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O planejamento de construções

ARTIGOS

O planejamento de construções

Pólia Lerner HamburgerI; Hugo HamburgerII

IProfessôra-Adjunta, Departamento de Mercadologia, e Coordenadora do Curso de Graduação, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

IIEngenheiro-Civil

"O crédito fêz mil vezes mais para enriquecer a humanidade do que todas as minas de orno do mundo." DANIEL WEBSTER

No momento em que tanto se procura sanar a deficiência habitacional julgamos oportuno discorrer sobre o planejamento de construções. Nossas observações valerão tanto para construções industriais e prédios de apartamentos, como para residencias modestas e de luxo.

Analisaremos neste artigo quem são os "proprietários" que constroem o planejamento e o preparo do esquema de pagamentos no comêço da obra, sua aplicação durante a construção, os efeitos da inflação e de outros fatores sobre o esquema de pagamentos, e o financiamento.

Lembremos, de início, que uma construção costuma ser demorada. Várias semanas são necessárias para preparar a planta e fazer com que ela seja aprovada pelos podêres públicos. Uma residência popular pode ser executada em 5 meses; mas uma residência de médio ou alto nível raramente é construída em menos de 1 ano. A construção de prédios de apartamentos dura, em geral, mais de 2 anos. Fábricas, conforme a sua natureza, podem ser construídas de 6 meses a 2 anos. Por isso, os recursos necessários às construções devem estar disponíveis, parceladamente, durante meses ou anos.

Quanto aos chamados "proprietários" (como tais se entendendo pessoas físicas ou jurídicas que encomendam construções), classificam-se em dois grupos: a) os que encomendam construções para vender ou alugar o imóvel a terceiros; b) os que precisam da construção para uso próprio (residencial, comercial ou industrial). Para êste segundo grupo a construção de uma casa, loja ou fábrica é ocasional. Por isso, ao iniciar o planejamento dêsse empreendimento, a pessoa tem de pensar em donde mobilizar os recursos para pagar a construção, e ocupar-se com isso durante o período da construção, ao lado de suas atividades normais.

Vejamos agora as várias etapas do planejamento, considerando que essas se aplicam tanto ao primeiro como ao segundo grupo de proprietários.

PLANEJAMENTO

Junto ao projeto arquitetônico, o construtor apresenta ao proprietário o memorial descritivo, que indica quais materiais serão empregados e quais os acabamentos dos diversos ambientes.

Com o orçamento inicial prepara-se um cronograma, isto é, um gráfico que mostra para que mês (ou meses) se prevê a execução de cada etapa da construção. Por exemplo, no primeiro mês dar-se-á o preparo da obra; nos dois meses seguintes far-se-ão as fundações; nos cinco seguintes a estrutura de concreto armado, etc.. (Ver exemplo no Quadro 1.)

Com base no orçamento inicial e no cronograma preparase o esquema de pagamentos que mostra para quando são previstos os pagamentos referentes aos diversos serviços. A soma dos pagamentos dos diversos serviços em cada mês dá a previsão de pagamento para êsse mês. (Ver exemplo no Quadro 2.) Êsses são os elementos básicos para o planejamento.

Baseado nesse esquema de pagamentos, o proprietário planeja o financiamento da construção, levando, porém, em conta as distorções a que o esquema está sujeito (não perfeitamente previsíveis, conforme se vê abaixo) e a possibilidade de mobilizar os recursos necessários nas épocas previstas. Digamos que o orçamento da construção de vim depósito seja de Cr$ 20 milhões e o cronograma preveja o término em 8 meses. Não será possível executá-lo se o proprietário tiver no princípio só Cr$ 3 milhões e só puder mobilizar Cr$ 1.500 mil por mês. Nesse caso é necessário modificar o esquema de pagamentos e o cronograma.

O planejamento financeiro não é fácil porque os vários fatores que distorcem o esquema de pagamento atuam simultáneamente, sendo impossível, por isso, enfrentá-los coeteris paribus. Em todos os esquemas os pagamentos são previstos para os diversos meses de acordo com o andamento da construção. No comêço os gastos são quase sempre menores; depois crescem, permanecem elevados e diminuem no fim.

Analisando numerosos casos, os autores observam que durante o término dos serviços de concreto armado os pagamentos costumam ser altos, pois é nessa fase que se acumulam os pagamentos de mão-de-obra, de materiais gastos e de materiais encomendados para o acabamento da construção.

No exemplo recém-apresentado alguns pagamentos (como, por exemplo, os referentes a esquadrias de ferro e de madeira e a elevadores) são feitos bem antes da aplicação dos materiais na obra, para garantir não só a entrega na época em que a obra precisar dêsses materiais, como também (total ou parcialmente) a manutenção dos preços. Em geral, os cronogramas e esquemas de pagamentos prevêem que o andamento da construção seja técnica e economicamente normal.

A técnica recomenda que certos serviços sejam feitos antes e outros logo em seguida. Por exemplo, deve-se cobrir uma obra o mais breve possível para evitar infiltração de chuvas. Feita a última parte do concreto ou alvenaria» inicia-se a estrutura de madeira do telhado. Colocam-se, então, a calha e, logo depois, as telhas, para que não empenem os elementos da estrutura de madeira. Durante a colocação de azulejos nas paredes dos banheiros deve ser colocada a banheira, senão ficam remates para serem executados posteriormente, exigindo que o operário especializado em colocação de azulejos tenha de voltar à obra.

Esta seqüência coordenada no andamento das obras naturalmente não pode ser aplicada nos casos especiais em que o proprietário precise rapidamente da obra pronta, ou, ao inverso, quando seja necessário adaptar o ritmo da construção às disponibilidades de dinheiro.

Construções demoradas são mais caras porque aumentam os custos fixos (mestres, guarda etc.). Por outro lado, trabalhar dia e noite encarece a obra, pois o trabalho noturno é mais caro que o diurno (legislação trabalhista). Há limitações técnicas agravadas pelo alto custo de máquinas que possibilitam maior rapidez. A qualidade também pode ser prejudicada com a rapidez excessiva, como se pode ver em algumas construções de Brasília.

DISTORÇÕES DO ESQUEMA DE PAGAMENTOS

Muitos proprietários desejam saber até que ponto a previsão financeira de um projeto coincide com os gastos reais. Os Gráficos 1 e 2 lançam alguma luz sôbre essa dúvida. As obras em questão foram executadas entre 1960 e 1963.




O Gráfico 1 compara aos custos reais os dados referentes aos custos estimados para a construção de um prédio de apartamentos. (Vide Quadro 2.) No caso a obra foi iniciada vários meses após a elaboração do orçamento, o que acarretou considerável aumento dos custos reais. Contudo, mesmo que a execução da obra seja iniciada imediatamente após a previsão, os custos costumam superar os valores estimados, como fica evidenciado pelos exemplos dos Gráficos 2.

Um engenheiro de produção e controle industrial talvez se admire com a disparidade havida entre o custo previsto e o efetivo. Mas ela é normal no ramo de construções. As maiores causas das distorções do esquema de pagamentos são a inflação e o que chamamos "picos", ou seja, os períodos de maiores gastos mensais. Mais adiante estudaremos melhor a influência desses dois fatores. Além dessas, há outras causas de distorções:

• Nos primeiros meses o andamento da obra muitas vêzes difere do cronograma em virtude das condições de subsolo que podem dificultar a execução das fundações. Chuvas prolongadas, greves de operários, falta de materiais na praça são motivos de força maior que podem contrariar o cronograma e o esquema de pagamentos.

• Não se pode prever exatamente o mês em que certos materiais serão pagos porque isso vai depender do mês de entrega do material, que pode ser antecipada (exemplo: quando se estocam tijolos para evitar sua falta na época de chuvas) ou retardada (como ocorre quando a madeira não é entregue por dificuldades de transporte).

• No caso dos prédios de apartamentos (Gráficos 1 e 2-A) os proprietários dos diversos apartamentos determinaram modificações de acabamento (por exemplo: em vez de colocar azulejos brancos até 1,50 m de altura nos banheiros, foram colocados azulejos de côr até o teto), o que, além de aumentar o custo da construção em relação ao orçamento inicial, provocou atrasos. Assim foi que no vigésimo sétimo mês do Gráfico 1 e no trigésimo primeiro mês do Gráfico 2-A um dos motivos de poucos gastos (e, portanto, andamento vagaroso da construção) foi a falta de resolução dos proprietários na escolha de materiais. Essa causa de distorção é diminuída quando o planejamento restringe a possibilidade de o projeto e o memorial serem modificados durante a construção.

• Nos quatro exemplos que citamos os proprietários determinaram ao construtor, em certas épocas, quanto deveria ser gasto, em média, durante certo período. No Gráfico 2-A os proprietários determinaram a média a ser gasta do 10.º ao 20.º mes e o andamento da obra se adaptou a isso.

• O Gráfico 2-B indica grandes gastos no fim da construção. Nesse caso particular o fato se explica porque o empreiteiro de mao-de-obra, excecionalmente, "financiou" a obra, cobrando grande parte de seus serviços somente no final.

INFLAÇÃO E "PICOS" COMO FATORES DE DISTORÇÃO

Além dos fatores acima mencionados, as principais causas de distorção entre o orçamento e a execução devem ser encontradas na pressão inflacionária e naquilo que chamamos "picos".

Num período sem inflação o proprietário poderá economizar dinheiro durante meses ou anos, aplicando-o para obter um retorno, e iniciar a construção depois de ter juntado o suficiente. Num período inflacionário a tendência de tal poupança é prejudicada, pois que a porcentagem de retorno dificilmente será suficiente para contrabalançar a desvalorização da moeda. Além disso, a previsão orçamentária para a construção não pode ser mantida porque os preços de materiais e mão-de-obra aumentam com a inflação.

Assim, se o orçamento inicial é de CrS 50 milhões, quando a obra fôr iniciada os preços poderão ter subido, estando o orçamento já a CrS 60 milhões. Durante a construção os preços continuarão subindo e, no fim, o proprietário poderá ter gasto Cr$ 75 milhões ou até mais. Milhares de pessoas se defrontaram com êsse problema e tiveram amargas experiências porque os recursos disponíveis não acompanharam o ritmo da inflação.

A inflação afeta, também, o financiamento, pois quem empresta dinheiro quer estar a coberto da inflação, o que provoca a restrição creditícia.

Em vários dos gráficos observam-se "picos" indicativos de meses em que os gastos previstos são maiores, seja por aumento de serviços, seja por causa dos "sinais" de encomenda. No Gráfico 2-A o proprietário determinou que do décimo ao vigésimo mês de construção só fôsse gasta determinada quantia. O construtor teve de diminuir o ritmo da construção para evitar que ocorressem os "picos" previstos pelo esquema. Isso aumentou a duração da construção por vários meses. Conseqüentemente, a inflação vigente nesses meses adicionais aumentou, ainda mais, o montante de dinheiro gasto na construção. Também as despesas fixas, como as de ordenados de mestre e guarda, aumentarão no caso de a obra demorar mais tempo que o previsto. Ademais, pode-se deixar de fazer uma encomenda vantajosa de material pelo fato de na época o proprietário se ver obrigado a evitar os "picos".

Uma fábrica que programe uma nova construção e lhe destine uma verba mensal durante um ano, retirando-a de seus recursos normais, há de ter dificuldade em aplicar maiores quantias em determinados meses. No Gráfico 3 apresentamos o exemplo de uma fábrica para a qual foi construído um galpão. O orçamento inicial foi de Cr$ 20 milhões. Como a fábrica só podia dispor de Cr$ 2 milhões por mês, foi previsto o prazo de 10 meses para a construção. Que aconteceu na prática? As primeiras compras foram feitas a prazo, de modo que nos dois primeiros meses nem se atingiram os Cr$ 2 milhões. No terceiro mês, porém, gastou-se bem mais. Nos sete primeiros meses gastaram-se Cr$ 14 milhões (média de 2 milhões por mês). Os picos foram vencidos pelas reservas feitas nos primeiros meses, mas não se pôde dar à construção o ritmo rápido que técnicamente seria desejável. Entrementes, os preços aumentaram. E, assim, foi preciso gastar mais de Cr$ 13 milhões para terminar a construção, que custou Cr$ 27 milhões e durou catorze meses. Não fôra possível ao proprietário aumentar a média dos recursos mensalmente disponíveis.


COMO ENFRENTAR AS DISTORÇÕES

A. Soluções com Recursos Próprios

O boro senso indica diversos caminhos para tentar eliminar ou, ao menos, abrandar as distorções devidas à inflação e aos "picos". Vejamos alguns:

• Financiamento de materiais de construção - Os gastos de construção provêm de mão-de-obra prestada diretamente, materiais comprados e prestação de serviços profissionais. Êstes últimos consistem, geralmente, numa pequena porcentagem da soma dos gastos de materiais e mão-de-obra.

A mão-de-obra não pode ser financiada; deve ser executada (e, portanto, paga) nos períodos determinados pelo andamento da construção. O caso mencionado no Gráfico 2-B constitui exceção.

Restam os materiais de construção. Anos atrás era possível encomendá-los com antecedência, pagando ou não um pequeno sinal, para recebê-los na época determinada e pagá-los em vários meses. Atualmente são raros os casos de pagamentos posteriores a 30 ou 60 dias após a entrega, o mesmo se devendo dizer dos casos de materiais cujos preços são garantidos por vários meses. Alguns fornecedores - especialmente os de tijolos e areia, e a maioria das serralharias (janelas e portas de ferro) - são pequenas emprêsas sem recursos para financiamento.

Outros produtos - cimento, ferro, azulejos, louça sanitária e vidros - são feitos em grandes fábricas que poderiam obter recursos para financiar a compra pelo consumidor. Mas, nem as fábricas nem os seus distribuidores se interessam em mobilizar tais recursos, porque o mercado é "de vendedor", isto é, a procura é maior que a oferta. Relega-se, pois, ao consumidor a tarefa de procurar recursos para financiamento da construção.

• Quando o proprietário tem recursos à sua disposição alguns materiais podem ser comprados no início da obra e estocados. É o que se faz com tijolos, ferro redondo para concreto e canos para água. Outros materiais não podem ser comprados com antecedência porque se estragam ou se quebram (cimento, vidro). Outros (areia, pedra britada) exigem muito espaço para serem armazenados. Alguns materiais podem ser comprados com antecedência, mas só serão utilizados muitos meses mais tarde (tacos, telhas, ferragens e aparelhos sanitários). Assim, além do inconveniente da estocagem, isso representa imobilização de capital.

• Poderia o consumidor pagar o material ao fornecedor no início da obra sem recebê-lo, comprometendo-se êste a fornecê-lo quando o consumidor o quisesse? Isso envolve confiança por parte do consumidor para com o fornecedor, e êsse geralmente não aceita tal transação por correr o risco de os aumentos de preços tornarem insignificantes as vantagens obtidas pelo pagamento antecipado.

• Algumas encomendas podem ser feitas dividindo-se os pagamentos em duas ou três parcelas mensais. Isso ajuda a diminuir um "pico", mas pode criar outro.

• Uma companhia estrangeira que possua recursos em moeda forte pode promover a construção convertendo a moeda conforme as necessidades.

B. Soluções com Financiamento Externo

Os caminhos apontados ajudam em pequena escala. Esgotados os recursos próprios e as possibilidades de financiamento pelos fornecedores, o proprietário deverá recorrer a terceiros, isto é, a órgãos de financiamentos.

Os empréstimos que os bancos concedem a 60 ou a 90 dias não resolvem o problema do proprietário, pois na época do resgate a construção ainda não estará terminada. O mesmo se diga dos empréstimos particulares a juros altos.

Também não se pode, de maneira geral, contar com entidades como caixas econômicas e institutos de previdência, porque elas só atendem a pequeno número de contemplados que para conseguir o empréstimo precisam esperar muito tempo e acompanhar o andamento dos respectivos processos.

Interessante constatar que se pode adquirir um automóvel ou caminhão a prestação, pagando-se, por exemplo, metade a vista e metade em 12 ou 15 meses, com juros altos. Êsse financiamento é feito por sociedade especializadas para tal fim. Não havia nos últimos anos órgãos que financiassem construções, nem mesmo em moldes semelhantes aos das vendas de automóveis. Em vários países os financiamentos para construções ou para compra de imóveis são feitos a longo prazo e a juros baixos.

A nosso ver, é necessário que haja empréstimos a médio e a longo prazo para que a data do vencimento seja posterior ao término da construção. O financiamento seria global ou parcial, conforme as necessidades específicas de cada caso. Uma indústria poderia pagar o empréstimo com as rendas mais elevadas que viesse a obter pelas novas instalações. Uma pessoa que houvesse morado em residência alugada poderia pagar o empréstimo com a economia do aluguel, uma vez que teria passado a morar em prédio próprio.

Nos últimos anos a maior dificuldade para a concessão de tais empréstimos foi garantir o órgão financiador contra a desvalorização da moeda. Todavia, o plano de habitação apresentado ao Congresso Nacional pelo Govêrno Federal em maio de 1964 e aprovado em agosto do mesmo ano prevê solução para isso, reajustando-se os resgates conforme os aumentos de salários mínimos. É de esperar que os futuros aumentos de salários mínimos não hajam de ser tão altos, isto é, que o Govêrno, de posse de dados estatísticos, não espere até que tenha de decretar alimentos de 60% ou mais, mas aumente os salários mínimos quando o custo de vida subir de 20% ou 30%. Assim sendo, os reajustamentos dos resgates não sofrerão aumentos tão bruscos. É discutível se os reajustes devem ser feitos baseados em aumentos de salários mínimos ou em outras bases (índices de custo de vida, custo médio de materiais de construção e custo médio de mão-de-obra). Mas, a nosso ver, desde que se evitem alterações por demais bruscas, o salário mínimo serve tão bem como qualquer das outras bases, porque tôdas elas, até certo ponto, estão interligadas.

Não obstante o Plano Nacional de Habitação acertadamente dê ênfase ao financiamento para as pessoas menos abastadas, cremos que também para construção de indústrias, lojas e habitações de maior valor deveriam ser concedidos empréstimos, a médio prazo, muito embora tanto os industriais quanto os particulares não estejam acostumados a ter dívidas com correição monetária.

Aos que constroem para vender ou alugar - chamemo-los empresários - o problema de financiamento é mais fácil do que para os particulares. O empresário ou conta com recursos para financiar ou está organizado para obtê-los, estando, pois, melhor preparado para enfrentar os meses de maiores pagamentos. Todavia, não está imune aos efeitos da inflação.

O que se disse acima para quem constrói ocasionalmente aplica-se, em grande parte, aos que constroem para alugar ou vender. Mas, neste caso especial cabem alguns comentários sobre os vários planos de construir para vender, que variam segundo os problemas de financiamento do empresário. As várias maneiras de construir com finalidade lucrativa são as seguintes:

A) Digamos que o empresário termine a construção, durante a qual o custo tenha aumentado por fôrça da inflação, e depois a venda. Êle precisará ter muitos recursos para custear a obra tôda. É verdade que quando o imóvel está pronto êle o vende ou aluga, e pode aplicar o resultado da venda (a vista ou a prazo) em outra construção, Mas, a parte que êle vende a prazo e quer aplicar em outra construção sofre os efeitos da desvalorização da moeda. O giro do capital é lento.

B) O empresário vende o imóvel "na planta", isto é, antes de começar, a preço fixo. Êle, então, já deve ter previsto certo ritmo inflacionário (nunca previsível com exatidão) e condições de pagamento que lhe permitam financiar parte da obra com o produto da venda, financiando outra parte com recursos próprios. Como já vimos, êsse procedimento é muito arriscado; pode haver surpresas desagradáveis para o empresário durante o período da construção, provocadas, principalmente, por imprevisíveis conseqüências da inflação.

C) A venda é feita "na planta", sujeita a "reajuste", isto é, com certas cláusulas que permitem ao empresário reajustar o preço de conformidade com os aumentos que venham a ser verificados durante a construção, reajustes êsses baseados em diversos índices (custo de vida, aumentos de preços de materiais de construção e mão-de-obra, etc.). Êsse sistema não é muito recomendável porque dá origem a muitas discussões entre empresário e comprador sobre qual seria a "taxa justa" de reajustamento.

D) O empresário que constrói várias unidades (um grupo de casas, um prédio de apartamentos) combina os planos A e B. De um grupo de seis casas vende duas na planta. O dinheiro que entra será aplicado durante a construção. No meio da construção - digamos, após a execução da estrutura de concreto, após a cobertura ou após o reboque das paredes - vende mais duas casas, já por preço maior. Assim, o empresário conta com novos recursos na época em que os pagamentos se acumulam. Terminada a obra, vende as duas últimas casas, já considerando no preço destas o custo atualizado da construção. Realiza, assim, seu lucro sem tanto empate de capital como no plano B e sem tanto risco como no plano C. As desvantagens dêsse sistema são: nem sempre é possível vender o que se quer, no momento desejado; deve-se atualizar os orçamentos antes de vender. Verifica-se, ainda, que no mercado o preço de imóveis está sempre atrasado em relação aos aumentos dos custos de construção. Êsse sistema foi muito usado para venda e construção de prédios de apartamentos, onde o maior número de unidades permite maior flexibilidade nas vendas. Todavia, os empresários verificaram que os seus cálculos para empatar menos capital eram desfeitos pela inflação galopante dos últimos anos.

E) "Preço de custo". Essa modalidade ganhou impulso nos últimos anos, principalmente no tocante a prédios de apartamentos. O empresário vende o terreno a preço fixo, parceladamente (no caso de casas) ou em frações ideais (no caso de apartamentos), a "proprietários de conjuntos". Êstes pagam a construção mês por mês, e são comparáveis aos proprietários que constroem para uso próprio. Ao terminar a construção, êles já terão pago tudo, O maior problema dêsses emprendimentos está em que a inflação pode impedir que os cronogramas e esquemas de pagamentos previstos no comêço (vide Quadros 1 e 2) sejam seguidos na prática. Em decorrência, os proprietários de conjuntos estão sujeitos a chamadas de capital maiores que as previstas. No caso da construção em conjunto pode acontecer que alguns compromissários-compradores queiram aumentar as chamadas de capital, mas outros não tenham recursos para tal. Se o grupo não fôr homogêneo, precisa-se chegar a uma solução de compromisso. De outro lado, êsse sistema tem vantagem de ordem fiscal e jurídica sôbre os sistemas dos itens A e B.

F) Evidentemente, seria normal que o proprietário numa época sem inflação contratasse a preço fixo os serviços de um construtor, mediante determinadas condições de pagamento, com ou sem financiamento (empreitada). Na época inflacionária o empreiteiro de construção global tem de ou se sujeitar a grandes riscos, ou cobrar muito caro para cobrir-se dos efeitos da inflação. Por isso, no momento êsse sistema não é muito usado na construção civil.

CONCLUSÕES

• Não se podendo prever exatamente o andamento da construção, os períodos exatos de maiores pagamentos, a distorção devida à inflação, os recursos próprios (que variam também durante a construção, independentemente desta) e os recursos fornecidos pelos órgãos de financiamento, é necessário ao proprietário fazer, periodicamente, uma reavaliação de todos os recursos e, dessa forma, adaptar aos recursos o ritmo da construção, se não lhe fôr possível adaptar-se ao cronograma técnicamente recomendável. Terá, assim, uma previsão que, embora revista periódicamente, proporciona certa orientação. Não fazer essas reavaliações periódicas e improvisar no meio de tantos fatores variáveis pode causar dificuldades financeiras e prejudicar o andamento da construção.

• Os financiamentos para construções a médio e a longo prazos seriam, a nosso ver, a solução mais lógica e adequada, por possibilitar maior produtividade na construção e permitir maiores poupanças, favorecendo, pois, todos os envolvidos. Há bancos para crédito comercial e companhias de financiamento que financiam vendas a prestações. Por que não há, então, companhias que financiem construções? Sempre que surge no mercado uma função a ser desempenhada cria-se uma oportunidade para seu desempenho lucrativo. Parece-nos bem demonstrado que existe a necessidade de órgãos governamentais e particulares que desempenhem essa função de financiamento de construções. Resta provar que êsse desempenho seja lucrativo para a iniciativa privada. Mas, não o tem sido todos os demais?

  • 2) Vide, a respeito, a análise publicada na Conjuntura Econômica de julho de 1964, ano XVIII, n.ş 7, pág. 53.
  • 1
    Ao recomendar no memorial os diversos materiais, o construtor leva em conta o custo dêles e o desejo do proprietário. Prepara, depois, um orçamento pormenorizado do custo da construção, conforme as quantidades determinadas pelo projeto, as qualidades dos materiais especificados no memorial e os preços (de material e mão-deobra) do dia em que ioi feito o orçamento.
  • 2
    A CONSTRUÇÃO DESTINADA A VENDA
  • 3
    Não há grande risco para o empresário.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1965
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