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Fibroma de Tarso

RESUMO

O objetivo dos autores é relatar um caso de fibroma de tarso, uma tumoração na reborda orbitária súpero-temporal direita com crescimento lento ao longo de anos. A análise da peça obtida da região tarsal mostrou uma lesão bem delimitada, constituída por deposição de fibras colágenas densas, com proliferação de células fusiformes, sem atipias, com revestimento de células conjuntivais, caracterizando fibroma da placa tarsal.

Descritores:
Fibroma; Doenças orbitárias; Pálpebras; Neoplasias palpebrais; Relatos de casos

ABSTRACT

The objective of the authors is to report the case of a tarsal fibroma, a tumoration on the superotemporal side of the right orbit with slow growth over the years. Analysis of the anatomical specimen obtained from the tarsal region showed a well-defined lesion, consisting of deposition of dense collagen fibers, with fusiform cells without atypia, with coating conjunctival cells, featuring fibroma of the tarsal plate.

Keywords:
Fibroma; Orbital diseases; Eyelids; Eyelid neoplasms; Case reports

INTRODUÇÃO

Apesar da ubiqüidade dos fibroblastos e de seu papel na resposta inflamatória, neoplasias verdadeiras originadas dos fibroblastos, como fibroma e fibrossarcoma, são raras como neoplasia primária ocular(11 Jones IS, Jakobiec FA. Diseases of the Orbit. In: Duane TD, editor. Clinical Ophthalmology, 2nd ed. Maryland: Harper & Row; 1979. p.461.). Nos poucos casos relatados, fibromas oculares são descritos em sua maioria em órbita, secundários à expansão de tumores alveolares e de seios paranasais(22 Cruz AA, Mesquita IM, Becker AN, Chahud F. Orbital invasion by chodromyxoid fibroma of the ethmoid sinus. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(5):427-8.-5). Também são descritos na periórbita, tendões, esclera e pálpebras(66 Kohl SK, Persidsky I, Gigantelli JW. Tendon sheat fibroma of the medial canthus. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(4):341-2.

7 Charles NC, Ostriker GE. Epibulbar conjunctival fibroma. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):249-50.

8 Sandinha T, Lee WR, Reid R. Pleomorphic fibroma of the eyelid. Grafes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1998;236(5):333-8.
-99 Jakobiec FA, Font RL. Fibroblastic tumors. In: SpencerWH, editor. Ophthalmic pathology: an atlas and textbook. 3rd ed. Philalphia: W.B. Saunders; 1985;2576-2578.). Relatos de fibromas originados no tarso são muito raros, tendo sido encontrado apenas um caso em extensa revisão de literatura(1010 Clinch TJ, Kostick DA, Menke DM. Tarsal fibroma. Am J Ophthalmol.2000;129:691-3.).

O diagnóstico histopatológico de fibroma é feito pela presença de fibroblastos bem diferenciados, imersos em conteúdo denso de colágeno, sem presença de atipia ou mitoses(11 Jones IS, Jakobiec FA. Diseases of the Orbit. In: Duane TD, editor. Clinical Ophthalmology, 2nd ed. Maryland: Harper & Row; 1979. p.461.).

RELATO DE CASO

J.F.U., feminina, 44 anos, atendida no Serviço de Oftalmologia do Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis, com queixa de tumoração na reborda orbitária súpero-temporal direita, de crescimento lento. A paciente relacionava o início do quadro com trauma contuso prévio, uma queda da própria altura, ocorrida aos dois anos de idade. No momento a lesão se encontrava estável, sem crescimento recente e sem sintomas oftalmológicos. Ao exame oftalmológico apresentava tumoração de consistência óssea, bastante aderida a reborda orbitária súpero-temporal direita, medindo aproximadamente 1cm de altura por 2cm de largura. Apresentava também, no tarso superior ipsilateral adjacente a lesão, outra lesão, de consistência endurecida, em forma de placa, medindo aproximadamente 2cm largura por 1cm de altura, que praticamente substituia a placa tarsal, mantendo apenas a conjuntiva. A paciente não se queixava desta lesão (Figura 1).

Figura 1
A: Aspecto da tumoração de órbita e tarso à ectoscopia; B: aspecto da tumoração de tarso à eversão da pálpebra superior

A tomografia computadorizada de órbita revelou lesão hiperdensa, com densidade semelhante à óssea, contornos nítidos, em continuidade ao osso frontal, localizada na reborda orbitária súpero-temporal direita e em região de pálpebra superior direita, lesão de densidade média, bem delimitada (Figura 2).

Figura 2
A: Tomografia de órbita, evidenciando lesão na reborda orbitária súpero-temporal direita; B: Corte tomográfico evidenciando lesão localizada na região pré-bulbar, em região de pálpebra

A paciente foi submetida à exérese dos tumores, com remoção de fragmentos do tumor orbitário e retirada total da lesão de pálpebra superior (Figura 3). O reparo da pálpebra foi feito por aproximação direta.

Figura 3
Aspecto macroscópico das peças cirúrgicas. A: fragmentos ósseos da tumoração orbitária; B: tumoração excisionada de pálpebra superior direita

A análise histológica revelou que os fragmentos obtidos da reborda orbitária se tratavam de material ósseo. A peça obtida da região tarsal era uma lesão bem delimitada, constituída por deposição de fibras colágenas densas, com proliferação de células fusiformes, sem atipias, com revestimento de células conjuntivais, caracterizando fibroma da placa tarsal (Figura 4).

Figura 4
Lâmina do exame histopatológico: Aspecto histológico da lesão do tarso, composta por fibras colágenas densas, hialinas, com discreta proliferação de células fusiformes, sem atipias (HE)

O principal diagnóstico diferencial neste caso é o fibrohistiocitoma benigno esclerótico; porém a ausência de áreas morfologicamente indicativa na periferia da lesão desfavorece essa possibilidade diagnóstica.

A exérese das lesões levou a melhora estética da pálpebra (Figura 5), não tendo sido observado recidiva da lesão em seguimento pós-operatório de 8 meses.

Figura 5
A:pré-operatório – abaulamento rebordo orbitário e ptose mecânica causada pelo fibroma; B: pós-operatório – aspecto 5 meses após retirada dos tumores e reconstrução de pálpebra superior

DISCUSSÃO

O crescimento muito lento e a não deformação dos fâneros no local da lesão indicavam se tratar de lesão palpebral benigna.

Devido ao fato de as pálpebras possuírem vários tipos de tecidos em sua composição, as possibilidades para a origem de tumores é bastante ampla, desde tumores da pele, do tarso e dos anexos, glândulas, além da mucosa conjuntival.

A lesão tarsal que a paciente apresentava era de consistência semelhante ao tarso. Ao exame ectoscópico já se diferenciava esta lesão de possível carcinoma de Meibômio, outro tipo de lesão que poderia acometer as glândulas tarsais que, além do aspecto, também teria outro tipo de comportamento, com destruição dos cílios. O fibro-histiocitoma benigno esclerótico também seria uma possibilidade diagnóstica, mas sua localização mais comumente relatada é orbital e ao exame histopatológico podem ser identificadas fibroblastos fusiformes e células com aspecto histiocístico(1111 Kim HJ, Shields CL, Eagle RC Jr, Shields JA. Fibrous histiocytoma of the conjunctiva. Am J Ophthalmol. 2006;142(6):1036-43.).

O fibroma é uma lesão benigna e a sua exérese cirúrgica é curativa. No momento, a paciente se encontra no 8º mês de pósoperatório, sem recidiva tumoral.

O crescimento insidioso da lesão apresentado no caso é típico dos fibromas relatados em anexos oculares. Particularmente neste caso, o fibroma ficou restrito ao tarso, adquiriu o formato de placa e praticamente substituiu o tarso, em contraste com as lesões polipóides descritas na literatura(1010 Clinch TJ, Kostick DA, Menke DM. Tarsal fibroma. Am J Ophthalmol.2000;129:691-3.). Histopatologiacamente a lesão é similar à descrita por Clinch, que relatou uma lesão de consistência endurecida, crescimento indolente e constituída densamente por colágeno e fibroblastos dispersos(1010 Clinch TJ, Kostick DA, Menke DM. Tarsal fibroma. Am J Ophthalmol.2000;129:691-3.).

Interessante ressaltar a associação com a tumoração óssea da reborda orbitária de crescimento também lento e concomitante com o fibroma tarsal, assim como a evidente correlação clínica com o trauma prévio, achados estes não descritos na ampla revisão da literatura pesquisada.

Concluindo, os autores chamam a atenção para o fato de que, apesar de raro, o fibroma primário de tarso deve ser considerado entre os diferenciais de lesões sólidas do tarso.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Jones IS, Jakobiec FA. Diseases of the Orbit. In: Duane TD, editor. Clinical Ophthalmology, 2nd ed. Maryland: Harper & Row; 1979. p.461.
  • 2
    Cruz AA, Mesquita IM, Becker AN, Chahud F. Orbital invasion by chodromyxoid fibroma of the ethmoid sinus. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(5):427-8.
  • 3
    Gunaseelan R, Anantanarayanan P, Ravindramohan E, Ranganathan K. Large cemento-ossifying fibroma of the maxila causing proptosis: a case report. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2007;104(4):e21-5
  • 4
    Baumann I, Zimmermann R, Dammann F, Maassen MM. Ossifying fibroma of the ethmoid involving the orbit and the skull base. Otolarymgol Head Neck Surg. 2005;133(1):158-9.
  • 5
    Sigler SC, Wobig JL, Dierks EJ, Dailey RA, Orr JE. Cementifying fibroma presenting as proptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1997;13(4):277-80.
  • 6
    Kohl SK, Persidsky I, Gigantelli JW. Tendon sheat fibroma of the medial canthus. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(4):341-2.
  • 7
    Charles NC, Ostriker GE. Epibulbar conjunctival fibroma. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):249-50.
  • 8
    Sandinha T, Lee WR, Reid R. Pleomorphic fibroma of the eyelid. Grafes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1998;236(5):333-8.
  • 9
    Jakobiec FA, Font RL. Fibroblastic tumors. In: SpencerWH, editor. Ophthalmic pathology: an atlas and textbook. 3rd ed. Philalphia: W.B. Saunders; 1985;2576-2578.
  • 10
    Clinch TJ, Kostick DA, Menke DM. Tarsal fibroma. Am J Ophthalmol.2000;129:691-3.
  • 11
    Kim HJ, Shields CL, Eagle RC Jr, Shields JA. Fibrous histiocytoma of the conjunctiva. Am J Ophthalmol. 2006;142(6):1036-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2015
  • Aceito
    21 Jan 2016
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