Qualidade de vida de estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde

RESUMO

Objetivos:

avaliar a qualidade de vida de estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde.

Métodos:

estudo transversal, realizado com 503 mestrandos e doutorandos do Centro-Oeste brasileiro, usando o WHOQOL-BREF para analisar sua qualidade de vida. A análise incluiu o coeficiente alfa de Cronbach, análise fatorial confirmatória e análises bivariada e multivariada.

Resultados:

maior idade e ter filho associaram-se com maiores escores médios de qualidade de vida, enquanto diagnóstico de ansiedade/depressão, dificuldade em gerir atividades acadêmicas e pessoais e pensar em desistir do curso foram associados a menores escores médios nos domínios da qualidade de vida (p<0,05).

Conclusões:

estudantes de mestrado e doutorado têm redução da qualidade de vida durante todo o período de formação, principalmente na saúde psicológica e física. A gestão das atividades acadêmicas e desistir do curso são as principais variáveis associadas a diminuição da qualidade de vida desses estudantes.

Descritores:
Qualidade de Vida; Educação de Pós-Graduação; Estudantes; Saúde Mental; Profissões de Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to assess the quality of life of master’s and doctoral students in health.

Methods:

this is a cross-sectional study carried out with 503 master’s and doctoral students from the Brazilian Center-West, using the WHOQOL-BREF to analyze their quality of life. Analysis included Cronbach’s alpha coefficient, confirmatory factor analysis and bivariate and multivariate analyzes.

Results:

older age and having a child were associated with higher average quality of life scores, while diagnosis of anxiety/depression, difficulty in managing academic and personal activities and thinking about dropping out of course were associated with lower average scores in quality of life domains (p <0.05).

Conclusions:

master’s and doctoral students have reduced quality of life during the entire training period, mainly in psychological and physical health. The management of academic activities and dropping out of course are the main variables associated with decreased students’ quality of life.

Descriptors:
Quality of Life; Education; Graduate; Students; Mental Health; Health Occupations

RESUMEN

Objetivos:

evaluar la calidad de vida de los estudiantes de maestría y doctorado en el área de la salud.

Métodos:

estudio transversal, realizado con 503 estudiantes de maestría y doctorado del Medio Oeste brasileño, utilizando el WHOQOL-BREF para analizar su calidad de vida. El análisis incluyó el coeficiente alfa de Cronbach, el análisis factorial confirmatorio y los análisis bivariados y multivariados.

Resultados:

la edad avanzada y tener un hijo se asociaron con puntuaciones medias más altas para la calidad de vida, mientras que el diagnóstico de ansiedad/depresión, la dificultad para manejar las actividades académicas y personales y la idea de abandonar el curso se asociaron con puntuaciones medias más bajas en los dominios de calidad de vida (p<0,05).

Conclusiones:

los estudiantes de maestría y doctorado han reducido la calidad de vida durante todo el período de formación, principalmente en salud psicológica y física. La gestión de las actividades académicas y el abandono del curso son las principales variables asociadas a la disminución de la calidad de vida de estos estudiantes.

Descriptores:
Calidad de Vida; Educación de Postgrado; Estudiantes; Salud Mental; Empleos en Salud

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre aspectos da qualidade de vida (QV) dos estudantes de mestrado e doutorado extrapola medidas tradicionais voltadas para o desempenho acadêmico e/ou diagnóstico de doenças. A importância dessa temática tem sido cada vez mais reconhecida no mundo e no Brasil, ressaltando-se a necessidade de compreender os prejuízos em múltiplos aspectos da vida que podem ser inerentes ao processo de formação do pesquisador^(1-2).

Estudantes de mestrado e doutorado conduzem grande parte das pesquisas no mundo, sendo uma das relevantes fontes de avanço científico e recursos humanos de centros de ensino e universidades⁽¹⁾. No entanto, o processo de trabalho, frequentemente estressor, tem sido associado a risco real de adoecimento e comprometimento de vários aspectos da vida desses estudantes^(1,3). Assim, destaca-se a necessidade de acompanhar o esgotamento de estudantes de pós-graduação da área da saúde, por frequentemente possuírem níveis mais altos de Burnout do que os pares da mesma idade e população em geral. Além disso, o esgotamento em estudantes de pós-graduação em saúde pode afetar sua saúde mental, empatia e conduta profissional⁽⁴⁾.

Estudantes de mestrado e doutorado, em sua maioria, experimentam situações/condições negativas durante a sua formação e que podem prejudicar a sua QV. Estudos recentes mostram que o estresse esteve presente em percentuais que variam de 33,4% a 51,0% dos relatos desses estudantes^(5-7), e a sobrecarga de trabalho na pós-graduação foi apontada por 47,4% dessa população⁽⁷⁾. Outro estudo⁽⁸⁾ observou que 16,0% dos estudantes pós-graduação apresentavam transtorno de ansiedade e sua relação com o orientador foi avaliada como negativa por 96,3% desses estudantes.

A literatura sugere que, entre estudantes de pós-graduação stricto sensu (PGSS) da área da saúde, o estresse, o sexo feminino e o último ano acadêmico estão associados a prejuízo significativo dos componentes mental e físico da QV^(5,9-10). Além do mais, a saúde e as relações sociais podem ser os componentes mais afetados na QV desses estudantes, evidenciado pelo menor escore nos domínios estado geral de saúde e aspectos sociais⁽¹¹⁾.

Considerando que a QV é um indicador sensível das condições de vida, saúde e de interação social experimentadas pelos indivíduos, refletindo sua cultura, valores e expectativas⁽¹²⁾, observa-se que a literatura sobre avaliação da QV de estudantes de mestrado e doutorado ainda é incipiente. Os estudos atuais são restritos ao diagnóstico de estresse, estressores e doenças mentais, limitando a compreensão de fatores sociodemográficos que podem influenciar a QV desses estudantes^(5,13). Apesar dos avanços nas investigações, a maioria dos estudos identificados sobre QV de mestrandos e doutorandos contempla, especialmente, alunos da área de farmácia^(5,9-10), confirmando a relação do estresse com os componentes mental e físico da QV.

OBJETIVOS

Avaliar a qualidade de vida de estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde nos anos de formação e explorar fatores sociodemográficos que influenciaram a qualidade de vida desses estudantes.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo seguiu as diretrizes vigentes para experimentos com seres humanos no Brasil, obtendo aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa em 2017, em acordo com a Resolução 466/12⁽¹⁴⁾. Todos os participantes concordaram em participar do estudo de forma voluntária por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tiveram sua identidade preservada.

Desenho, período e local do estudo

Estudo transversal realizado no primeiro semestre de 2017 em nove programas de pós-graduação federais da Região Centro-Oeste do Brasil, norteado pela ferramenta STROBE.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

Foram convidados estudantes de mestrado ou doutorado da área da saúde a partir de lista de contatos de e-mail fornecida pelos programas de pós-graduação. Nesses programas, o mestrado dura aproximadamente três anos, e o doutorado, aproximadamente quatro anos. No primeiro ano, os estudantes de mestrado e doutorados cursam disciplinas obrigatórias e optativas, desenvolvem seu projeto de pesquisa para comitê de ética. No segundo ano, estão envolvidos em coletar dados, elaborar sua dissertação/teses para qualificação. No terceiro ano de mestrado, produzem manuscritos para submissão a periódicos científicos e defesa do produto final (dissertação). Finalmente, no quarto ano, os doutorandos produzem manuscritos para submissão a periódicos científicos e defesa do produto final (Tese).

Os critérios de seleção foram estar matriculado e cursando mestrado ou doutorado em um dos nove programas em instituição pública de ensino de uma capital do Centro-Oeste brasileiro, ter pelo menos trinta dias de curso, considerando esse tempo como suficiente para o estudante ter iniciado seu contato com o cenário acadêmico⁽²⁾.

A distribuição de atividades acadêmicas durante os anos do curso está relacionada com as diretrizes nacionais de avaliação e desenvolvimento da pós-graduação no Brasil⁽¹⁵⁾. A avaliação tem, entre seus indicadores, o tempo de formação do pesquisador, sendo fator negativo ultrapassar o tempo esperado para conclusão do curso. Assim, os programas de pós-graduação brasileiros tendem a requisitar que os estudantes concluam as atividades no prazo estimado de até três e quatro anos para mestrado e doutorado, respectivamente.

Protocolo do estudo

Os estudantes responderam os instrumentos da pesquisa por meio de formulário eletrônico de forma independente e anônima após acessarem informações sobre o estudo e fornecerem seu consentimento para participar da pesquisa. Participantes que não retornaram o e-mail convite em até 30 dias foram excluídos do estudo.

O instrumento de coleta de dados continha duas partes. A primeira coletou as variáveis sociodemográficas: sexo, idade, crianças ou dependentes menores de 18 anos, auto-relato de diagnóstico de ansiedade e/ou depressão, ano de ingresso na pós-graduação, nível acadêmico e formação profissional. Questionou-se, ainda, se os estudantes pensaram em desistir da pós-graduação, estavam satisfeitos com a relação com o orientador e se possuíram dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal nos últimos 30 dias.

A segunda parte do instrumento era constituída pela versão brasileira do WHOQOL-BREF⁽¹⁶⁾, um instrumento genérico de avaliação da QV da Organização Mundial da Saúde, usado para avaliar QV tanto de pessoas doentes como de indivíduos saudáveis. O instrumento é constituído por 26 itens ou questões, distribuídos em quatro domínios: físico (7 itens), psicológico (6 itens), relações sociais (3 itens) e meio ambiente (8 itens). A contabilização dos escores dos domínios foi realizada baseada na sintaxe oficial do instrumento⁽¹²⁾.

Para a análise do WHOQOL-BREF, cada questionário foi verificado quanto ao preenchimento das 26 questões com valores de um a cinco e se estava preenchido em pelo menos 80% (ou mais de seis questões). Posteriormente, foram invertidos os valores das questões três, quatro e 26, uma vez que são construídas com escala de respostas invertida. Os escores dos domínios podem variar de 0 a 100, sendo que maiores escores indicam melhor QV⁽¹²⁾.

Análise dos resultados e estatística

As variáveis quantitativas são apresentadas em mediana e intervalo interquartil ou média e desvio padrão (DP). As variáveis qualitativas foram descritas com frequência e porcentagem.

A consistência interna do WHOQOL-BREF foi determinada por meio do coeficiente de Cronbach, sendo considerados aceitáveis valores iguais ou maiores a 0,70⁽¹⁷⁾. A validade estrutural do instrumento foi verificada por meio de análise fatorial confirmatória (AFC). Foi obtida matriz de covariância dos dados (24 itens) a partir de um modelo inicial de quatro fatores. Para verificar a diferença entre médias dos escores de QV (variável dependente) e características sociodemográficas (variável independente), foram realizadas análises bivariadas e multivariáveis. Na análise bivariada, foram utilizados o Teste t de Student para amostras independentes ou Análise de Variância (ANOVA). Foi realizado teste de correlação de Spearman para verificar a relação entre idade e os domínios da QV. Foi considerado valor de p de p<0,05 estatisticamente significante. As variáveis que apresentaram p<0,10 e idade e sexo pelo potencial efeito de confundimento foram incluídas na análise de regressão linear múltipla método stepwise. Para cada modelo, foram estimados o coeficiente Beta padronizado e a variância explicada (R2). Foram consideradas estatisticamente significativas variáveis com valores de p<0,05.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída por 503 estudantes, representando uma taxa de resposta de 63,0% (N = 503/799). A mediana da idade foi 30 anos (intervalo interquartil de 9), e a maioria dos participantes se identificou como sexo feminino 411 (81,7%). Além disso, 99 (19,7%) estavam no primeiro ano, 197 (39,2%), no segundo ano e 207 (41,2%), no terceiro ano ou mais do curso.

O questionário WHOQOL-BREF, em geral, apresentou coeficiente alfa de Cronbach 0,918 e, para os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente, o coeficiente alfa de Cronbach foi 0,797, 0,774, 0,662 e 0,769, respectivamente.

Na Tabela 1, a validade estrutural foi avaliada por meio da AFC, com a finalidade de avaliar a semelhança entre a estrutura hipotética da versão brasileira do questionário e os dados observados entre os estudantes de mestrado e doutorado. Os resultados evidenciaram Medida Kaiser-Meyer-Olkin igual a 0,914 e Teste de esfericidade de Bartlett igual a X² = 4613,96 e p <0,001, os quais indicaram que a amostra deste estudo foi adequada para análise fatorial. O ajuste da AFC para os quatro modelos pode ser considerado aceitável quando sete pares de itens pertencentes ao mesmo domínio foram permitidos ser correlacionados; X² = 804,9, RMSEA=0,069, NFI=0,829, CFI=0,872. Além disso, a carga de todos os itens do questionário foi maior ou igual a 0,3, sugerindo adequada validade de construto (Tabela 1).

Tabela 1
Carga fatorial dos itens do instrumento WHOQOL-BREF, Brasil, 2017

Domínios	Físico*	Psicológico*	Relações sociais*	Meio ambiente*
Itens
03. Dor e desconforto	0,484
04. Dependência de medicação/ tratamentos	0,397
10. Energia e fadiga	0,756
15. Mobilidade	0,462
16. Sono e repouso	0,542
17. Atividades da vida cotidiana	0,770
18. Capacidade de trabalho	0,715
05. Sentimentos positivos		0,634
06. Espiritualidade/ religião/crenças pessoais		0,593
07. Pensar, aprender, memória e concentração		0,530
11. Imagem corporal e aparência		0,562
19. Autoestima		0,796
26. Sentimentos negativos		0,535
20. Relações pessoais			0,738
21. Atividade sexual			0,555
22. Suporte e apoio social			0,525
08. Segurança física e proteção				0,705
09. Ambiente físico: (poluição/ruído/trânsito/clima)				0,512
12. Recursos financeiros				0,595
13. Novas informações e habilidades				0,456
14. Recreação e lazer				0,624
23. Ambiente no lar				0,504
24. Cuidados de saúde e sociais				0,454
25. Transporte				0,443

• Nota:
• ^*
  Análise fatorial confirmatória, carga fatorial.

Na Tabela 2, identifica-se que não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre as médias do escore dos domínios da QV de acordo com o ano de pós-graduação e nível acadêmico (p>0,05). Apesar disso, evidenciou-se uma tendência moderada ao aumento das médias dos domínios da QV com avanço do ano acadêmico.

Tabela 2
Escores médios dos domínios da qualidade de vida de estudantes de mestrado e doutorado de acordo com ano acadêmico, Brasil, 2017

Domínios da qualidade de vida	Ano acadêmico
	Ano 1	Ano 2	Ano 3 ou mais	F	P*
Físico
Mestrado	64,4±18,1	65,7±16,4	65,7±16,1	0,167	0,846
Doutorado	61,0±15,1	66,1±16,1	67,0±15,8	1,795	0,169
Psicológico
Mestrado	58,6±17,0	58,8±17,2	62,2±15,1	1,300	0,274
Doutorado	60,7±15,7	62,6±16,7	64,0±15,8	0,557	0,574
Relações sociais
Mestrado	61,8±18,7	60,2±19,9	62,2±18,8	0,208	0,812
Doutorado	57,8±18,2	63,1±20,4	61,4±19,1	0,763	0,467
Meio ambiente
Mestrado	60,9±15,2	62,5±14,7	63,7±13,3	0,728	0,484
Doutorado	65,2±16,7	63,1±15,8	64,5±14,4	0,300	0,741

• Nota:
• ^*
  One-way ANOVA, p<0,05

A correlação de Spearman mostrou relação significativa entre a idade e o domínio físico (ρ = 0,118; p=0,008), psicológico (ρ = 0,191; p<0,001), meio ambiente (ρ = 0,218; p<0,001), exceto para relações sociais (ρ = -0,004; p<0,926). Assim, os resultados do estudo mostram que estudantes de mestrado e doutorado mais velhos podem apresentar maior escore na maioria dos domínios de QV, entretanto a idade teve poder de predição moderado na população estudada.

Na Tabela 3, mostrou-se que estudantes do sexo feminino tem menor média no escore do domínio físico do que estudantes do sexo masculino (p<0,05). Estudantes com autorrelato de diagnóstico de ansiedade e/ou depressão, frequente dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal e que pensou em desistir da pós-graduação nos últimos 30 dias apresentaram menor média nos escores de todos os domínios da QV (p<0,05). Além disso, a insatisfação com a relação com orientador e ser enfermeiro foi associado à diminuição dos escores dos domínios físico e relações sociais (p<0,05).

Tabela 3
Características sociodemográficas e acadêmicas de estudantes de mestrado e doutorado de programas de pós-graduação brasileiros (N = 503), Brasil, 2017

Variáveis	n (%)	Domínios da Qualidade de Vida
		Físico	Psicológico	Relações sociais	Meio ambiente
		Média±DP	Média±DP	Média±DP	Média±DP
Sexo
Feminino	411(81,7)	64,8 ± 16,5a	60,6±16,3	61,7±19,0	63,2±14,7
Masculino	92(18,3)	69,3±15,1	63,5±16,9	60,1±18,6	63,6±15,1
Crianças ou dependentes menores de 18 anos
Sim	124(24,7)	66,8±16,1	64,9±16,0a	58,9±19,2	65,0±13,6
Não	379(75,3)	65,2±16,4	59,6±16,4	62,2±19,2	62,7±15,0
Ansiedade e/ou depressão
Sim	164(32,6)	59,0±16,6a	53,6±17,2a	57,0±20,6a	60,4±15,6a
Não	339(67,4)	68,8±15,2	64,8±14,8	63,5±18,2	64,6±14,1
Dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal
Frequente	233(46,3)	58,6±16,2b	54,9±16,4b	53,9±19,5b	58,8±14,7b
Algumas vezes	185(36,8)	69,2±14,0	64,5±14,4	65,0±15,9	65,6±12,7
Nunca	85(16,9)	77,1±12,0	70,9±13,6b	73,8±16,6	70,3±14,9
Relação com orientador
Insatisfeito	51(10,1)	62,7±15,9b	56,9±16,0	56,2±20,7b	60,0±15,4
Nem insatisfeito/nem satisfeito	78(15,5)	62,1±14,3	59,4±14,1	58,8±17,5	61,2±14,1
Satisfeito	374(74,4)	66,7±16,7	62,1±16,9	62,6±19,3	64,1±14,7
Pensou em desistir da pós-graduação
Sim	238(47,3)	60,4±15,4b	55,2±14,9b	56,3±18,5b	59,1±14,3b
Não	265(52,7)	70,3±15,8	66,5±16,0	65,9±18,8	66,9±14
Formação
Enfermeiro	150(29,8)	62,7 ±16,0a	59,9 ±15,8	58,3 ±19,1a	61,8 ±14,1
Outra categoria	353(70,2)	66,9±16,3	61,7±16,7	62,7±19,2	63,8 ±15,0

• Nota:
• ^a
  Teste t de Student, p<0,05;
• ^b
  One-way ANOVA, p<0,05.

Na Tabela 4, a análise multivariada evidenciou que o avanço da idade está associado significativamente à melhor QV nos aspectos das relações sociais e meio ambiente (p< 0,001). Possuir filhos influenciou positivamente o domínio psicológico da QV (p= 0,036), enquanto a depressão e a ansiedade diminuem significativamente os domínios físico e psicológico (p= 0,001). Destaca-se que os estudantes que possuíam dificuldade frequente em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal, bem como aqueles que pensavam em desistir do curso apresentaram redução da QV em todos os seus domínios.

Tabela 4
Variáveis sociodemográficas e acadêmicas associadas as médias dos domínios do WHOQOL-BREF, aplicado a estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde (N = 503), Brasil, 2017

Variáveis	Domínios da Qualidade de Vida
	Físico	Psicológico	Relações sociais	Meio ambiente
	β*	β*	β*	β*
Sexo (feminino)	0,055	0,022	-0,017	-0,013
Idade (anos)	0,063	0,085	0,160b	0,161b
Crianças ou dependentes menores de 18 anos (sim)	-	0,090a	-	-
Diagnóstico de ansiedade e/ou depressão (sim)	0,192b	0,227b	0,057	0,056
Dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal (frequente)	0,353b	0,285b	0,231b	0,234b
Insatisfeito com a sua relação com o seu orientador (sim)	0,049	-	0,048	-
Pensa em desistir da pós-graduação (sim)	0,160b	0,213b	0,164b	0,172b
Formação (enfermeiro)	0,035	-	0,017	-
R2 ajustado	26,8%	27,2%	18,0%	14,6%

• Nota:
• ^*
  β = coeficiente beta padronizado;
• ^a
  p<0,05;
• ^b
  p<0,001.

DISCUSSÃO

O presente estudo sugere que o WHOQOL-BREF é confiável e válido para avaliar a QV de estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde por meio de plataformas online. Não houve diferença significativa na QV entre os anos acadêmico, sugerindo que fatores prejudiciais à QV atinjam os estudantes durante todo o processo de formação. Pessoas mais jovens, sem crianças ou dependentes menores de 18 anos, com ansiedade e/ou depressão, com dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal, relação com orientador, que pensam em desistir da pós-graduação e formação acadêmica se associaram com pior QV dos estudantes em diferentes domínios.

O instrumento WHOQOL-BREF mostrou ser uma ferramenta possível a ser aplicada em larga escala por meio eletrônico, mantendo parâmetros de confiabilidade semelhantes ao estudo de validação⁽¹⁶⁾. A análise fatorial confirmatória apresentou características aceitáveis, confirmando a estrutura do instrumento na população estudada. No entanto, o coeficiente de Cronbach do domínio relações sociais (α = 0,662) não apresentou valor mínimo recomendado pela literatura⁽¹⁷⁾. Possível razão para este fenômeno inclui a quantidade de itens nesse domínio (n=3), que pode ter reduzido o valor do coeficiente a despeito da sua validade, como uma limitação do teste⁽¹⁷⁾.

Evidências sugerem que o método de coleta na avaliação de constructos psicológicos pode gerar alteração nos resultados obtidos⁽¹⁸⁾. Um estudo recente evidenciou validade concorrente mais alta e menor viés de resposta à conveniência social no modo computador do que no modo intercomunicador⁽¹⁸⁾. No entanto, esse estudo não contemplou testes psicométricos como a análise fatorial e o coeficiente de Cronbach, como fizemos no presente estudo. Assim, a análise empírica do WHOQOL-BREF em estudantes de mestrado e doutorado confirma ser possível a manutenção da estrutura e consistência interna de um instrumento de autopreenchimento online.

No contexto das pesquisas futuras, o estudo atual mostrou a necessidade de acompanhamento da QV dos estudantes e intervenções durante todo o curso acadêmico. Além disso, curtos prazos e o alto número de atividades acadêmicas podem estar relacionados à dificuldade dos estudantes de mestrado e doutorado em equilibrar/conciliar seus papéis sociais e acadêmicos^(7,19). Nesse processo, os estudantes dispensam intensa energia física e psíquica, o que pode levá-los à fadiga⁽²⁰⁾, diminuir o tempo livre para relações sociais e oportunidades de lazer e sobrecarregá-los⁽⁷⁾, comprometendo a QV durante a formação, conforme evidenciado neste estudo.

A literatura sugere medidas universais destinadas a prevenir o adoecimento nas universidades, como inclusão de atividades de supervisão e a necessidade de estratégias para auxiliar no desenvolvimento das habilidades esperadas para o curso por meio de workshops, tutorias, suporte financeiro e psicológico⁽²¹⁾, proporção sustentável de estudantes por orientador e desenvolvimento contínuo de liderança nos orientadores⁽²²⁾.

A construção de programas e estratégias preventivas deve considerar também as características sociodemográficas dos estudantes. No atual estudo, a maioria dos participantes era do sexo feminino e tiveram pior saúde física do que seus pares. Esse dado reflete a histórica ligação dos cursos da área da saúde à figura da mulher, ainda presente na sociedade⁽²³⁾. Além disso, a diminuição do domínio físico da QV resulta da capacidade de trabalho, energia e condições gerais de saúde⁽¹⁶⁾, o que sugere maior frequência de exaustão física entre elas quando comparadas aos homens. Esse dado pode estar relacionado à maior sensibilidade das mulheres aos estressores acadêmicos e à sobrecarga de papéis sociais (mãe, esposa, trabalhadora)⁽²⁾.

Outra variável relevante para a QV foi ter crianças ou dependentes menores de 18 anos, que se relacionou com maior média da saúde psicológica dos participantes do estudo atual. Essa relação positiva pode estar associada ao fato de que ter filhos pode representar senso de propósito, maior bem-estar subjetivo e grande prazer no tempo com eles⁽²⁴⁾. Uma revisão da literatura evidenciou que a interferência no bem-estar individual e conjugal é maior quando as crianças vivem em casa, com tendência de efeito negativo entre pais jovens e positivo na idade mais avançada⁽²⁵⁾.

O autorrelato de diagnóstico de depressão e/ou ansiedade diminuiu significativamente todos os domínios da QV na população estudada. Esses transtornos mentais podem estar associados a modificações físicas e psicológicas que comprometem o desempenho dos indivíduos integralmente⁽²⁶⁾, contribuindo para aumentar o risco de morte e incapacidade no mundo⁽²⁷⁾. Esses dados reforçam a necessidade das instituições de ensino e serviços de saúde ofertarem suporte psicoemocional aos estudantes de mestrado e doutorado.

No atual estudo, mostrou-se também que a insatisfação com o orientador pode diminuir a saúde física e relações sociais dos estudantes. O orientador exerce papel central na condução do trabalho acadêmico, por ser referência de apoio necessário à experiência acadêmica dos estudantes⁽²⁸⁾. A falta de feedback ⁽²⁹⁾, pouca quantidade e pouco aproveitamento dos encontros/reuniões⁽²⁾ e a falta de uma liderança inspiracional do orientador⁽¹⁾ são fatores que podem gerar insatisfação.

Evidenciou-se, também, que alunos que pensaram ou estavam pensando em desistir do curso mostraram prejuízos em todos os domínios da QV. Considerando o alto investimento financeiro e científico na formação dos estudantes de mestrado e doutorado⁽¹⁾, a interrupção do curso e o adoecimento dos estudantes representam perda de capital humano e um problema de saúde pública. Esse dado alerta para a importância de políticas de ensino na pós-graduação que considerem o ambiente acadêmico como um espaço para a promoção da saúde^(28,30).

A promoção da saúde dos mestrandos e doutorandos enfermeiros merece destaque nesse contexto. Em nosso estudo, os enfermeiros apresentaram pior saúde física e relações sociais do que seus pares. Esse dado por ter refletido no esgotamento e a sobrecarga dos profissionais de enfermagem, que em geral possuem alta carga de trabalho⁽31⁾, o que favorece adoecimento e redução de tempo para relações pessoais. Cabe destacar que a enfermagem exerce papel-chave na qualidade da assistência, e os pós-graduandos têm potencial para contribuir para práticas baseadas em evidência⁽32⁾.

O estudo atual evidenciou que as variáveis sociodemográficas, em especial a saúde mental e a dificuldade de gerir as atividades profissionais e a vida pessoal, podem auxiliar na compreensão de mecanismos de adoecimento dos indivíduos que realizam trabalhos que envolvam grande número de estressores, a exemplo dos estudantes de mestrado e doutorado. Os estressores do trabalho podem ser causa de adoecimento em diversos seguimentos econômicos⁽33^-34^);) neste estudo, encontramos diferentes aspectos da vida que podem ser prejudicados nessa relação, além do já consagrado conhecimento sobre a saúde mental dos pós-graduandos⁽1^,13,29).

As respostas adaptativas dos indivíduos a fatores ambientais estressantes constituem meio para compreender mecanismos de manutenção e restauração do equilíbrio de forma não prejudicial fisiológica e socialmente⁽35⁾ e, consequentemente, da QV.

Limitações do estudo

O estudo atual possuiu algumas limitações: os programas de pós-graduação são de apenas uma região do país, não representando toda a diversidade demográfica dos programas brasileiros.

Contribuições para a área da enfermagem e saúde

A avaliação realizada da QV de mestrandos e doutorandos favorece a compreensão de múltiplos aspectos da vida dos estudantes, oportunizando medidas preventivas. Os resultados deste estudo fornecem subsídios para a compreensão dos impactos da experiência da PGSS sob os estudantes, aspecto ainda negligenciado devido a atual fragilidade de conhecimento sobre o tema. No ponto de vista político, este trabalho fomenta a discussão das atuais políticas educacionais da pós-graduação, visando melhorar a experiência acadêmica por meio de intervenções direcionadas a grupos propensos a ter sua QV comprometida. Os dados deste estudo possibilitam a sua utilização como modelo e incentivo para novas avaliações da QV, podendo favorecer a capacitação de coordenadores de programas de PGSS para o reconhecimento de aspectos acadêmicos nocivos à QV dos estudantes.

Os efeitos negativos dos estressores do trabalho é causa de adoecimento em diversos seguimentos econômicos. Neste estudo, encontraram-se diferentes aspectos da vida que podem ser prejudicados, além do já consagrado conhecimento sobre a saúde mental. Assim, este estudo redireciona futuras pesquisas para o uso de instrumentos multidimensionais, a exemplo do WHOQOL-BREF, na avaliação da experiência acadêmica e o desenvolvimento de programas de suporte nos cursos de pós-graduação, com ênfase nas variáveis sociodemográficas e acadêmicas relevantes para a QV apontadas na pesquisa.

CONCLUSÕES

O estudo mostrou que o WHOQOL-BREF online é um bom instrumento para avaliação da QV de estudantes de mestrado e doutorado da área da saúde. A QV não difere significativamente entre os anos acadêmicos. Pessoas mais jovens, sem crianças ou dependentes menores de 18 anos, com ansiedade e/ou depressão, dificuldade em conciliar a pós-graduação com a vida pessoal, relação com orientador e que pensam em desistir da pós-graduação se associaram com menores escores em diferentes domínios da QV dos estudantes.

É necessário que os programas de pós-graduação considerem implementar estratégias de suporte acadêmico e psicológico para minimizar prejuízos à QV, considerando as especificidades sociodemográficas dos estudantes durante todo o curso.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à bolsa de mestrado oferecida para a primeira autora deste estudo durante parte de sua formação pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  09 Nov 2020
• Aceito
  11 Jan 2021