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Atrofia essencial da íris associada à hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina

Essencial iris atrophy associated with congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium

Resumos

RESUMO O objetivo deste relato é descrever um caso de síndrome iridocorneana endotelial, na variante clínica atrofia essencial de íris, com concomitante hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina no mesmo olho.

Doenças da córnea; Epitélio posterior; Glaucoma; Íris; Hipertrofia; Epitéliopigmentado da retina; Relato de caso


The aim of this report is to describe a case of iridocornel endothelial syndrome with the clinical variant essential iris atrophy, which presents concomitant congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium in the same eye.

Corneal diseases; Endothelium; corneal; Glaucoma; Iris; Hypertrophy; Retinal pigmentepithelium; Case report


RELATO DE CASO

Atrofia essencial da íris associada à hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina

Essencial iris atrophy associated with congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium

José Alexandre Bastos PereiraI; Isabela Soutello CamarotaII

IProfessor do Curso de Pós-graduação da Sociedade Brasileira de Oftalmologia – SBO - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIResidente do 3º ano do Serviço de Oftalmologia do Hospital dos Servidores do Estado – HSE - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Os autores declaram inexistir conflitos de interesse

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Isabela Soutello Camarota Rua Sambaíba, nº 587 Apto. 202 – Leblon CEP 22450-140 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil E-mail: belacamarota@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste relato é descrever um caso de síndrome iridocorneana endotelial, na variante clínica atrofia essencial de íris, com concomitante hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina no mesmo olho.

Descritores: Doenças da córnea/patologia; Epitélio posterior; Glaucoma; Íris/anormalidades; Hipertrofia; Epitéliopigmentado da retina; Relato de caso

ABSTRACT

The aim of this report is to describe a case of iridocornel endothelial syndrome with the clinical variant essential iris atrophy, which presents concomitant congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium in the same eye.

Keywords: Corneal diseases/pathology; Endothelium, corneal; Glaucoma; Iris/abnormalities; Hypertrophy; Retinal pigmentepithelium; Case report

INTRODUÇÃO

As síndromes iridocorneanas endoteliais (ICE)consistem em três entidades clínicas raras: atrofia essencial de íris, síndrome de Chandler e síndrome de Cogan-Reese.

Suas variações, embora separadamente descritas, são consideradas como um espectro de doenças com um mecanismo patogênico comum(1-2). Ocorre a proliferação anormal de endotélio corneano, atribuído a uma inflamação endotelial crônica de etiologia provavelmente viral(2-3).

Pacientes com síndrome ICE geralmente se apresentam na 3ª a 5ª década de vida, apresentando anormalidades unilaterais da íris ou queixando-se de distúrbios ou desconforto ocular devido ao edema de córnea ou elevada pressão intraocular. A síndrome é mais comum em mulheres, parece ocorrer esporadicamente, e foi reconhecida quase que exclusivamente em caucasianos. As alterações irianas constituem o fator determinante para a distinção das variantes clínicas da síndrome. A variante clínica atrofia essencial da íris é caracterizada pela atrofia e afinamento do estroma iriano, resultando em defeitos de toda a espessura (buracos)(1-2). A formação precoce de sinéquias anteriores periféricas leva a distorções pupilares, em sua direção, o que ocasionalmente resulta em formatos bizarros da pupila. A gênese dos buracos irianos é atribuída à isquemia resultante da obstrução dos vasos da íris(1-4). Podem ocorrer múltiplos pequenos nódulos irianos pedunculados, que geralmente aparecem ao final da doença(1-5). Na córnea pode haver edema estromal ou endotelial, dando um aspecto semelhante à prata cinzelada. Em alguns casos, não há anormalidade evidente da córnea. O glaucoma é uma complicação frequente que ocorre devido à perda do ângulo camerular, secundário ao crescimento do endotélio corneano anormal sobre a malha trabecular. Não existem associações sistêmicas descritas(1-2). Hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina (HCEPR) é uma entidade onde evidencia-se a presença de lesões planas, bem delimitadas, hiperpigmentadas e agrupadas observadas à fundoscopia. As células do epitélio pigmentado da retina (EPR) são mais altas e numerosas, e contém melanossomas grandes e arredondados em seu interior(6-7). Podem aumentar de tamanho ou número ao longo da vida, e gerar escotomas absolutos ou relativos no campo visual(8). As lesões têm apresentação unilateral e não há associações oculares descritas.

Relato de Caso

Mulher de 28 anos, natural e residente no Rio de Janeiro, procurou nosso serviço referindo ter notado a "presença de mancha em olho esquerdo”, há cerca de um ano, sem outros sintomas associados. Negava presença de doenças oculares e sistêmicas pregressas, assim como uso de medicações relacionadas. Ao exame oftalmológico apresentava acuidade visual (AV) com melhor correção óptica de 20/20 (1,0) e J1 para perto nos dois olhos. A biomicroscopia de segmento anterior era normal em olho direito (OD). Olho esquerdo (OE) evidenciava corectopia com desvio nasal inferior da pupila, áreas de atrofia parcial da íris que deixavam visível o folheto posterior, dando aspecto irregular à sua coloração, e outras áreas de atrofia total que se apresentavam como buracos (Figuras 1a e 1b). A pressão intraocular era de 13 e 15 mmHg às 13 horas. O exame gonioscópico em OD demonstrava ângulo aberto 360º com visualização até esporão escleral, pigmentação trabecular discreta, de +2/+4. Em OE era observado desvio nasal inferior da pupila, assimetria de coloração da íris com faixa nasal superior mais escura devido à exposi-ção do folheto posterior, áreas de atrofia completa do estroma iriano causando buracos de toda a espessura, o que permitia a observação do corpo ciliar, sinéquias anteriores estendendo-se das 7 às 13 horas, pigmentação trabecular moderada de +2 a +3/+4 e ausência de sangue no canal de Schlemm (Figura 2). A fundoscopia sob midríase era inalterada em OD (Figura 3). OE apresentava disco óptico de contornos e coloração normais, escavação fisiológica, mácula com brilho preservado, áreas de aglutinação pigmentar nasais à papila, correspondendo à melanose múltipla da retina (bear track) (Figura 4). O exame de microscopia especular realizado foi normal em OD. Em OE foi demonstrada a perda do padrão celular em mosaico e células com limites obscurecidos, configurando a presença de ice cells. Foram solicitados exames de campo visual computadorizado, paquimetria e curva de pressão intraocular devido à alta associação de glaucoma de difícil manejo nesses pacientes. A paciente foi orientada para o acompanhamento oftalmológico rotineiro.





DISCUSSÃO

A ICE síndrome é uma patologia rara, progressiva, com maior prevalência no sexo feminino, em pacientes brancos, e geralmente unilateral(1-2). Pode resultar em glaucoma de difícil manejo causado por alterações pro-gressivas do ângulo camerular, devido à formação de sinéquias anteriores periféricas e alterações na membrana basal e endotélio corneano. A hipertrofia congênita do EPR (bear tracks) é uma lesão assintomática, observada como achado acidental na fundoscopia. São três as apre-sentações clínicas possíveis: lesão solitária unilateral, lesões agrupadas unilaterais, e a apresentação atípica multifocal e bilateral(6-8). As lesões típicas são inócuas e unilaterais, no entanto, a presença de múltiplas lesões bilaterais representam um risco maior para presença da síndrome de Gardner, ou polipose adenomatosa familiar (PAF)(6-7). Não há predileção por sexo ou raça. Neste relato de caso foi observada a associação ocasional, sem qualquer explicação fisiopatológica ou embriológica, de duas patologias com apresentação unilateral, no mesmo paciente. Não há na literatura outro caso semelhante descrito.

REFERÊNCIAS

1. Wilson MC, Shields MB. A comparison of the clinical varia-tions of the iridocorneal endothelial syndrome. Arch Ophthalmol. 1989;107(10):1465-8.

2. Shields MB. Glaucoma. 2a ed. São Paulo: Panamericana; 1989. Glaucoma associado a alterações primárias do endotélio corneano; p. 235-45.

3. Calixto N, Cronemberger S. Glaucoma e distrofias endoteliais corneanas. In: Almeida HG, Almeida GV, Calixto N, Carvalho CA. Glaucomas secundários. São Paulo: Roca; 1985. p. 291-8.

4. Eagle RC Jr, Shields JA. Iridocorneal endothelial syndrome with contralateral guttate endothelial dystrophy: A light and electron microscopic study. Ophthalmology [Internet] 1987 [cited 2010 Feb 12]; 94(7):862-70. Available from: http:// bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/

5. Shields MB, Campbell DG, Simmons RJ, Hutchinson BT. Iris nodules in essential iris atrophy. Arch Ophthalmol [Internet] 1976 [cited 2010 Feb 12]; 94(3):406-10. Available from: http:/ /bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/

6. Lloyd WC 3rd, Eagle RC Jr, Shields JA, Kwa DM, Arbizo W. Congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium. Elec-tron microscopic and morphometric observations. Ophthalmol-ogy [Internet] 1990 [cited 2010 Feb 12]; 97(8):1052–60. Avail-able from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/

7. Buettner H. Congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium. Am J Ophthalmol [Internet] 1975 [cited 2010 Feb 12]; 79(2):177–89. Available from: http://bases.bireme.br/ cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/

8. Shields CL, Mashayekhi A, Ho T, Cater J, Shields JA. Solitary congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium: clinical features and frequency of enlargement in 330 pa-tients. Ophthalmology [Internet] 2003 [cited 2010 Jan 21]; 110(10):1968–76. Available from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/

Recebido para publicação em: 23/9/2009

Aceito para publicação em 20/03/2011

Trabalho realizado na Clínica Suporte Diagnóstico em Oftalmologia - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil.

  • 1
    Wilson MC, Shields MB. A comparison of the clinical varia-tions of the iridocorneal endothelial syndrome. Arch Ophthalmol. 1989;107(10):1465-8.
  • 2
    Shields MB. Glaucoma. 2a ed. São Paulo: Panamericana; 1989. Glaucoma associado a alterações primárias do endotélio corneano; p. 235-45.
  • 3
    Calixto N, Cronemberger S. Glaucoma e distrofias endoteliais corneanas. In: Almeida HG, Almeida GV, Calixto N, Carvalho CA. Glaucomas secundários. São Paulo: Roca; 1985. p. 291-8.
  • 4
    Eagle RC Jr, Shields JA. Iridocorneal endothelial syndrome with contralateral guttate endothelial dystrophy: A light and electron microscopic study. Ophthalmology [Internet] 1987 [cited 2010 Feb 12]; 94(7):862-70. Available from: http:// bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/
  • 5
    Shields MB, Campbell DG, Simmons RJ, Hutchinson BT. Iris nodules in essential iris atrophy. Arch Ophthalmol [Internet] 1976 [cited 2010 Feb 12]; 94(3):406-10. Available from: http:/ /bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/
  • 6
    Lloyd WC 3rd, Eagle RC Jr, Shields JA, Kwa DM, Arbizo W. Congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium. Elec-tron microscopic and morphometric observations. Ophthalmol-ogy [Internet] 1990 [cited 2010 Feb 12]; 97(8):1052–60. Avail-able from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/
  • 8
    Shields CL, Mashayekhi A, Ho T, Cater J, Shields JA. Solitary congenital hypertrophy of the retinal pigment epithelium: clinical features and frequency of enlargement in 330 pa-tients. Ophthalmology [Internet] 2003 [cited 2010 Jan 21]; 110(10):1968–76. Available from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/
  • Endereço para correspondência:
    Isabela Soutello Camarota
    Rua Sambaíba, nº 587 Apto. 202 – Leblon
    CEP 22450-140 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      20 Mar 2011
    • Recebido
      23 Set 2009
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