Contribuições das entidades para profissionalização da enfermagem: revisão integrativa (2010-2020) à luz das concepções freidsonianas

RESUMO

Objetivo:

Analisar na literatura contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem e dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem para a profissionalização da enfermagem à luz das concepções teóricas de Eliot Freidson.

Métodos:

Revisão integrativa, de interesse histórico socioprofissional, realizada de junho a novembro de 2021, mediante a questão: Como as entidades de classe contribuíram para a profissionalização da enfermagem brasileira de acordo com a literatura de 2010 a 2020? Organizaram-se as evidências em quadro sinótico, que possibilitou a construção de mapa conceitual.

Resultados:

Nos 23 estudos selecionados, as entidades de classe apresentaram contribuições científicas, sociais e políticas, que conformam o campo profissional da enfermagem, possibilitando conhecimento/expertise, autonomia e autorregulação.

Considerações finais:

Os esforços dessas entidades reafirmam a enfermagem como profissão acadêmica e de consulta, capaz de exercer controle sobre a essência do trabalho da enfermagem. Elas se empenham em consolidar a enfermagem como legítimo campo profissional da saúde no Brasil.

Descritores:
Enfermagem; História da Enfermagem; Organizações de Normalização Profissional; Sociedades; Sociologia

ABSTRACT

Objective:

To analyze the contributions of the Brazilian Nursing Association and the Federal and Regional Nursing Councils in the literature for the professionalization of nursing in the light of Eliot Freidson’s theoretical conceptions.

Methods:

Integrative review of the literature, of socio-professional historical interest, carried out from June to November 2021, through the question: How did professional associations contribute to the professionalization of Brazilian nursing according to the literature from 2010 to 2020? The evidence were organized in a synoptic table, which allowed the construction of a conceptual map.

Results:

In the 23 selected studies, the professional associations presented scientific, social and political contributions, which shape the professional field of nursing, enabling knowledge/expertise, autonomy and self-regulation.

Final considerations:

The efforts of these institutions reaffirm nursing as an academic and consulting profession, capable of exerting control over the essence of nursing work. They strive to consolidate nursing as a legitimate professional field of health in Brazil.

Descriptors:
Nursing; Nursing History; Professional Standardization Organizations; Societies; Sociology

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las contribuciones de la Asociación Brasileña de Enfermería y de los Consejos Federales y Regionales de Enfermería a la profesionalización de la enfermería bajo la luz de las concepciones teóricas de Eliot Freidson

Métodos:

Se trata de una revisión integradora, de interés histórico socio profesional, realizada de junio a noviembre de 2021, mediante la pregunta: ¿Cómo han contribuido las entidades de clase con la profesionalización de la enfermería brasileña según la literatura de 2010 a 2020? Las pruebas se organizaron en un cuadro sinóptico que permitió construir un mapa conceptual.

Resultados:

En los 23 estudios seleccionados, las entidades de clase presentaron contribuciones científicas, sociales y políticas, que forman el campo profesional de la enfermería y facilitan el conocimiento, la experticia, la autonomía y la autorregulación.

Consideraciones finales:

Las entidades reafirman que la enfermería es una profesión académica y de consulta, capaz de ejercer el control sobre la esencia del trabajo en sí y perseveran para consolidarla como un campo profesional legítimo en el Brasil.

Descriptores:
Enfermería; Historia de la enfermería; Organizaciones de Normalización Profesional; Sociedades; Sociología

INTRODUÇÃO

No processo de profissionalização da enfermagem brasileira, as entidades de classe cooperaram para a constituição e a consolidação da profissão, não mais como mera ocupação, pois o reconhecimento como categoria profissional perpassa por lutas e conquistas de lideranças em diferentes contextos econômico, social e político, contribuindo para a formação da identidade profissional(¹).

No âmbito da sociologia das profissões, o teórico americano Eliot Freidson afirma que uma profissão se distingue de uma ocupação pelo controle que ela exerce sobre o próprio trabalho(²). A ideia central da proposta do sociólogo é a de que o método mais produtivo para analisar as profissões se baseia em centrar-se no modo como elas logram ou perdem o controle sobre os termos, as condições e o conteúdo do trabalho(²).

Ademais, Freidson caracteriza uma profissão por três aspectos: o conhecimento/expertise, a autorregulação e a autonomia. As profissões compartilham de um corpo especializado de conhecimentos e qualificações sobre o qual têm jurisdição, cuja credencial ocorre por meio da institucionalização em escolas e universidades, e de controle ocupacional da prática no mercado de trabalho, pela exigência de credenciais para executar ações licenciadas e respaldadas pelo Estado(³).

O credencialismo se consolida no conhecimento/expertise específico da profissão, indispensável para legitimar o alcance da autonomia(¹). É pela autonomia que a profissão faz o controle daquilo que lhe é próprio(²). Ao considerar esses aspectos, nota-se que as entidades de classe se tornam bases para profissão, disciplina e trabalho. Apoiam, ainda, o profissionalismo, um conjunto de características próprias dos profissionais(²); e a profissionalização, caracterizada por elementos interdependentes, trabalho especializado fundamentado em conhecimento específico e ética, quando da aplicação e do fazer profissional(¹).

As entidades de classe agem efetivamente em favor da categoria e da sociedade, quando defendem um projeto político de formação e qualificação que atenda aos interesses dos profissionais dessa classe e as demandas sociais. Promovem a divulgação de conhecimento sobre e para a profissão, representando esses profissionais nos diversos campos de atuação em que estão inseridos(⁴).

No Brasil, a vanguarda da organização da enfermagem e da representatividade das categorias ocorreu no ano de 1926, com a diplomação da turma pioneira da Escola de Enfermagem Anna Nery. Criada em 12 de agosto daquele ano, a Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED), atual Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), promovia o aperfeiçoamento dos profissionais e dos programas de formação, com o compromisso de fazer crescer e consolidar o desenvolvimento científico, social e político da enfermagem, sendo sua história permeada pela articulação com outras organizações, fundamentada em princípios éticos e nas atribuições que lhes competiam(⁵-⁷).

A ABEn deu início a outras organizações da enfermagem e, desse modo, impulsionou o desenvolvimento delas no Brasil(⁸). Nesse sentido, a criação dos Conselhos Federal (Cofen) e Regionais de Enfermagem (Coren) possui intrínseca relação com a história da ABEn. Muitos esforços foram empreendidos para concretizar a criação do órgão que fiscalizasse a prática dos profissionais de enfermagem. Os primeiros empenhos ocorreram no período de 1943 a 1947, mas somente em 12 de julho de 1973 foi sancionada a lei 5.905, que dispôs sobre a criação do Sistema Cofen/Coren, autarquia vinculada ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, que tem a função de disciplinar o exercício profissional da enfermagem(⁸-⁹).

Após instalados o Cofen e os Coren, destacaram-se as discussões sobre o novo projeto de Lei do Exercício Profissional, que substituiria a lei 2.604/1955. Teve-se, assim, a aprovação da lei 7.498/1986, regulamentada pelo decreto 94.406/1987(¹⁰-¹¹). Dentre outras ações do Cofen, cita-se a aprovação, mediante resolução do Cofen 564/2017, do novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Nesse processo, considerou-se o Código de Deontologia de Enfermagem do Cofen, de 1976, e o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, de 1993, reformulado em 2000 e 2007(¹²).

Nesse contexto, o delineamento das contribuições das entidades de classe para profissionalização da enfermagem brasileira possibilita compreender a influência e relevância delas para conformação da enfermagem como profissão e campo de conhecimento científico da saúde. Ainda, ele reforça, mediante fatos históricos, a importância da vida associativa para construção e fortalecimento da identidade profissional.

OBJETIVO

Analisar na literatura contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem e dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem para a profissionalização da enfermagem à luz das concepções teóricas de Eliot Freidson

MÉTODOS

Revisão integrativa da literatura, de interesse histórico socioprofissional para a enfermagem, realizada mediante as seguintes etapas: formulação do problema e da pergunta de pesquisa; busca na literatura e aplicação dos critérios de elegibilidade para o estudo; seleção dos artigos; leitura e extração dos dados pertinentes; análise e interpretação dos dados; organização dos dados em categorias e apresentação da síntese do conhecimento produzido(¹³). O levantamento bibliográfico, a coleta e a análise dos dados ocorreram de 4 de junho a 29 de novembro 2021. O estudo adotou as recomendações do The PRISMA 2020 Statement: an Updated Guideline for Reporting Systematic Reviews (PRISMA)(¹⁴).

Para seleção dos estudos, formulou-se a pergunta de pesquisa com base na estratégia PICo(¹⁵): entidades de classe constituíram o problema (P); as contribuições para a profissionalização, o fenômeno de interesse (I); e enfermagem, o contexto (Co). Assim, elaborou-se a pergunta norteadora: Como as entidades de classe contribuíram para profissionalização da enfermagem brasileira de acordo com a literatura de 2010 a 2020? Essa estratégia possibilitou a identificação dos descritores controlados e não controlados, que foram selecionados mediante a consulta dos termos nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), Medical Subject Headings (MeSH) e List of Headings do Cinahl Information Systems.

O levantamento bibliográfico foi realizado pela consulta às bases de dados eletrônicas Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (Cinahl), Biblioteca Digital de Enfermagem (BDENF), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line (MEDLINE® via PubMed®) e Web of Science. Usaram-se dos operadores booleanos “OR” e “AND” para combinar os termos de busca e intensificar o alcance do número de artigos que respondessem à pergunta de pesquisa, o que gerou as estratégias de busca (Quadro 1) para cada uma das bases consultadas.

Quadro 1
Bases de dados, número de registros e estratégias de busca

Bases de dados, número de registros e estratégias de busca
Cinahl (n=498) ( (MH “Organizations”) OR “Organizations” OR (MH “Professional Organizations”) OR “Professional Organizations” OR (MH “Nursing Organizations”) OR “Nursing Organizations” OR “Brazilian Nursing Association” OR “ABEn” OR “Federal Nursing Council” OR “COFEn” OR “Regional Nursing Council” OR “COREn” ) AND ( (MH “History”) OR “History” OR “Aspects, Historical” OR “Historical Aspects” OR (MH “History of Nursing”) OR “History of Nursing” OR “Nursing, History” OR “Nursing History” OR “History Nursing” ) AND “nursing”
BDENF (n=219) / Lilacs (n=259) ((mh:(societies)) OR (societies) OR (“Associações Profissionais” ) OR (“Associações de Profissionais”) OR (“Organizações Profissionais”) OR (“Organizações de Profissionais” ) OR (“Profissionais Associados”) OR (organization, professional) OR (organizations, professional ) OR (“Professional Organization”) OR (“Professional Organizations”) OR (“Asociaciones Profesionales”) OR (“Asociaciones de Profesionales” ) OR (“Organizaciones Profesionales”) OR (“Organizaciones de Profesionales” ) OR (“Profesionales Asociados” ) OR (“Associação Brasileira de Enfermagem”) OR (ABEn) OR (“Conselho Federal de Enfermagem” ) OR (cofen) OR (“Conselho Regional de Enfermagem”) OR (coren ) OR (“Brazilian Nursing Association”) OR (“Federal Nursing Council”) OR (“Regional Nursing Council” ) OR (“Asociación Brasileña de Enfermería” ) OR (“Consejo Federal de Enfemería”) OR (“Consejo Regional de Enfermería”) OR (societies, nursing) OR (“Nursing Societies”) OR (“Nursing Society”) OR (society, nursing)) AND ((mh:(history)) OR (history) OR (aspect, historical) OR (aspects, historical) OR (“Historical Aspect”) OR (“Historical Aspects”) OR (histories) OR (mh:(“History of Nursing”)) OR (“History of Nursing”) OR (“History Nursing”) OR (“Nursing History”) OR (nursing, history)) AND ((mh:(enfermagem)) OR (enfermagem) OR (nursings))
MEDLINE®/PubMed® (n=1.050) (“societies”[MeSH Terms] OR “societies”[All Fields] OR “society”[All Fields] OR “society s”[All Fields] OR “societys”[All Fields] OR (“societies”[MeSH Terms] OR “societies”[All Fields] OR (“professional”[All Fields] AND “organizations”[All Fields]) OR “professional organizations”[All Fields]) OR (“societies”[MeSH Terms] OR “societies”[All Fields] OR (“organizations”[All Fields] AND “professional”[All Fields]) OR “organizations professional”[All Fields]) OR (“societies”[MeSH Terms] OR “societies”[All Fields] OR (“organization”[All Fields] AND “professional”[All Fields]) OR “organization professional”[All Fields]) OR (“professional organisation”[All Fields] OR “societies”[MeSH Terms] OR “societies”[All Fields] OR (“professional”[All Fields] AND “organization”[All Fields]) OR “professional organization”[All Fields]) OR “Brazilian Nursing Association”[All Fields] OR “ABEn”[All Fields] OR “Federal Nursing Council”[All Fields] OR “COFEn”[All Fields] OR “Regional Nursing Council”[All Fields] OR (“coren”[All Fields] OR “coren s”[All Fields])) AND (“history”[MeSH Terms] OR “history”[All Fields] OR “histories”[All Fields] OR “history”[MeSH Subheading] OR (“history”[MeSH Terms] OR “history”[All Fields] OR (“aspects”[All Fields] AND “historical”[All Fields]) OR “aspects historical”[All Fields]) OR (“history”[MeSH Subheading] OR “history”[All Fields] OR (“historical”[All Fields] AND “aspects”[All Fields]) OR “historical aspects”[All Fields] OR “history”[MeSH Terms] OR (“historical”[All Fields] AND “aspects”[All Fields]) OR “historical aspects”[All Fields]) OR (“history of nursing”[MeSH Terms] OR (“history”[All Fields] AND “nursing”[All Fields]) OR “history of nursing”[All Fields]) OR (“history of nursing”[MeSH Terms] OR (“history”[All Fields] AND “nursing”[All Fields]) OR “history of nursing”[All Fields] OR (“nursing”[All Fields] AND “history”[All Fields]) OR “nursing history”[All Fields]) OR (“history of nursing”[MeSH Terms] OR (“history”[All Fields] AND “nursing”[All Fields]) OR “history of nursing”[All Fields] OR (“nursing”[All Fields] AND “history”[All Fields]) OR “nursing history”[All Fields]) OR (“history of nursing”[MeSH Terms] OR (“history”[All Fields] AND “nursing”[All Fields]) OR “history of nursing”[All Fields] OR (“history”[All Fields] AND “nursing”[All Fields]) OR “history nursing”[All Fields])) AND (“nursing”[MeSH Terms] OR “nursing”[All Fields] OR “nursings”[All Fields] OR “nursing”[MeSH Subheading] OR “breast feeding”[MeSH Terms] OR (“breast”[All Fields] AND “feeding”[All Fields]) OR “breast feeding”[All Fields] OR “nursings”[All Fields])
Web of Science (n=493) (TS=(nursing)) AND (TS=(History) OR TS=(Aspects, Historical) OR TS=(“Historical Aspects”) OR TS=(“History of Nursing”) OR TS=(Nursing, History) OR TS=(“Nursing History”) OR TS=(“History Nursing”)) AND (TS=(Societies) OR TS=(“Professional Organizations”) OR TS=(Organizations, Professional) OR TS=(Organization, Professional) OR TS=(“Professional Organization”) OR TS=(“Brazilian Nursing Association”) OR TS=(ABEn) OR TS=(“Federal Nursing Council”) OR TS=(COFEn) OR TS=(“Regional Nursing Council”) OR TS=(COREn) OR TS=(Societies,nursing) OR TS=(“Nursing Society”) OR TS=(Society, Nursing) OR TS=(“Nursing Societies”))

Incluíram-se estudos originais, publicados em inglês, português ou espanhol, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2020. Estabeleceu-se 2010 como ano inicial, em virtude da criação do Departamento Científico de História da Enfermagem (DHE) pela ABEn Nacional. O DHE está vinculado ao Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem (CEPEn), que tem a função de incentivar o desenvolvimento e a divulgação de pesquisas históricas na enfermagem. O ano de 2020 foi adotado como recorte final, por ser historicamente impactante para sociedade e profissão, profissionalismo e profissionalização da enfermagem, considerando a pandemia da doença pelo coronavírus 2019 (Covid-19). Além disso, a World Health Organization (WHO) estabeleceu esse ano como o Ano Internacional da Enfermagem e da Parteira(¹⁶). Excluíram-se dissertações e teses, estudos de caso, biografias e relatos de experiência. Também, os artigos captados em duplicidade foram considerados apenas uma vez, mantendo-os nas bases específicas para a enfermagem, seguidas das multidisciplinares.

Salienta-se que dois revisores independentes realizaram as etapas de identificação, triagem, elegibilidade e inclusão. Utilizou-se do gerenciador de referências EndNote para constituição do banco de dados, identificação e eliminação de duplicidades. Em seguida, o banco de dados resultante foi exportado para Rayyan Qatar Computing Research Institute (Rayyan QCRI)(¹⁷), para realização da triagem, elegibilidade e inclusão dos estudos. O Rayyan QCRI possibilita avaliação dos estudos com o cegamento do revisor auxiliar, o que favorece a fidedignidade na seleção das informações e a precisão metodológica(¹⁷). Na etapa de elegibilidade, houve discordância em 16 estudos, os quais foram encaminhados a um terceiro revisor para emitir parecer sobre a inclusão ou a exclusão do artigo.

Empregou-se o formulário adaptado do instrumento da Rede de Enfermagem em Saúde Ocupacional (RedENSO)(¹⁸) para realizar a extração e o registro das informações pertinentes. As evidências dos artigos selecionados foram apresentadas em quadro sinótico, que possibilitou a construção de mapa conceitual, a fim de favorecer a compreensão e a discussão das contribuições das entidades de classe na conformação profissional da enfermagem. O mapa conceitual foi desenvolvido pelo americano Joseph D. Novak, na década de 1970, sendo caracterizado pela estruturação hierárquica ou esquemática de conceitos imersos em uma rede de proposições, que favorece a construção do conhecimento. Pode ser considerada como representação visual para partilhar significados(¹⁹).

Para tanto, utilizou-se do software gratuito de mapeamento de conceitos Cmap Tools 6.03 para Windows, pela facilidade do manuseio e construção dos diagramas interativos, cuja finalização ocorreu com o uso do PowerPoint. O construto do mapa conceitual foi baseado nos conceitos de conhecimento, autonomia e autorregulação, aspectos de uma profissão por Eliot Freidson, postos ao centro do mapa e destacados em negrito. A caixa tracejada destaca a entidade ABEn com as contribuições para desenvolvimento da expertise.

Diante da metodologia utilizada, restrita ao uso de dados publicados, não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os aspectos éticos e legais, no que se refere à autoria, foram preservados, e o estudo não envolveu sujeitos participantes em nenhum momento.

RESULTADOS

A Figura 1 descreve o percurso realizado para identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos estudos, segundo as bases consultadas. Inicialmente, identificaram-se 6.318 publicações, das quais 34 atenderam aos critérios de elegibilidade, contudo 23 compuseram a amostra.

Figura 1
Fluxograma da seleção dos estudos primários incluídos na revisão integrativa

As evidências disponíveis sobre as entidades de classe resultaram da amostra final de 23 artigos(²⁰-⁴²), apresentadas no quadro sinótico (Quadro 2). Destes, 56% foram publicados no período de 2015 a 2018(²⁰-²⁵,³⁴-³⁹,⁴¹). Quanto aos periódicos com maior número de artigos acerca da temática, destacam-se a História da Enfermagem Revista Eletrônica (HERE)(²⁰-²¹,²⁴-²⁵,³²-³³,³⁵) e a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn)(²³,²⁸-³¹,⁴¹), com cerca de 30% e 26% da produção, respectivamente. Os estudos em totalidade utilizaram abordagem qualitativa, dos quais, 78,2% possuem enfoque histórico-social.

Quadro 2
Caracterização dos artigos, segundo entidade, título, ano, periódico, delineamento, contribuições e Nível de Evidência, 2022

Entidades citadas	Títulos/ Anos/ Periódicos	Delineamentos	Contribuições	NE
ABEn	Enfermagem brasileira em 90 anos de história associativa: contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem(20)/2018/ Hist enfer Rev eletronica	Exploratório, qualitativo	A ABEn concede relevantes contribuições: eventos técnico-científicos, criação de instâncias de pesquisa e publicação científica, participação na regulamentação e fortalecimento da profissão, movimentos em defesa da saúde e intercâmbio com instâncias de gestão da assistência e do ensino.	VI
ABEn	Ensino Superior e a Associação Brasileira de Enfermagem: contribuições para o desenvolvimento e as memórias da profissão no Oeste de Santa Catarina(21)/2018/ Hist enfer Rev eletronica	Estudo histórico, narrativo	A criação da ABEn-SC, núcleo Chapecó, é um marco para o desenvolvimento da enfermagem no oeste catarinense. O engajamento com as instituições de ensino e em movimentos de construção do saber a marcam como entidade de lutas e vitórias, que busca a autonomia profissional.	VI
ABEn	Análise da trajetória da Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Ceará(22)/2017/ Rev Rene	Estudo documental	A ABEn-CE representa os interesses da enfermagem cearense, ao abordar questões relacionadas ao ensino da profissão. Além disso, posiciona-se politicamente sobre as lutas da enfermagem.	VI
ABEn	Organização associativa da enfermagem: lutas pelo reconhecimento social da profissão(23) (1943-1946)/2017/ Rev Bras Enferm	Estudo sócio-histórico, documental e qualitativo	A iniciativa de São Paulo de criação de uma unidade independente, autônoma e com patrimônio próprio, acelerou o processo criação das seções da Associação. O movimento de criação da seção do Distrito Federal ocorreu em concomitância com a inserção das seções no estatuto de 1946.	VI
ABEn	Contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem para a Enfermagem Psiquiátrica: um olhar sobre os Congressos Brasileiros de Enfermagem (1947-1981)(24)/2016/ Hist enfer Rev eletrônica	Estudo histórico-social	Os Congressos Brasileiros de Enfermagem contribuem para o ensino e a prática assistencial de Enfermagem Psiquiátrica. Discutem-se questões entre os campos de prática e a qualificação dos profissionais e o ensino.	VI
ABEn	A luta pela organização civil da enfermagem alagoana: criação da Associação Brasileira de Enfermagem-AL (1962-1965) (25)/2015/ Hist enfer Rev eletrônica	Estudo histórico-social, documental	Desde o início, preocupa-se com questões relacionadas ao ensino, à divulgação da profissão, ao desenvolvimento científico, à criação do quadro de enfermeiros na estrutura organizativa do Estado e valorização profissional.	VI
ABEn	Associação Brasileira de Enfermagem: 85 anos de responsabilidade social, participação e luta(26)/2014/ Rev enferm UFPE on line	Estudo documental	O desenvolvimento da educação, a construção e difusão do conhecimento e a participação política são duas linhas importantes e interdependentes de atuação da ABEn para a construção social da enfermagem.	VI
ABEn	Pioneirismo da Associação Brasileira de Enfermagem no desenvolvimento da pesquisa: da revista ao centro de pesquisa(27)/2013/ Esc. Anna Nery	Estudo histórico-social	A criação de revista própria, a organização dos Congressos Nacionais, o Levantamento de Recursos e Necessidades da Enfermagem no Brasil, as discussões para desenvolvimento da profissão e a criação do Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem são movimentos da ABEn em prol da pesquisa.	VI
ABEn	A ABEn e a preservação da memória profissional: implantação do Centro de Memória da Enfermagem Brasileira(28)/2013/ Rev Bras Enferm	Estudo histórico-social	As diretorias da ABEn se preocupam com a preservação da memória da enfermagem, constatada pela massa documental acumulada, organizada e classificada no acervo da entidade.	VI
ABEn	85 anos de ABEn® e 80 de REBEn® promovendo o desenvolvimento científico e profissional da Enfermagem brasileira(29)/2013/ Rev Bras Enferm	Estudo histórico	A ABEn atua na produção e difusão do conhecimento e nas relações interinstitucionais, como: REBEn, eventos, relações nacionais e internacionais, liderança na educação, participação na regulamentação do exercício profissional e os movimentos sociais.	VI
ABEn	Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Sergipe: 52 anos de vontade, garra e coração(30)/2011/ Rev Bras Enferm	Estudo qualitativo, história oral	História marcada pelo incentivo à publicação técnico-científico, à contratação do profissional de enfermagem pelo Estado, à proibição do uso indevido do título de enfermeiro, à valorização do enfermeiro “alto padrão”, à participação em discussões sobre constituinte e Reforma Sanitária, e lutas pela valorização da profissão.	VI
ABEn	Associação Brasileira de Enfermagem no contexto da reforma educacional de 1996(31)/ 2010/ Rev Bras Enferm	Estudo histórico-social	Estratégias de lutas a partir das diretrizes político-expansionistas, político-jurídicas e político-organizacionais decorrentes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 1996 foram traçadas pelas lideranças da enfermagem. Em 1994, criou-se o Seminário Nacional de Diretrizes em Enfermagem.	VI
ABEn	Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas no contexto da aliança Brasil- Estados: II guerra mundial e pós-guerra(32)/2010/ Hist enfer Rev eletronica	Estudo histórico-social, documental	A Associação adota como estratégias de poder a organização das escolas de enfermagem governamentais, a construção de uma legislação, criação das seções estaduais e a realização dos Congressos.	VI
ABEn	História da enfermagem campineira: memórias da Associação Brasileira de Enfermagem Seção São Paulo - regional Campinas(33)/2010/ Hist enfer Rev eletronica	Estudo histórico-social	A ABEn-Campineira se preocupa com as lutas, o ensino e a criação das escolas de enfermagem.	VI
Coren	Contribuições da criação da câmara técnica de obstetrícia do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais(34)/2017/ Enfermagem em Foco	Estudo histórico-social	A criação da Comissão de Obstetrícia para apoiar Plenário do Coren-MG objetiva a autonomia e o reconhecimento da enfermagem obstétrica na mudança de modelo assistencial ao parto normal e na redução dos altos índices de cesarianas vigentes no país.	VI
Coren	Circunstâncias de instalação do Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (1973-1978) (35)/ 2016/ Hist enfer Rev eletronica	Estudo histórico-social	Em seus primeiros anos, o Coren-AL se dedicou à organização e manutenção de seu funcionamento, com foco nos registros profissionais.	VI
Coren	Enfermagem profissão: seu status, eis a questão(36)/ 2016/ Rev enferm UERJ	Estudo sócio-histórico	O credencialismo esteve inerente ao caminho das precursoras da profissão no desenvolvimento do Coren-SC. A criação do Coren-SC contribui para legitimidade e status da profissão.	VI
Coren	A criação do Conselho Regional de Enfermagem do Piauí(37)/ 2016/ Enfermagem em Foco	Estudo histórico-social	A Junta Especial realizou o cadastro dos profissionais e a eleição da primeira diretoria, que precisou esclarecer os profissionais sobre a necessidade do registro profissional.	VI
Coren	Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986): importância para a profissão(38)/2015/ Texto Contexto Enferm	Estudo histórico-social	A atuação do Coren-SC, no período de 1975 a 1986, foi permeada por dificuldades de aderência dos profissionais de enfermagem aos propósitos de um órgão de disciplinamento e fiscalização, o que repercutiu no atraso das atividades fiscalizatórias.	VI
Coren	Nascedouro do Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (Década de 1970) (39)/ 2015/ Rev eletronica enferm	Estudo sócio-histórico	A criação do Conselho envolveu o empenho e a iniciativa da ABEn garantindo a autonomia profissional e poder sobre seu trabalho. Defende-se a assistência e os padrões éticos no fazer saúde.	VI
Coren	Reflexões sobre a trajetória do Conselho Regional de Enfermagem do Piauí(40)/2013/ Enfermagem em Foco	Pesquisa documental, retrospectiva, descritiva	Defende a importância da regulação profissional e articula-se com outras entidades para garantir valorização e visibilidade profissional.	VI
ABEn Cofen Coren	Militância de enfermeiras no campo da institucionalidade: versões da mídia impressa(41)/2020/ Rev Bras Enferm	Estudo histórico	Divulgou-se sobre a implantação do Cofen, e o esforço com a ABEn para a atualização da Lei do Exercício Profissional. Evidenciou a criação, eleição e posse do Coren-Bahia, e o caráter fiscalizador e regulador da profissão, além da obrigatoriedade de registro.	VI
ABEn Cofen Coren	Organização da Enfermagem Brasileira(42)/2010/ Enfermagem em Foco	Estudo histórico	A ABEn mobiliza lutas para crescimento, desenvolvimento e reconhecimento da profissão, com iniciativas na educação, pesquisa, regulação do exercício profissional e criação do Conselho profissional.	VI

ABEn: Associação Brasileira de Enfermagem; Cofen: Conselho Federal de Enfermagem; Coren: Conselho Regional de Enfermagem.

Avaliou-se cada artigo para identificação do Nível de Evidência (NE), de acordo com os conceitos de Melnyk e Fineout-Overholt, classificados em seis níveis: I para revisão sistemática, metanálise ou estudos oriundos de diretrizes baseadas em ensaios clínicos randomizados controlados; II para pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado; III para estudos controlados sem randomização; IV para estudos de caso-controle ou coorte, desde que bem delineados; V para revisão sistemática de trabalhos qualitativos e descritivos; VI para um único estudo qualitativo ou descritivo; VII para opinião de autoridades e/ou de relatórios de comitês de especialistas(⁴³). Classificaram-se as publicações no Nível de Evidência VI, resultantes de estudo descritivo ou qualitativo.

A entidade ABEn esteve presente exclusivamente em 61% estudos(²⁰-³³), e o Cofen/Coren em 30%(³⁴-⁴⁰); 9% dos artigos versaram sobre essas entidades da enfermagem(⁴¹-⁴²).

Essas evidências foram esquematizadas em mapa conceitual (Figura 2), de modo a apresentar como as diferentes contribuições das entidades de classe ABEn e Cofen/Coren conformam o campo profissional da enfermagem, segundo os conceitos do teórico Eliot Freidson.

Figura 2
Mapa conceitual sobre as contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem e Conselhos Federal e Regional de Enfermagem na conformação profissional da enfermagem

DISCUSSÃO

As entidades de classe objetivam e mobilizam o fortalecimento da enfermagem(¹), considerando os critérios que distinguem uma profissão de uma ocupação, a saber: conhecimentos e habilidades próprias, autonomia e autorregulação e membros especialmente confiáveis(¹,³). Nesse contexto, percebem-se que as publicações do período de 2010 a 2020 reforçam as contribuições da ABEn e do sistema Cofen/Coren na conformação profissional. O agrupamento do capital científico, como proposto pelo DHE, promove e preserva a história da enfermagem nos diferentes contextos e, desse modo, contribui para a difusão do conhecimento que permeia o processo histórico da profissão e sua profissionalização.

A construção da enfermagem como ciência e profissão resulta da constituição de campo de conhecimento próprio e de arcabouço científico para fundamentar e sustentar a prática profissional. Tal constituição é permeada pela trajetória de diferentes sujeitos em contextos diversos, cuja valorização da história, incentivada pelo DHE, contribui para a construção da identidade profissional. Historicamente, a ABEn é o princípio do delineamento e da produção desse conhecimento para a enfermagem, com iniciativas que envolvem questões relativas à formação e ao ensino de enfermagem, à pesquisa científica e à propagação desta entre os profissionais(²⁰,²⁴,²⁶-³¹,⁴²).

Concernente à formação e ao ensino de enfermagem, na década de 1940, a ABEn elaborou o projeto que subsidiou a lei 775/1949 e institucionalizou o ensino de enfermagem no Brasil; ao final da década de 1960, ela discutiu as implicações da Reforma Universitária para formação do enfermeiro(²⁷,²⁹,⁴²). Esses fatos evidenciam esforços para instituir e dominar a propriedade sobre um campo de conhecimento específico, cuja aquisição precisa ser ensinada e aperfeiçoada, mediante a estruturação de currículo que contemple o saber-fazer da profissão.

No contexto de ampliação das escolas de enfermagem no Brasil e na proposta de formação de uma outra associação filiada (na década de 1940)(²³,³²), a ABEn, no Estatuto de 1946, criou as seções estaduais e regionais(²¹-²³,²⁵,³⁰,³³). A iniciativa de formação dessas seções reforça não somente a manutenção da unidade da enfermagem brasileira, como também a ampliação e o domínio dos espaços de decisão na formação e no ensino de enfermagem, fazendo-se presente nas mais diversas regiões brasileiras. Manter a unidade da enfermagem era importante para seu fortalecimento, uma vez que a ABEn foi a única entidade existente com poder para representar a enfermagem brasileira até a criação do Cofen(⁴⁴).

Ainda no campo da educação, a década de 1990 registrou dois momentos históricos importantes para a enfermagem com envolvimento da ABEn: a participação das Diretorias de Educação, dando subsídios ao Conselho Federal de Educação, para aprovação do novo currículo mínimo da enfermagem, em 1994; e, no contexto da reforma educacional que define a aprovação da mais importante lei brasileira, no que se refere à educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, em que a ABEn empreendeu esforços estratégicos de lutas relacionadas às diretrizes político-expansionistas, político-jurídicas e político-organizacionais(³¹). No bojo desse processo, a ABEn realizou os Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEns)(²⁰,²⁹,³¹), que discutiam e fomentaram a elaboração e a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais, aprovadas na virada do século 21, em 2001. A partir de então, a ABEn se volta para própria implantação e consolidação(²⁹).

O processo de profissionalização de uma ocupação envolve principalmente os processos políticos pelos quais as ocupações conseguem que o Estado lhes conceda o direito exclusivo para desempenhar certas tarefas, para recrutar e educar membros, delimitar o campo de atuação em relação aos outros ofícios e definir em que consistirá o trabalho. O Estado possui papel decisivo para o sucesso de uma profissão, concedendo-lhe formalmente o direito de monopólio do exercício profissional no mercado de trabalho, inibindo concorrências desleais e impondo fronteiras de competência(⁴⁵).

A ABEn, ao trabalhar junto como o Ministério da Educação e o Conselho Federal de Educação no bojo da reforma educacional brasileira, protagoniza o direcionamento e o reforço de formar expertise necessária ao desempenho da enfermagem. Uma vez direcionados à produção do conhecimento e ao domínio da qualificação, têm-se o controle do trabalho e a propriedade sob um corpo de conhecimento formal aprendido em instituições de educação superior, em outras palavras: o conhecimento e a qualificação necessários para o exercício do trabalho pela profissão.

Reconhecem-se outros esforços da ABEn para apropriação do conhecimento necessário à enfermagem e ao aperfeiçoamento desse saber, como os movimentos para o desenvolvimento da pesquisa(²⁷). Nesse aspecto, destaca-se a disseminação do conhecimento produzido por meio da publicação da Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn)(²⁰,²⁷,²⁹-³⁰,⁴²), criada em 1932, com o nome Annaes de Enfermagem. Configura-se como espaço para formação da comunidade científica, bem como de estruturação do campo científico. Revela, portanto, o pensamento científico da enfermagem brasileira e da política da vida associativa da ABEn(²⁹). A REBEn é a materialização do desejo de solidificação do conhecimento da ciência da enfermagem para o coletivo.

Destaca-se, ainda, o desenvolvimento de atividades científicas conforme apresentado no mapa conceitual. Inicia com a produção em si da primeira pesquisa sobre a situação numérica e qualitativa da enfermagem brasileira(²⁷,²⁹,⁴²), que perpassa pela organização de espaços para discussão e divulgação científica da enfermagem no cenário nacional e internacional(²⁰,²⁴,²⁶-²⁹,³¹,⁴²) e eterniza as memórias, por meio da preservação da herança material e simbólica da enfermagem. Trata-se do Centro de Memória da Enfermagem Brasileira, local de guarda de densa massa documental acumulada ao longo dos tempos, o que revela a preservação da memória daqueles que fazem a associação(²⁸). A troca do conhecimento científico e das práticas de enfermagem é oportunizada ainda pela agenda da Semana Brasileira de Enfermagem, um patrimônio da ABEn(²⁰,²⁹,⁴²).

O conhecimento profissional estabelece a autoridade para se ter o controle sobre o próprio trabalho, conforme descreve o sociólogo Freidson: “autoridade da expertise imputada”, isto é, a profissionalização exige o estabelecimento de uma autoridade da expertise, um conhecimento profissional tão complexo e incompreensível por leigos, o que empresta relevância ao trabalho, bem como o reconhecimento da superioridade do conhecimento e da competência, garantindo autonomia técnica(⁴⁵). É o caso dos temas específicos trabalhados nos Congressos Brasileiros de Enfermagem (CBEn); dentre estes, cita-se a enfermagem psiquiátrica, que aborda aspectos do campo de prática, da qualificação profissional, bem como bases conceituais para o ensino da enfermagem psiquiátrica(²⁴).

Observa-se que a ABEn contribui com o conhecimento científico da enfermagem, de modo a favorecer o desenvolvimento das competências para a profissão. Assim, possibilita garantir que, além do incremento da expertise, esses profissionais possuam autonomia no exercício profissional.

Assim, legitima-se a autonomia da enfermagem pela implementação de teorias, bem como o cuidado baseado na sistematização da assistência de enfermagem(⁴⁶). Entende-se que a enfermagem é uma profissão caracteristicamente autônoma, capaz de exercer com independência o próprio trabalho nos diferentes cenários de atuação. Seu objeto de cuidado tem relação com as respostas humanas e processos de adaptação a situações de agravos em saúde, não apenas o cumprimento de prescrições de outros profissionais que compõem a equipe multidisciplinar.

Cabe ao enfermeiro concretizar essa autonomia, amparada por conhecimento próprio e reconhecimento do valor positivo da profissão para sociedade(³). A autonomia profissional não é obtida pela profissão por si própria, mas resulta de um processo político e social de concessão legal, sendo ela conferida à profissão pela sociedade(⁴⁵). Nessa perspectiva, em muitos dos imensos vazios assistenciais do território brasileiro, a enfermagem se faz presente na sociedade. Ela realiza autonomamente o cuidado, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde da população. Enfatizam-se, ainda, o crescimento do empreendedorismo na enfermagem e o aumento dos consultórios de enfermagem, o que reafirma a autonomia dessa profissão. Portanto, ela não pode estar desvinculada das transformações sociais para reforçar sua autonomia e necessidade.

Nesse contexto, a ABEn se engaja nos mais diferentes movimentos da sociedade. Participa da luta em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), de uma saúde de qualidade para os cidadãos, de leis e políticas públicas sociais e de saúde, da consolidação da enfermagem como prática social. Faz-se presente em conselhos municipais, estaduais e conferências de saúde(²⁰,²⁶).

Além dos movimentos sociais, a ABEn mantém relações nacionais e internacionais para representar a enfermagem brasileira. Assim, participa do International Council of Nurses (ICN), da Asociación Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Enfermería (Aladefe) e da Federación Panamericana de Profisionales de Enfermería (Feppen)(²⁹). Acredita-se que a articulação da ABEn com outras entidades da enfermagem mundial torna ainda mais expressiva a missão pela enfermagem brasileira. Ressalta-se o envolvimento, sob responsabilidade do Conselho Internacional de Enfermeiras, na criação da Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem (CIPE®) e da Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva (CIPESC®)(²⁹), ambos instrumentos que visam apoiar a sistematização da assistência de enfermagem e, consequentemente, a autonomia da profissão.

No intuito de obter o controle sobre o próprio trabalho, além do investimento no conhecimento e aprimoramento técnico-científico, a ABEn luta para obtenção da valorização e da regulação da profissão, o que já resultou nas leis 2.604 de 1955(⁴²) e 3.780 de 1960, que incluem o enfermeiro no nível técnico-científico(⁴²). Além disso, há esforços para construção do quadro de enfermeiro(²⁵), contratação de profissional de enfermagem em substituição às pessoas sem formação específica, iniciativas de proibição ao uso indevido do título de enfermeiro(³⁰) e discussão de ações privativas do enfermeiro(³³). Esses fatos evidenciam a preocupação em regulamentar e regular o exercício da profissão por quem possuísse a expertise necessária.

A ABEn participou ativamente da formação dos dispositivos legais da profissão, com a criação de órgão que autorregulasse o exercício da enfermagem e, consequentemente, protegesse os membros e a sociedade pela garantia da aptidão aos que a desempenhavam(²⁰,²⁹,⁴²). Teve-se a criação dos Cofen/Corens, o que concedeu legitimidade e autonomia ao exercício e ao fazer específico da profissão, além de prezar por assistência pautada nos princípios éticos e morais(³⁹-⁴⁰,⁴²).

Assim, contribuições dos Corens, a exemplo de Minas Gerais, em que houve esforço para o desenvolvimento da Câmara Técnica de Obstetrícia (CTO), em 2007, visam garantir a autonomia. A criação e a mobilização do CTO tem impacto social e político na valorização da enfermagem obstétrica, ao trazer reconhecimento profissional dos enfermeiros obstetras, não apenas no serviço em que atuam, como também a toda a sociedade(³⁴).

O reconhecimento advém da autonomia necessária para o alcance do status profissional. O alcance e a manutenção desse status depende da proteção da sociedade que é convencida do valor especial do trabalho(³). De tal modo, os conselhos contribuem para que a sociedade confie e se sinta segura com o trabalho oferecido. Assim, eles resguardam e protegem os membros e a população. Nesse contexto, enfatizam-se os movimentos atuais do Cofen/Corens e da ABEn para assegurar condições dignas ao exercício profissional, tendo como pauta de discussões e ações a lei do piso salarial para a enfermagem e a jornada de 30 horas de trabalho. Além disso, os movimentos buscam garantir formação de qualidade e comprometida com o desenvolvimento das competências profissionais, ao repudiarem os cursos de graduação em enfermagem na modalidade a distância.

A proteção concedida aos membros e à população resulta da capacidade da profissão em realizar a autorregulação, compreendida como controle do exercício da perícia realizada pelas associações profissionais que detêm autoridade legal e formal concedida pelo Estado(²). A instituição desse órgão de fiscalização foi importante para a profissão da enfermagem, pois a ABEn possui o papel representativo, mas não dispõe dos direitos legais para realizar registro profissional(⁴⁴).

Portanto, mediante o sistema Cofen/Corens, a enfermagem obtém o controle de um domínio de trabalho específico, necessário para alcance da autonomia(²). Além disso, garante poder sobre o trabalho, além de organizar, normatizar e assegurar a qualidade da prática da profissão, por meio do registro profissional(³⁵,³⁷-³⁹,⁴¹), da legislação(³⁶,⁴¹) e das atividades fiscalizatórias(³⁹-⁴⁰,⁴²). Essas ações permitem que ela seja praticada por quem possui conhecimento especializado, qualificado e habilitação concedida para o exercício, ou seja, a credencial, defendendo-a quanto à qualidade da assistência e aos padrões éticos, o que favorece visibilidade e reconhecimento(³⁶-³⁹).

O Cofen e os Corens atuam no desenvolvimento dessa classe profissional em âmbito local e regional(³⁴-⁴¹). Dessa forma, a existência de uma instituição que regulamente o exercício é indispensável ao credencialismo e à autoafirmação da profissão.

Os feitos historicamente construídos pelas entidades de classe da enfermagem se tornam ainda mais evidentes no ano de 2020, considerando o contexto pandêmico da Covid-19. Em meio à crise sanitária, a enfermagem novamente reafirma o protagonismo, o fazer profissional pelo conhecimento/expertise, a autorregulação e a autonomia. O profissionalismo ganha destaque no cenário de saúde e confirma com clareza a necessidade social da enfermagem.

Limitações do estudo

Nesta revisão, as buscas foram realizadas em bases de dados direcionadas à área da saúde e da enfermagem. No entanto, a ausência de pesquisa em bases na área de história e da busca cruzada poderá não ter contemplado todos os artigos acerca da temática.

Ademais, o estudo não abarcou a análise dos fatos históricos implementados por todas as seções da ABEn, a qual poderia representar também contribuição na conformação do conhecimento próprio ou específico da enfermagem de determinada região, considerando a pluralidade da população e das regiões brasileiras.

Contribuições para a área da enfermagem e ensino da história da enfermagem

As entidades de classe devem ser fortalecidas pelo conhecimento e pelo reconhecimento da contribuição para o credencialismo da enfermagem como profissão. Nessa perspectiva, muitos feitos permeiam a ABEn e o Cofen/Coren, sendo importante socializá-los. Os achados podem servir de incentivo para realização de estudos que abordem individualmente as seções regionais de enfermagem. Assim, evidenciarão, aprofundarão as especificidades e ampliarão os conhecimentos e as expertises de cada região, a fim de que as ações resultem na valorização e no reconhecimento profissional pela autonomia, ao considerar que o Brasil é um país continental.

Ademais, visibilizar essas contribuições conforma-se como pauta relevante para despertar os profissionais de enfermagem para importância da vida associativa, para o incremento do status quo e entendimento da enfermagem como prática e necessidade social. As entidades oportunizam a ampliação dos debates acerca do acompanhamento dos profissionais às transformações dos processos políticos e sociais do país, principalmente na garantia dos direitos universais à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos desta revisão, amparados pelas concepções fredsonianas, revelam que as entidades da enfermagem Associação Brasileira de Enfermagem e Conselhos Federal e Regional de Enfermagem contribuem com o processo de profissionalização, sustentado no conhecimento próprio e na demarcação da expertise, vinculado à institucionalização, à autonomia e à autorregulação.

A Associação Brasileira de Enfermagem foi categórica nas lutas e ações que configuram o desenvolvimento da expertise pela atuação na formação/ensino de enfermagem, no incremento da pesquisa e na difusão desse conhecimento pelas diversas formas de socialização. A conformação dessa expertise fortalece a delimitação das áreas de competências e habilidades necessárias, diferenciando-as das demais profissões. Pelo empenho da Associação Brasileira de Enfermagem, o conselho foi criado. Assim, tem-se o surgimento de órgão que normatiza e fiscaliza o exercício da profissão e sua autorregulação, apoiando as credenciais para autonomia profissional.

Conclui-se que os esforços contínuos empreendidos por essas entidades de classe reverberam no ano de 2020, quando a enfermagem, no ano internacional pela Organização Mundial da Saúde, sobressai-se no protagonismo no enfrentamento à pandemia. Mostra-se com a competência técnica, científica, ética, humanística e profissional, ratificando a função como profissão acadêmica e de consulta, cuja prática para comunidade está fundamentada no conhecimento científico produzido pelos pares. Reforça-se, assim, a enfermagem como profissão qualificada, capaz de exercer controle sobre o próprio trabalho, de maneira autônoma. Assim, em contextos históricos diversos, essas entidades legitimam a enfermagem enquanto profissão da saúde no Brasil.

AGRADECIMENTO

Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes (In Memoriam).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Nov 2022
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  11 Mar 2022
• Aceito
  15 Ago 2022