Acessibilidade / Reportar erro

A propaganda como elemento de frustração

ARTIGOS

A propaganda como elemento de frustração

Polia Lerner Hamburger

Professôra-Adjunta do Departamento de Mercadologia e Coordenadora do "Curso de Graduação" da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

"Com o aumento da propaganda aumentam, também, as rendas da Nação, tornando-se possível a construção de mais escolas, de melhores estradas, de novas e importantes obras públicas, e a concessão de melhores vencimentos para todos os servidores públicos." - De um anúncio da ABP

"Uma sociedade em que o consumo tenha de ser artificialmente estimulado para manter a produção é uma sociedade baseada em refugo e desperdício: um edifício erigido sôbre areia." - DOROTHY L. SAYERS

Ao leitor não terá passado despercebido o acirrado debate travado em tôrno da propaganda, acentuado entre nós depois que o Brasil passou a classificar-se em 6.º lugar entre os países que maiores verbas destinam a êsse fim.1 1 ) Vide a propósito: "A Gazeta", de 16-3-63, seção "Agências, Anúncios e Anunciantes" (Fonte: Fôlha de Informações). Informa-nos, outrossim, a Revista Propaganda que, segundo a Fundação Americana de Agências de Publicidade, foi a seguinte a classificação, em 1962, dos países que nesse período mais investiram no setor publicitário (as percentagens se referem aos investimentos per capita): EUA - 2, 69%; Austrália - 2, 30%; Canadá - 2, 25%; Grã-Bretanha - 2, 10%; Japão - 1, 50%; Brasil - 1, 40%. Consultando a Biblioteca da "Macam", soubemos, também, que as mais conservadoras estimativas prevêem que, durante o ano de 1963, a inversão total em propaganda, no Brasil, haja sido de 65 bilhões de cruzeiros (em 1962 foi de 45 bilhões). Não tanto alvissareiros, contudo, são os dados da Revista Advertising Aid (apud J. Walter Thompson e Revista Propaganda, já citada) que classificou nosso país, em 1962, não em 6.º, mas em 13.º lugar. A posição de indiscutível liderança dos EUA é justificada pelas cifras impressionantes de 12 bilhões e 500 milhões de dólares (inversão total) e 66 dólares (investimentos per capita), quantia aquela correspondente a mais do que o dôbro da soma das inversões totais dos seguintes países (por ordem decrescente, em milhões de dólares): Grã-Bretenha (1296), Alemanha Ocidental (1110), Japão (676), Canadá (650), Franca (450), Austrália (260), Suécia (240), Holanda (165), Itália (155), Suíça (150), Brasil (148) e México (125), totalizando 5 bilhões e 425 milhões de dólares. Tanto já se discutiu sobre o que é propaganda, como ela age, quão determinante é sua influência no comportamento das pessoas, quais suas vantagens, quais suas desvantagens, que será oportuno tentarmos confrontar os argumentos pró e contra ela comumente aduzidos.

As críticas sôbre o assunto, favoráveis ou não, podem ser compreendidas em três grupos principais, consoante seja adotado um dêstes pontos de vista: ético, estético e cultural, ou econômico.

• Sob o aspecto ético, alguns críticos alegam que a propaganda nem sempre corresponde à realidade, e consideram moralmente abominável que o anunciante procure influenciar o comportamento alheio com o objetivo de encaminhá-lo a atitudes favoráveis ao próprio anunciante. Com efeito, muitas restrições legais à propaganda são conseqüentes de críticas desfavoráveis, de caráter ético. As celeumas que surgiram em tôrno da propaganda subliminar, por exemplo, acabaram por torná-la proibida nos Estados Unidos.2 2 ) Propaganda subliminar seria aquela cujos estímulos, por serem muito pequenos ou muito rápidos, seriam conscientemente imperceptíveis. Êsses estímulos atuariam abaixo do limiar da consciência, isto é, seus efeitos se refletiriam diretamente no subconsciente. Dizemos "atuariam", no condicional, porque não chegou a ser esclarecida, satisfatoriamente, a natureza dessa possível inovação publicitária, nem tampouco foi possível constatar, com segurança, a infalibilidade de seus efeitos na psique das pessoas submetidas àqueles estímulos: as pesquisas nesse sentido foram suspensas em virtude da taxativa proibição.

Os partidários da propaganda refutam essas alegações afirmando que ela não poderia, propriamente, criar uma necessidade; poderia, isto sim, como de fato pode, suscitá-la, subentendendo-se sua preexistência no indivíduo, pelo menos em estado latente, como condição natural para que tal aconteça; Não se trataria, portanto, de dirigir o indivíduo para uma atitude que lhe fôsse estranha, mas de reforçá-lo numa direção à qual, pelo menos potencialmente, êle já propendesse.

Quanto à alusão de que a propaganda pode ser falsa ou fraudulenta, não contestada, aliás, pelos seus próprios defensores, êstes asseguram que a solução seria controlá-la através de um órgão para tanto competente. Nos Estados Unidos êsse controle é exercido pela "Federal Trade Comission", ou FTC. Esta organização investigou, por exemplo, o caso de um comercial de TV que apresentava duas blusas, uma muito mais branca do que a outra, e atribuía a brancura maior ao fato de a blusa ter sido lavada com certo sabão ou detergente. Verificando que o "milagre" se devia ao fato de a blusa, apresentada ao vídeo como menos branca, simplesmente não ser branca, mas cinzenta, não hesitou em condenar o anúncio. Não nos consta exista no Brasil órgão similar com tais atribuições de controle.

• Sob o ponto de vista estético e cultural, censura-se o mau-gôsto de certos anúncios. Diz-se, também, que certos veículos de divulgação, para atender ao maior número de anunciantes possível, ocupam com anúncios a maior parte de seus "espaços", sacrificando, conseqüentemente, o nível cultural de suas publicações ou os padrões artísticos de seus programas. No caso das emissoras de rádio e TV, por sinal, o fenômeno é mais patente, face à dificuldade que seus produtores encontram em conseguir patrocínio para programas de alta categoria, que possam ser dedicados a uma audiência seleta e restrita. Por outro lado - remata-se - a propaganda conduziria a uma indesejável padronização de gôsto.

Os apologistas da propaganda replicam, por seu turno, que o senso estético é de tal modo individual, subjetivo e variável, que muito difícil, senão impossível, seria estabelecer padrões gerais. Outrossim, para os anúncios de chocante mau-gôsto, capazes de ferir a sensibilidade da grande maioria das pessoas, existe - comentam - a punição natural da reação negativa por parte do público em geral, ou, ao menos, dos grupos diretamente interessados. A guisa de exemplo, reportam-se aos veementes protestos da sociedade norte-americana quando do lançamento e divulgação, no outono de 1949, de um anúncio jornalístico, parte de uma campanha publicitária de dois milhões de dólares, que, recorrendo ardilosamente ao apêlo da emulação, fomentava, nas crianças cujos lares ainda não dispusessem de televisor, sentimento de inferioridade perante seus companheiros.

Ainda sob êsse aspecto, os que advogam a propaganda observam não ser razoável responsabilizar unicamente os profissionais de publicidade pelo baixo nível de programas de rádio e televisão, ou pela má qualidade de certos jornais e revistas. A propaganda - dizem - não é a única responsável pelo nível cultural do público: se o grau de educação dêsse público fôsse mais elevado, êste certamente saberia exigir melhor qualidade naquilo que lhe é oferecido pelos veículos de divulgação.

Ademais - continuam -, os jornais, as revistas, o rádio e a televisão, para contar com colaboradores de alto gabarito profissional, precisam remunerá-los à altura. A receita para tais e outras despesas é normalmente arrecadada pela venda de tempo ou espaço, vale dizer, pela propaganda paga. Sucede que os anunciantes e as agências especializadas, antes de comprar êsses espaços, costumam consultar o seu mediaman que é o homem incumbido de selecionar os veículos de publicidade, devendo conhecer-lhes os índices de tiragem, circulação, cobertura, alcance e audiência. Dêstes os que mais interessam ao anunciante são os índices de circulação (relativos a jornais, revistas e outros periódicos impressos) e os de audiência (em se falando de emissoras de rádio e TV), por serem os que determinam, respectivamente, o alcance total de uma publicação, em número de leitores, tanto permanentes quanto eventuais, e o número de ouvintes de determinada estação ou de um programa. Como se percebe, seja para saber características do público leitor, seja para saber a freqüência e a intensidade com que determinada emissora ou determinado programa é ouvido, o único meio válido é a consulta à opinião pública, através de pesquisas de circularão e audiência, labor a que se dedicam no Brasil várias instituições.

Lícito concluir, portanto - prosseguem em sua argumentação os advogados da propaganda -, que é o próprio público, em última análise, que, comprando as publicações de sua preferência e sintonizando seus receptores conforme seja do seu agrado, fiscaliza os padrões qualitativos daquilo que vê, lê e ouve. Finalmente - acrescentam -, a propaganda contribui para a difusão de conhecimentos culturais e para a informação do público, pôsto que, sem a redução por ela proporcionada no custo dos jornais, revistas e programas de rádio e TV, todos êstes seriam inacessíveis à grande maioria das pessoas.

• Sob o prisma econômico, a acusação principal é a de que a propaganda representaria um desperdício de recursos: sem ela os gastos seriam reduzidos e os preços dos produtos minorados.

A essa acusação os defensores respondem que a propaganda contribui para a criação de um mercado em massa, possibilitando, destarte, a produção em grandes quantidades e a conseqüente diminuição de preços. Quer através dessa diminuição de preços, quer através da informação que presta ao consumidor sôbre disponibilidade e uso de produtos, é inegável - no entender dêsses defensores - que a propaganda concorre para melhoria do padrão de vida da coletividade.3 3 ) Ao leitor interessado numa análise mais acurada da propaganda sob o ponto de vista econômico, recomendamos a leitura de: N. H. BORDEN, Economic Effects of Advertising, Richard D. Irvin, Inc., Chicago, 1947, especialmente o capítulo XXVIII: "Summary"; JOEL DEAN, Managerial Economics, Prentice Hall Inc., Nova Iorque, 1951; capítulo VI: "Advertising"; e ALBERT OXENFELD, Industrial Pricing and Market Practices, Prentice Hall, Inc., Nova Iorque, 1951, capítulo V: "Intrafirm Price Influences: Methods by which Firms Influence the Market in their Favor".

No tocante a essas opiniões favoráveis ou desfavoráveis à propaganda, deixamos as conclusões a cargo do leitor.

Gostaríamos, porém, de chamar sua atenção para a análise de mais uma área de indagações, que, embora pouco explorada e sem identificar-se perfeitamente com qualquer das três até aqui mencionadas, com tôdas elas se relaciona. Queremos referir-nos - e éste é o objeto próprio do presente artigo - à propaganda como elemento de frustração individual e coletiva.

CONCEITOS BÁSICOS SÔBRE MOTIVAÇÃO E FRUSTRAÇÃO

No estudo de qualquer ciência do comportamento humano a questão da terminologia adequada sempre causou dificuldade, visto não se ter ainda conseguido um acordo geral a respeito dos significados e conotações dos vocábulos. É o que ocorre em Psicologia, onde cada escola adota nomenclatura própria para explicar fenômenos e processos psicológicos.

Assim sendo, em face dessa desarmonia terminológica, empenhar-nos-emos em definir, da maneira menos controvertida possível, as expressões aqui usadas. Existem alguns conceitos comuns à maioria das escolas, e será a esta "zonaneutra" que nos limitaremos.

Diversas palavras pertencentes ao vocabulário cotidiano de leigos e psicólogos estão associados à idéia de motivação. Por exemplo, os significados das palavras aspiração, desejo, necessidade etc. diferem entre si menos pela natureza do que pelo grau de intensidade. O têrmo geral motivação aplica-se ao comportamento estimulado por necessidades subjetivas e dirigido para a consecução de efeitos, objetivos capazes de satisfazer essas necessidades.

A motivação pode ser entendida como um ciclo formado por três fases cujos efeitos atuam em cadeia, como denota o esquema abaixo:4 4 ) Clifford T. Morgan, Introduction to Psychology, McGraw-Hill Book Co. Inc., Nova Iorque, Toronto, Londres, 1956; pág. 57.

• No primeiro estágio temos necessidades, impulsos ou motivos.

Necessidade, no caso, é o sentimento de falta de determinado bem. Há necessidades fisiológicas, como a falta de água ou alimento, e há necessidades derivadas, digamos, a falta de algo sutil, como afeição, reconhecimento ou prestígio.

O impulso implica algo mais: é o ímpeto motor, que causa e determina a ação.

E motivo é a canalização do impulso para determinado fim.

• O segundo estágio do ciclo motivacional recebe o nome geral de comportamento instrumental. É o procedimento pelo qual o indivíduo procura satisfazer um desejo, impulso ou motivo pelo emprêgo de agentes que o auxiliem a atingir o objetivo.

• O terceiro estágio e chamado objetivo ou incentivo. O comportamento instrumental é dirigido para êste objetivo, e, quando êle é atingido, a necessidade, impulso ou motivo, é satisfeita. No caso das necessidades básicas os. objetivos são relativamente fixos. Se alguém tem sêde, água é o objetivo visado, não obstante haja várias formas sob as quais essa água possa ser consumida. Para necessidades derivadas mais complexas, porém, várias alternativas de objetivos podem satisfazer a mesma necessidade. É importante frisar que os objetivos correspondentes aos motivos não são fixos e imutáveis; êles podem alterar-se no decorrer do comportamento instrumental. Essa alteração pode-se dar sob duas formas:

1.ª) a natureza específica do objetivo que satisfaz uma necessidade pode mudar; e

2.ª) novos objetivos, chamados "objetivos secundários ou derivados", podem ser adicionados aos objetivos primários ou necessidades fisiológicas (e êste ponto é especialmente importante para o desenvolvimento deste estudo).

A regra geral para a aprendizagem dêsses objetivos secundários é a de que algum estímulo ou situação seja regularmente relacionada com um objetivo primário. É importante entender como se formam essas necessidades derivadas porque assim se explica como muitas necessidades sociais complexas são aprendidas no processo de satisfação das necessidades fisiológicas. Exemplo: a escolha minuciosa de alguns tipos de alimentos para satisfazer uma necessidade básicamente simples: a fome.

A aprendizagem pode ocorrer nos três estágios de motivação. Um indivíduo aprende o comportamento instrumental quando êle é premiado pela satisfação de necessidades. Então, quando certos objetos ou fatos são coerentemente encontrados no caminho da aquisição de um objetivo, êles são aprendidos como novos objetivos ou "valores", Alguns dêsses valores adquiridos envolvem outras pessoas e são chamados "valores sociais". Êstes não apenas são ensinados aos indivíduos durante tôda a sua vida, mas são ainda reformados por convenções sociais, impostas, às vêzes, coercitivamente.

Quaisquer que sejam os objetivos de uma pessoa, êles devem ser satisfeitos. Um motivo não satisfeito dentro de um período razoável é um motivo frustrado. A razão da frustração é o que se chama fonte de frustração, sendo possível distinguir três fontes gerais de frustração:

1.ª) obstáculos ambientes que impedem a consecução do objetivo;

2.ª) desvantagens ou limitações pessoais que tornam o objetivo inatingível;

3.ª) conflitos motivacionais subjetivos que impedem o indivíduo de satisfazer um motivo quando êle tenta satisfazer outro.

Há um sem número de possibilidades de conflitos e frustrações, dependendo da situação que a pessoa enfrente em certo momento e dos objetivos que ela tenha aprendido a valorizar no curso de sua vida.

PROPAGANDA E NECESSIDADES DERIVADAS

Segundo Harry Hansen, "a propaganda inclui as atividades pelas quais se dirigem ao público mensagens visuais ou orais com o propósito de informá-lo e influenciá-lo a comprar mercadorias ou serviços (propaganda promocional) e a agir ou inclinar-se favoràvelmente a idéias, instituições ou pessoas (propaganda institucional)'". (Parênteses nossos.)5 5 ) Harry L. Hansen, Marketing, Test, Cases and Reading, Richard D. Irwin; Inc., Hommewood, Illinois, 1956, pág. 308.

Perguntamos, então:

1.º) A propaganda realmente faz o que pretende? Em outras palavras: ela realmente influencia o comportamento do comprador?

2.º) De que maneira ou maneiras a propaganda, assim conceituada, se relaciona com a frustração?

Com relação à primeira pergunta, há apenas duas alternativas:

1.ª) Ou não influencia - e neste caso, tôda esta discussão seria desnecessária, porque afinal, se ela não faz aquilo a que se destina, por que perder tempo e dinheiro com ela?

2.ª) Ou influencia o comportamento do comprador, pode levá-lo a comprar o que foi anunciado, podendo, portanto, ser um eficiente instrumento de mercadização. Esta é a posição adotada pelos estudiosos de Mercadologia.

Mas, então, surge outra dúvida: se a propaganda é capaz de influenciar o comportamento das pessoas, como ela o faz? A tendência é a de explicar o fenômeno pelo pressuposto da faculdade que a propaganda tem de apelar aos motivos humanos.

Pode a propaganda criar necessidades? Como já vimos, alguns autores acham que não, a menos que já exista uma necessidade potencial ou latente. Mas, como ficou demonstrado em nossa explicação do processo de motivação, o indivíduo adquire, aprende necessidades e motivos derivados ou secundários por sua repetida associação com as necessidades e motivos básicos. E ainda mais: o objetivo correspondente a um motivo pode ser alterado de duas maneiras: pela alteração da natureza específica do objetivo capaz de satisfazer uma necessidade ou, então, pela adição de novos objetivos, chamados secundários, aos objetivos primários.

Não estaria isto dando crédito à hipótese de que a propaganda poderia criar, pelo menos, essa necessidade derivada? Ainda que derivada, não deixa de ser necessidade, pois que perturba, da mesma forma, o equilíbrio individual interior, equilíbrio êste que só será restabelecido quando a necessidade fôr satisfeita ou o objetivo atingido.

PROPAGANDA E FRUSTRAÇÃO

Agora podemos responder à segunda pergunta, sôbre como se relacionam propaganda e frustração. É pelo contínuo apêlo, visando a despertar necessidades, que a propaganda frustra. Os indivíduos são expostos, continuadamente, a todo o tipo de apêlo: seus motivos fisiológicos e sociais são exaustivamente explorados. (É muito fácil, por exemplo, identificar nos anúncios os apelos ao sexo e ao prestígio. ) E porque a tendência, principalmente nos países de economia desenvolvida, é a de tornar obsoletos os produtos cuja utilidade ainda não esteja completamente exaurida, os indivíduos são frustrados intencionalmente, tornando-se permanentemente insatisfeitos com o quft têm, e sempre "fora de equilíbrio", desejando, necessitando alguma coisa, mais nova e diferente. Algumas dessas necessidades podem ser satisfeitas, mas não tôdas, além do que a propaganda está sempre presente para suscitar novas necessidades derivadas.

A propaganda frustra, outrossim, quando suas mensagens trazem uma promessa que, na maioria das vêzes, não se concretiza: é o cigarro X que não traz o "sentimento de êxtase" prometido; é o sabão Y que não torna a lavagem da roupa "mais fácil e mais agradável"; é o pó-de-arroz mágico que não prova o seu poder de transformar a garota "sem graça" no modêlo encantador selecionado entre centenas ou milhares justamente por constituir uma exceção. Não será difícil calcular o desapontamento que tais experiências mal sucedidas possam provocar. Ora, perguntamos, com tôdas essas mensagens a criar no indivíduo um nível de aspirações impossível de ser atingido, não estará a propaganda propiciando frustrações?

As conseqüências individuais e sociais da elevação do nível de aspirações são fàcilmente deduzíveis.

Num país de alto desenvolvimento econômico, como os Estados Unidos, o indivíduo dirige sua agressividade no sentido de adquirir cada vez mais e melhores coisas, numa tentativa de "ser como os outros" ou "melhor do que os outros" e numa luta contínua pela melhoria do seu status e pelo acesso às classes mais altas. Êsses aspectos foram muito bem analisados- por Vance Packard, em seu livro The Status Seekers. E a economia tôda do país se transforma numa economia orientada para o consumo, levando a sociedade a considerar a capacidade aquisitiva como bom padrão de medida do desempenho individual.

Porém, numa economia como a nossa, em desenvolvimento, onde grande parte da população ainda precisa de praticamente tudo, em têrmos de conforto e melhoria do padrão de vida, a constante solicitação da propaganda contribui para incutir, nos indivíduos, o desejo de adquirir os símbolos de conforto e progresso. Mas, quando êsses símbolos são negados à maior parte da população, na realidade o que se cria, para muitos grupos sociais, é, além do desejo de progredir, uma consciência mais nítida das diferenças de classe e da injustiça social na distribuição da riqueza.

Pode-se afirmar, com fortes justificativas, que essa tomada de consciência é uma necessidade e que ela fornece ao indivíduo elementos de estímulo para tentar melhorar seu padrão de vida. Essa melhoria, todavia, não depende só de sua vontade: depende, também, das condições econômicas e sociais reinantes. Seria preciso, pois, ao mesmo tempo, dar-lhe o estímulo e os elementos que o ajudassem na solução das insatisfações e necessidades despertas. Contràriamente, estará sendo estimulado um consumo maior do que o admissível pela realidade econômica.

Perguntamos, então: assistirá ao anunciante o direito de manipular, pela propaganda, os motivos das demais pessoas, despertando-lhes necessidades, sem, ao mesmo tempo, oferecer-lhes os meios de satisfação dessas necessidades?

Dirão alguns que, ao frustrarmos o indivíduo pela oferta de produtos e serviços em sempre maior quantidade, estaremos desenvolvendo nêle, como reação natural à frustração, uma "agressividade positiva", um desejo de trabalhar mais para obter mais dinheiro com que comprar as coisas oferecidas e assim ter suas necessidades satisfeitas. E que, sendo assim, estaríamos concorrendo não só para a melhoria do padrão de vida individual, mas também para o desenvolvimento da própria economia nacional.

Temos para nós, entretanto, que êsse processo está sujeito a restrições. Não importa quanto o indivíduo trabalhe: a propaganda sempre estará caminhando mais depressa, estabelecendo para êle novos objetivos. Por outro lado, o processo envolve uma dificuldade potencial, porquanto nada nos assegura que as reações agressivas hajam de confinar-se, invariàvelmente, aos "limites positivos". Há sempre a possibilidade de que a frustração, sendo suficientemente forte, possa despertar sentimentos e atos agressivos (no sentido real, isto é, acompanhados de rancor) contra a própria propaganda (expressos, quiçá, por uma crescente "imunidade aos apelos da propaganda"), contra o produto, contra o anunciante e, mais remotamente, contra tôda a ordem social e econômica que favoreça êsse estado de coisas.

Sob o ponto de vista social, o que se verifica, atualmente, é que os meios de comunicação - cinema, rádio, televisão, jornais, revistas etc. - transmitem, rápida e fàcilmente, a todos os públicos, as demonstrações de novas formas de padrões de vida, contribuindo para causar o que os economistas chamam "efeito de demonstração", fenômeno que se manifesta quando áreas subdesenvolvidas, percebendo o elevado padrão de vida das áreas mais desenvolvidas, procuram imitá-las. Isto gera, como conseqüência, aumento do consumo e diminuição da poupança. Essa elevação do "nível de aspirações sociais" é inevitável e, como já dissemos, desejável dentro de certos limites pelo incentivo que traz ao progresso. Mas, a propaganda, além de "mostrar", estimula, intencionalmente, o efeito de demonstração, contribuindo, pois, para a diminuição da poupança mesmo quando esta é necessária (como ocorre entre nós).

CONCLUSÃO

Podemos, pois, concluir que a propaganda, apesar de todos os aspectos positivos que apresenta, envolve também alguns negativos, especialmente quando não equacionada com a realidade social e econômica, e que êsses efeitos se devem, principalmente, ao seu caráter frustrador.

Pode-se argumentar que a propaganda não é o único agente de frustração. Concordamos. Com efeito, a frustração é inevitável e freqüente. O próprio processo de integração social é, em si mesmo, um processo de frustração. Quando o indivíduo vence e ultrapassa as frustrações da disciplina do lar e da escola, êle enfrenta as que emanam do seu trabalho, da sua família e da ordem social geral. Mas, o que desejamos salientar é que a propaganda, intencionalmente, provoca e fomenta frustrações. E podem-se imaginar as dificuldades daí decorrentes, quer ao indivíduo, na tentativa de atingir o equilíbrio interior, quer à sociedade, na tentativa de atingir o equilíbrio social e econômico.

  • N. H. BORDEN, Economic Effects of Advertising, Richard D. Irvin, Inc., Chicago, 1947, especialmente o capítulo XXVIII: "Summary";
  • JOEL DEAN, Managerial Economics, Prentice Hall Inc., Nova Iorque, 1951; capítulo VI: "Advertising";
  • ALBERT OXENFELD, Industrial Pricing and Market Practices, Prentice Hall, Inc., Nova Iorque, 1951, capítulo V: "Intrafirm Price Influences: Methods by which Firms Influence the Market in their Favor".
  • 4) Clifford T. Morgan, Introduction to Psychology, McGraw-Hill Book Co. Inc., Nova Iorque, Toronto, Londres, 1956; pág. 57.
  • 5) Harry L. Hansen, Marketing, Test, Cases and Reading, Richard D. Irwin; Inc., Hommewood, Illinois, 1956, pág. 308.
  • 1
    ) Vide a propósito: "A Gazeta", de 16-3-63, seção "Agências, Anúncios e Anunciantes" (Fonte: Fôlha de Informações). Informa-nos, outrossim, a Revista
    Propaganda que, segundo a Fundação Americana de Agências de Publicidade, foi a seguinte a classificação, em 1962, dos países que nesse período mais investiram no setor publicitário (as percentagens se referem aos investimentos per
    capita): EUA - 2, 69%; Austrália - 2, 30%; Canadá - 2, 25%; Grã-Bretanha - 2, 10%; Japão - 1, 50%; Brasil - 1, 40%. Consultando a Biblioteca da "Macam", soubemos, também, que as mais conservadoras estimativas prevêem que, durante o ano de 1963, a inversão total em propaganda, no Brasil, haja sido de 65 bilhões de cruzeiros (em 1962 foi de 45 bilhões). Não tanto alvissareiros, contudo, são os dados da Revista
    Advertising Aid (apud J. Walter Thompson e Revista
    Propaganda, já citada) que classificou nosso país, em 1962, não em 6.º, mas em 13.º lugar. A posição de indiscutível liderança dos EUA é justificada pelas cifras impressionantes de 12 bilhões e 500 milhões de dólares (inversão total) e 66 dólares (investimentos per
    capita), quantia aquela correspondente a mais do que o dôbro da soma das inversões totais dos seguintes países (por ordem decrescente, em milhões de dólares): Grã-Bretenha (1296), Alemanha Ocidental (1110), Japão (676), Canadá (650), Franca (450), Austrália (260), Suécia (240), Holanda (165), Itália (155), Suíça (150), Brasil (148) e México (125), totalizando 5 bilhões e 425 milhões de dólares.
  • 2
    ) Propaganda
    subliminar seria aquela cujos estímulos, por serem muito pequenos ou muito rápidos, seriam conscientemente imperceptíveis. Êsses estímulos atuariam
    abaixo do limiar da consciência, isto é, seus efeitos se refletiriam diretamente no subconsciente. Dizemos "atuariam", no condicional, porque não chegou a ser esclarecida, satisfatoriamente, a natureza dessa possível inovação publicitária, nem tampouco foi possível constatar, com segurança, a infalibilidade de seus efeitos na psique das pessoas submetidas àqueles estímulos: as pesquisas nesse sentido foram suspensas em virtude da taxativa proibição.
  • 3
    ) Ao leitor interessado numa análise mais acurada da propaganda sob o ponto de vista econômico, recomendamos a leitura de:
    N. H. BORDEN,
    Economic Effects of Advertising, Richard D. Irvin, Inc., Chicago, 1947, especialmente o capítulo XXVIII: "Summary";
    JOEL DEAN,
    Managerial Economics, Prentice Hall Inc., Nova Iorque, 1951; capítulo VI: "Advertising"; e
    ALBERT OXENFELD,
    Industrial Pricing and Market Practices, Prentice Hall, Inc., Nova Iorque, 1951, capítulo V: "Intrafirm Price Influences: Methods by which Firms Influence the Market in their Favor".
  • 4
    ) Clifford T. Morgan,
    Introduction to Psychology, McGraw-Hill Book Co. Inc., Nova Iorque, Toronto, Londres, 1956; pág. 57.
  • 5
    ) Harry L. Hansen,
    Marketing, Test, Cases and Reading, Richard D. Irwin; Inc., Hommewood, Illinois, 1956, pág. 308.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1964
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br