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Itinerário terapêutico das pessoas com hanseníase: caminhos, lutas e desafios em busca do cuidado

RESUMO

Objetivos:

compreender como se processam os itinerários terapêuticos das pessoas acometidas pela hanseníase.

Métodos:

estudo descritivo, qualitativo, realizado em abril de 2018, em Barão de Grajaú, no Maranhão, com entrevistas no formato de narrativas de sete pacientes que tiveram diagnóstico tardio de hanseníase.

Resultados:

a busca pelo diagnóstico se configura como uma grande dificuldade de acesso aos serviços de saúde, resultando no diagnóstico tardio e, consequentemente, na presença de deformidades visíveis. Percebeu-se que as unidades de saúde não possuem um fluxo nem protocolos para tratamento integral, sendo que essas pessoas são encaminhadas para unidade de referência em outro estado para a realização da baciloscopia.

Considerações Finais:

as ações de controle da hanseníase necessitam de reformulações que busquem a relação entre as atividades operacionais, indicadores epidemiológicos e os fatores de risco, em concordância com as reais necessidades de cada região, destacando-se, assim, as lacunas evidenciadas nos itinerários terapêuticos.

Descritores:
Hanseníase; Diagnóstico Tardio; Acesso aos Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família

ABSTRACT

Objectives:

to understand how the therapeutic itineraries of people affected by leprosy are processed.

Methods:

this is a descriptive, qualitative study, conducted in April 2018 in Barão de Grajaú in Maranhão, with interviews in the form of narratives of seven patients who had a late leprosy diagnosis.

Results:

the search for diagnosis is a major difficulty in accessing health services, resulting in a late diagnosis and, consequently, with the presence of visible deformities. It was noticed that the health units do not have a flow, nor protocols for comprehensive treatment, and these people are referred to a referral unit in another state to perform sputum smear microscopy.

Final Considerations:

leprosy control actions need reformulations that seek the relationship between operational activities, epidemiological indicators and risk factors, in accordance with the real needs of each region, thus highlighting the gaps evidenced in the therapeutic itineraries.

Descriptors:
Leprosy; Delayed Diagnosis; Access to Health Care; Primary Health Care; Family Health Strategy

RESUMEN

Objetivos:

comprender cómo se procesan los itinerarios terapéuticos de las personas afectadas por la lepra.

Métodos:

estudio descriptivo, cualitativo, realizado en abril de 2018, en Barão de Grajaú, Maranhão, con entrevistas en forma de narrativas de siete pacientes con diagnóstico tardío de lepra.

Resultados:

la búsqueda del diagnóstico es una gran dificultad para acceder a los servicios de salud, resultando en un diagnóstico tardío y en presencia de deformidades visibles. Se notó que las unidades de salud no cuentan con un flujo ni protocolos de tratamiento integral, y estas personas son derivadas a una unidad de referencia en otro estado para realizar microscopía de baciloscopia de esputo.

Consideraciones Finales:

las acciones de control necesitan reformulaciones que busquen la relación entre las actividades operativas, los indicadores epidemiológicos y los factores de riesgo, de acuerdo con las necesidades reales de cada región, destacando las brechas que se evidencian en los itinerarios terapéuticos.

Descriptores:
Lepra; Diagnóstico Tardío; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Estrategia de Salud Familiar

INTRODUÇÃO

Apesar dos esforços de órgãos governamentais e de organizações não governamentais para implantação de diversas políticas públicas, a hanseníase, de origem milenar, permanece no século XXI como um grande desafio à saúde pública mundial(11 Fernandes MVC, Esteves AVF, Santos CB, Castro DB. Distribuição espacial e temporal da incidência da hanseníase em menores de 15 anos em Manaus. Enferm Bras 2019;18(2):264-72. doi: 10.33233/eb.v18i2.2469
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). Trata-se de uma doença infecciosa, crônica, com alto poder de produzir preconceito, estigma e exclusão social(22 Anchieta JJS, Costa LMM, Campos LC, Vieira MR, Mota OS, Morais Neto OL, et al. Trend analysis of leprosy indicators in a hyperendemic Brazilian state, 2001-2015. Rev Saude Publica. 2019;53:61. doi: 10.11606/S1518-8787.2019053000752
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).

A hanseníase é uma enfermidade associada às condições de pobreza, que se agrava com a situação de desigualdade, se enquadrando nas doenças negligenciadas e afetando mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo, sendo que o Brasil ocupa a segunda classificação nesse ranking(33 Levantezi M, Shimizu HE, Garrafa V. The principle of non-discrimination and non-stigmatization: reflections on leprosy. Rev Bioét. 2020;28(1):17-23. doi: 10.1590/1983-80422020281362
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). Para tanto, considera-se essa uma evidência importante para tomada de decisões do Estado brasileiro.

O Ministério da Saúde, baseando-se na estratégia global para eliminação da hanseníase, que visava acelerar a ‘ação rumo a um mundo sem hanseníase’, elaborou esse plano nacional como uma das diretrizes do programa pautado nos pilares de fortalecimento do controle e parceria governamental, combate à hanseníase e suas implicações e o enfrentamento à discriminação com promoção da inclusão social, de maneira que fosse implantado em todas as unidades federativas do Brasil(44 World Health Organization (WHO). Global leprosy strategy 2016-2020: Accelerating towards a leprosy-free world [Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 20]. 20 p. Available from: http://apps.searo.who.int/PDS_DOCS/B5233.pdf
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-55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Hanseníase: boletim epidemiológico. [Internet]. 2018 [cited 2020 Mar 05];49(4). 11 p. Available from: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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).

De acordo com o boletim epidemiológico de 2020, entre os anos de 2014 e 2018, foram diagnosticados, no Brasil, 140.578 casos novos de hanseníase, sendo, desses, 55,2% do sexo masculino, 58,3% de pardos declarados, 43,3% com ensino fundamental incompleto e taxa média de detecção de 13,64 casos novos por 100 mil habitantes(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Hanseníase: boletim epidemiológico. [Internet]. 2020[cited 2020 Mar 02]; Número especial. 51 p. Available from: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/janeiro/31/Boletim-hanseniase-2020-web.pdf
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).

Em 2019, do total de casos novos diagnosticados, 78,2% foram classificados como multibacilares, forma infectante da doença, e 82% foram avaliados quanto ao grau de incapacidade física no diagnóstico, com parâmetro considerado regular para esse indicador(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Hanseníase: boletim epidemiológico. [Internet]. 2020[cited 2020 Mar 02]; Número especial. 51 p. Available from: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/janeiro/31/Boletim-hanseniase-2020-web.pdf
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).

A incapacidade é um termo amplo que inclui qualquer impedimento, limitação de atividade ou restrição na vida de uma pessoa. Para tanto, é necessário determinar o Grau de Incapacidade Física (GIF) para cada caso novo de hanseníase multibacilar, com variações na escala de 0 a 2, sendo o grau 0 o determinante que nenhuma incapacidade foi encontrada; o grau 1 sinaliza para alterações relevantes nos olhos, mãos e pés; o grau 2 aponta para a presença de incapacidades perceptíveis, tais como reabsorções ósseas, lagoftalmo, úlceras, garras, dentre outras(77 Silva JSR, Palmeira IP, Sá AMM, Nogueira LMV, Ferreira AMR. Fatores sociodemográficos associados ao grau de incapacidade física na hanseníase. Rev Cuid. 2018;9(3):2338-48. doi: 10.15649/cuidarte.v9i3.548
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).

A determinação do GIF está intimamente relacionada ao tempo do diagnóstico da doença. De acordo com Leano et al.(88 Leano HAM, Araújo KMFA, Rodrigues RN, Bueno IC, Lana FCF. Indicadores relacionados à incapacidade física e diagnóstico de hanseníase. Rev Rene. 2017;18(6):832-9. doi: 10.15253/2175-6783.2017000600018
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), o diagnóstico da hanseníase apresenta algumas dificuldades, de maneira que o quadro clínico pode ser confundido com outras doenças de pele, o que favorece, para tanto, o diagnóstico tardio da doença, a ocorrência de incapacidades físicas e consequente evolução de deformidades.

A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem sido a principal responsável pelo diagnóstico e tratamento da doença em todo o país. Pereira et al.(99 Pereira TM, Silva LMS, Dias MAS, Monteiro LD, Silva MRF, Alencar OM. Temporal trend of leprosy in a region of high endemicity in the Brazilian Northeast. Rev Bras Enferm. 2019;72(5):1424-30. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0682
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) destacam que a incorporação da vigilância e as ações de controle da hanseníase são consideradas estratégias importantes desempenhadas na atenção primária, tendo como desafio assegurar que todas as pessoas tenham igual oportunidade de serem diagnosticadas e tratadas.

Nesse direcionamento, questiona-se: como se dá a busca por diagnóstico das pessoas acometidas pela hanseníase? Quais as dificuldades por elas encontradas nesse percurso? Quais os fatores/processos determinantes para o diagnóstico tardio? Para responder a essas questões, utilizamos, como base teórica e metodológica, os Itinerários Terapêuticos (IT), que consistem em um importante meio para compreender as demandas em saúde das pessoas, podendo ser compreendidos como a busca de cuidados terapêuticos pelos indivíduos(1010 Gerhardt TE, Pinheiro R, Ruiz ENF, Silva Jr AG. Itinerários terape^uticos: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC / IMS/ UERJ ABRASCO; 2016. 437 p.).

Os IT têm sido explorados por meio de diferentes perspectivas, muitas vezes de modo fragmentado, circunscrito à descrição de percursos ou fluxos, tanto pelo sistema formal, de busca e oferta pela rede de serviços de saúde, como pelo sistema informal, envolvendo o autocuidado e as práticas religiosas. Porém, no que se refere aos fluxos programáticos, nem sempre esses correspondem às necessidades das pessoas, podendo resultar em peregrinações mal sucedidas por diversos serviços de saúde(1111 Silva NEK, Sancho LG, Figueiredo WS. Between flows and therapeutic projects: revisiting the notions of lines of care in health and therapeutic itineraries. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(3):843-52. doi: 10.1590/1413-81232015213.08572015
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).

OBJETIVOS

Compreender como se processam os itinerários terapêuticos das pessoas acometidas pela hanseníase.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo intitulado “Podem até dizer que cura a pele, mas a hanseníase não tem cura: IT de pessoas com hanseníase multibacilar” foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, respeitando os aspectos éticos previstos na legislação vigente acerca de pesquisa com seres humanos.

Tipo de estudo

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, em que se utilizou a ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(1212 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care[Internet]. 2007 [cited 2020 May 07];19(6):349-57. Available from: http://cdn.elsevier.com/promis_misc/ISSM_COREQ_Checklist.pdf
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), que dispõe de 32 itens de orientação às pesquisas qualitativas.

Procedimentos metodológicos

Para a localização e posterior contato dos pacientes, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) de cada microárea da ESF apoiaram esse momento, inclusive, com participação em algumas visitas. A coleta foi realizada mediante entrevista, com itens que contemplavam a identificação do usuário e duas questões geradoras, a saber: como foi sua trajetória para saber da doença? Que caminho percorreu para ser cuidado?

Cenário do estudo

A pesquisa foi desenvolvida na zona rural e urbana do município Barão de Grajaú, situado no leste maranhense, com população estimada de 18.820 pessoas(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades: Barão de Grajaú, Maranhão [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 03]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/barao-de-grajau/panorama
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). O município possui, em sua infraestrutura de serviços de saúde, 10 estabelecimentos: um hospital municipal de pequeno porte com 30 leitos e nove equipes de ESF (cinco na zona rural e quatro na urbana). No tocante ao atendimento da hanseníase, a referência acontece para os municípios de São João dos Patos, Caxias e Presidente Dutra no Maranhão; no entanto, pela proximidade, os usuários buscam também o município de Floriano, no Piauí, através da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), para a realização de baciloscopia e consulta com médico especializado.

Participantes

Os participantes da pesquisa foram residentes do município, maiores de 18 anos, diagnosticados com hanseníase multibacilar, que fizeram tratamento no município e cadastrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) entre os anos de 2001 e 2015. A escolha desse intervalo se justificou pelo início dos registros no SINAN na base de dados Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Nesse intervalo, foram notificados 224 casos no total, sendo 116 paucibacilares (PB) e 108 multibacilares (MB). No entanto, ao serem examinadas as notificações via sistema municipal, apenas 170 foram registradas, sendo 73 PB e 97 MB. Assim, compreendendo essa divergência, foram considerados os dados do sistema de saúde municipal pela disponibilidade de documentos para posterior contato dos pacientes MB.

Das 97 pessoas com hanseníase multibacilar, 73 finalizaram o tratamento, preenchendo os critérios de inclusão do estudo. Dessas, 39 foram localizadas e entrevistadas, considerando que algumas não se encontravam mais no endereço informado e outras não comparecerem ao local combinado, conforme agendamento. Ressalta-se que os itinerários descritos e analisados foram de pessoas que tiveram diagnóstico tardio, apresentaram episódios reacionais, tiveram recidiva da doença e histórico de retratamento, resultando, para tanto, em sete participantes.

Produção de dados

Algumas entrevistas aconteceram no momento da identificação dos participantes e outras após agendamento em horário e local mais cômodo para esses. Em sua maioria, ocorreram na própria residência, outras em igrejas próximas às residências e também nas Unidades Básicas de Saúde. Essas foram gravadas com o uso de gravador portátil de forma individualizada. As informações objetivas foram obtidas através de fontes secundárias (SINAN) e atualizadas no momento da entrevista por meio do roteiro elaborado com questões dos dados pessoais e socioeconômicos.

As entrevistas foram transcritas e organizadas em formato de narrativas, e, por meio desta, buscou-se um diálogo correspondido através das falas das pessoas. Esse tipo de entrevista visa encorajar e estimular a pessoa a contar algo sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social(1414 Muylaert CJ, Sarubbi Jr V, Gallo PR, Rolim Neto ML, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(spe2):184-9. doi: 10.1590/S0080-623420140000800027
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).

Sete narrativas foram utilizadas para a análise dos dados, sendo que essa escolha foi realizada de maneira intencional, selecionando-se os pacientes com diagnóstico tardio da hanseníase e, consequentemente, algum comprometimento neural. Essas narrativas foram organizadas, também em formato de figuras, utilizando o Inkscape, um editor de gráficos vetoriais de qualidade profissional para Linux, Windows e macOS, versão 0.92.2 (2017), que se constituíram nos IT.

Análise dos achados

Para o tratamento do material obtido, foi utilizada a análise temática de Minayo(1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.), com unidades temáticas considerando as etapas a seguir: (1) Pré-análise, que consistiu na escolha do material a ser analisado; (2) Leitura flutuante, que consistiu na constituição do corpus, formulação e reformulação de hipóteses ou pressupostos, com transcrição das narrativas e sua identificação por ordem numérica de acordo com a abordagem dos participantes; (3) Constituição do corpus em que se deu a organização do material estudado, utilizando os critérios de validade qualitativa: exaustividade, representatividade, homogeneidade, a pertinência; (4) Determinação da unidade de registro, da unidade de contexto, dos recortes e da forma de categorização, da modalidade de codificação e dos conceitos teóricos mais gerais.

A sustentação teórica foi possibilitada pelos IT, constituídos por todos os movimentos desencadeados por indivíduos na prevenção ou recuperação da saúde, que podem mobilizar diferentes recursos que incluem desde os cuidados caseiros, práticas religiosas até as redes predominantes como a atenção primária e a urgência, ou seja, equivale à tomada de decisões, tendo como objetivo o diagnóstico e ou tratamento da doença, que constrói uma determinada trajetória(1616 Cabral ALV, Martinez-Hemáez A, Andrade EIG, Cherchiglia ML. Itinerários terapêuticos: o estado da arte da produção científica no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(11):4433-42. doi: 10.1590/S1413-81232011001200016
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).

Foram geradas três categorias de análise conforme os dados empíricos proporcionados pelos IT, a saber: Peregrinação em busca do diagnóstico da hanseníase: um longo caminho; Autopercepção dos sinais clínicos e suspeição da doença por familiares e amigos; As marcas da hanseníase: o episódio reacional hansênico como potencializador do adoecimento.

RESULTADOS

Apresentaremos, a seguir, os sujeitos e as trilhas que os pacientes percorreram, muitas delas inviabilizando o acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, o cuidado.

P1 – J.E.F.S. - 60 anos, sexo masculino, casado, ensino fundamental incompleto, pedreiro, católico, sem renda fixa, mora com cinco pessoas em uma residência construída pelo poder municipal com cinco cômodos.

IT P1 – Suspeitou da hanseníase em 2013 quando morava e trabalhava em Três Lagoas, no Mato do Grosso do Sul. No horário do banho no trabalho, percebeu manchas nas costas, braços e costelas. Isso o levou a procurar pelo serviço de saúde da empresa. O médico identificou como alergia e prescreveu uma pomada, usada por vários meses, que aliviou a coceira, porém as manchas permaneceram. Em sua folga, visitou a família no Maranhão, e o irmão suspeitou da doença. No retorno ao trabalho, as manchas se exacerbaram, procurando o médico por mais três vezes, que seguiu a conduta anterior, o que o fez usar a pomada por mais de sete meses. Em julho de 2014, após demissão, retornou ao Maranhão com sintomas avançados (coceiras, pés dormentes, dores nas articulações), procurou à UBS de Barão do Grajaú, e, na consulta, o médico solicitou a baciloscopia (realizada em Floriano, Piauí), com resultado positivo para hanseníase, e, em seguida, iniciou o tratamento. Nas primeiras semanas da poliquimioterapia (PQT), o paciente sentia muitas dores e teve que retornar à unidade, recebendo encaminhamento para a rede privada de Floriano, em que recebeu as prescrições da talidomida e posteriormente prednisona. Na Figura 1, podemos visualizar o IT do paciente 1:

Figura 1
Itinerário Terapêutico de P1

P2 – H.F.S. – 23 anos, sexo masculino, solteiro, cursando ensino superior, católico, renda de um salário mínimo, mora com os pais em casa própria de três cômodos.

IT P2 – Tudo começou com uma manchinha na perna, que não sumia, chegando a se consultar com três médicos da cidade. Na quarta consulta, chegou-se ao diagnóstico positivo para a hanseníase após a realização de exames em Floriano-PI. O tratamento foi realizado pela equipe de saúde da UBS de seu município. O tratamento foi realizado em 2012, mas, até o período da coleta, o paciente permanecia em acompanhamento, pois os nódulos se exacerbavam em períodos intervalares, com processo inflamatório e episódios de febre e muitas dores (SIC). O médico da ESF o encaminhou para o especialista da rede privada de Floriano, continuando com consultas a cada 30 dias por conta do uso contínuo da prednisona de 10 mg, com alterações da dose para 20 mg.

Figura 2
Itinerário Terapêutico de P2

P3 – S.F.S. – 80 anos, sexo masculino, casado, ensino fundamental incompleto, lavrador/aposentado, católico, renda de dois salários mínimos, mora em casa própria com seis cômodos e mais três pessoas.

IT P3 – A peregrinação começou devido às dores nas articulações. Foi à Teresina e o médico suspeitou da hanseníase, mas passou medicação injetável (citoneurin) por seis meses, pedindo retorno após o uso, porém foi encaminhado pelo ACS de sua área para o médico da ESF em Barão de Grajaú. Nessa consulta, houve o diagnóstico e iniciou o tratamento por seis meses, acrescido da prednisona para diminuir as dores. Antes de encerrar o tratamento, o paciente foi à Imperatriz no Maranhão e lá procurou a UBS para dar seguimento à PQT. Ao avaliá-lo, o médico percebeu que o esquema terapêutico era incompatível para a forma clínica da doença, e lhe disse que o tratamento estava errado, com necessidade de alteração urgente, pois a doença estava avançada. Solicitou retorno à UBS para iniciar o tratamento de um ano, e, após três meses desse novo tratamento, voltou para Barão de Grajaú, retornando à ESF. O médico o encaminhou para Floriano para consulta com especialista da rede privada.

Figura 3
Itinerário Terapêutico de P3

P4 – R.S.S. – 65 anos, sexo feminino, solteira, sem escolarização, aposentada, renda de um salário mínimo, católica, mora com sua filha e outras seis pessoas em uma casa de oito cômodos.

IT P4 – Teve contato prolongado com a filha, que foi diagnosticada com hanseníase em 2009, mas somente em 2014 ela soube que também tinha a doença. Apresentava uma mancha no rosto, foi para uma clínica particular em Floriano, e a médica pediu o exame do cotovelo, mas, por duas vezes, procurou a Unidade de saúde da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), que é o centro de referência para hanseníase, mas não conseguiu. Retornou à consulta e a médica iniciou o tratamento de seis meses. Um ano após o tratamento concluído, procurou outro médico, porque a mancha voltou, e, dessa vez, a baciloscopia foi realizada com resultado positivo, iniciando um tratamento de 12 meses, e logo foi acrescentada também a prednisona para diminuir as dores. No local da mancha, surgiu uma bolha, tendo retornado à unidade de saúde FUNASA, e, na ocasião, o médico acrescentou a talidomida por quatro meses.

P5 - A.V.P.S. – 36 anos, sexo feminino, casada, ensino superior completo, professora de educação infantil, católica, renda de 1,5 salários mínimos, reside em casa própria de cinco cômodos.

Figura 4
Itinerário Terapêutico de P4

IT P5 - Suspeitou da doença ao perceber manchas no corpo. Usou pomada por conta própria, sem apresentar melhora. Um amigo que fazia tratamento para hanseníase a orientou a procurar a FUNASA em Floriano para fazer a baciloscopia. Ela foi, porém necessitava da guia de solicitação do exame por um profissional de saúde, então procurou a UBS de seu município. No dia seguinte, retornou com a solicitação e fizeram a baciloscopia, e, no mesmo dia, à tarde, recebeu o resultado positivo. Ficou desesperada e voltou para casa para receber conforto. Inconformada, procurou um médico particular, e logo soube que esse tratamento só existia no serviço público, aumentando sua aflição. Procurou então a UBS e iniciou o tratamento de 12 meses. Sofreu muito inicialmente, porque as manchas ficaram mais vivas e sentia muitas dores no corpo. O médico acrescentou outro medicamento para melhorar. Terminou o tratamento, mas as cicatrizes permanecem para contar história.

Figura 5
Itinerário Terapêutico de P5

P6 – R.V.S. – 28 anos, sexo feminino, solteira, ensino médio completo, curso técnico em enfermagem (em andamento), atualmente trabalha como auxiliar de limpeza, católica, renda de meio salário mínimo, mora em casa própria de sete cômodos com três pessoas.

IT P6 – Tudo começou a partir de um caso na família (irmã) e contato prolongado, ela teve a doença e fez o tratamento. Percebeu a mancha nas costas e solicitou que a irmã tocasse, mas não sentia o toque. Procurou a UBS, e o médico solicitou a baciloscopia para ser realizada em Floriano. Retornou com o resultado para o médico da UBS, realizando o tratamento durante todo o ano de 2004. Sete anos depois, sentiu o corpo coçar antes de dormir. Sua residência não tinha energia elétrica, então, somente no dia seguinte, pôde visualizar o que a incomodava. Percebeu muitas manchas pelo corpo inteiro, mas, infelizmente, era final de semana, e o único lugar que conseguiu atendimento foi no hospital do município. Passaram um remédio pra dor e pediram que procurasse a UBS na segunda (já sugerindo diagnóstico de hanseníase), ou seja, o final de semana foi de mal estar e angústia. Na segunda, procurou a UBS, foi solicitada a baciloscopia, novamente feita em Floriano, e, no mesmo dia, recebeu o resultado negativo, mas a doença estava presente segundo o profissional. Iniciou o tratamento, e, após seis meses, parou por conta própria durante um mês, devido constante mal-estar. O ACS da área a sensibilizou quanto à importância da continuidade do tratamento, e, assim, voltou a tomar as doses diárias autoadministradas por mais seis meses. Os períodos dos dois tratamentos foram marcados por preconceitos e por rejeição.

Figura 6
Itinerário Terapêutico de P6

P7 - C.A.R. - 34 anos, sexo masculino, solteiro, ensino médio incompleto, canoeiro (atravessador de pessoas no rio Parnaíba que divide os estados do Maranhão e Piauí), católico, renda de um salário mínimo, mora com os pais em casa alugada com quatro cômodos.

IT P7 - No começo, tinha uma mancha pequena, que foi aumentando, o que o fez procurar a UBS. Na consulta com o médico, foram realizados vários testes, o da agulha, o da orelha, e um usando os tubos de ensaio com água quente e fria. Os resultados foram normais, então foi solicitada a baciloscopia, feita em Floriano. Os exames deram negativos e a mancha continuou aumentando. Somente três anos depois procurou outro profissional em uma clínica particular, e esse solicitou uma biópsia, que deu positiva para hanseníase, tendo sido encaminhado para iniciar o tratamento em Barão de Grajaú. Após alguns meses de tratamento, complementou com prednisona de 20 mg, pois sentia muitas dores. Mesmo com o fim do tratamento, as lesões não sumiram, continuou a preocupação, e, mais tarde, quase três anos depois, procurou outro profissional, que não solicitou nenhum exame e o encaminhou para reiniciar o tratamento em 2016.

Figura 7
Itinerário Terapêutico de P7

DISCUSSÃO

Peregrinação em busca do diagnóstico da hanseníase: um longo caminho

Os IT demonstram que a busca pelo diagnóstico se configura uma grande dificuldade de acesso aos serviços de saúde, que, na maioria das vezes, é longo, resultando no diagnóstico tardio e, consequentemente, com presença de deformidades visíveis, reforçando o estigma associado à hanseníase.

Ressaltamos, também, que a dificuldade de acesso se deve à falta de conhecimento da população em relação aos sinais e sintomas da doença, o despreparo dos profissionais bem como as falhas operacionais e o modo de organização dos serviços de saúde no município, constituindo-se como uma das barreiras para o cuidado em hanseníase.

Corroborando com nossos achados, o estudo de Silva et al.(1717 Silva JSR, Palmeira IP, Sá AMM, Nogueira LMV, Ferreira AMR. Variáveis associadas ao grau de incapacidade. Rev Cuid. 2019;10(1):e618. doi: 10.15649/cuidarte.v10i1.618
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) destaca que as características peculiares da doença, seu longo período de incubação e os sinais e sintomas insidiosos associados às deficiências operacionais dos serviços, as lacunas na formação dos profissionais de saúde e o difícil acesso aos serviços propiciam um entrave de acesso para o diagnóstico precoce e tratamento oportuno.

Em um estudo realizado em Minas Gerais, que investigou a trajetória dos casos de hanseníase, demonstrou que 73,9% dos pacientes não tinham conhecimento dos sintomas iniciais da hanseníase, sendo que esse mesmo quantitativo referiu demora menor ou igual a um mês para conseguir uma consulta na unidade(1818 Laurindo CR, Vidal SL, Gama BMBM, Loures LF, Fernandes GAB, Coelho ACO. Trajetória de casos de hanseníase e fatores relacionados. Cienc Cuid Saude. 2018;17(3) e42275. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v17i3.42275
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

No município estudado, percebemos que as UBS não têm um fluxo e nem protocolos para o tratamento integral à pessoa com hanseníase, a exemplo de suspeição diagnóstica, diagnóstico e investigação epidemiológica, nem tão pouco se configura como porta de entrada no Sistema Único de Saúde, dificultando o acesso das pessoas com hanseníase ao cuidado. Situação semelhante é encontrada no estudo de Vieira et al.(1919 Vieira NF, Rodrigues RN, Niitsuma ENA, Lanza FM, Lana FCF. Avaliação da atenção primária: comparativo entre o desempenho global e as ações de hanseníase. Rev Enferm Cent O Min. [Internet]. 2019 [cited 2020 Mar 28];9(2896):2-8. Available from: http://seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/2896
http://seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/...
), em que o desempenho da APS, no geral, é melhor quando comparada com as ações de controle da hanseníase. No entanto, apesar das fragilidades, vários estudos apontam a importância de integrar as ações de controle da hanseníase na APS, uma vez que é considerada uma potência no cuidado às pessoas acometidas pela doença(2020 Lanza FM, Vieira NF, Oliveira MMC, Lana FCF. Evaluation of the Primary Care in leprosy control: proposal of an instrument for users. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(6):1054-61. doi: 10.1590/S0080-623420140000700013
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
-2121 Sousa GS, Silva RLF, Xavier MB. Atributos da atenção primária em saúde no controle da hanseníase: ótica do enfermeiro. Rev Baiana Enferm. 2017;31(1):1-10. doi: 10.18471/rbe.v31i1.17251
https://doi.org/10.18471/rbe.v31i1.17251...
).

Observamos, também, que a maioria dos casos é encaminhada para a unidade de referência para a realização da baciloscopia, apesar do diagnóstico da hanseníase ser considerado essencialmente clínico, quando o protocolo do Ministério da Saúde preconiza que o diagnóstico deve ser feito nas UBS, e encaminhados apenas os casos complexos, tais como recidiva, hanseníase em menores de 15 anos e reações hansênicas(2222 Ministe´rio da Saúde (BR). Secretaria de Vigila^ncia em Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, com a finalidade de orientar os gestores e os profissionais dos serviços de saúde: Portaria MS/GM n. 149, de 3 de fevereiro de 2016. Brasília, DF: Ministe´rio da Saúde; 2016.).

As UBS se configuram como a porta de entrada no sistema de saúde, no entanto percebemos que os usuários nem sempre procuram primeiramente por esse serviço, como pode ser evidenciado no IT dos participantes 1, 2 e 3, que procuram serviços privados, mesmo morando em um município com cobertura de ESF, demostrando a fragilidade da APS para o cuidado as pessoas com hanseníase.

Os IT descritos no estudo demonstram que, quando os pacientes chegam aos serviços, com seus anseios após suspeitas ou terapêuticas incorretas inicialmente realizadas, se deparam com profissionais despreparados para acolhê-los e sanar suas dúvidas.

Autopercepção dos sinais clínicos e suspeição da doença por familiares e amigos

O diagnóstico da hanseníase é essencialmente clínico, baseado nos sinais e sintomas, devendo ser realizado nos serviços de APS por meio do exame dermatoneurológico(2222 Ministe´rio da Saúde (BR). Secretaria de Vigila^ncia em Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, com a finalidade de orientar os gestores e os profissionais dos serviços de saúde: Portaria MS/GM n. 149, de 3 de fevereiro de 2016. Brasília, DF: Ministe´rio da Saúde; 2016.). Nos IT do nosso estudo, todas as pessoas relatam que perceberam as manchas no corpo, como aponta o relato de P1 “Eu estava todo pintado, com umas patacas, vermelhas e coçava”.

No entanto, nem sempre encontraram diagnóstico precoce ao procurar o serviço de saúde, levando a um atraso no início do tratamento, como podemos evidenciar nos IT ao relatarem que o diagnóstico só foi concluído mediante exame de baciloscopia, que, segundo diretrizes do Ministério da Saúde, pode ser dado pelo exame dermatoneurológico e instituído o tratamento imediatamente(2222 Ministe´rio da Saúde (BR). Secretaria de Vigila^ncia em Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, com a finalidade de orientar os gestores e os profissionais dos serviços de saúde: Portaria MS/GM n. 149, de 3 de fevereiro de 2016. Brasília, DF: Ministe´rio da Saúde; 2016.). Vários estudos apontam que a APS é o local escolhido pelos pacientes quando suspeitam que estão com hanseníase, mas que, na maioria das vezes, são referenciados para serviços especializados(2020 Lanza FM, Vieira NF, Oliveira MMC, Lana FCF. Evaluation of the Primary Care in leprosy control: proposal of an instrument for users. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(6):1054-61. doi: 10.1590/S0080-623420140000700013
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-21,2323 Silva MCD, Paz EPA. Nursing care experiences with Hansen's disease patients: contributions from hermeneutics. Acta Paul Enferm. 2017;30(4):435-41. doi: 10.1590/1982-0194201700064
https://doi.org/10.1590/1982-01942017000...
).

Nas narrativas dos participantes, foi perceptível a importância de familiares e amigos na descoberta da doença, semelhante a outros estudos que apontam o envolvimento familiar como de grande relevância para o cuidado as pessoas com hanseníase(2424 Barbosa JC, Ramos Jr AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saude Coletiva. 2014;22(4):351-8. doi: 10.1590/1414-462X201400040008
https://doi.org/10.1590/1414-462X2014000...
).

Verificamos que, no caso do município em questão, os pacientes foram encaminhados para outro serviço para a realização dos testes, e, ao retornarem para a unidade de saúde, receberam o tratamento prescrito, porém as narrativas não trazem essas orientações, esse apoio dos profissionais nesse momento difícil e transformador que é o diagnóstico da hanseníase, uma vez que o quanto mais precoce for o diagnóstico, menor é o desenvolvimento de incapacidades, que deixam marcas para a vida toda, perpetuando o estigma relacionado à doença.

As marcas da hanseníase: o episódio reacional hansênico como potencializador do adoecimento

A hanseníase pode provocar Episódios Reacionais Hansênicos (ERH) ou reações hansênicas, que são eventos agudos dentro de uma doença crônica, com ocorrência entre 25 e 30% dos casos diagnosticados, sendo, também, responsáveis pelo desenvolvimento de incapacidades físicas permanentes(2222 Ministe´rio da Saúde (BR). Secretaria de Vigila^ncia em Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, com a finalidade de orientar os gestores e os profissionais dos serviços de saúde: Portaria MS/GM n. 149, de 3 de fevereiro de 2016. Brasília, DF: Ministe´rio da Saúde; 2016.,2525 Alencar MJF, Barbosa JC, Pereira TM, Santos SO, Eggens KH, Helkelbach J. Lep-rosy reactions after release from multidrug therapy in an endemic cluster in Brazil: patient awareness of symptoms and self-perceived changes in life. Cad Saúde Colet. 2013;21(4):450-6. doi: 10.1590/S1414-462X2013000400014
https://doi.org/10.1590/S1414-462X201300...
).

As reações hansênicas também foram relatadas neste estudo, com ocorrência de forma sintomática, localizada ou sistêmica, em tempos distintos (antes, durante ou após o tratamento), trazendo transtornos para essas pessoas, em especial pelas dificuldades dos profissionais de interpretarem esses sintomas como estados reacionais da doença, de maneira que algumas situações foram confundidas, como reativação do bacilo, com orientação de novo tratamento, contribuindo para uma peregrinação ainda mais angustiante do usuário.

Considerando sua cronicidade e o desenvolvimento de incapacidades físicas e psicossociais, a pessoa acometida pela hanseníase necessitará de cuidados e vigilância constante, com acesso aos demais níveis de complexidade como forma de garantia da integralidade da atenção(77 Silva JSR, Palmeira IP, Sá AMM, Nogueira LMV, Ferreira AMR. Fatores sociodemográficos associados ao grau de incapacidade física na hanseníase. Rev Cuid. 2018;9(3):2338-48. doi: 10.15649/cuidarte.v9i3.548
https://doi.org/10.15649/cuidarte.v9i3.5...
).

Nos IT, os usuários relataram que, quando acometidos por ERH, são encaminhados para outro município, uma vez que não há serviços de referência na cidade, e, muitas vezes, precisam utilizar o serviço privado, situação que revela certa precarização e desresponsabilização sanitária, mas também a necessidade premente de qualificar o acesso.

A peregrinação do paciente até chegar ao diagnóstico foi tardia ou o acompanhamento foi inadequado, pois, na presença de ERH causados pela hanseníase, devem ser reconhecidos e tratados oportunamente, com vistas a promover ações de prevenção de novos episódios.

Limitações do estudo

O estudo teve como limitações a dificuldade de os pacientes rememorarem suas trajetórias em busca de cuidado, além do desconforto ao falar sobre uma doença estigmatizada que provoca preconceitos e discriminação. Destarte, outro fator a ser considerado foi a sua realização ter ocorrido apenas em um dos municípios do estado do Maranhão, de maneira que seria importante essa investigação nos demais, até mesmo para uma avaliação da efetividade da atenção primária com foco na hanseníase, na perspectiva da elaboração de políticas públicas que qualificassem as ações do estado de maneira global.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde, ou política pública

A APS é um campo de prática da enfermagem de grande relevância na assistência à pessoa com hanseníase. Este estudo, por meio das interpretações dos IT produzidos pelos usuários, poderá subsidiar o desenvolvimento de ações mais eficazes no sistema de saúde, possibilitando o redirecionamento das ações desenvolvidas pelos profissionais das equipes da ESF, especialmente o enfermeiro, uma vez que este é considerado o gestor do cuidado. Estudos baseados em IT contribuem para a implementação de políticas públicas voltadas para as pessoas acometidas pela hanseníase, uma vez que é possível identificar as lacunas dos serviços de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa nos fez enxergar as marcas que essa doença pode trazer, ouvindo, vendo e sentindo as realidades das pessoas que tiveram hanseníase e compreendendo como foi seu percurso em busca de diagnóstico e tratamento.

A trajetória dos pacientes foi identificada peles redes assistenciais formais: ESF e seus profissionais, as clínicas privadas e a unidade de referência. As redes de apoio social foram destacadas pelos familiares.

No município cenário da pesquisa, as ações de controle da hanseníase necessitam de reformulações que busquem a relação entre as atividades operacionais, indicadores epidemiológicos e os fatores de risco, em concordância com as reais necessidades de cada região, destacando-se, assim, as lacunas evidenciadas nos IT. Enfim, a realidade vivenciada pelas pessoas com hanseníase, apontada no estudo, expõe os obstáculos que dificultam o acesso aos serviços de saúde.

Assim, questões como disponibilidade, acessibilidade, infraestrutura institucional, gestão financeira e aceitabilidade fizeram com que a busca por diagnóstico fosse prolongada, tardando a assistência.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2020
  • Aceito
    11 Out 2020
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