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Biossegurança dos profissionais de enfermagem no enfrentamento da COVID-19

RESUMO

Objetivo:

investigar a biossegurança dos profissionais de enfermagem no enfrentamento da COVID-19.

Métodos:

trata-se de estudo do tipo Survey. Os profissionais de enfermagem foram convidados via aplicativo de mensagens, utilizando formulários de coleta de dados autoaplicáveis. A seleção amostral (n=693) foi do tipo não probabilística. Realizou-se a análise descritiva dos dados.

Resultados:

considerando os aspectos da biossegurança no enfrentamento da COVID-19, 79,0% dos pesquisados não receberam treinamentos ou consideraram-nos insuficientes, 69,3% relataram a falta de equipamento de proteção individual nos serviços e 81,8% não se sentiram seguros com as adequações dos fluxos internos para o atendimento de casos da COVID-19.

Conclusão:

observam-se a necessidade de treinamento contínuo e efetivo da equipe de enfermagem e a disponibilidade de equipamentos de proteção individual, além da necessidade de adequações dos fluxos internos para o atendimento de casos suspeitos ou confirmados da doença.

Descritores:
Biossegurança; Infecções por Coronavírus; Enfermagem; Enfrentamento; Contenção de Riscos Biológicos

ABSTRACT

Objective:

To investigate the nursing professionals’ biosecurity in confronting COVID-19.

Methods:

This is a Survey type study. Nursing professionals were invited via messaging apps, using self-applied data collection forms. The sample selection (n=693) was non-probabilistic. A descriptive data analysis was conducted.

Results:

considering the biosafety aspects in facing COVID-19, 79.0% of the participants had not received training or considered it insufficient, 69.3% reported the lack of personal protective equipment during work, and 81.8% did not feel safe with the internal flux adaptations for handling COVID-19 cases.

Conclusion:

Continuous and effective nursing team training and personal protective equipment availability are necessary, as well as internal flow adjustments for attending suspected or confirmed cases.

Descriptors:
Biosafety; Coronavirus Infections; Nursing; Coping Behavior; Containment of Biohazards

RESUMEN

Objetivo:

investigar la bioseguridad de profesionales de enfermería en el afrontamiento del COVID-19.

Métodos:

es un estudio tipo Survey, realizado entre profesionales de enfermería por aplicación de mensajería mediante formularios de recogida de datos autoaplicables y análisis descriptivo de los datos. La selección de la muestra (n=693) fue no probabilística.

Resultados:

al considerarse los aspectos de bioseguridad para el afrontamiento del COVID-19, el 79,0% de los investigadores no había recibido capacitación o la consideraba insuficiente, el 69,3% reportó falta de equipo de protección individual en los servicios y el 81,8% no se sintió seguro con las adecuaciones de los flujos internos para la atención de casos del COVID-19.

Conclusión:

se observa la necesidad de capacitación continua y eficaz del plantel de enfermería y la disponibilidad de equipos de protección individual, además de adecuaciones de los flujos internos para la atención de casos sospechosos o confirmados de la dolencia.

Descriptores:
Bioseguridad; Infecciones por Coronavirus; Enfermería; Afrontamiento; Contención de Riesgos Biológicos

INTRODUÇÃO

Os desafios impostos pela pandemia da COVID-19 colocaram em discussão a capacidade de resposta mundial a um vírus com rápida disseminação por via respiratória. Alguns fatores potencializam o risco de aparecimento e disseminação de patógenos respiratórios, tais como o aumento das populações, as mudanças climáticas, o maior número de viagens internacionais, a urbanização acelerada e a imigração. Apesar de existirem tecnologias disponíveis para conter a disseminação desse tipo de doença, no caso da COVID-19, não foi possível evitar o número expressivo de mortes e as dificuldades de controlar a incidência da doença, o que colocou a saúde pública mundial em risco(11 Nussbaumer-Streit B, Mayr V, Dobrescu AI, Chapman A, Persad E, Klerings I, et al. Quarantine alone or in combination with other public health measures to control COVID-19: a rapid review. Cochrane Database Syst Rev. 2020;9(9):CD013574. https://doi.org/10.1002/14651858.CD013574
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).

A situação atual da pandemia da COVID-19 desafia as autoridades governamentais e de saúde com relação à agilidade nas respostas dessa emergência em saúde pública, em especial na adoção de medidas preventivas, detecção precoce de casos e capacidade de atendimento nos diversos níveis de complexidade da atenção à saúde(22 Kraemer MUG, Yang C-H, Gutierrez B, Wu C-H, Klein B, Pigott DM, et al. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science. 2020;368(6490):493-7. https://doi.org/10.1126/science.abb4218
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). Apesar dos registros de medidas efetivas no combate às doenças infectocontagiosas causadas por vírus emergentes, os esforços no enfrentamento da COVID-19 não se mostram efetivos e suficientes para controlar a disseminação da doença. A indisponibilidade de vacina, no início da pandemia, agravou de modo mais intenso a repercussão mundial da infecção pelo novo coronavírus(33 Neto M, Porto F. What does the past have to teach us about influenza?. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e40236. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.40236
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).

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu um alerta da cidade de Wuhan, localizada na província de Hubei, República Popular da China, sobre o surgimento de vários casos de pneumonia. O vírus causador da doença, até então desconhecido, foi denominado novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19(44 Epidemiology Working Group for NCIP Epidemic Response, Chinese Center for Disease Control and Prevention. [The epidemiological characteristics of an outbreak of 2019 novel coronavirus diseases (COVID-19) in China]. Zhonghua Liu Xing Bing Xue Za Zhi. 2020;41(2):145-51. https://doi.org/10.3760/cma.j.issn.0254-6450.2020.02.003 Chinese.
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). Diferente dos outros coronavírus respiratórios humanos, o SARS-COV-2 tem a capacidade de transmissão a partir de casos assintomáticos, sendo esse fato um dos que afetam a capacidade de contenção da propagação da doença. As tecnologias disponíveis, no início da pandemia, para frear a disseminação do vírus e interromper a cadeia de transmissão, eram as medidas de proteção individual, o distanciamento social e a testagem para identificar novos casos e, assim, promover o isolamento durante o período de transmissibilidade da doença(55 Croda JHR, Garcia LP. Immediate health surveillance response to COVID-19 epidemic. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2020002. https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000100021
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).

Nesse contexto desafiador, algumas categorias profissionais, pela natureza das suas atividades, não puderam adotar as medidas profiláticas relacionadas ao isolamento social. Entre esses trabalhadores, estão os profissionais de saúde. Sendo assim, visando minimizar os riscos de contaminação ou de se tornarem veículos de transmissão, faz-se necessária a utilização correta de equipamentos de proteção individual (EPI)(66 Ministério do Trabalho e Emprego (BR). Portaria nº 485, de 11 de novembro de 2005. Aprova a norma regulamentadora nº 32 (Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde) [Internet]. 2005[cited 2020 Jul 25]. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/legislacao/item/portaria-n-485-de-11-de-novembro-de-2005
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-77 Ministério do Trabalho e Previdência (BR). Portaria n° 194 de 22 de dezembro de 2006. NR 6: Equipamentos de Proteção Individual - EPI [Internet]. 2006[cited 2020 Jul 25]. Available from: https://www.pncq.org.br/uploads/2016/NR_MTE/NR%206%20-%20EPI.pdf
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). No entanto, a escassez mundial desses insumos, aliada às dificuldades logísticas na distribuição e disponibilidade de testagem em larga escala, apresentava-se como obstáculos adicionais no enfrentamento da pandemia(88 World Health Organization. WHO director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 3 March 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Mar 6]. Available from: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---3-march-2020
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).

A manutenção dos profissionais de saúde na linha de frente do enfretamento à COVID-19 tornou-se um desafio, sobretudo considerando a disponibilidade e utilização correta dos EPI, a educação continuada, o estabelecimento de fluxos e os espaços assistenciais e operacionais para minimizar os riscos de adoecimento, afastamento e óbito dos profissionais de saúde em geral. Nessa perspectiva, a fim de que os profissionais de saúde possam trabalhar com proteção, faz-se necessário o estabelecimento de medidas de biossegurança. A biossegurança é caracterizada como um conjunto de ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às atividades profissionais e promover a qualidade da assistência(66 Ministério do Trabalho e Emprego (BR). Portaria nº 485, de 11 de novembro de 2005. Aprova a norma regulamentadora nº 32 (Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde) [Internet]. 2005[cited 2020 Jul 25]. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/legislacao/item/portaria-n-485-de-11-de-novembro-de-2005
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).

Os profissionais de enfermagem são essenciais para o enfrentamento da COVID-19. Além disso, são os profissionais que mais tempo permanecem na assistência direta aos pacientes, o que os coloca como mais expostos aos riscos de contaminação(99 Barros ALBL, Silva VM, Santana RF, Cavalcante AMRZ, Vitor AF, Lucena AF, et al. Brazilian nursing process research network contributions for assistance in the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl 2):e20200798. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0798
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-1010 Oliveira LMS, Gomes NP, Oliveira ES, Santos AA, Pedreira LC. Coping strategy for covid-19 in primary health care: experience report in Salvador-BA. Rev Gaucha Enferm. 2021;42(spe):e20200138. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200138
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). Possíveis lacunas na capacitação e indisponibilidade de insumos ou falhas em sua utilização podem contribuir para aumentar os riscos de adoecimento, afastamentos e mortes desses profissionais. Realizar o diagnóstico da situação de biossegurança dos profissionais de enfermagem que atendem casos suspeitos ou confirmados da COVID-19 pode colaborar para a adoção de estratégias de prevenção mais efetivas.

OBJETIVO

Investigar a biossegurança dos profissionais de enfermagem no enfrentamento da COVID-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Respeitaram-se os preceitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo do tipo survey, com finalidade exploratória e descritiva, a partir de uma abordagem quantitativa, com desenho longitudinal por tendência. Adotaram-se as diretrizes do formulário de estudos observacionais em epidemiologia (STROBE) para nortear o estudo. Os dados foram coletados no período de 15 de abril a 16 de maio de 2020. Participaram desta pesquisa os profissionais de enfermagem atuantes no Brasil.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população-alvo constitui-se da equipe de enfermagem que atua no quadro da saúde de diversos estados brasileiros. Os profissionais foram convidados para participar da pesquisa de forma pessoal e direta, tendo a liberdade de aceitar ou não o convite. Os contatos foram realizados por meio da rede social via aplicativo WhatsApp, pelo qual os formulários foram disponibilizados. Aos participantes, garantiu-se o respeito à lei nº 13.709/2018, que trata da proteção de dados pessoais(1111 Presidência da República (BR). Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) [Internet]. 2018[cited 2021 Feb 13 Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm
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).

Para a amostra, estabeleceu-se uma estimativa proporcional de 10% da população-alvo do estudo com o objetivo de obter um quantitativo reprodutível. Para fins de cálculo amostral, utilizaram-se estimativa populacional para desfechos categóricos, com grau de confiança de 1,96 para 95% de confiabilidade, e estimativa de proporção de resultados favoráveis para 25% e um erro padrão usual de 5%, adicionando-se 10% para a garantia de possível perda amostral, chegando a um total de 693 indivíduos. Os participantes foram escolhidos utilizando-se estratégia por “bola de neve”(1212 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9a ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.), em que os profissionais que responderam ao questionário convidaram novos participantes da sua rede de amigos e conhecidos.

Incluíram-se, no estudo, trabalhadores de enfermagem que estavam atuando em unidades de saúde de alta, média ou baixa complexidade, que atendiam casos de infecções por coronavírus. Excluíram-se os profissionais de enfermagem que atuam nas áreas de gestão ou administrativa de serviços de saúde.

Protocolo do estudo

O método de seleção dos participantes baseou-se nas características não probabilísticas, com seleção baseada em similaridade, na qual os participantes são escolhidos por julgar-se que representam semelhanças. As coletas encerraram-se quando o N amostral foi atingido.

As variáveis de interesse no estudo foram as sociodemográficas: procedência, idade, sexo, número de moradores no mesmo nosocômio, anos de atuação e categoria da enfermagem, perfil público ou privado da unidade de trabalho e número de vínculos empregatícios. Com relação ao treinamento, perguntou-se aos profissionais se o receberam, o local onde aconteceu e quem ministrou, se a avaliação foi suficiente ou insuficiente, bem como a opinião do entrevistado sobre a atuação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) da unidade onde se encontravam vinculados.

Realizaram-se, ainda, perguntas referentes ao uso de máscara de proteção adequada contra a disseminação do vírus para a prevenção por gotículas ou aerossóis, se houve modificações no ambiente ou fluxo de trabalho, como disponibilidade de local específico para desparamentação, mudanças nos espaços de convivência e uso e lavagem de roupas utilizadas durante a assistência. Além disso, questionou-se aos profissionais se eles se sentiam seguros com as medidas adotadas, sobre a ocorrência de falta de EPI nas unidades de trabalho, se houve casos de acometimento de profissionais nessas instituições e a sensação de medo em ser contaminado pela COVID-19.

A coleta dos dados aconteceu a partir de um questionário estruturado do tipo autoaplicável, enviado pelo aplicativo WhatsApp, com questões objetivas, sendo que algumas possuem espaço e possibilidade para respostas discursivas, em caráter complementar. O questionário teve suas perguntas elaboradas visando abranger todas as questões de interesse para a pesquisa.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram registrados com dupla entrada, pelos próprios pesquisadores, em uma planilha eletrônica de dados (Microsoft Excel®) e exportados para o software SPSS, versão 25. A análise dos dados ocorreu por meio da estatística descritiva, sendo classificados de acordo com as variáveis de interesse do estudo por meio da distribuição das frequências e respectivos percentuais, para as variáveis categóricas, assim como as medidas de tendência central, média e desvio padrão para os dados numéricos.

RESULTADOS

A amostra (n=693) foi composta de profissionais de enfermagem atuantes em 18 estados brasileiros, sendo representada por 658 (95,0%) que trabalham nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do percentual de profissionais por estados brasileiros, Recife, Pernambuco, Brasil, 2019
Tabela 2
Distribuição dos dados sociodemográficos dos profissionais de enfermagem, Recife, Pernambuco, Brasil, 2019

Os profissionais de enfermagem pesquisados são predominantemente do sexo feminino, 842 (91,5%) têm menos de 50 anos e pouco mais da metade, 401 (57,9%), possui entre 5 e 20 anos de atuação profissional (Tabela 2).

Na amostra pesquisada, 468 (67,4%) referiram que na unidade onde trabalham há casos confirmados da COVID-19 entre os profissionais de saúde. Considerando os aspectos da biossegurança, identifica-se que 548 (79,1%) dos pesquisados não receberam treinamentos ou consideraram os treinamentos insuficientes. Nos treinamentos presenciais, o profissional enfermeiro obteve destaque como mediador (Tabela 3).

A sensação de segurança com as medidas adotadas nas unidades onde trabalham foi relatada apenas por 126 (18,2%) profissionais, enquanto 567 (81,8%) disseram não se sentir seguros com as modificações implementadas pelas instituições para atendimento a casos da COVID-19. A falta de EPI foi observada por 480 (69,3%) pesquisados. O medo de contrair a doença foi mencionado por 649 (93,7%) respondentes.

Acerca do conhecimento sobre as medidas de proteção individual na disseminação do vírus, demonstra-se que um quantitativo importante de profissionais menciona equívocos, em especial com relação ao uso de máscara recomendada para proteção contra gotículas (Tabela 4).

Tabela 3
Distribuição dos dados relacionados à biossegurança da equipe de enfermagem, Recife, Pernambuco, 2019
Tabela 4
Conhecimento sobre as medidas de proteção da disseminação do vírus, Recife, Pernambuco, 2019
Tabela 5
Fluxos dos profissionais nos ambientes das unidades no período da pandemia, Recife, Pernambuco, 2019

Sobre os fluxos internos dos setores, destacam-se como medidas consideradas inseguras o uso de roupas pessoais na assistência e a ausência de local específico para desparamentação (Tabela 5).

DISCUSSÃO

As contribuições trazidas por este estudo para o controle da pandemia da COVID-19 demonstram a necessidade de treinamento contínuo da equipe de enfermagem e disponibilidade de recursos estruturais e materiais que garantam a biossegurança desses profissionais essenciais na contenção dos casos da doença. A premência em disponibilizar EPIs em quantidade e qualidade adequados soma-se às necessidades de educação permanente, à readequação dos fluxos de atendimento nos locais de trabalho e às medidas de prevenção gerais adotadas pela comunidade. Para o atendimento às necessidades impostas pelo grande número de pessoas contaminadas, a manutenção da segurança dos profissionais é prioritária e depende de condutas adotadas coletivamente.

Nesse sentido, sugere-se explorar o conhecimento que os profissionais de enfermagem já detêm sobre medidas de biossegurança em uma perspectiva da metodologia andragógica. A aplicação da andragogia na saúde tem sido mais utilizada na formação profissional ou na educação de pacientes, sendo ainda pouco utilizada em uma perspectiva de educação continuada para profissionais de saúde(1313 Draganov PB, Friedländer MR, Sanna MC. Andragogia na saúde: estudo bibliométrico. Esc Anna Nery. 2011;15(1):149-56. https://doi.org/10.1590/S1414-81452011000100021
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). Apesar dessa estratégia ser ainda pouco utilizada para capacitação de profissionais de saúde, as teorias da aprendizagem para adultos são particularmente importantes na educação profissional, uma vez que se concentram em identificar e lidar com as diferenças entre o que os profissionais já sabem e o que aprendem a partir de uma capacitação ou treinamento(1414 Taylor DCM, Hamdy H. Adult learning theories: implications for learning and teaching in medical education: AMEE Guide no. 83. Med Teach. 2013;35:e1561-72. https://doi.org/10.3109/0142159X.2013.828153
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-1515 Mukhalalati BA, Taylor A. Adult learning theories in context: a quick guide for healthcare professional educators. J Med Educ Curric Dev. 2019;6:2382120519840332. https://doi.org/10.1177/2382120519840332
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).

Além da abordagem teórica da aprendizagem, a política de educação permanente em saúde (EPS) deve ser considerada e empregada continuamente. A proposta da EPS consiste em produzir e sistematizar o conhecimento relativo à formação e ao desenvolvimento para a aprendizagem que acontece no trabalho, além de propor que o aprender e o ensinar estejam vinculados ao cotidiano dos equipamentos de saúde. A intenção dessa política é mudar o cotidiano dos trabalhadores de saúde a partir da aprendizagem significativa que transcende os conceitos adquiridos de modo individual e alcança mudanças nas práticas de ensino, orientações didáticas, diretrizes curriculares e atuação em saúde(1616 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de educação permanente em saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? [Internet]. Brasília, DF: MS; 2018[cited 30 May 2020]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_educacao_permanente_saude_fortalecimento.pdf
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).

As lacunas nas capacitações e educação permanente somam-se ao destaque para os relatos sobre a falta de EPI. Cabe ressaltar a necessidade de esforços governamentais e dos gestores das unidades de saúde em disponibilizar EPIs em quantidade e qualidade adequadas e do estabelecimento ou a readequação dos fluxos de atendimento nos locais de trabalho, para possibilitar o atendimento das necessidades impostas pelo grande número de pessoas contaminadas e a manutenção da segurança dos profissionais.

Constata-se que o perfil sociodemográfico apresentado tem parcela significativa de mulheres. As características demográficas em relação ao sexo estão atribuídas historicamente à profissão da enfermagem devido à relação do cuidado estar socialmente ligada à figura feminina. Nesse aspecto, acompanha-se a tendência global da feminização nos serviços de saúde e de enfermagem(1717 Macedo RM. Resistência e resignação: narrativas de gênero na escolha por enfermagem e pedagogia. Cad Pesqui. 2019;49(172):54-76. https://doi.org/10.1590/198053145992
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).

Diante da magnitude da pandemia da COVID-19, surge um grande desafio mundial aos serviços de saúde, pois, em razão do expressivo número de indivíduos infectados, há um acréscimo considerável da demanda no quantitativo de internamentos no mesmo período, associado à necessidade de maior suporte de recursos financeiros, humanos e físicos para a contenção do vírus(1818 World Health Organization. Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus. [Internet]. Geneva: WHO; 2020[cited 30 mar 2020]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331340/WHO-2019-nCovHCW_risk_assessment-2020.1-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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). Nessa perspectiva, dentro das instituições de saúde, o momento impôs às diversas categorias de trabalhadores carga horária e jornadas extensas, em especial à equipe de enfermagem, profissionais essenciais no desenvolvimento da assistência às pessoas acometidas pelo novo coronavírus.

Tendo em vista que esses profissionais da linha de frente prestam cuidados diretos aos pacientes e consequentemente têm maior vulnerabilidade de contrair a infecção, a exposição causa, além do desgaste físico, o adoecimento mental, principalmente no período delicado em que mais se precisa de cautela e biossegurança rigorosa para evitar afastamento das atividades da sua competência técnica. Contudo, a realidade impõe circunstâncias conflitantes, sobrecarga de trabalho, jornadas extensas, ambientes estressantes e condições divergentes no processo de trabalho, o que envolve sentimentos e emoções como medo relacionado a alta transmissibilidade viral, situações de morte e, sobretudo, receio de contaminar familiares(1919 Conselho Federal de Enfermagem. Saúde de profissionais de enfermagem é foco em tempos de Covid-19 [Internet]. Brasília, DF: COFEN; 2020[cited 30 May 2020]. Available from: http://www.cofen.gov.br/saude-de-profissionais-de-enfermagem-e-foco-em-tempos-de-covid-19_78321.html
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20 Huang L, Lin G, Tang L, Yu L, Zhou Z. Special attention to nurses’ protection during the COVID-19 epidemic. Crit Care. 2020(1);24:120. https://doi.org/10.1186/s13054-020-2841-7
https://doi.org/10.1186/s13054-020-2841-...
-2121 Jackson D, Bradburry-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S, et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the contexto of COVID-19. J Clin Nurs. 2020;29(13-14):2041-3. https://doi.org/10.1111/jocn.15257
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).

No que se refere aos aspectos emocionais dos profissionais de saúde, a disponibilidade de recursos para proteção individual adequada é um componente importante das medidas de saúde pública para o enfrentamento da pandemia, bem como de segurança profissional. A falta de EPI adequado e a sensação de desproteção podem gerar sofrimento psíquico. Sentimento de apoio insuficiente, percepção de vulnerabilidade e preocupação em ser fonte de disseminação de uma doença com alto potencial de letalidade para familiares e amigos podem intensificar a pressão individual sofrida pelo profissional de saúde, comprometendo, assim, a segurança(2222 Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care Workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020;3(3):e203976. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
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).

A mitigação dos riscos de infecção entre os profissionais de saúde está atrelada a vários fatores que se relacionam com a disponibilidade e o uso de equipamentos de proteção individual, os recursos estruturais nas unidades de saúde que possibilitem a retirada adequada desses equipamentos, a higienização das mãos e a disponibilização de máscaras para os pacientes sintomáticos durante o atendimento, somados às medidas gerais, como a manutenção da distância entre as pessoas e a etiqueta respiratória(2323 Chersich MF, Gray G, Fairlie L, Eichbaum Q, Mayhew S, Allwood B, et al. COVID-19 in Africa: care and protection for frontline healthcare workers. Global Health. 2020;16(1):46. https://doi.org/10.1186/s12992-020-00574-3
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). Cuidados como triagem intensiva dos pacientes com sintomas inespecíficos e de profissionais de saúde com sintomas leves somam-se às medidas citadas na contenção do vírus e contaminação dos profissionais de saúde(2424 Klompas M, Morris CA, Sinclair J, Pearson M, Shenoy ES. Universal masking in hospitals in the COVID-19 Era. N Engl J Med. 2020;382(21):e63. https://doi.org/10.1056/NEJMp2006372
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).

Disponibilizar EPIs em quantidade suficiente não garante a proteção ao profissional de saúde nem aos pacientes, uma vez que o uso adequado depende de treinamento oportuno por profissional experiente. A crise mundial de desabastecimento de insumos ocorrida no início da pandemia, somada à dúvida sobre o potencial de segurança garantido pelo equipamento e ao déficit de educação continuada, pode contribuir para uma maior percepção de insegurança pelo profissional, gerando medo de contaminação e abandono de campos de trabalho(2525 Ault A. COVID-19 exposes potential gaps in PPE training, effectiveness. Medscape [Internet]. 2020[cited 2020 Jun 14]. Available from: https://www.medscape.com/viewarticle/928163
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). Continuidade no processo educativo entre profissionais e uso de metodologias ativas fazem-se cada vez mais necessários para afastar dúvidas existentes, resgatar o conhecimento prévio sobre as medidas e adequar a prática para a realidade apresentada.

Além do uso adequado dos EPIs, há a necessidade de espaços apropriados para a sua colocação e retirada com segurança, de modo que não ocorra a contaminação da equipe nem dos ambientes de circulação de profissionais e pacientes. A criação de fluxos internos nas unidades de saúde que impeçam a circulação de pessoas entre áreas potencialmente contaminadas é essencial para o controle da infecção pela COVID-19. No mesmo sentido, fomentar a criação de espaços de descanso e realização de lanches e relaxamento é de suma importância para a prontidão no desenvolvimento das atribuições, sobretudo durante horas exaustivas de trabalho. Tais medidas melhoram a saúde mental e a qualidade de vida dos profissionais(2626 Newby JC, Mabry MC, Carlisle BA, Olson DM, Lane BE. Reflections on nursing ingenuity during the COVID-19 Pandemic. J Neurosci Nurs. 2020;52(5):E13-6. https://doi.org/10.1097/JNN.0000000000000525
https://doi.org/10.1097/JNN.000000000000...
).

Apesar de todos os esforços para manter a linha de frente pronta para atuar no combate ao novo coronavírus, os profissionais da saúde também aparecem nos noticiários entre os afetados pela COVID-19. A notificação de casos e de mortes de profissionais da enfermagem reverbera a possível fragilidade nas medidas de proteção e coloca medo e insegurança naqueles que permanecem em seus campos de atuação. Em todo o mundo, mais de 260 profissionais de enfermagem já morreram e 90 mil estão infectados com a doença(2727 Catton H. Global challenges in health and health care for nurses and midwives everywhere. Int Nurs Rev. 2020;67(1):4-6. https://doi.org/10.1111/inr.12578
https://doi.org/10.1111/inr.12578...
). No Brasil, dos 98 profissionais de enfermagem mortos pela COVID-19, 25 eram enfermeiros, 56 técnicos e 17 auxiliares de enfermagem(2828 Conselho Federal de Enfermagem. Brasil ultrapassa EUA em mortes de profissionais de enfermagem por covid-19 [Internet]. Brasília, DF: Cofen; 2020[cited 04 Jul 2020]. Available from: http://www.cofen.gov.br/brasil-ultrapassa-eua-em-mortes-de-profissionais-de-enfermagem-por-covid-19_79624.html
http://www.cofen.gov.br/brasil-ultrapass...
).

Tendo em vista a importância da enfermagem para o combate à COVID-19, algumas reflexões se fazem urgentes. Embora os governos e a população tenham visto a importância da enfermagem durante a pandemia, enfermeiros encontravam-se expostos, adoecendo e morrendo por falta de equipamentos adequados, treinamento e apoio governamental. O subfinanciamento da saúde deu-se por anos, sendo perceptível que a força de trabalho e os recursos disponíveis não foram suficientes para a contenção da pandemia, o que deixou a equipe de enfermagem ainda mais vulnerável à morte apenas pelo fato de continuar a exercer sua profissão. Nesse cenário, é imprescindível que este momento histórico contribua para melhores condições de trabalho, formação, remuneração e consolidação da posição de destaque pela importância que a enfermagem tem na equipe multiprofissional em saúde(2929 World Health Organization (WHO). State of the nursing world's 2020: investing in education, jobs and leadership [Internet]. Geneva: WHO; 2020[cited 04 Jul 2020]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240003279
https://www.who.int/publications/i/item/...

30 Rosa WE, Binagwaho A, Catton H, Davis S, Farmer PE, Iro E, et al. Rapid investment in nursing to strengthen the global COVID-19 response. Int J Nurs Stud. 2020;109:103668. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2020.103668
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2020....
-3131 Choi KR, Jeffers KS, Logsdon MC. Nursing and the novel coronavirus: risks and responsibilities in a global outbreak. J Adv Nurs. 2020;76(7):1486-7. https://doi.org/10.1111/jan.14369
https://doi.org/10.1111/jan.14369...
).

Limitações do estudo

Constata-se como limitação o tipo de estudo survey, visto que para a participação são necessárias a motivação, a honestidade, a habilidade, além do compromisso do participante em responder ao questionário. Além disso, evidenciou-se, no presente estudo, a predominância de participantes de Pernambuco, dado que pode ser justificado pelo fato de os pesquisadores serem desse estado e a divulgação do estudo ser realizada por meio de suas mídias sociais.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A partir dos resultados expostos, o estudo poderá contribuir no conhecimento acerca das dificuldades enfrentadas pelos profissionais de enfermagem da linha de frente ao combate do novo coronavírus, bem como trazer a realidade vivenciada por muitos enfermeiros no Brasil, sobretudo do Nordeste, uma vez que a pesquisa contou com participação majoritária de profissionais de cinco estados dessa região. Além disso, chama a atenção para a necessidade de melhores condições de trabalho para esses profissionais e a realização de medidas preventivas eficazes, partindo da implementação de educação continuada contínua e resolutiva.

CONCLUSÃO

Com este estudo, verificou-se a predominância daqueles que não tiveram treinamentos referentes à COVID-19. Dos que receberam algum tipo de treinamento, quase metade o considerou insuficiente. Além disso, verifica-se que mais da metade da amostra mencionou casos da COVID-19 em seu local de trabalho, além da falta de EPIs nas unidades em que atua. Tais resultados demonstram a necessidade de maior atuação dos gestores hospitalares quanto à realização de treinamentos, readequação de fluxos e estruturação física das unidades assistenciais, bem como garantia de EPIs em quantidade adequada aos profissionais de saúde.

REFERENCES

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Elisabete Salvador

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
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