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Organização do trabalho e da família em grupos marginais rurais do Estado de São Paulo

ARTIGOS

Organização do trabalho e da família em grupos marginais rurais do Estado de São Paulo

José César A. Gnaccarini

Auxiliar de Ensino da cadeira de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

1.1 Objeto

Este estudo tem como objetivo, de modo especial, a reconstituição sociológica dos meios de vida de agrupamentos de trabalhadores rurais, e de como se relacionam com outros aspectos da vida social, em particular a organização da família, do compadrio, da vizinhança.1 1 O estudo clássico neste tema é a bela obra de Antônio Cândido. Os parceiros do Rio Bonito (Estudo sobre o Caipira Paulista e a Transformação dos seus Meios de Vida.) Rio. 1964. Baseia-se em pesquisas de campo e de reconstrução histórica que se levou a efeito em três municípios da região açucareira de Piracicaba, no Estado de São Paulo. Julgou-se conveniente, para atingir o fim proposto, reconstituir com especial ênfase um fenômeno muito comum naqueles agrupamentos: o casamento pelo rapto da noiva. Visando a colocar o fenômeno em seu contexto histórico, formularam-se os seguintes problemas: como se relacionam expansão econômica em área dependente e mudanças nas formas tradicionais de relação social e propriedade da terra; como se ligam divisão social do trabalho e diferenciação de papéis sociais complementares em um sistema, e interesses grupais opostos em uma realidade contraditória; como se combinam regime capitalista de tipo plantatlon e formas de organização social de tipo industrial, na agricultura.

A área em estudo tem sido caracterizadamente agrícola ao longo do tempo, muito embora a maioria das pessoas agora passasse a residir em zona urbana. Esta zona é, na verdade, constituída de pequenos núcleos detentores de algumas funções de comércio, serviços, administração pública e residência.

A cana-de-açúcar e o café sempre foram as culturas predominantes, de grandes proprietários e efetuadas em grandes estabelecimentos agrícolas. A importância numérica do algodão e do milho, nas estatísticas compulsadas, deve-se ao fato de serem plantados em consórcio com o café e a cana. Assim plantados aparecem também os mantimentos feijão e mandioca. Já no ano de 1940, no entanto, apenas uma parcela mínima de área em algodão é intercalada, sendo também o ano em que é menor o número relativo de grandes e médios estabelecimentos; decorrência, por certo, da crise da cafeicultura.

Os casamentos pelo rapto da noiva chegaram a atingir proporções elevadas no total de casamentos inscritos nos cartórios de registro civil das três localidades, constituindo um fenômeno particularmente rural.

1.2 Hipóteses e Teorias

As seguintes hipóteses foram formuladas para explicar o fenômeno: a) a modernização constitui uma variável do desenvolvimento econômico; assim sendo, caracterizase como um processo uniforme, atinge todos os setores da vida, e tende a moldá-los segundo os princípios básicos de eficiência da ordem industrial em constituição: divisão orgânica do trabalho, secularização, racionalização e individualização; b) as instituições da família como parte de um sistema social mais amplo e de uma totalidade funcional seguem o principio que está fundado na realidade da adequação funcional das partes entre si e de cada uma com o todo. No caso do rapto, este indicaria a formação de processos de secularização e individualização dentro da organização familial (relações eletivas versus prescritivas) e crise do modelo de família patriarcal.

Os fatos infirmaram essas hipóteses, no seu significado global, confirmando-as apenas parcialmente, permitindo concluir que o desenvolvimento econômico em uma sociedade de classes como a nossa é um processo contraditório, pois se acha firmado em certas irracionalidades que, de acordo com o modelo que êle seguiu historicamente, lhe são inerentes; é custeado, no que tange às irracionalidades, por um processo especial de distribuição de poder na sociedade, de tal modo que este determina a dependência e a marginalidade de amplos setores na sociedade.

No caso especial da agricultura, que é o que interessa neste artigo, modalidades diversas de trabalho extracapitalistas ou pré-capitalistas, como têm sido indistintamente denominadas na literatura, servem de suporte às irracionalidades do sistema económico-social, assentado como êle está na divisão do trabalho própria do modelo de classes. Constituem as instituições da família de trabalhadores, nessas condições, uma modalidade de ajustamento (e os valores que lhe são associados, uma forma de legitimação) com que se defendem e se opõem aquelas camadas da população, situadas marginal e desfavorecidamente perante os núcleos dominantes do sistema e os meios de exercício do poder que estes detêm ou manipulam e ainda perante suas ideologias, pois são aqueles desfavorecidos e marginalizados que arcam com os maiores custos das irracionalidades. Só podem, assim, ser buscadas nos significados grupais, e não na própria realidade, a funcionalidade e a uniformidade, verificáveis entre instituições, valores e situações de existência vividas pelas pessoas e grupos.

Partiu-se, na elaboração das hipóteses, da suposição corrente na sociologia em associar urbanização e industrialização sob o título de modernização a mudanças correspondentes nas estruturas e funções da familia e do parentesco, entre outras instituições.2 2 Talcott Parsons e Louis Wirth, entre outros, citados em Rosen, B. C. & Berlinck, M. T. Modernizaron and family structure In the región of São Paulo, Brazil. América Latina, 11(3):75-7. 1968. De fato, diz Gino Germani, que devem entenderse as variações nas bases do consenso familial (acentuação sobre o indivíduo, diminuição do alcance das relações de tipo prescritivo) como sendo pré-condições que facilitam o surgimento da sociedade industrial, uma vez que favorecem o ajustamento dos indivíduos a relações sociais do tipo específico, afetivamente neutro, universalista e assinalado ao indivíduo na base do esforço e capacidade. Trata-se, como se vê, da inscrição do princípio da eficiência no sistema institucional, de modo a estar adequado funcionalmente à sociedade industrial.3 3 Politica y sociedad en una época de transición. Buenos Aires, Paidos, s. d. p. 87-91. Aparentemente uma suposição semelhante se encontra em Max Weber, quando êle faz distinção entre comunidade e sociedade, sendo as relações comunitárias as que se baseiam em sentimentos afetivos, emotivos e tradicionais de união no todo, e relações societárias as que se inspiram em uma compensação de interesses por motivos racionais ou em uma união de interesses dessa natureza,4 4 Economia y sociedade, t. 1, p. 33. e ao relacionar a expansão do capitalismo especifico de empresa lucrativa ou industrial, com capital fixo e organização racional do trabalho livre à racionalização crescente das diversas instituições sociais.5 5 Economia y sociedade, t. 1, p. 92.

Essa suposição não tem encontrado suporte em distintos achados da pesquisa levada a cabo em países com diversos níveis de urbanização e industrialização, como indicaram Bernard Rosen e Manoel Berlinck em um balanço de muitas investigações e na própria pesquisa que realizaram,6 6 Op. Cit. e também Oscar Lewis em sua pesquisa na cidade do México.7 7 Urbanización sin desintegración. Kahl. J. A. (org.) Industrialización en América Latina. México, 1965. p. 461-7. Rosen e Beriinck, em sua pesquisa, indicaram existir variáveis intervenientes que modificam aquela relação. Suposição associada àquela já citada é afirmar que o sistema de tipo plantation é uma espécie de organização industrial e, acompanhando as características da modernização, associa-se invariavelmente a inovações específicas nas pessoas e relações sociais englobadas pelo subsistema rural ao acompanhar o modelo de sociedade moderna, urbana e industrial.8 8 Mintz, Sidney W. The folk-urban continuum and the rural proletarian community. The american journal of soclology, n. 59, 1953, p. 139.

As irracionalidades resultantes das contradições do sistema dominante são transferidas para a população trabalhadora agrícola, sendo uma maneira de operar essa transferência, no interior da empresa agrícola, a utilização de relações patrimoniaiistas como técnicas de controle por parte dos empresários com a finalidade de manipular adequadamente o comportamento dos trabalhadores. Como, no entanto, a eficácia destas técnicas é reduzida, em situações conjunturais frustram-se freqüentemente as expectativas dos trabalhadores, ocorrendo o apelo à violência institucionalizada e à espoliação arbitrária, podendo romperse o padrão tradicional de integração.9 9 Dados sobre tais expectativas entre trabalhadores agrícolas e a sua frustração na ação empresarial encontram-se, por exemplo, em Comitê Interamericano do Desenvolvimento Agrícola. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconómico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966; Cardoso, Fernando Henrique. Tensões Sociais no Campo e Reforma Agrária. Revista brasileira de estudos políticos, (12): 1961. Deste modo, diz Maria Sílvia Franco Moreira, - de quem é a proposição acima - é necessário introduzir-se a noção de história nas análises das relações comunitárias verificáveis no meio rural brasileiro.10 10 o estudo sociológico de comunidades. Revista de antropologia, 11(1 e 2):33, 1963.

Como resultado da transferência das irracionalidades do sistema dominante à população trabalhadora agrícola, que se faz por via de modalidades de trabalho extracapitalista e economia de subsistência, os grupos desfavorecidos e marginalizados opõem a esse mecanismo económico-social teias de solidariedade (e valores que as legitiman) com as quais se ajustam precariamente à situação real, mas também internalizam aspirações e sentimentos contrários à ordem social dominante. Trata-se exatamente daquela situação prevista por Florestan Fernandes - e os nossos dados confirmam a sua hipótese: "um quadro econômico bem distinto daquele que Sombart traçou a respeito da sobrevivência de 'sistemas econômicos pré-capitalistas' em economias capitalistas avançadas. Sob o capitalismo dependente, a persistência de formas econômicas arcaicas não é uma função secundária e suplementar".11 11 Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio, 1988. p. 65. Essas teias de solidariedades e valores constituem um modo de defesa retrocessiva oposta (a) à dependência dos grupos de trabalhadores aos proprietários de terras, (b) aos intermediários na comercialização de seus produtos, e (c) à ordem administrativa e governamental, ideológica e coercitiva, que sustenta tais relações. Mas é, também, um modo de defesa que é marginal aos processos dinâmicos dessa sociedade, como, por exemplo, os processos de mobilidade e democratização. Constituem, por isso, uma expressão retrocessiva da rigidez de estruturas de poder e qualificação social, sem nenhuma valorização do trabalho humano na ordem patrimonialista que, em razão dos mecanismos econômicos de transferência de irracionalidades, se Constitui no subsistema rural. Mas que também, sob determinadas circunstâncias, podem evoluir para incorporar valores críticos da própria situação.

Ê no casamento que vários mecanismos de solidariedade tradicional e de efetiva ajuda mútua são disparados nesses agrupamentos. O casamento, em realidade, consiste de duas coisas: de um lado estão os valores de natureza sagrada que emprestam legitimidade e práticas costumeiras de constituição de grupos familiais e de adjudicação de pessoas a famílias extensas existentes; de outro lado estão as próprias práticas de solidariedades costumeiras entre os grupos de famílias extensas e no interior destes mesmos grupos. Além das trocas de pessoas que o casamento simboliza e que torna efetivas, vários outros mecanismos são disparados. Assim é que o casamento se torna um acontecimento essencial na vida de certos agrupamentos de trabalhadores agrícolas. E o casamento pelo rapto da noiva ocorre quando, em razão de um novo casal não poder constituir-se de conformidade com as prescrições tradicionais, os pais não podem cumprir suas obrigações para com os compadres e vizinhos, no bairro rural de que se consideram membros, convidando-os a uma festa, custeando o enxoval e o casamento religioso; e também quando a escolha dos padrinhos pelas opções preferenciais dos costumes esbarram em impedimentos, pois os padrinhos também participam das despesas e se associam ao prestígio que o casamento implica em termos de relacionamentos no bairro ou em outras esferas. Consiste o rapto em um expediente tolerado com a finalidade de contornar as normas e as eventuais sanções, não as violando, quando elas não podem ser cumpridas. É, pois, um procedimento para-institucional, e liga-se a sociabilidades e a modos de associação não seculares, não racionais, que se têm denominado de cultura e vida caipiras.

Os bairros, grupos de vizinhança rural, podem ser considerados, justamente, como grupos de pares. Não são grandes, ou não existem diferenças de posição social entre os trabalhadores pertencentes a um bairro, conforme se verificou na área estudada, o que concorda com observações em outras áreas.12 12 Pereira de Queiroz, Maria Isaura. Bairros rurais paulistas. Revista do Museu Paulista, N. S. (17): 134, 135, 165, 189, 201, 1967. Essas pessoas interligam-se por relações de solidariedade tradicional e por laços de parentesco, seja consagüineo, seja sagrado. São relações comunitárias que se sobrepõem aos interesses pessoais e tendem a contrariálos. O casamento consiste de instituições através das quais se dá a seleção nesses grupos de pares. É a relativa liberdade de disposição de parte do tempo de um trabalhador em atividades de cooperação econômica com os vizinhos (e pares) que faz das modalidades de trabalho semi-autônomo na agricultura posições altamente valorizadas. Nessas posições êle pode dispor de tempo e de meios materiais (terra, ferramentas, animais, mão-deobra familial) que de outro modo dificilmente possuiria. Tem razões contraditórias a valorização: as motivações econômicas peia esperança de formar pecúlio e tornar-se independente economicamente; e as motivações oriundas da distribuição do poder e prestígio nos bairros e na comunidade local. Em ambos os casos o casamento tem mecanismos para encaminhar àqueles fins o uso do patrimônio familiar, selecionar os grupos de cooperação e adjudicar outras fontes de apoio e segurança.

2. Dependência econômica, marginalidade e relações comunitárias

2.1 Relações Coloniais Internas

Os benefícios que setores urbanos detêm na sucção do excedente econômico gerado pela agricultura chamam-se relações coloniais internas. A marginalidade econômica da agricultura depende do papel que lhe é atribuído na constituição de uma economia nacional. A industrialização em grande medida é viável em nosso país porque os vários setores se rearticularam, a partir da economia colonial, e a agricultura passou a absorver parcela dos custos industriais, sendo este um fenômeno primeiramente político (em especial o problema do peso, nos salários urbanos, da alimentação, e o do custo das matérias-primas agrícolas).13 13 Demonstrou-o a pesquisa de Martins, José de Souza. Modernização agrária e industrialização no Brasil. América Latina, 12(2):8-9, 1969. Várias pesquisas empíricas têm já demonstrado que os rendimentos líquidos das empresas agrícolas são negativos, de modo particular quando se computam alguns componentes de custo em um modelo econômico (depreciação e juros do capital fixo) que a maioria dos empresários não calcula.14 14 Vários aspectos da relação de intercâmbio já foram estudados entre nós. As pesquisas que mostram a rentabilidade negativa das empresas são as de William H. Nicholls e Rubens M. Paiva, Octávio Teixeira Mendes Sobrinho e Vicente Unzer de Almeida. Cf. Junqueira, P. C et al. Comercialização de produtos agrícolas no estado de São Paulo. Agricultura em São Paulo, 15(1-2), 1968; Monbeig. P. Novos estudos de geografia humana brasileira. São Paulo, 1957; Netto, A. Delfim. Problemas econômicos da agricultura paulista. São Paulo, 1964; Queiroz, M. i. P. de. Bairros rurais paulistas. Op. cit.; Gnaccarini. J. O A. Formação da empresa e relações de trabalho no Brasil rural. São Paulo, 1966, (MS); Nicholls, W. H. & Paiva, R. M., citado em Martins, J. S. Op. cit.; Mendes Sobrinho, O. T. Condições de vida do pequeno agricultor no município de Lins. Boletim da agricultura, 1953; Almeida, V. U. Condições de vida do pequeno agricultor no município de Registro. São Paulo, 1956.

O fenômeno foi compreendido com absoluta clareza por Ignácio Rangel, estabelecendo os seguintes mecanismos: a) situa-se a rentabilidade marginal do investimento agrícola abaixo da rentabilidade marginal da economia global; b) aos gravames que interesses urbanos impõem à agricultura é que se deve imputar a situação (gravames como confisco cambial, tabelamento de preços agrícolas, falta de garantia eficaz de preços mínimos, defesa da margem de comercialização); tem c)

Estado sancionado e legitimado a relação de intercâmbio, atuando como intermediário entre os distintos participantes do oligopsônio de comercialização agrícola e como expressão dos interesses médios.15 15 Rangel, I. M. A inflação brasileira. Rio, 1963, p. 91-93.

Algumas categorias de empresários agrícolas defenderam-se dessas relações de intercâmbio garantindo pela pressão política valorizações e subsídios, diretos e indiretos. Em todos os casos, porém, constituíram-se, a partir dessas relações empobrecedoras, mecanismos internos de transferência dos gravames para setores economicamente marginais e socialmente carentes de poder. Era de 77% do menor salário mínimo legal do Estado de São Paulo, em 1957, o salário médio de trabalhadores de enxada na agricultura paulista, segundo levantamento do Ministério da Agricultura. Equivalia a 60% e a 50% do salário mínimo legal da Capital do Estado, respectivamente em 1959 e 1960, esse mesmo salário, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. E era de 48% do salário mínimo legal da Capital do Estado, em 1959-60, o salário diário médio de camaradas de enxada, computados 25 dias de serviço ao mês, segundo levantamento da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.16 16 Dados citados, respectivamente, em Comitê lnteramericano do Desenvolvimento Agrícola. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966. p. 325; Szmrecsanyl. T. Mudança social e mudança educacional. Faculdade de Filosofia, Universidade de São Paulo, 1968. p. 108 (Boletim n. 340); Schattan, S. Algumas características da agricultura paulista. Agricultura em São Paulo, 7(9):30, 1960.

A transferência do gravame econômico para os trabalhadores se fêz ainda por outras vias. É o caso do regime de trabalho de parceiros, colonos e empreiteiros, equivalentes entre si a este respeito, e largamente utilizado durante muito tempo, até mesmo muito recentemente.17 17 A caracterização destes regimes de trabalho encontra-se detalhadamente em Ettori, J. O. Thomazini. Mão-de-obra na agricultura em São Paulo: categorias, remuneração, legislação. Agricultura em São Paulo, 8(12): 1961.

Desse modo, os empresários conseguiam diminuir o dispêndio monetário, uma vez que parte da subsistência dos trabalhadores, senão toda, era obtida por eles próprios com o trabalho autônomo de familiares não remunerados, e ainda pela razão de que familiares não remunerados auxiliavam os trabalhadores em tarefas subordinadas às empresas. Comparando-se os salários de uma família de colonos de café com prática e outra sem prática com os salários de camarada de enxada fixo e de arador, em 1929, ano de crise da cafeicultura, equivalia o primeiro, respectivamente, a 60% e 100% dos últimos, e o segundo, respectivamente, a 40% e 70% dos últimos. Os salários dos colonos não incluem, aqui, os frutos do trabalho autônomo para obtenção da subsistência; incluem, porém, o trabalho de várias pessoas da família e de eventuais de fora.18 18 Dados de Piza, Marcelo. Conferência na Sociedade Rural Brasileira. São Paulo, 1929; Cardim, Mário. Ensaio de análise dos fatores econômicos e financeiros do estado de São Paulo. São Paulo, 1936.

2.2 A Miséria do Trabalho

Devido a essa transferência de gravames, tornaram-se freqüentes os casos de endividamento progressivo de colonos, parceiros e empreiteiros, desde os inícios da utilização desses sistemas até aos nossos dias. Os documentos históricos, compilados por Sérgio Buarque de Holanda para a sua edição de Memória de um Colono no Brasil, do colono da fazenda de Ibicaba, Tomás Davatz, mostram que a maioria das afirmações de Davatz a respeito daqueles problemas era verdadeira. Na região que estudamos, nos nossos dias, em um caso de colono-empreiteiro de cana-de-açúcar, o endividamento do trabalhador responsável pelo contrato chegou a uma quantia que era superior a uma vez e meia o valor da cana que êle, os membros de sua família e alguns assalariados eventuais conseguiram produzir na safra de 1967/1968. Essa era apenas a dívida com a empresa onde estava empregado. Da quantia, uma quinta parte representava dívidas não saldadas no armazém da empresa, uma quarta parte era devida por serviços que a empresa fizera no corte e transporte da cana, uma terça parte era a parcela devida pelo trabalhador, do imposto de circulação de mercadorias.

Uma particularidade da agricultura comercial, que é setor dependente da economia nacional, é a agricultura de subsistência. Ela não apenas reduz os dispêndios das empresas em dinheiro, com os salários, e torna, por comparação, o empreendimento familial de pequeno tamanho flexível às irracionalidades do sistema, como, de outro lado, torna mais tolerável para os trabalhadores, face às suas aspirações generalizadas de autonomia, a redução absoluta que sofrem regularmente em seus ganhos e níveis de vida. O que quer dizer redução na parte que detêm sobre a divisão do trabalho (e da renda, que é expressão daquela) na sociedade. Tem o efeito, assim, de uma técnica que faz aderir o trabalhador à empresa por via das motivações.

Reduzir o impacto negativo de reajustes provocados por crises conjunturais é outro efeito importante. Permite, assim, dar um emprego alternativo aos fatores da produção, mantendo o nível anterior de ocupação de mão-de-obra, os quais, de outro modo, não encontrariam destinação.

Mas qualquer que seja o caso, tais atividades permitem reduzir (do ponto de vista do empresário, de sua posição no mercado, e dos interesses urbanos) os custos dos empreendimentos agrícolas, embora isto se faça à custa de sacrifício material e moral dos agru-pamentos desfavorecidos de trabalhadores: eles se empobrecem, reduzem ao mínimo sua vida social, e seus relacionamentos sociais se tornam mais estreitos.19 19 Cândido, A. Op. cit.

Estimativas não publicadas, fornecidas por gentileza da Seção de Previsões e Estimativas do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo, davam como ainda significativas as extensões das lavouras de subsistência dos colonos e trabalhadores no ano de 1968, e muito mais ainda no ano de 1966. Em termos de sacas colhidas, sobre o total do Estado para cada cultura, as áreas representavam, em 1964 e 1968, respectivamente, 15% e 9% do feijão, 3% e 3% do arroz, 5% e 1% do milho. Se levar em conta os baixos rendimentos físicos das lavouras dos trabalhadores e o seu cultivo em tempo parcial, a significação dos dados aumenta muito, especialmente com referência ao número de pessoas ocupadas, colonos e camaradas, a quem os dados se referem.

2.3 Relações Comunitárias

As atividades de subsistência, quando se trata de trabalhadores não residentes nos locais de trabalho (e, particularmente, de trabalhadores eventuais), decrescem de importância embora não se percam inteiramente. A modalidade de trabalhadores eventuais requer alta mobilidade geográfica da mão-de-obra, concentrando-se a população em bairros periféricos de algumas cidades e deslocando-se as pessoas constantemente de uma região para outra, de acordo com os ciclos de colheita. Já, porém, no caso de trabalhadores residentes, que não colonos e parceiros, são importantes as atividades de subsistência e suplementam os salários recebidos. É tão arraigada nos costumes esta particularidade que a legislação especial sobre a agricultura canavieira, e também a tributação regulada pelo Estatuto da Terra, a disciplinaram.

Para os grupos familiais de uma vizinhança, essas atividades constituem, em qualquer das modalidades de trabalho apontadas, uma fonte essencial de solidariedades. Elas não são, contudo, a única fonte. Outras necessidades estabelecem e reforçam solidariedades semelhantes: a situação de extrema miséria material dos agrupamentos de trabalhadores, a escassa mobilidade, as reduzidíssimas oportunidades de trabalho - e o outro lado desse círculo vicioso: a falta de qualificação profissional, o analfabetismo, as motivações restritas, a ausência de apoios institucionais à mobilidade ocupacional no meio urbano. Trata-se, visivelmente, de relações estreitas, carregadas de emoções e de considerações pelas pessoas: são vínculos totais (próximos da definição de instituições totais). Observa-se aí idêntica associação que as pesquisas sociológicas têm estabelecido entre, de um lado, ausência de individualização das ações e motivações e não-secularização das normas e valores, e, de outro lado, estruturas pré-industriais extracapitalistas. No caso particular dos grupos estudados nesta pesquisa, associa-se a constituição dessas formações à situação de dependência e marginalidade em que certos segmentos se encontram em uma sociedade de classes. Constitui, em outras palavras, uma decorrência da dinâmica de classes em que o nosso modelo de capitalismo está baseado.20 20 Veja, a propósito da "constituição parcial da configuração capitalista nos subsistemas periféricos", Pereira, Luiz. Trabalho e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, 1965. p. 69-78 e 119-31; Fernandes, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio. 1968. p. 61-90; Furtado. Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio. 1964. p. 146-9; e Ianni, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio. 1968. p. 75-93. Contudo, não se trata dos processos e situações que sujeitam o trabalhador industrial assalariado, pois neste caso não intervêm os processos e situações próprias de pequenas unidades domésticas de trabalho autônomo e de solidariedades sociais estreitas. Nas comunidades estudadas, complementam-se vida estreita e estreiteza do modo de produção.

Tanto nas verbalizações das entrevistas feitas, quanto na observação de atividades dos grupos, verificou-se que é dada muita ênfase à ajuda especial que os compadres se prestam. Os trabalhadores falam de seus compadres com mais carinho do que de seus próprios parentes. Tratando-se de um "parente e amigo que foi escolhido, tem de escolher bem; parente mesmo às vezes é cruz". A escolha é, porém, ditada pelos favores que as pessoas já trocaram. São mecanismos de solidariedade vicinal, com seus apropriados padrões de sociabilidade, que permitem estender às trocas de trabalho entre as diversas unidades domésticas o modo de cooperação inerente a grupos domésticos de produção e vida social. Nesse sentido pode-se afirmar que nos casos estudados a família é o grupo social básico desse subsistema rural. O bairro rural, onde ocorre o casamento pelo rapto, é assim uma unidade maior de troca e produção que tem por base a vizinhança e se fundamenta em vínculos de parentela. As unidades familiais que o compõem realizam conjuntamente definidas modalidades de trabalho autônomo, ou vinculamse a uma mesma e única economia de subsistência.

O mutirão só é compatível com uma ampla liberdade na disposição de tempo e energias das pessoas, por parte dos grupos de vizinhança.

Com a redução dessa liberdade no trabalho, o mutirão foi redefinido institucionalmente, de sorte que a obrigação sagrada de atender à convocação para trabalhos coletivos (preparar roçado, fazer a colheita, carpir a planta, construir paiol ou chiqueiro, erguer uma casa, derrubar o mato, preparar os produtos, abrir um caminho ou conservá-lo) passou em muitos bairros a ser restringida a parentes consanguíneos próximos ou compadres chegados, ou então, ao manter a generalidade antiga, restringiu-se a atividade de curta duração. Neste novo contexto, o casamento assumiu uma relevância nova e especial, na sua qualidade de vínculo sagrado por excelência, para legitimar e regular as relações entre os grupos domésticos. Até mesmo diante do compadrio, que é uma modalidade de parentesco espiritual sagrado (com as mesmas obrigações do parentesco carnal) e por meio do qual as solidariedades se regulavam e se desencadeavam efetivamente: para muitas das pessoas o compadrio perdeu a sua força normativa e a sua eficácia cognitiva (deslegitimação de certos limites das instituições de cooperação estreita).

Ainda se observa o mutirão entre colonos e camaradas da área estudada que recebem pequenos tratos de terra para lavouras autônomas ou que tratam de sítios das empresas. A ajuda recebida é compensada com uma participação na colheita, isto depende tanto dos costumes locais, como da generosidade (valorizada) do dono da lavoura ou dificuldades econômicas que êle enfrenta. Muitas dessas dividas são perdoadas pelo fato de uma colheita ter ido mal ou por causa das más finanças do devedor, e isso não é considerado uma questão de critérios pessoais mas de valores sagrados e mágicos. Se uma pessoa desobserva esses valores, além de ficar mal vista, presume-se que desgraças possam sobrevir para ela, pois não é bom comportar-se desse modo. Como a festa ou simplesmente o almoço caprichado (costume mais recente) não se dão mais, os presentes por ocasião da colheita são considerados um substituto equivalente. Na expressão de um dos entrevistados: "não dão almoço, mas sempre dão alguma coisa para a gente". Em todo caso, o fato de ter ajudado alguém implica expectativa de reciprocidade por parte de quem recebeu, quando solicitado. Esta expectativa é ainda reforçada pela legitimação de valores sagrados e mágicos. Assim se fazem ou se referem a essas práticas por consideração de avaliações tais como: "não é bom fazer o contrário", "não é bom a gente não ter dó de ninguém". Tais mandamentos só têm significação quando se referem aos limites da ajuda mútua. Também na troca de dias de serviço ou na contraprestação de trabalho equivalente, é estranha na área e encontra sanções negativas a orientação para o ganho pessoal, à custa da desvalorização do trabalho alheio ou da desobservância dos preceitos mágico-sagrados.

Esse modo de cooperação não ocorre apenas nas atividades consideradas propriamente econômicas, antes penetra toda a vida das pessoas e dos grupos.

Sob tais condições, o trabalho de pessoas, o que se realiza como troca mercantil ou o que se destina à auto-subsistência diretamente, e a ampla rede de cooperação estreita necessária à sobrevivência constituem-se de situações que agem no sentido de bloquear qualquer modalidade de relacionamento mais amplo e mais rico na sociedade global. São situações que a sociedade global, nos seus processos, apenas atinge superficialmente. Nem a socialização das pessoas, nem o relacionamento delas com o mundo exterior, constituem situações da sociedade global de classes, e por isso não acompanham todas as suas dimensões. Para exemplificar, podemos tomar um caso.

Inquirindo um trabalhador que reclama de várias indenizações contra uma fazenda, verificou um juiz de direito que estava diante de uma "dessas pessoas que encostam nos parentes e deixam o barco correr. Contentavase com o pouco que lhe davam. Em troca, ajudava-os nos serviços que tinham. Não é crivei que, sendo o A. maior e capaz, ficasse longos anos trabalhando para a ré, sem nunca perceber, ajustar ou conhecer seus ganhos."21 21 Reclamação trabalhista no juízo de Capivari, 1968. A parte a condenação moral implícita nessa observação, ela retrata a realidade, embora sem compreender todas as determinações sociais da ação humana.

Foi com a morte do pai, e o distrato posterior da relação de emprego pelo irmão mais velho que nela havia sucedido, apenas quando o grupo familial extenso se desfez, que o trabalhador despencou da segurança que as solidariedades tradicionais lhe davam. Oesde que formulara a hipótese de que dependia a sua existência da tutela de outros e da cooperação estreita com pessoas que a êle estavam ligadas por relações primárias, personalizadas, envolvendo por igual todas as suas motivações e reforçadas por sentimentos acanhados, o mundo exterior lhe era integralmente alheio. No entanto, pela razão dos processos da sociedade de classes atingirem apenas superficialmente a vida social de uma pessoa nessa situação, aquela hipótese, normativa em um nível e legitimadora em outro, era amplamente confirmada na vida material, pela divisão natural do trabalho na economia de subsistência, e na vida cultural, pelas solidariedades e valores estreitos. A vida material daquele trabalhador comportava aquelas tabulações, não outras. Enquanto a sociedade de classes determinasse apenas pela periferia as condições materiais do trabalho humano nos grupos domésticos, não os penetrando radicalmente, estimularia formações extracapitalistas de efetivação do trabalho, embora permanecesse a dominação geral capitalista sobre as condições de realização do trabalho como mercadoria. Pode-se destacar, na vida do grupo doméstico a que o trabalhador pertenceu, dois momentos, um de situação na estrutura de classes, outro de oposição comunitária a ela - ambos igualmente essenciais, mesmo quando se trate de relações de emprego na cultura comercial da empresa (quando a relação de dependência ao capital e à administração alheia é direta). Ainda neste caso da relação de emprego na cultura comercial da empresa, os processos da sociedade de classes apanham as pessoas variavelmente, e a estrutura extracapitalista da cooperação no trabalho se faz presente.

Em resumo,- podemos afirmar que a estrutura social desse subsistema é assimétrica e rígida. Assimétrica porque existem barreiras efetivas à comunicação entre os distintos estratos (e as formações de classes que lhe são subjacentes). Sentimentos arraigados de dependência e submissão, ideologias da sucessão, qualidade estamental (natureza integralmente inferior ou superior dos seres) dos mecanismos de internalização de atitudes e níveis de aspiração, são componentes da situação dos grupos desfavorecidos; e também rígida, porque impermeável aos processos de mudança da sociedade global. Oêsse modo, podemos definir a situação dos grupos desfavorecidos como de marginalidade e isolamento.

3. As funções sociais do casamento pelo rapto na crise econômica e social

3.1 A Amplitude da Instituição do Casamento

Nos bairros rurais e nas fazendas da área estudada, é amplamente verificável a existência de grupos difusos e indiscriminados, como a família extensa, orientando e situando as pessoas. Nenhuma distinção de função e estrutura, nenhuma especificidade de relações sociais22 22 Rosen, B. C. & Berlink, M. T. Op. Cit. p. 78 se associou às mudanças ocorridas ao nível da propriedade e da administração da empresa agrícola, da intervenção estatal nas relações de trabalho, da constituição de movimentos de associação sindical, das lutas pela democratização da sociedade. As populações de trabalhadores nas localidades estudadas estavam reproduzindo invariavelmente a sua existência tradicional.

A constituição da família, nessa situação, tem significado especial para as pessoas. O fato de a família constituir-se, na área, entre os trabalhadores rurais de que estamos tratando, de um grupo extenso e indiscriminado, reunindo várias gerações e várias extensões de parentesco, as quais vivem praticamente sob o mssmo teto e em muitas questões decisivas prestando obediência a uma mesma autoridade paterna, torna-a um fator importante. Em tudo isso está incluído o uso em comum do patrimônio e mesmo, a certos respeitos, um orçamento comum. Onde a autoridade é exercida com maior vigor é nas relações do subgrupo familial com outros sub grupos e com a empresa.

É primariamente econômica a cooperação entre os subgrupos familiais: associação nas lavouras de subsistência e mesmo na lavoura comercial, redistribuição de crédito pessoal através de repasses ou de escambo de bens e serviços obtidos com crédito pessoal. A cooperação direta entre esses trabalhadores, isto é, aquela não mediatizada pelo cálculo econômico rigoroso, reduz a interferência de interesses individuais, diferenciados e estruturados de acordo com perspectivas de acumulação e especialização de funções econômicas polarizadas em torno de lucros e salários. Essas perspectivas não estão ausentes, pois se trata de pessoas que desempenham papéis em uma economia de mercado capitalista, seja como produtores independentes, seja como assalariados. Tais processos são no entanto contrariados, porque se atualizam através de modalidades de cooperação familial e vicinal direta. Observe-se, contudo, que se de um lado esses processos se contrariam mutuamente, por outro, eles se acham unificados e tendem à identidade por meio dos significados subjetivos da ação, pois é um dado que a ação humana habitual tende a estruturar-se com base em propósitos conscientes unificados, os quais se objetivam socialmente como cooperação propositada de vários, não importando a distância e mesmo a total contrariedade que eventualmente exista entre os propósitos conscientes e a falta de consciência de aspectos fundamentais da ação.

Verificamos, nas localidades estudadas, que o casamento entre famílias de trabalhadores rurais é, em si mesmo, uma modalidade de cooperação econômica regulada por normas. Em termos de encargos recíprocos, estes são maiores para a família da mulher, justamente porque ela é considerada mais como uma carga que uma fonte de riqueza e segurança para o subgrupo. A figuração cultural da mulher é, por isso, a de ser bruto, infra-humano, incapaz de várias responsabilidades sociais, relegada assim à submissão e à tutela do homem e destinada aos fundos da casa.23 23 Nunca é demais ressaltar que aqui estamos referindo-nos apenas a certa camada da população trabalhadora, conforme já definimos. U'a mãe, cujo filho casara recentemente, verbalizou, na entrevista, aquela imagem cultural nestes termos: "Mulher é que encalha, não o homem", "mulher não presta para nada". Mas, além de ser uma instituição ampla, ligada a muitas funções concretas, o casamento é também - e talvez na sua acepção mais decisiva - uma forma de legitimação religiosa e sagrada, devido - na área estudada - ao seu caráter de sacramento católico. Nessa qualidade, êle empresta validade cognitiva e imperativa de normatividade às práticas, vigentes nos grupos de vizinhos, relativas à associação, cooperação e intercâmbio em geral (inclusive o competitivo). Através da reflexão coletiva que se fixou e se transmite habitualmente através do patrimônio cultural tradicionalista, quer se trate daquele particular dos grupos locais, quer se trate do comum subsistema rural da região, as valorações legitimadoras do casamento buscam explicitar fenômenos da vida quotidiana e a eles sobrepor uma identidade ontológica universal. Marginais como se encontram essas pessoas, por referência aos processos diferenciadores da sociedade global, as relações entre elas, entre os subgrupos e entre os subsistemas, identificam-se em um momento, e em outro se opõem ao conteúdo sagrado da cultura tradicionalista da região e dos grupos locais.

O casamento, desse modo, tem vários efeitos controladores e disparadores sobre a cooperação grupai e o intercâmbio em geral. Através das expectativas ligadas ao casamento, controlam-se os comportamentos dos imaturos (obediência à escolha ou aprovação paterna), solidarizam-se de um modo previsto e estável os membros de um subsistema familial e outro, reforçam-se os laços estabelecidos na vida prática, estabelece-se a coerência entre os padrões de comportamento através dos significados subjetivos, pela referência ao valor último e mais alto da sacraticidade mágico-religiosa. Entrecruzam-se, no aspecto mágicoreligioso do casamento, os vários mandamentos que regulam ou explicam o compadresco, a ajuda mútua e o próprio casamento, enquanto instituição social. Os padrinhos têm de ser escolhidos entre personagens determinados (os padrinhos do batismo ou pessoas a quem os pais devem algum favor com referência à afirmação do status familial); e o apadrinhamento por sua vez implica deveres e direitos definidos (dar e receber auxílio e deferência especiais). Se com respeito aos demais convidados às cerimônias do casamento não se distinguem obrigações e direitos assim definidos, é do consenso, no entanto, que ser convidado representa uma deferência muito especial prestada pelas famílias dos noivos, uma prova de amizade, e, por isso, um conjunto de expectativas de reciprocidades sagradas de mútuo atendimento, as quais estão particularizadas em outras e distintas instituições.

O status-prestígio das famílias dentro dos grupos locais estudados dependia da capacidade que cada família possuía de controlar o intercâmbio interfamilial das pessoas em idade de casar, e fazer observar os símbolos culturais das obrigações entre as famílias. Além disso, dependia, e fundamentalmente, da capacidade de serem bem sucedidas as famílias na competição interfamilial por prestígio. A competição estava determinada na área por diferenças de poder e prosperidade econômica de cada família e, dal, pela extensão de relações de solidariedade vicinal que cada família conseguia dominar, diferencialmente. Neste particular, o casamento assume importância crucial nas representações grupais, porque nas instituições do casamento desencadeiam-se ou simbolizam-se todos esses aspectos do status-prestígio familial. Primeiramente, as questões da escolha do futuro marido pela família e a adesão da futura esposa ao papel que lhe é assim atribuído são questões nas quais se fixa o prestígio de uma família no bairro, determinando as suas relações de solidariedade. Em segundo lugar, a deferência para com os vizinhos e a solicitação do beneplácito destes constituem outros aspectos importantes para reforçar o prestígio e a possibilidade de futuras relações de solidariedade. Em terceiro lugar, tais decisões devem ser tomadas de modo a realçarem a importância do acontecimento, o prestígio e a imagem de prosperidade da família dos noivos.

A cerimônia do casamento requer, por isso, entre esse tipo de famílias trabalhadoras, uma ostentação de relativa largueza. Nas entrevistas e na observação pessoal ficou claro que a noiva tem a obrigação de ir apetrechada com suficiência. Isso porque vai passar a viver em casa alheia e não lhe assenta bem nem à sua família estar na condição de pedir, sem retribuição virtual. A família da noiva está na obrigação de fornecer completo enxoval, pois a moça mudando-se de casa não deverá usar o que não é seu. A posição totalmente secundária e marginalizada da mulher em relação à cooperação nesses grupos torna-se muitas vezes insuportável para ela e daí a relutância em casar cedo para continuar gozando da afeição e amparo que os sentimentos prescrevem entre pais e filhos nos subgrupos familiais. A festa de casamento tem uma grande importância tanto para a família da noiva que a dá, como para os padrinhos que auxiliam e os demais parentes e compadres da família obrigada. A festa fornece uma imagem institucional de sucesso da família na competição por status-prestígio, de prosperidade, e de extensão das relações de amizade (e prestígio) que ela domina, e também da deferência que ela pode prestar aos amigos da casa, ligados a ela por vínculos de solidariedade vicinal. Um entrevistado afirmou mesmo que dar festa é sagrado. A família que não cumpre essa obrigação passa por vergonha e desonra. Idênticos sentimentos verificamos também em relação ao fornecimento de enxoval e vestido de noiva na cerimônia religiosa.

3.2 A Seleção Social nos Grupos de Pares e a Tensão de Desigualdade

Era patrilocal a modalidade de casamento ditada pelas normas entre as famílias pesquisadas. Também patrilocal era a modalidade mais freqüente de casamento rural na área. Por via dessa modalidade, consolidam-se e crescem as famílias extensas que têm um número maior de filhos, do sexo masculino, e decrescem até fenecer as famílias em situação contrária. Essa modalidade de residência do novo casal tem implicações com a herança de patrimônio em uma família extensa; daí existir uma regra estabelecida de preferência masculina para a herança. Os filhos do sexo masculino são aquinhoados com aquilo que constitui da riqueza da família o mais valioso e essencial, que deverá permanecer em poder do núcleo da família, este núcleo é que perpetua, como grupo com identidade social e como instrumento de aglutinação e existência social, a família nos descendentes. Nas fabulações das pessoas, observamos essa imagem cultural, associada a determinados membros masculinos adultos da família, como depositários do sfafus-prestígio familial.24 24 Maria Isaura Pereira de Queiroz observou a existência dessa regra de preferência masculina na herança, em um bairro rural do municipio de Leme, São Paulo. Cf. Bairros rurais paulistas. Op. cit. p. 99.

Essas observações indicam que os grupos de vizinhança da área estudada estavam próximos do que se denominam grupos de pares, e que a relativa igualdade e ausência de estratificação acentuada no interior dos bairros tinha por determinante alguma espécie de seleção social. Verificamos um caso raro na área: o casamento matrilocal; a mãe do rapaz que casara (para beneficiar-se de um status na família da noiva, que gozava de posição mais alta) queixava-se amargamente, tendo em vista que o filho constituía o único apoio na obtenção da subsistência e no desencadeamento de solidariedades vicinais e de parentela extensa, e portanto de seleção social.

A competição por status e seletividade na composição dos pares pode ser tomada como indicadora de uma relação de contrariedade nos processos sociais que ocorrem no interior dos bairros pesquisados. De urna parte, as relações sociais eram presididas por critérios de natureza extra-econômica, e estes critérios tendiam a institucionalizar-se, na medida em que os valores últimos, apoiados na concepção de que a tradição é, acima de tudo, sagrada, legitimavam a ordem social daquele modo construída. Mas, de outro lado, em alguma medida, os processos sociais da ordem competitiva da sociedade global baseada na desigualdade e na hierarquia e os imperativos puramente económicos, resultantes da situação dos grupos familiais no mercado, perturbavam a integridade daquelas relações sociais. Verificou-se, pelas entrevistas, que, nos períodos de expansão econômica da agricultura local (sob o modelo tradicional), os processos externos à dinâmica dos grupos locais tendiam a obscurecer os processos internos, justamente naquelas famílias que se beneficiaram mais da expansão. Isto deve ser creditado ao fato de a economia de subsistência perder importância com a monetarização da economia agrícola conseqüente da expansão econômica local.

Por baixo da superestrutura legitimadora constata-se a permanência da tensão entre componentes contraditórios da vida grupal. As obrigações tradicionais, nessas situações propícias, figuram, diante das aspirações contrárias dos indivíduos, como um fardo que contraria os projetos de mobilidade individual ou familial. Quando as condições concretas o facilitaram e se eles não as enfrentaram abertamente, deixaram de observá-las pela inércia. Quando o permitiram a situação de comercialização de um produto ou o número de componentes aptos ao trabalho em uma família, os indivíduos valeram-se tanto do trabalho assalariado como o da própria família com o fito de preterir a cooperação vicinal, que se afigurava economicamente onerosa, para os propósitos de mobilidade do indivíduo ou da família. Então, a economia de subsistência, que estimula uma vida grupai (sob modalidades tradicionais, no bairro) mais intensa, refluiu, cedendo lugar a formas de individualização próprias da organização de produtores independentes prósperos. No estado de retração econômica da agricultura local, ao contrário, as solidariedades tradicionais reforçaram-se como se fossem a única maneira viável de mútuo amparo institucional para esses tipos de trabalhadores.

3.3 0 Casamento pelo Rapto: Uma Resposta à Situação de Crise

É justamente nas épocas de retração econômica da agricultura local que a realização do casamento em acordo com as normas tradicionais adquire maior importância; mas também depara com maiores dificuldades. As condições de vida e de trabalho da população desfavorecida, no meio rural da área estudada, sempre foram e ainda continuam sendo, de modo geral, bastante precárias.

Dados estatísticos do Departamento Estadual do Trabalho, do recenseamento agrícola de 1934, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e da Divisão de Economia Rural da Secretaria da Agricultura, referentes aos períodos de 1912/1925, 1933/1934 e aos anos 1955, 1958 e 1960, indicam uma queda acentuada dos salários (deflacionados) de todas as categorias de trabalhadores agrícolas a partir de 1915/1916. Infelizmente, não há dados estatísticos para o período 1926/1932. No entanto, o nível da inflação foi superior ao de 1925 no período 1926/1929 e manteve-se igual ao de 1924 no período 1930/1933, em virtude da taxa de inflação ter declinado nos anos de crise.25 25 Cf. Baer, Werner. A inflação e o desenvolvimento económico do Brasil. Rio, 1966. p. 310-1. Os salários devem ter sido baixos, por isso, entre 1926/1932, relativamente aos anos anteriores a 1915. As reduções maiores deram-se nos pagamentos de colheita do café e de diária de serviços de trabalhadores avulsos no cafezal. Nessas duas categorias as reduções foram de 50% aproximadamente. Nas categorias de trato anual do cafezal e de mensalidade de serviços de camarada no cafezal, alcançaram 37% no primeiro caso e 39% no segundo. Se puder ser sustentada a hipótese de que no período 1926/ 1932 as reduções foram maiores, a vida dos trabalhadores da região nessa época teria sido insuportável, especialmente se se levar em consideração as aspirações generalizadas de poupança e de independência económica entre eles. Os anos em que ocorreram as mais acentuadas reduções foram 1918, 1922/1923 e 1925 e possivelmente 1926/1927, para a categoria de trato anual de cafeeiros; 1916/1917, 1919/1921 e 1925, e possivelmente 1926/1932, para a categoria de colheita de café; 1917, 1921/1922, 1924, e possivelmente o período 1926/1932, para a categoria de camarada mensalista; e a partir de 1914, para a categoria de camarada diarista. Deve-se salientar que no caso de camarada mensalista á redução não deve ter sido indicada, pois os dados para os dois primeiros anos da série referem-se ao estado e são aparentemente superiores aos salários vigentes na região; e a redução indicada, por isso, deve ter sido ligeiramente inferior. Para as categorias de mensalidade de camarada e diária de camarada e volante, existem dados entre 1955 e 1960, e estes indicam que para as diárias a redução salarial continuou também nesse período recente, havendo ligeira alta apenas para as mensalidades. Comparando-se os dados desse período com os salários mínimos oficiais vigentes, verifica-se que aqueles salários representavam tão-sòmente uma parcela do salário mínimo oficial da região, variando de 52 a 66% para os mensalistas, de 41 a 59%, para os diaristas, e de 86 a 75% para os volantes.

Além desse empobrecimento absoluto que os dados indicam, os trabalhadores rurais sofreram um empobrecimento relativo. Este é devido a mudanças qualitativas na estrutura de necessidades da população trabalhadora como conseqüência da expansão econômica e da industrialização. Às necessidades antigas somaram-se novas, que só podiam ser satisfeitas através da posse de dinheiro; e algumas das necessidades antigas foram substituídas pelas de nova natureza. Em conseqüência, muitas das velhas práticas artesanais de satisfação de necessidades desapareceram ou se tornaram inconvenientes. A modernização da infra-estrutura econômica no meio rural, conseqüência da expansão canavieira em moldes agro-industriais, tornou possível e estimulou essas mudanças, com os resultados apontados.

É, pois, justamente nas épocas de retração econômica que o reforço às práticas de solidariedades tradicionais se torna mais significativo e é dificultada a realização do casamento segundo as normas tradicionais. Não era apenas da parte dos pais dos noivos a dificuldade de atender convenientemente, em termos práticos, às obrigações (especialmente da noiva, como já vimos), mas também das pessoas do grupo de vizinhança, em posição de receberem a incumbência de apadrinhamento dos noivos. Vimos que essa incumbência constitui uma deferência para com vizinhos certos, e implica participação nas despesas havidas com a cerimônia e no brilho do casamento, por meio dos quais se selecionam socialmente os grupos de pares e se estabelece a extensão das solidariedades. Por isso, a incumbência interfere nos status dos padrinhos e no grupo todo, que se constitui. Escolher, ou comunicar a certas pessoas (segundo as regras de preferência) que serão pedrinhos, pode tornar-se em mais um impedimento à realização de um casamento com prazo marcado. A salda parainstitucional face à inadimplemência das regras é o rapto da noiva. Os depoimentos são conclusivos. Um exemplo típico é este: "Faz mais de ano que eu disse a êle que aceitava o namoro; depois aceitei o pedido de noivado... não realizei logo devido faltar os meios" (pai da noiva); "Pediu em casamento logo que comecei a namorar, minha família não cuidou logo do casamento, então convidou para fugir, para casar fugido" (noiva). Outro exemplo: "A filha queria o casamento logo, eu dizia que primeiro precisava vender o café (recebido como pagamento de salário em espécie), não era contra" (pai); "Tem dois anos que namorava, ficou combinado que logo casaria (noivado)", resolveram fugir porque "o pai, sem motivo, começou a fazer oposição" (noiva). Em outro caso, êle, com 21 anos, e ela com 18, namoravam há tempos. Êle era aceito pela família da namorada, tanto que freqüentava a casa dela. Pediu-a pela primeira vez em casamento (noivado), o pai esquivou-se de dar uma resposta; depois ouviu dizer que êle não se opunha; pediu-a segunda vez, não foi atendido; finalmente, ao terceiro pedido, que fêz em vista de a mãe da moça afiançar-lhe que o pai queria o casamento, passou a ser maltratado. Quanto ao pai da noiva, também entrevistado, informou que ficara bastante surpreso com a fuga dos jovens, sem saber por que -razão o haviam feito, visto que êle queria o casamento. A saída do rapto dá solução ao impasse, uma vez que desobriga os pais da noiva de darem a festa, de fornecerem o enxoval e de arcarem com as despesas de igreja e cartório, pois estes se transferem para a alçada da nova família a que a jovem se agregou.

Naqueles períodos em que mais duramente os efeitos das irracionalidades do sistema foram acumulados sobre a população trabalhadora (e especialmente nos interessa aqui o caso daqueles tipos de trabalhadores a quem estamos referindo neste artigo), os casamentos pelo rapto tornaram-se mais freqüentes do que em outras ocasiões.

Devido a uma mudança nas práticas de registro dos casamentos por rapto, os dados estatísticos, a partir de 1953, tornaram-se precários; foram por isso desprezados. Para o ano de 1969, no entanto, conseguimos fazer uma reconstituição aparentemente fidedigna em uma das localidades estudadas, tomandose por base o registro mnemónico das particularidades desse tipo de casamento, por parte de dois funcionários do cartório local. Todos esses dados estatísticos foram obtidos nos arquivos dos cartórios de registro civil das três localidades.

Pela inspeção nos dados do quadro 2, que focaliza os anos em que os casamentos pelo rapto eram mais freqüentes nas três localidades, podemos ver um aumento progressivo dessa ocorrência a partir de 1920 até atingir 1932, e uma queda sensível a partir de 1933, novamente, e de maneira acentuada, em 1969. Os anos em que mais decresceu o número desses casamentos foram 1916, 1921, 1939, 1945, 1950, e provavelmente toda a década de 1950.


Comparando-se os quadros 1 e 2 e levando-se em conta outros dados sobre a evolução da economia, verifica-se que o número de casamentos pelo rapto aumentou em relação direta com os decréscimos aos salários agrícolas em geral, e que no ano de 1969 o aumento de raptos deve estar ligado às diminuições de salários e de oportunidades de empregos decorrentes de mudanças na organização econômica das empresas agro-industriais açucareiras, tais como: deslocamento das resistências da maioria dos trabalhadores para fora dos limites das propriedades das empresas, acabando praticamente com o regime de colonato em suas terras; redução sensível da cessão de terras para as atividades de subsistência dos empregados; emprego de número menor de camaradas fixos e a utilização maior de mão-de-obra apenas em épocas de colheita. O decréscimo do número de raptos no período após-guerra e na década de 1950 se deve provavelmente à expansão econômica desses anos. Isto parece ser particularmente verdadeiro no caso dos sitiantes, cujas dificuldades econômicas foram certamente maiores a partir de 1928, com a queda geral dos preços, que só se recuperaram de modo compensador em 1936 e daí para frente apenas experimentaram pequenos acréscimos até o ano de 1941, com exceção do ano de 1937.26 26 As alterações nos preços foram as seguintes: 1924: 17%; 1925: 7%; 1928: -2%; 1930: -9%; 1934: 8%; 1936: 15%; 1939: 3%; 1940: 6%: 1941: 16%. O (ndice é o geral de preços por atacado da Fundação Getúlio Vargas, dados transcritos por Simonsen, Mário Henrique. Brasil 2001. Rio, 1969. p. 314. Porém, deve ser também verdadeiro no caso das demais categorias de trabalhadores, para as quais o salário em espécie é relevante na composição do salário total. Nesses casos, as sobras da subsistência que se poderiam destinar ao mercado perderam valor ou se tornaram até mesmo onerosas para seus possuidores, especialmente nos anos de crise. Os dados sobre salários, para a área estudada, vão infelizmente apenas até o ano de 1924. Observa-se, porém, nos dois períodos iniciais considerados, uma queda bastante acentuada nos salários percebidos na área, em comparação com todo o estado. No caso do salário anual do colono, ao aumento verificado no estado corresponde um sensível decréscimo na região estudada.


Pode-se, em resumo, afirmar que os dados expostos não afastam nossa hipótese a respeito da relação entre organização do trabalho, organização da família e meios de vida, nas categorias consideradas da população trabalhadora.

4. Conclusões

A discussão que desenvolvemos até aqui permite agora tirar algumas conclusões a respeito da solução do problema agrário brasileiro. Essa discussão contraria algumas das afirmações a respeito da evolução das relações de trabalho na agricultura que descartam o problema da posse da terra pelos trabalhadores. Verificamos que, no estágio de desenvolvimento particular da agricultura em uma sociedade de classes como a nossa, o pequeno empreendimento familial (inclusive as formas híbridas de salariado), repartido entre as atividades para a auto-subsistência e o mercado, é O que absorve as irracionalidades do sistema. As contradições verificáveis nesse modo de organização do trabalho poderiam atingir um estágio mais elevado que, no momento, se encontra apenas em estado latente.

A sociedade de classes no Brasil não tem incorporado aos seus processos nucleares determinados contingentes da. população. Assim, êsses se encontram em uma situação de disponibilidade diante de processos contraditórios, os quais sob certas condições dão origem ao que se pode chamar de coletivismo tradicional. Não obstante, tal disponibilidade tem sido canalizada, até hoje, com fins próprios, alheios aos interesses da população marginalizada, pelas forças políticas e econômicas, para o paternalismo e o conformismo fatalista.27 27 Cf. Soares, Gláucio A. D. Brasil: a politica do desenvolvimento desigual. Revista brasileira de estudos políticos, 22: esp. p. 52-6, 1967. Também a pesquisa de Juarez R. B. Lopes nas fábricas de duas cidadezinhas do interior de Minas Gerais. A crise do Brasil arcaico. São Paulo, 1967.

Desse modo, constituíram-se comportamentos estranhos aos processos sociais do núcleo dinâmico da sociedade inclusiva de classes, em virtude das possibilidades de se refazerem, a qualquer título, precário que seja, os padrões de organização social de grupos extensos, baseados em atividades de subsistência e em solidariedades estreitas. Não podem os processos sociais comunitários, a configuração de comunidade cabocla e os mecanismos legitimadores para sua sustentação (ao nível dos significados dos agentes) ser adequadamente explicados se são tomados como reminiscências de padrões de denominação feudal ou senhorial. Devem ser tomados como modalidades de ajustamento de grupos, em termos de respostas defensivas contra condições opressivas de existência, dentro da dinâmica de classes. São, no entanto, essas mesmas condições que condenam as respostas coletivas ao localismo que as caracteriza, e às estreitezas várias que, como vimos, se associam a essa característica. Na área estudada, os empresários tem-se aproveitado da existência desses processos para manipular o comportamento dos trabalhadores agrícolas, usando técnicas sociais adequadas: preferências na escolha de novos empregados e na promoção de cargos conferida a empregados antigos; favores pessoais vários, visando a premiar a fidelidade à empresa; cessão de terras para lavouras de subsistência a parentelas extensas com vínculos antigos com a empresa. Diante da situação de marginalidade e das perspectivas abertas para atividades econômicas artesanais e de auto-subsistência, o modo encontrado pelas pessoas e grupos desfavorecidos para fazer face ao universo valorativo estranho de mercadorias, de mobilidade, de racionalidades e de secularizações, foi o de tomar o universo valorativo mágico de solidariedades estreitas, de imobilidades, de pré-racionalidades, de sacraticidades, que não apenas enfrentasse o outro universo, mas ainda, e primordialmente, garantisse apoio à sobrevivência, direcionando a organização dos comportamentos e atividades para o aproveitamento das oportunidades abertas à auto-subsistência e à cooperação estreita. Isso equivale a afirmar que os sentidos da evolução que os sistemas de valores e de ações dos agrupamentos desfavorecidos podem ter dependem das condições conjunturais de interação entre os grupos dominantes e os desfavorecidos; e que as condições estruturais só abrem uma gama de possibilidades que se pode prever e delimitar.

São quatro as verificações teóricas mais importantes desta reconstrução sociológica que se fêz com o fenômeno do casamento pelo rapto, em área rural escolhida, verificações essas que se ligam à problemática acima. A primeira confirma a hipótese de Bernard Rosen e Manoel Berlinck: o "processo de modernização não é homogêneo, mas, pelo contrário, irregular e desigual em seus efeitos estruturais".28 28 Op. cit, p. 94. Da exposição feita dos dados obtidos na pesquisa, pode-se concluir que a formação histórico-social capitalista de classes que se implantou na agricultura mais desenvolvida do país - e da qual a área escolhida pode ser tomada como representativa - não pode ser considerada como um sistema independente do processo de descolonização global e de formação de uma economia nacional que envolve todo o país. Conseqüentemente, além das contradições conjunturais próprias dessa agricultura capitalista, somam-se à dinâmica contradições estruturais inerentes ao papel que lhe foi atribuído - politicamente - em um sistema econômico mais incluso. Tais processos impedem que a modernização se espraie homogéneamente a todos os setores da existência dos grupos envolvidos. Ou, então, em outros termos, eles estimulam em todo o caso um tipo de modernização econômica e administrativa ao nível da empresa agrícola, que dá apoio a processos de dominação oligárquica e de exploração econômica com custos excessivos e nenhuma participação nos benefícios por parte dos trabalhadores.

A segunda conclusão que se pode tirar é a de que tais contradições e as conseqüentes tensões sociais têm sido absorvidas desproporcionalmente pela população de famílias trabalhadoras. A criação de excedentes de capacidade produtiva e de mão-de-obra no Brasil, pela expansão de uma economia nacional, se tem feito com a transferência das irracionalidades, implicadas nesse processo, para a agricultura. Foi complexo rural a designação que Inácio Rangel deu ao mecanismo pelo qual o setor primário e as próprias empresas agrícolas absorviam a capacidade ociosa da economia, derivando-a para o setor de subsistência.29 29 Introdução ao estudo do desenvolvimento econômico brasileiro. Salvador, 1957. Outro economista, Paul Singer, observou que carece dar mais atenção, do que a que se tem dado, às classes conjunturais do sistema econômico brasileiro, em oposição às crises estruturais, para se compreender os mecanismos que estão permitindo dar destinação às capacidades ociosas de trabalho e capital, e assim poder modificar os impasses criados pelas crises conjunturais.30 30 Singer. P. Ciclos de conjuntura em economias subdesenvolvidas. Revista civilização brasileira, 2: 97-111, 1965.

A terceira conclusão a ser tirada é a de que as formas de trabalho, que têm sido denominadas de pré-capitalistas ou extracapitalistas, não constituem uma excrescência no sistema capitalista brasileiro, mas fazem parte de sua dinâmica contraditória; mais precisamente, são uma de suas expressões. Se o regime capitalista deve consolidar-se no país, uma política de reforma agrária tornaria viável a absorção de todas essas irracionalidades, e especialmente a do excedente de mão-de-obra, ao qual as mais recentes tendências na agricultura não têm permitido dar destinação. Como conseqüência mais importante, permitiria desenvolver, na agricultura, uma nova classe empresarial - a do estrato médio do empresariado. Essa política seria o fator para fazer constituir ou expandir, na agricultura, processos que, nos primeiros estágios da industrialização, constituíram fatores de propulsão.

A quarta conclusão é a de que a vivência dessas modalidades de trabalho tem efeitos notáveis para as aspirações e a organização social de vida das famílias de trabalhadores, na situação de dependência e marginalidade em que as categorias de que estamos tratando se encontram. Na ausência (e na impossibilidade) de instituições que estruturem sua participação na sociedade global, as manifestações de seus problemas são marginais a essa sociedade. Esses efeitos se observam tanto no meio rural como no urbano, mas de maneira mais acentuada no meio rural. No urbano, apenas alguns deles são conhecidos. Assim, podemos dizer que o casamento pelo rapto é um fenômeno propriamente rural, pois é na agricultura que existem as condições materiais e morais que se ligam a êle. Porém, no meio urbano, onde essas condições estão presentes, existe também a probabilidade de aí ocorrer o fenômeno.

  • 2 Talcott Parsons e Louis Wirth, entre outros, citados em Rosen, B. C. & Berlinck, M. T. Modernizaron and family structure In the región of São Paulo, Brazil. América Latina, 11(3):75-7. 1968.
  • 3Politica y sociedad en una época de transición. Buenos Aires, Paidos, s. d. p. 87-91.
  • 4Economia y sociedade, t. 1, p. 33.
  • 5Economia y sociedade, t. 1, p. 92.
  • 7 Urbanización sin desintegración. Kahl. J. A. (org.) Industrialización en América Latina. México, 1965. p. 461-7.
  • 8 Mintz, Sidney W. The folk-urban continuum and the rural proletarian community. The american journal of soclology, n. 59, 1953, p. 139.
  • 9 Dados sobre tais expectativas entre trabalhadores agrícolas e a sua frustração na ação empresarial encontram-se, por exemplo, em Comitê Interamericano do Desenvolvimento Agrícola. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconómico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966;
  • Cardoso, Fernando Henrique. Tensões Sociais no Campo e Reforma Agrária. Revista brasileira de estudos políticos, (12): 1961.
  • 10 o estudo sociológico de comunidades. Revista de antropologia, 11(1 e 2):33, 1963.
  • 11Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio, 1988. p. 65.
  • 12 Pereira de Queiroz, Maria Isaura. Bairros rurais paulistas. Revista do Museu Paulista, N. S. (17): 134, 135, 165, 189, 201, 1967.
  • 13 Demonstrou-o a pesquisa de Martins, José de Souza. Modernização agrária e industrialização no Brasil. América Latina, 12(2):8-9, 1969.
  • 14 Vários aspectos da relação de intercâmbio já foram estudados entre nós. As pesquisas que mostram a rentabilidade negativa das empresas são as de William H. Nicholls e Rubens M. Paiva, Octávio Teixeira Mendes Sobrinho e Vicente Unzer de Almeida. Cf. Junqueira, P. C et al. Comercialização de produtos agrícolas no estado de São Paulo. Agricultura em São Paulo, 15(1-2), 1968;
  • Monbeig. P. Novos estudos de geografia humana brasileira. São Paulo, 1957;
  • Netto, A. Delfim. Problemas econômicos da agricultura paulista. São Paulo, 1964;
  • Queiroz, M. i. P. de. Bairros rurais paulistas. Op. cit.; Gnaccarini. J. O A. Formação da empresa e relações de trabalho no Brasil rural. São Paulo, 1966, (MS);
  • Nicholls, W. H. & Paiva, R. M., citado em Martins, J. S. Op. cit.; Mendes Sobrinho, O. T. Condições de vida do pequeno agricultor no município de Lins. Boletim da agricultura, 1953;
  • Almeida, V. U. Condições de vida do pequeno agricultor no município de Registro. São Paulo, 1956.
  • 15 Rangel, I. M. A inflação brasileira. Rio, 1963, p. 91-93.
  • 16 Dados citados, respectivamente, em Comitê lnteramericano do Desenvolvimento Agrícola. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966. p. 325; Szmrecsanyl. T. Mudança social e mudança educacional. Faculdade de Filosofia, Universidade de São Paulo, 1968. p. 108 (Boletim n. 340);
  • Schattan, S. Algumas características da agricultura paulista. Agricultura em São Paulo, 7(9):30, 1960.
  • 17 A caracterização destes regimes de trabalho encontra-se detalhadamente em Ettori, J. O. Thomazini. Mão-de-obra na agricultura em São Paulo: categorias, remuneração, legislação. Agricultura em São Paulo, 8(12): 1961.
  • 18 Dados de Piza, Marcelo. Conferência na Sociedade Rural Brasileira. São Paulo, 1929;
  • Cardim, Mário. Ensaio de análise dos fatores econômicos e financeiros do estado de São Paulo. São Paulo, 1936.
  • 20 Veja, a propósito da "constituição parcial da configuração capitalista nos subsistemas periféricos", Pereira, Luiz. Trabalho e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, 1965. p. 69-78 e 119-31;
  • Fernandes, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio. 1968. p. 61-90;
  • Furtado. Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio. 1964. p. 146-9;
  • e Ianni, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio. 1968. p. 75-93.
  • 29Introdução ao estudo do desenvolvimento econômico brasileiro. Salvador, 1957.
  • 30 Singer. P. Ciclos de conjuntura em economias subdesenvolvidas. Revista civilização brasileira, 2: 97-111, 1965.
  • 1
    O estudo clássico neste tema é a bela obra de Antônio Cândido.
    Os parceiros do Rio Bonito (Estudo sobre o Caipira Paulista e a Transformação dos seus Meios de Vida.) Rio. 1964.
  • 2
    Talcott Parsons e Louis Wirth, entre outros, citados em Rosen, B. C. & Berlinck, M. T. Modernizaron and family structure In the región of São Paulo, Brazil.
    América Latina, 11(3):75-7. 1968.
  • 3
    Politica y sociedad en una época de transición. Buenos Aires, Paidos, s. d. p. 87-91.
  • 4
    Economia y sociedade, t. 1, p. 33.
  • 5
    Economia y sociedade, t. 1, p. 92.
  • 6
    Op. Cit.
  • 7
    Urbanización sin desintegración. Kahl. J. A. (org.)
    Industrialización en América Latina. México, 1965. p. 461-7.
  • 8
    Mintz, Sidney W. The folk-urban continuum and the rural proletarian community.
    The american journal of soclology, n. 59, 1953, p. 139.
  • 9
    Dados sobre tais expectativas entre trabalhadores agrícolas e a sua frustração na ação empresarial encontram-se, por exemplo, em Comitê Interamericano do Desenvolvimento Agrícola.
    Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconómico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966; Cardoso, Fernando Henrique. Tensões Sociais no Campo e Reforma Agrária.
    Revista brasileira de estudos políticos, (12): 1961.
  • 10
    o estudo sociológico de comunidades.
    Revista de antropologia, 11(1 e 2):33, 1963.
  • 11
    Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio, 1988. p. 65.
  • 12
    Pereira de Queiroz, Maria Isaura. Bairros rurais paulistas.
    Revista do Museu Paulista, N. S. (17): 134, 135, 165, 189, 201, 1967.
  • 13
    Demonstrou-o a pesquisa de Martins, José de Souza. Modernização agrária e industrialização no Brasil.
    América Latina, 12(2):8-9, 1969.
  • 14
    Vários aspectos da relação de intercâmbio já foram estudados entre nós. As pesquisas que mostram a rentabilidade negativa das empresas são as de William H. Nicholls e Rubens M. Paiva, Octávio Teixeira Mendes Sobrinho e Vicente Unzer de Almeida. Cf. Junqueira, P. C et al. Comercialização de produtos agrícolas no estado de São Paulo.
    Agricultura em São Paulo, 15(1-2), 1968; Monbeig. P. Novos estudos de geografia humana brasileira. São Paulo, 1957; Netto, A. Delfim.
    Problemas econômicos da agricultura paulista. São Paulo, 1964; Queiroz, M. i. P. de. Bairros rurais paulistas. Op. cit.; Gnaccarini. J. O A.
    Formação da empresa e relações de trabalho no Brasil rural. São Paulo, 1966, (MS); Nicholls, W. H. & Paiva, R. M., citado em Martins, J. S. Op. cit.; Mendes Sobrinho, O. T. Condições de vida do pequeno agricultor no município de Lins.
    Boletim da agricultura, 1953; Almeida, V. U.
    Condições de vida do pequeno agricultor no município de Registro. São Paulo, 1956.
  • 15
    Rangel, I. M. A
    inflação brasileira. Rio, 1963, p. 91-93.
  • 16
    Dados citados, respectivamente, em Comitê lnteramericano do Desenvolvimento Agrícola.
    Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola: Brasil. Washington, 1966. p. 325; Szmrecsanyl. T. Mudança social e
    mudança educacional. Faculdade de Filosofia, Universidade de São Paulo, 1968. p. 108 (Boletim n. 340); Schattan, S. Algumas características da agricultura paulista.
    Agricultura em São Paulo, 7(9):30, 1960.
  • 17
    A caracterização destes regimes de trabalho encontra-se detalhadamente em Ettori, J. O. Thomazini. Mão-de-obra na agricultura em São Paulo: categorias, remuneração, legislação.
    Agricultura em São Paulo, 8(12): 1961.
  • 18
    Dados de Piza, Marcelo.
    Conferência na Sociedade Rural Brasileira. São Paulo, 1929; Cardim, Mário.
    Ensaio de análise dos fatores econômicos e financeiros do estado de São Paulo. São Paulo, 1936.
  • 19
    Cândido, A. Op. cit.
  • 20
    Veja, a propósito da "constituição
    parcial da configuração capitalista nos subsistemas periféricos", Pereira, Luiz.
    Trabalho e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, 1965. p. 69-78 e 119-31; Fernandes, Florestan.
    Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio. 1968. p. 61-90; Furtado. Celso.
    Dialética do desenvolvimento. Rio. 1964. p. 146-9; e Ianni, Octávio.
    O colapso do populismo no Brasil. Rio. 1968. p. 75-93.
  • 21
    Reclamação trabalhista no juízo de Capivari, 1968.
  • 22
    Rosen, B. C. & Berlink, M. T. Op. Cit. p. 78
  • 23
    Nunca é demais ressaltar que aqui estamos referindo-nos apenas a certa camada da população trabalhadora, conforme já definimos.
  • 24
    Maria Isaura Pereira de Queiroz observou a existência dessa regra de preferência masculina na herança, em um bairro rural do municipio de Leme, São Paulo. Cf. Bairros rurais paulistas. Op. cit. p. 99.
  • 25
    Cf. Baer, Werner.
    A inflação e o desenvolvimento económico do Brasil. Rio, 1966. p. 310-1.
  • 26
    As alterações nos preços foram as seguintes: 1924: 17%; 1925: 7%; 1928: -2%; 1930: -9%; 1934: 8%; 1936: 15%; 1939: 3%; 1940: 6%: 1941: 16%. O (ndice é o geral de preços por atacado da Fundação Getúlio Vargas, dados transcritos por Simonsen, Mário Henrique.
    Brasil 2001. Rio, 1969. p. 314.
  • 27
    Cf. Soares, Gláucio A. D. Brasil: a politica do desenvolvimento desigual.
    Revista brasileira de estudos políticos, 22: esp. p. 52-6, 1967. Também a pesquisa de Juarez R. B. Lopes nas fábricas de duas cidadezinhas do interior de Minas Gerais.
    A crise do Brasil arcaico. São Paulo, 1967.
  • 28
    Op. cit, p. 94.
  • 29
    Introdução ao estudo do desenvolvimento econômico brasileiro. Salvador, 1957.
  • 30
    Singer. P. Ciclos de conjuntura em economias subdesenvolvidas.
    Revista civilização brasileira, 2: 97-111, 1965.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1971
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