilidade. Ademais, para cada droga adicional consumida por dia, a probabilidade de ser frágil aumenta em 30%⁽²¹⁾. A utilização de vários fármacos, associada ao declínio fisiológico para biotransformação e excreção dessas substâncias, predispõe os idosos a uma maior ocorrência de reações adversas e interações medicamentosas que podem resultar em hipotensão postural, sedação, quedas, e outros agravos⁽¹⁷⁾. Além disso, a polifarmácia está diretamente interligada a um elevado número de patologias ou ao agravamento destas, que também influenciam a fragilização do idoso⁽²²⁾ .

Atributos do conceito “síndrome do idoso frágil”

Os atributos expressam as propriedades do conceito, ou seja, são elementos que descrevem características específicas de determinado constructo. Esses atributos podem se desvelar como manifestações clínicas, ou os sinais e sintomas, que permitem o estabelecimento de diagnósticos diferenciais. Após análise da literatura investigada, observaram-se como atributos do conceito em questão, dentre outros aspectos: autopercepção de saúde ruim, comprometimento cognitivo, alterações em medidas antropométricas e obesidade sarcopênica.

No que se refere à autopercepção de saúde, estudo⁽¹⁹⁾ realizado com idosos brasileiros verificou que pré-frágeis e frágeis apresentaram 67% e 82% mais chances, respectivamente, para percepção de saúde ruim. Outros estudos demonstraram associação entre fragilidade e autopercepção de saúde negativa^{(13,20,22-25)}, incluindo a saúde bucal⁽²¹⁾, o que pode estar fortemente relacionada ao aumento do número de morbidades, à maior susceptibilidade a eventos adversos e às decepções e fracassos acumulados durante toda a vida, comuns aos idosos classificados como frágeis⁽¹⁹⁾. Essa hipótese é apoiada pela teoria que sugere relação entre resiliência e síndrome da fragilidade^(24-25).

Corroborando isso, estudo⁽²¹⁾realizado com 838 idosos mexicanos evidenciaram que os idosos frágeis tinham tendência a não utilização de serviços odontológicos durante ano anterior e que a probabilidade de ser frágil foi 2,2 vezes maior naqueles que consideravam sua saúde bucal ruim. Isto porque, em algumas culturas, as pessoas idosas têm a concepção de que o declínio da saúde bucal é inerente ao processo de envelhecimento e que sua melhoria não é possível. Além disso, a restrição no domicílio, a diminuição da mobilidade e a fraqueza observada em idosos frágeis constituem barreiras para o não deslocamento até os consultórios odontológicos. Destarte, é oportuno ressaltar que tal enfraquecimento da saúde bucal afeta a escolha dos alimentos, o mecanismo de mastigação, o estereótipo, a fala, a interação social, além de aumentar os marcadores da inflamação, que podem levar ao comprometimento do estado de saúde geral e resultar em fragilidade⁽²¹⁾.

No que se refere ao comprometimento cognitivo, estudo⁽¹⁸⁾ constatou uma razão de chance até sete vezes maior em idosos frágeis de apresentar comprometimento cognitivo quando comparados com robustos. Outra pesquisa⁽²⁶⁾, realizada com 383 idosos brasileiros, identificou que os idosos frágeis apresentaram escores significativamente mais baixos no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e nos subdomínios orientação no tempo, memória imediata e comandos. Ratificando esses achados, investigação realizada com 737 idosos brasileiros constatou associação estatisticamente significante entre baixo desempenho cognitivo e fragilidade⁽²⁷⁾. Alguns autores^(18,28) apontam tal comprometimento como uma das causas para o desencadeamento da fragilidade e até sugerem a inclusão dessa variável em sua definição; outros^(22,27) relatam o comprometimento cognitivo como um indicador de fragilidade.

Diversos mecanismos biológicos e comportamentais compartilhados podem causar comprometimento nas funções cognitivas. Por exemplo, o estresse oxidativo e a inflamação, além do estilo de vida (como o estresse e doenças crônicas), podem acelerar o encurtamento de telômeros, o que leva à morte celular. No cérebro, isso pode estar associado à demência e, consequentemente, a um maior declínio cognitivo. Outro mecanismo atrelado à diminuição do funcionamento cognitivo são os declínios nas reservas cognitivas e fisiológicas, próprias do aumento da idade^{(10,13,18,20,22,26,29)}.

Em concordância com esses achados, estudo⁽²⁸⁾ realizado com 273 idosos japoneses encontrou, naqueles que foram classificados como frágeis, índices significativamente menores no Mini-exame do Estado Mental (MEEM) e no Scenery Picture Memory Test (SPMT). O MEEM avalia a função cognitiva global, por meio de cinco áreas: orientação, registro, atenção e cálculo, lembrança e linguagem. Já o SPMT é um teste de memória simples que avalia a memória visual combinada com respostas verbais⁽²⁸⁾.

Outra dimensão que vem sendo correlacionada na literatura gerontológica com a síndrome da fragilidade são as alterações nas medidas antropométricas, que refletem não apenas as alterações morfológicas provenientes da senescência, como também variações resultantes de enfermidades. Estudo⁽³⁰⁾ realizado com 521 idosos brasileiros constatou que os idosos frágeis evidenciaram menores medidas da estatura, altura do joelho, da circunferência do antebraço e da panturrilha, que refletem perda de massa muscular e diminuição da compleição física. A mesma investigação aponta elevação das medidas representativas da distribuição da gordura corporal (índice de conicidade, índice sagital, medidas de circunferência do quadril, maior relação cintura/estatura, cintura/coxa e cintura/panturrilha) nos idosos frágeis quando comparados aos robustos⁽³⁰⁾. De forma semelhante, pesquisa que investigou os fatores de risco cardiovascular e a síndrome da fragilidade observou maior circunferência abdominal no grupo de idosos frágeis em comparação com o de idosos não frágeis⁽³¹⁾.

Tais alterações reverberam em aumento do risco de doenças cardiovasculares, de desordens metabólicas, obesidade central e sarcopenia. O aumento do tecido adiposo está relacionado ao aumento da produção de citocinas e mediadores pró-inflamatórios, como interleucina-6 e proteína C reativa, o que leva a um estado de inflamação crônica presente na síndrome da fragilidade. Nesse contexto, existe associação entre maiores valores de índice de massa corpórea e fragilidade^(9,32). Entretanto, ocorre também aumento no tecido adiposo com o avanço da idade, independentemente do referido índice, conhecido como obesidade sarcopênica, em que há um maior depósito de gordura visceral e especialmente um aumento na infiltração de gordura nos músculos. Assim sendo, o índice de massa corpórea não parece ser o melhor indicador de adiposidade, porque demonstra que tanto a massa gorda quanto a massa magra contribuem para uma má saúde em idosos⁽²³⁾.

Em contrapartida, estudo realizado na Turquia evidenciou que 61% dos idosos que tinham risco para desnutrição eram frágeis. Tanto a fragilidade quanto a desnutrição apresentam patogêneses que se sobrepõem, tais como diminuição de massa muscular, anorexia, baixa ingestão de vitaminas e de líquidos, autopercepção de saúde ruim e presença de comorbidade, que por diversas vezes resultam em aumento das incapacidades e realimentam o ciclo da fragilidade⁽¹⁷⁾.

Ademais, um número significativo de idosos frágeis não consegue ingerir alimentos suficientes para satisfazer suas necessidades essenciais de energia e nutrientes; isso resulta em perda de peso, sarcopenia, diminuição da resistência e anorexia do envelhecimento. A anorexia na senescência tem como fator desencadeante a diminuição do impulso natural de ingerir alimentos, influenciado por funções quimiossensoriais diminuídas, funções psicológicas prejudicadas, alterações na saúde bucal, mudanças ambientais e secreções diminuídas dos hormônios que regulam o apetite⁽¹⁷⁾. Nesse contexto, estudo realizado com 4.417 idosos japoneses encontrou associação significativa entre fragilidade e anorexia, sobretudo nos componentes do fenótipo lentidão, exaustão e perda de peso⁽³³⁾.

Consequências relacionadas ao conceito “síndrome do idoso frágil”

As consequências do conceito evidenciam os desfechos que ocorrem posteriormente à ocorrência do constructo. Constataram-se a incapacidade funcional e as quedas como as principais consequências da síndrome do idoso frágil.

Fragilidade e incapacidade funcional, representadas pela limitação de atividades, são consideradas entidades distintas com algum grau de sobreposição. Nesse contexto, a incapacidade representa um dos desfechos da fragilidade bem delimitado na literatura nacional e internacional, a qual aponta maior dependência dos idosos frágeis tanto em atividades básicas^{(12-13,20-21,23-25,34)} e instrumentais^{(12,14,18-19,22,25,27-29)}quanto nas avançadas de vida diária⁽¹⁴⁾.

Isso ocorre devido aos atributos da síndrome da fragilidade serem, também, constituintes da gênese da incapacidade funcional^(24-25). Corroborando isso, estudo⁽³⁾ prospectivo realizado com 2.420 pessoas idosas observou que aquelas classificadas como frágeis tinham maior declínio nas atividades básicas de vida diária, quando comparadas às pré-frágeis.

Outra investigação⁽²⁹⁾ prospectiva, realizada na Itália, envolveu 2.581 idosos e identificou chance 1,32 vezes maior e estatisticamente significativa, após o seguimento de três anos, para o desenvolvimento de incapacidades nos indivíduos identificados como frágeis no início da investigação. Esse mesmo estudo apontou que, dos indivíduos frágeis, 39,3% não apresentavam incapacidade. Outra pesquisa com idosos colombianos evidenciou que, dentre aqueles classificados como frágeis, apenas 10% não apresentaram incapacidade⁽²²⁾. Esses dados confirmam uma sobreposição, mas não concordância na co-ocorrência entre essas condições.

No que se refere à história de quedas, a literatura evidencia que os idosos frágeis mostram uma tendência a sofrer um maior número de quedas, quando comparados aos pré-frágeis e não frágeis^{(11,13-14,17,22,25)}. A explicação para essa associação ainda não é devidamente esclarecida, no entanto o processo de envelhecimento acarreta diminuição da acuidade visual, do equilíbrio corporal, da mobilidade e de todo o aspecto físico, variáveis que são diretamente relacionadas ao aumento do evento quedas. Todo esse declínio associado à síndrome da fragilidade ocasionará aumento no número de quedas, uma vez que esses dois desfechos possuem componentes em comum - por exemplo, sarcopenia⁽¹¹⁾. Entretanto, é oportuno ressaltar que essas variáveis possuem uma relação bidirecional, de maneira que tanto a fragilidade pode influenciar o aumento do número de quedas quanto a ocorrência de quedas pode contribuir para o desenvolvimento da fragilidade⁽³⁵⁾.

Limitações do estudo

Compuseram essa análise conceitual apenas estudos disponíveis eletronicamente, em determinadas bases de dados e com recorte temporal, o que pode ter ocasionado a exclusão de pesquisas contemplando outras perspectivas da fragilidade na senescência. Embora não exista consenso na literatura a respeito da síndrome do idoso frágil, a fragilidade é amplamente discutida e investigada em diversas áreas e conta com um vasto acervo de produções científicas, mas que nem sempre expressam com clareza os antecedentes, atributos e consequentes do conceito.

Contribuições para a área de enfermagem

Quanto às contribuições para área da enfermagem, destaca-se o aprofundamento do fenômeno em questão, que corresponde ao título de um diagnóstico de enfermagem da taxonomia da NANDAI⁽⁴⁾. Considerando isso, sabe-se que o início do processo de validação de diagnósticos é operacionalizado por meio da análise conceitual, com vistas a identificar se a lista de indicadores diagnósticos apresentada na taxonomia possui embasamento na literatura. Tal processo garante a uniformização do uso do conceito na área de interesse, além de fomentar o desenvolvimento de conceitos essenciais para o crescimento profissional e científico da enfermagem. Especificamente sobre a formulação de diagnóstico, a análise conceitual aqui apresentada contribuirá para o embasamento teórico que fornece suporte ao pensamento crítico e ao raciocínio diagnóstico dos enfermeiros que vivenciam o cuidado ao idoso frágil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do conceito “síndrome do idoso frágil” possibilitou a aproximação com a temática a partir da identificação dos antecedentes, atributos e consequentes da problemática investigada. Haja vista as ponderações ora expostas, os artigos analisados desvelam o panorama nacional e internacional a respeito do conceito “síndrome do idoso frágil”, por meio do qual se confirmou a complexidade proveniente da gênese multifatorial do fenômeno em estudo. Destaca-se ainda que, mesmo diante do vasto uso do termo fragilidade, não se observa consenso na literatura sobre ele, evidenciando, assim, divergentes definições inespecíficas que não subsidiam adequadamente o cuidado de enfermagem ao idoso frágil.

A síndrome da fragilidade no idoso caracteriza-se pela sua multidimensionalidade, envolvendo o declínio de domínios físico, biológico, social e psicológico, que prejudicam as reservas homeostáticas e, por conseguinte, aumentam a vulnerabilidade a estressores. Portanto, ressalta-se a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a compreensão do conceito, sobretudo quanto aos aspectos determinantes para o surgimento ou não da síndrome, permitindo, dessa forma, sua clarificação, que fornecerá embasamento para a formulação de ações de saúde ante as reais necessidades do idoso frágil.

Em vista do exposto, conclui-se que estudos de análise de conceito são de suma importância para o refinamento destes, pois propiciarão o raciocínio clínico mais preciso e, consequentemente, planos terapêuticos mais eficazes. Assim, os resultados obtidos por meio desta pesquisa desvelam subsídios importantes para o planejamento e para a implementação de intervenções que melhorem os cuidados de enfermagem, as condições de vida e o bem-estar do idoso em processo de fragilização.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Jul 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  08 Jan 2020
• Aceito
  13 Mar 2020