O uso do geoprocessamento para o fortalecimento da vigilância epidemiológica da covid-19

A utilização do espaço para a compreensão da distribuição de eventos em epidemiologia não é recente. Desde o alvorecer da epidemiologia clássica, com os estudos de Jhon Snow, o espaço tem sido fortemente apontado como uma das principais variáveis para análise sanitária da magnitude e transcendência dos problemas de saúde pública. O território no qual os indivíduos vivem e trabalham se constitui no lócus onde os determinantes sociais da saúde (DSS) interagem, de modo a influenciar as dinâmicas dos eventos em saúde.

O mapeamento do território é uma atividade rotineira da prática de enfermagem na Atenção Primária à Saúde (APS). Os benefícios do uso do geoprocessamento na APS têm sido reportados em diversas regiões do globo, nomeadamente: possibilidade de atualização e análise de dados epidemiológicos sob a forma de mapas; compreensão mais ampla e ágil dos problemas de saúde da população; otimização do processo de trabalho dos profissionais da saúde; avaliação da integridade dos programas de vigilância local; e identificação das iniquidades existentes no território para melhor distribuição dos recursos(1).

A pandemia de covid-19, causada pelo coronavírus-2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), tornou explícita a necessidade do preparo dos sistemas de saúde em todo o mundo em acompanhar a dinâmica dos padrões espaciais e temporais da doença de maneira oportuna. Nesse contexto, o fortalecimento das práticas de vigilância em saúde, incorporando o uso de Sistemas de Informação Geográficas (SIGs) aos métodos epidemiológicos, apresenta-se como excelente estratégia para o planejamento das ações e serviços de saúde com foco na mitigação e controle da doença no território.

De uma forma geral, o SIG engloba um conjunto fundamental e universalmente aplicável de ferramentas para capturar, transformar, gerenciar, analisar e apresentar informações georreferenciadas(2). Enquanto mapas convencionais permitem a observação de um conjunto finito de dados, o SIG apresenta cartografia digital flexível, pois permite a visualização simultânea de dados de saúde e contextuais(3).

À vista disso, investigações de natureza ecológica têm sido importantes aliadas da comunidade científica e gestores para a avaliação do processo pandêmico. Embora não permitam o estabelecimento de causalidade, esses estudos fornecem um retrato acurado da situação de saúde, ao apontar aglomerados espaciais de alto risco, bem como suscitarem hipóteses para o desenvolvimento de novas pesquisas. Desse modo, a implementação do geoprocessamento em estudos de agregados populacionais pode fornecer resultados robustos sobre a dinâmica, magnitude e transcendência da covid-19 no Brasil e no mundo.

Estudos ecológicos conduzidos na Região Nordeste do Brasil mostraram importantes resultados sobre a disseminação(4) e a mortalidade da covid-19(5) por meio de técnicas de análises espaciais, temporais e espaço-temporais. A integração dessas abordagens possibilita a análise do processo pandêmico de maneira prospectiva e retrospectiva, bem como mensurar a velocidade da disseminação e mortalidade da doença, de acordo com a sua tendência de crescimento.

Dessa forma, destacamos que, por meio da técnica de regressão espacial, é possível propor modelos explicativos da ocorrência do agravo no espaço, considerando fatores contextuais que tornam algumas populações mais vulneráveis ao adoecimento. Assim, realçamos que essas ferramentas de análises permitem associações de alto impacto entre as doenças e os DSS, aspecto essencial em cenários de iniquidades sociais.

Dada a relevância e a aplicabilidade desse método, acreditamos que a utilização do geoprocessamento em investigações científicas possa fazer parte da formação em saúde desde o nível mais elementar (graduação), dando subsídios para que esses profissionais possam ter expertise para fortalecer as práticas de vigilância epidemiológica dos serviços de saúde. Dessa forma, urge promover um sistema de saúde ágil e oportuno na identificação e resolução dos problemas de saúde, considerando as particularidades de cada população.

REFERENCES

• Rebolledo EAS, Chiaravalloti-Neto F, Giatti LL. Experiencias, beneficios y desafíos del uso de geoprocesamiento para el desarrollo de la atención primaria de salud. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 15];42:e153. Available from: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2018.v42/e153/es
  » https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2018.v42/e153/es
• Maurelli MP, Pepe P, Montresor A, Mupfasoni D, Nocerino M, Morgoglione ME, et al. Development of a public geographical information system-based website to follow the impact of control activities of soil-transmitted helminths in endemic countries. Geospat Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Feb 15];16(2):1049. Available from: https://geospatialhealth.net/index.php/gh/article/view/1049/1033
  » https://geospatialhealth.net/index.php/gh/article/view/1049/1033
• Bergquist R, Rinaldi L. Covid-19: pandemonium in our time. Geospat Health [Internet]. 2020 [cited 2022 Feb 15];15:880. Available from: https://geospatialhealth.net/index.php/gh/article/view/880/857
  » https://geospatialhealth.net/index.php/gh/article/view/880/857
• Gomes DS, Andrade LA, Ribeiro CJN, Peixoto MVS, Lima SVMA, Duque AM, et al. Risk clusters of COVID-19 transmission in northeastern Brazil: prospective space-time modelling. Epidemiol Infect [Internet]. 2020 [cited 2022 Feb 15];148:e188. Available from: https://www.cambridge.org/core/journals/epidemiology-and-infection/article/risk-clusters-of-covid19-transmission-in-northeastern-brazil-prospective-spacetime-modelling/E87C8EDF8DF13485272A23F83145A0EA
  » https://www.cambridge.org/core/journals/epidemiology-and-infection/article/risk-clusters-of-covid19-transmission-in-northeastern-brazil-prospective-spacetime-modelling/E87C8EDF8DF13485272A23F83145A0EA
• Andrade LA, Paz WS, Lima AGCF, Araújo DC, Duque AM, Peixoto MVS, et al. Spatiotemporal pattern of covid-19-related mortality during the first year of the pandemic in Brazil: a population-based study in a region of high social vulnerability. Am J Trop Med Hyg [Internet]. 2022 [cited 2022 Feb 15];106(1):132-42. Available from: https://www.ajtmh.org/view/journals/tpmd/106/1/article-p132.xml
  » https://www.ajtmh.org/view/journals/tpmd/106/1/article-p132.xml

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Jun 2022
• Data do Fascículo
  2022