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Rumo à ciência aberta: o que nós sabemos e o que nós precisamos saber

A ciência aberta se apresenta como um conjunto de políticas e ações para disseminação dos resultados de uma pesquisa de forma acessível, gratuita e passíveis de reutilização e reprodução por meio de repositórios digitais públicos. Enquanto um movimento, vale-se de três elementos básicos: o acesso aberto das publicações; a abertura de dados (sejam eles brutos, modelos, especificações, ou documentação); abertura de processos computacionais (softwares e algoritmos)(11 Anglada L, Abadal E. "¿Qué es la ciencia abierta?". An ThinkEPI. 2018;12:292-8. doi: 10.3145/thinkepi.2018.43
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).

Embora não seja um fenômeno novo, o termo ainda pode causar estranheza até mesmo a pesquisadores experientes. O acesso aberto de artigos, enquanto primeiro elemento, encontrou (e ainda encontra) grande resistência para se tornar unanimidade, embora a pressão da sociedade cientifica e dos órgãos financiadores tenha agilizado o progresso desta etapa. Por outro lado, a abertura de dados parece ter sido melhor recebida, ao menos na sua interface relacionada ao depósito dos manuscritos científicos no formato preprint, no entanto isso é só o começo.

Em relação à experiência brasileira, o SciELO e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) têm liderado o processo de abertura e desenharam há algum tempo diretrizes e estratégias para guiar seus periódicos rumo a ciência aberta: o TOP (Transparency and Openness Promotion)(22 Aalbersberg IJ, Appleyard T, Brookhart S, Carpenter T, Clarke M, Curry S, et al. Making science transparent by default: introducing the TOP statement. OSF Preprints. 2018. doi: 10.31219/osf.io/sm78t
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). Esse sistema, de forma interessante, apresenta níveis de experimentação de abertura que vão desde apontar o que é determinado item até condicionar que o mesmo seja expressamente cumprido para que o manuscrito seja publicado.

Embora exista desde 2017, apenas em 2020 o alinhamento dos periódicos brasileiros ao TOP foi de fato acelerado, e mudanças significativas serão adotadas nos periódicos nos próximos meses e anos para adequação a tais princípios.

De posse dessa informação e nos baseando no fato de que historicamente mudanças são alvo de resistência, sobretudo quando acontecem em uma sistemática milenar, a exemplo do sistema de publicação cientifica, utilizamos nosso privilégio em assumir múltiplas funções (autor, revisor e editor) dentre do processo de publicação cientifica em periódicos brasileiros para refletir e apontar neste editorial quatro questões centrais relacionadas à gestão editorial que devem ser recorrentes entre os atores envolvidos no processo de publicação nos próximos meses:

1. Quais mudanças a abertura do processo de revisão por pares pode impor?

A Open Peer Review (OPR) é, sem dúvidas, entre as mudanças mais próximas, a que leva a inúmeros questionamentos, causando mais desdobramentos mesmo que a recomendação inicial seja que as revistas experimentem progressivos níveis de abertura.

A experiência internacional de grupos como o BioMed Central (BMC) e o Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI) revela que impor verticalmente a revisão por pares totalmente aberta pode ser danosa ao processo em algum nível. Nesses publishers, o modelo de OPR levou a repercussões imediatas no processo de revisão, com mais pesquisadores se negando a desempenhar essa tarefa. Essa consequência fez com que, após 20 anos de revisão por pares totalmente aberta, o grupo BMC passasse a adotar a revisão por pares transparente, na qual oferece aos revisores a possibilidade ou não de se identificar.

2. Caso a revisão por pares totalmente aberta seja padrão, os avaliadores passam a ser corresponsáveis pelo material publicado?

A validação cega de artigos sempre limitou as consequências da aceitação equivocada de manuscritos que não possuem tanto rigor quanto o necessário. No entanto, isso parece estar com os dias contados. A ciência aberta permite acesso aos cadernos de pesquisa, banco de dados e até mesmo dos registros prévios dos protocolos de pesquisa; logo, a responsabilidade dos revisores sobre o material publicado será inevitável. Nesta direção, a avaliação “pós-publicação”, seja no formato de cartas ao editor, comentários em servidores preprints ou outros, deve ficar mais frequente já que leitores podem comparar a versão publicada com as pretensões iniciais dos autores.

Por outro lado, a implementação da ciência aberta deverá impor uma redução na prática de fatiamento de estudos (Salami Science) pela exigência em depositar registros prévios dos estudos, permitindo a identificação de estudos múltiplos derivados de um único banco de dados.

3. Quais as implicações da ciência aberta nos critérios de autoria?

Outro aspecto que devemos considerar são os critérios de autoria, uma vez que, até o momento, não há (e não deverá haver) uma orientação dos repositórios de quais fatores devem ser considerados no momento de elencar os autores. Outro detalhe se refere à restrição na quantidade de autores que alguns periódicos utilizam (geralmente de seis a dez autores) e que não é preocupação dos preprints.

Na ausência de uma diretiva clara, sugerimos que os autores sigam as orientações clássicas de critérios de autoria utilizadas na área da saúde já na submissão do preprint(33 International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE). Recommendations [Internet]. 2021[cited 2021 Jan 20]. Available from: http://www.icmje.org/recommendations/browse/
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), considerando as permissões e normas da revista acerca disso. Sugerimos que a lista de autores do preprint deve ser a mesma do artigo e na mesma sequência, uma vez que a adição ou subtração de autores na versão preprint poderá ser considerado má conduta.

4. Quando e como utilizar textos depositados em servidores preprints?

É cada vez mais frequente a quantidade de periódicos que permitem avaliar textos depositados previamente em servidores preprints, bem como permitir que os autores citem em suas referências tais textos. No entanto, isso deve ser feito com cautela, avaliando a qualidade do servidor onde o texto foi publicado (sugere-se o uso de servidores não comerciais que utilizem DOI (Digital Object Identifier)). Os autores devem ficar atentos e garantir que seu texto seja depositado sob uma licença válida(44 McKenzie L. Biologists debate how to license preprints. Nature. 2017. doi: 10.1038/nature.2017.22161
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) e que permita o uso e reuso do preprint, um erro que tem sido comum no servido BiorXiv.

Também é de extrema importância que os autores fiquem atentos às diversas versões de um mesmo texto depositado em formato preprint e que citem a versão a qual se referem, uma vez que um mesmo texto pode ter várias versões com mudanças severas dentro das plataformas preprints.

Os aspectos centrais levantados neste editorial podem levar ao debate dos pesquisadores sobre essa nova forma de fazer ciência, tendo em vista que é o caminho posto para a comunidade acadêmica.

REFERENCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021
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