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A "evasão de cérebros" brasileiros para os Estados Unidos da América: análise da situação sugestões para uma política de retorno

ARTIGOS

A "evasão de cérebros" brasileiros para os Estados Unidos da América: análise da situação sugestões para uma política de retorno

Manoel Tosta BerlinckI; Vanya M. San'AnnaII

IProfessor-adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, e Chefe do Centro de Pesquisas e Publicações da mesma entidade

IIProfessora-instrutora do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

Ninguém discute a importância do papel desempenhado por cientistas e técnicos no desenvolvimento socioeconómico. Os conhecimentos científicos e tecnológicos constituem não só uma necessidade vital para o progresso dos países subdesenvolvidos como também um mecanismo controlador da história, à medida que servem como instrumentos manipuladores do meio em que o homem vive. Reconhecendo essas características em tais tipos de conhecimentos, os países subdesenvolvidos vêm, de maneira geral, investindo cada vez mais no treinamento de cientistas e técnicos.

Mas, ao mesmo tempo que isso ocorre, observa-se uma "evasão de cérebros" dos países subdesenvolvidos que faz com que os retornos desse investimento sejam, na melhor das hipóteses, muito pequenos. "Evasão de cérebros" (brain drain) é termo cunhado pelos ingleses para descrever suas perdas de profissionais - especialmente cientistas, engenheiros e pessoal médico (médicos e enfermeiras) - por meio da emigração a partir do pós-guerra. O termo possui hoje aplicação geral e diz respeito à perda desses profissionais por um número muito grande de países.

O Brasil não constitui exceção a essa regra, pois vem sofrendo perda constante de pessoal altamente qualificado tanto para a Europa como para os EUA. O número de cientistas, engenheiros e pessoal médico que emigra anualmente do Brasil é desconhecido. De acordo com Ramirez e Parra, entretanto, a proporção de brasileiros emigrados para os EUA em relação aos graduados é bastante pequena.1 1 Ramirez, Mariano & Parra, Elvidio. Algunas características de Ia emigración de profesionales y técnicos de América Latina a los Estados Unidos. Washington, D.C., OEA, 1968. Pode-se, porém, supor que os que vão para a Europa são mais numerosos do que os que escolhem os EUA. Tal suposição baseia-se no fato de que só nos últimos anos o sistema universitário brasileiro vem sendo influenciado pelo americano e que países europeus - especialmente a França - tiveram aqui uma longa e profunda influência. Assim, graças a essa influência, o pessoal treinado pelas universidades brasileiras tende a emigrar para a Europa.

Este estudo refere-se, entretanto, aos "cérebros" brasileiros que se deslocam para os EUA, pois é com relação a esse país que se possui massa de dados e porque pode-se supor que, no futuro próximo, haverá uma mudança na direção da emigração da Europa para lá, devido a sua crescente influência no sistema universitário brasileiro e às vantagens comparativas oferecidas aos "cérebros" que para lá emigram.

2. As dimensões do problema

A proporção de cientistas, engenheiros e pessoal médico estrangeiros na população total desses profissionais nos EUA é desconhecida. Mas, de acordo com o censo norte-americano de 1960, era de aproximadamente 20%.

Entretanto, a comparação do número anual de imigrantes com o de cientistas produzidos pelos EUA revela que a proporção de estrangeiros é bastante pequena.

Os dados apresentados na tabela 1 revelam que a proporção de cientistas emigrantes para os EUA sobre os que são treinados naquele país não ultrapassa a casa dos 2,0% ao ano. Entretanto, o caso é diferente para os engenheiros e muito mais ainda para o pessoal médico. Em ambos os casos, uma proporção relativamente grande e crescente dos profissionais lá existentes é composta por imigrantes.

Esses dados servem também para revelar a política científica e tecnológica norte-americana pelo menos nesse período: ênfase no treinamento interno de cientistas e na importação de engenheiros e pessoal médico. Tal política enfatiza consciente ou inconscientemente o treinamento interno de pessoal voltado para a produção de conhecimento e a importação de pessoal técnico.

Qualquer que seja a taxa de cientistas e técnicos que emigram para os EUA é importante distinguir entre a evasão de países avançados e a de subdesenvolvidos.

Países avançados, como a Inglaterra, podem sofrer perda de cérebros para os EUA, mas, em geral, possuem reservas maiores desses tipos de profissionais do que os países subdesenvolvidos. Eles contam também com recursos para atrair cérebros de outros países ou para promover a volta de seus próprios cérebros. Assim, há um conjunto razoável de provas empíricas que demonstram que a Inglaterra e o Canadá ao mesmo tempo que sofriam perda de talentos nacionais para os EUA eram recipientes de uma "onda" de cérebros provindos do terceiro mundo.2 2 US Government Printing Office. The brain drain into the US of scientists, engineers and physicians. 1967.

As nações mais pobres, por sua vez, não possuem nem grandes reservas nem recursos necessários para interessar talentos científicos e técnicos. E, considerando a existência de recursos escassos e a demanda de investimentos públicos e privados para o desenvolvimento socioeconómico desses países, é pouco provável que em futuro próximo eles possam investir a quantidade de recursos necessários para o desenvolvimento de uma comunidade técnico-científica de tamanho e qualidade razoáveis. Assim sendo, a evasão de cérebros de países subdesenvolvidos constitui uma perda irreparável a curto ou médio prazo (aproximadamente 15 anos) e um presente involuntário, mas valioso aos países recipientes de tais profissionais.

Os dados apresentados nas tabelas 2 e 3 revelam que uma parcela grande e crescente dos cientistas, engenheiros e pessoal médico que emigram para os EUA provêm de países subdesenvolvidos.

Esse número, entretanto, é maior e crescente para engenheiros e pessoal médico do que para cientistas.

A tabela 4 fornece dados gerais para a América do Sul e México.

Sugere a tabela em primeiro lugar que há uma ligeira tendência para a crescente emigração do pessoal científico e técnico da América do Sul e do México para os EUA. Essa tendência parece ter sido acentuada no período 56-64, tendo diminuído nos dois anos subseqüentes. Infelizmente não possuímos imformações sobre uma série histórica mais recente que serviria para generalizações mais adequadas a respeito do fenômeno. A tabela mostra, em segundo lugar, que a Argentina, o México, a Colômbia e o Brasil são os países, dessa região, que apresentam taxas mais altas de emigração. Assim, no período de seis anos, a Argentina apresentou uma taxa média anual de 270 cientistas e técnicos emigrantes; o México, 247; a Colômbia, 223 e o Brasil, 116.

A tabela 5 apresenta informações sobre a emigração de cientistas da América do Sul e México para os EUA.

Por ela vemos que o número de cientistas que emigram constitui proporção diminuta do total. Notamos, também, que o mesmo padrão geral repete-se no caso de cientistas, ou seja, Argentina, México, Colômbia e Brasil são os maiores "exportadores" de cientistas, da região, para os EUA.

Deve-se observar aqui que o pequeno número de cientistas que emigram não significa uma permanência de grande quantidade nesses países pois, provavelmente, não possuem grandes contingentes desse tipo de profissional.

A tabela 6 apresenta informações sobre a emigração de engenheiros da América do Sul e do México para os EUA.

Essa tabela aponta que o número de engenheiros sul-americanos e mexicanos que vão para os EUA é maior do que o de cientistas. Sugere que a Argentina, o México, a Colômbia e o Brasil formam as maiores taxas de emigração. Revela, finalmente, que a Colômbia apresenta taxa crescente de emigração e a Argentina, o México e o Brasil decrescentes.

A tabela 7 esclarece sobre a emigração de pessoal médico da América do Sul e México para os EUA.

Observe-se que o contingente de pessoal médico é o maior das três categorias de emigrantes, tanto para a América do Sul como para o Brasil. Neste caso, também, Argentina, México, Colômbia e Brasil constituem os países da região que mais "exportam" esse tipo de profissional para os EUA. Mas, r,o caso do pessoal médico, Equador e Peru tendem a apresentar uma alta taxa de emigração.

Finalmente, a tabela 8 dá informações sobre a emigração de cientistas, engenheiros e pessoal médico brasileiro, por setor profissional, para os EUA.

Pode-se observar que o total dos que emigram não é grande e que os setores que possuem maiores taxas são os de engenheiros, médicos, enfermeiros profissionais, químicos e dentistas.

A análise dos dados disponíveis a respeito da "evasão de cérebros" para os EUA revela, portanto, algumas tendências que devem ter sido mantidas de 67 a 71. Assim, a proporção (sobre o total) de cientistas, engenheiros e pessoal médico dos países subdesenvolvidos que emigra para os EUA deve ter aumentado nesses anos. A contribuição da América do Sul e México deve, também, ter crescido. Finalmente, a contribuição do Brasil deve ter permanecido estagnada. Em termos puramente numéricos, o contingente de cientistas, engenheiros e pessoal médico brasileiro que se dirige para os EUA é relativamente pequeno em comparação com outros países da América do Sul e com o México; é bastante pequeno em termos de outros países subdesenvolvidos e desprezível em comparação com nações desenvolvidas.

Com base nessas observações poder-se-ia dizer que o problema da "evasão de cérebros" brasileiros é pequeno ou inexistente. Mas o fenômeno possui tanto dimensões quantitativas como qualitativas que não podem ser desprezadas (mas que não foram analisadas até aqui). Assim, não se sabe nem a proporção de profissionais emigrantes do total existente no Brasil nem a sua qualificação acadêmica. Em outras palavras, ainda que o número de emigrantes seja pequeno, o desfalque nacional provocado por tal fenômeno pode ser grande. Assim sendo, prosseguiremos a análise do caso brasileiro utilizando dados obtidos por um levantamento por amostragem realizado nos EUA.

3. O levantamento por amostragem

Durante o segundo semestre de 1968, por solicitação da Embaixada do Brasil em Washington, foi realizada uma pesquisa sobre a "evasão de cérebros" brasileiros para os EUA. Foram feitas 67 entrevistas com cientistas brasileiros trabalhando naquele país. Não foi possível obter qualquer informação a respeito do universo de cientistas brasileiros lá porque o Governo norte-americano não fornece informações dessa natureza. Portanto, não se pode dizer se essa amostra é representativa ou não do universo estudado. Nada se pode adiantar, especialmente, sobre o número total de cientistas brasileiros nos Estados Unidos.

Este estudo é, portanto, exploratório e não deve ser considerado como definitivo. Entretanto, os padrões de respostas obtidos revelam tendências muito claras que dificilmente podem constituir erros.

A emigração de pessoal altamente qualificado é problema que existiu, existe e existirá enquanto o Brasil não proporciona atrativos semelhantes aos oferecidos por países desenvolvidos, É, entretanto, difícil definir a sua magnitude. Já vimos que, em termos puramente numéricos e comparativos, parece que a "evasão de cérebros", no caso brasileiro, é desprezível. Mas, em termos qualitativos, isso pode não ser verdade.

Os aspectos qualitativos do problema envolvem numerosas variáveis. Assim, se, por um lado, a saída de uma pessoa altamente qualificada significa um "prejuízo" para o país, por outro lado, a sua permanência pode não significar um "lucro". Esse aspecto do problema é analisado por Baldwin (1970) que defende a idéia de que, na verdade, não existiria uma "evasão de cérebros" e sim um "transbordamento", uma vez que há um excedente de mão-de-obra qualificada nos países subdesenvolvidos. Desta forma, eles não estão sendo "sugados" de mão-de-obra que necessitam, mas estão sendo aliviados de uma mão-de-obra que não podem utilizar. Outro aspecto que reforça tal argumento é o de que a produção desses profissionais muitas vezes não é aproveitada pelos países subdesenvolvidos onde trabalham. Assim, é comum a existência de invenções que não são usadas e, mais tarde, são incorporadas pelos países desenvolvidos.

Apesar desses argumentos favoráveis à emigração, é fácil imaginar-se que a simples permanência de um profissional altamente qualificado - mesmo subempregado ou empregado em setor diferente do da sua especialização - num país subdesenvolvido pode significar "lucro".

Mas, apesar disso, o que a "evasão de cérebros" reflete não é tanto a perda de pessoal qualificado como condições ambientais precários, ou seja, incapazes de absorver ou fixar pessoas.

Assim, a experiência de vários Ph.D. em ciências sociais, após a volta para o Brasil, reflete tal proposição. Três doutores por universidades norte-americanas, que entrevistamos para completar as informações obtidas para este estudo, afirmam que utilizam apenas cerca de 20% do que aprenderam pois não existem solicitações do ambiente para que apliquem muito do conhecimento técnico adquirido. Tal fato pode-se transformar em frustração insuportável depois do esforço que tais indivíduos realizaram para obter um grau de doutor numa universidade européia ou norte-americana. Além do mais, é muito provável que os 20% do conhecimento que empregam seja comum às pessoas que não saíram do Brasil para obter um grau de doutor.

É lógico, por outro lado, que a ida desses indivíduos para países desenvolvidos e o trabalho que executam lá, pode, perfeitamente, contribuir para o progresso daqueles países - o que significa uma perda comparativa para o país de onde saíram pois as distâncias socioeconómicas podem aumentar em decorrência de seus trabalhos.

Finalmente, a realidade dos países de onde saem é dinâmica e, se hoje esses indivíduos não são plenamente utilizados, podem vir a ser amanhã, quando, então, já estiverem no exterior.

O que estamos querendo sugerir com esta discussão é que o problema da "evasão de cérebros" constitui uma perda líquida para o país de onde emigram mas que a magnitude desta perda varia na proporção direta da capacidade de emprego de seus talentos pelo país de onde emigram e pela capacidade de emprego desses mesmos talentos pelo país para onde imigram.

No caso brasileiro, a situação pode ser grave não tanto pela quantidade de "cérebros" que emigram - que é diminuta - como pela quantidade dos que aqui ficam - que é, também, pequena - pois estes, além de serem poucos, estão sendo mal utilizados pela sociedade em que vivem.

Na nossa opinião, portanto, a "evasão de cérebros" é tão mais séria quanto menores forem as oportunidades de emprego dos talentos daqueles que permanecem no país emissor.

4. Características da população estudada

Dos 67 cientistas entrevistados, 76% possuíam vistos permanentes ou de imigrantes em seus passaportes. Tal fato revela a intenção desses cientistas em permanecerem, por muito tempo, nos EUA.

91 % dos entrevistados eram do sexo masculino e suas idades variavam de 26 a 50 anos, apresentando a seguinte distribuição:

Como se pode observar na tabela 9, a maioria esmagadora de cientistas brasileiros nos Estados Unidos é jovem e, portanto, no auge de sua capacidade de trabalho.

89,5% dos entrevistados são casados, sendo que 61,2% o são com cônjuges brasileiros. Só 16,4% são casados com cônjuges norte-americanos - o que indica, à primeira vista, que o casamento não deve constituir estímulo para permanecerem nos Estados Unidos. Entretanto, esta observação pode não ser verdadeira. Na realidade, as condições de vida nos Estados Unidos (como, por exemplo, a distância de parentes aborrecidos, a ausência de empregadas domésticas, as facilidades escolares para os filhos, os recursos sanitários e alimentícios, entre outros) podem constituir-se em atrativo para as mulheres brasileiras e, assim, em estímulo adicional à permanência nos Estados Unidos. Se levarmos em consideração que as esposas desses cientistas devem ser pessoas cultas e interessadas em levar uma vida intelectual ativa e que a sociedade norteamericana oferece mais oportunidades desse tipo de vida do que a brasileira, o fato de os cientistas brasileiros nos Estados Unidos serem casados com brasileiras pode significar mais um fator para a fixação desses profissionais naquele país.

5. Formação acadêmica

A tabela 10 apresenta a distribuição do lugar onde os entrevistados realizaram seus estudos universitários:

Observa-se que a quase totalidade dos cientistas fez seus estudos de graduação no Brasil, sendo que 80,6% deles formaram-se em São Paulo e Guanabara.

A tabela 11 revela que a grande maioria do cientistas completaram cursos de pós-graduação n exterior e especialmente nos Estados Unidos.

As tabelas 10 e 11 sugerem que os cientistas brasileiros na América do Norte são indivíduos que receberam o treino educacional nas melhores universidades do Brasil e o treino de pós-graduação no exterior.

O grau de escolaridade formal dos cientistas que emigram é bastante alto, como se pode observar pela tabela 12. A grande maioria (82%) possui grau de mestre ou mais.

As tabelas 10, 11 e 12 fornecem, portanto, um quadro completo da carreira acadêmica desses indivíduos. Eles são treinados nas melhores universidades brasileiras, com treinamento pós-graduado no exterior até o nível de mestrado ou superior. São indivíduos altamente qualificados, que têm condições de competir no mercado internacional. Aliás, a própria disposição de estudar fora revela, também, uma disposição de participar do referido mercado internacional de trabalho. Essas disposições mostram que esses indivíduos incorporaram o valor internacionalista que predomina entre membros da comunidade científica. Em outras palavras, seria ingênuo supor que "apelos nacionalistas" seriam suficientes para atraí-los de volta ao Brasil, pois o valor internacionalista que predomina entre membros da comunidade científica tende a minimizar sentimentos de nacionalidade.

A tabela 13 indica que 43 % da população de cientistas radicada nos Estados Unidos receberam financiamento de agências do governo federal do Brasil para realizar estudos de pós-graduação, enquanto que 19% foram financiados por agências não-brasileiras. A pequena contribuição da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) nesse processo explica-se pelo pequeno subsídio que forneceu até hoje para estudos de pósgraduação no estrangeiro. Finalmente, deve-se observar que 23,9% dos entrevistados não responderam a pergunta e que 11,9 % não receberam nenhuma educação formal ao nível de pós-graduação, ê possível que uma parcela substancial dos 23,9% tenha realizado estudos de pós-graduação com recursos próprios. Em resumo, essas observações revelam que praticamente a metade do pessoal científico que se encontra trabalhando nos Estados Unidos formou-se às expensas de recursos brasileiros. "O bolo não é para quem o faz, mas para quem o come".

6. Aspectos profissionais

A tabela 14 fornece o setor profissional dos cientistas brasileiros que estão trabalhando nos Estados Unidos.

Observa-se, em primeiro lugar, que com exceção do setor de física, a distribuição dos entrevistados por setor profissional é semelhante à fornecida pelo governo norte-americano. O número de físicos brasileiros que emigram para os EUA é bastante pequeno - menor do que o número entrevistado para esta pesquisa - e, portanto, pode constituir um erro da amostra dos 67 cientistas e técnicos. Mas, como essa é a única anomalia encontrada, pode-se perfeitamente supor que o possível erro de amostragem é bastante pequeno e os resultados da pesquisa não devem conter grandes distorções.

A tabela 15 faz uma comparação entre o último emprego no Brasil, primeiro emprego nos EUA e emprego "atual" nos EUA.

Observa-se, em primeiro lugar, que a mudança de país significou uma transformação na atividade profissional. A transformação mais evidente é a da docência para a pesquisa. Assim, um número substancial de cientistas brasileiros que vinham dedicando-se à docência, quando mudaram para os Estados Unidos passaram, num primeiro momento, a dedicar-se à pesquisa. Além disso, cientistas que vinham trabalhando em funções técnicas lio serviço público abandonaram essa atividade quando mudaram para os EUA indo, em geral, trabalhar em pesquisa. Outro setor profissional que no primeiro momento da mudança apresenta certo ganho é o da empresa privada. O que se pode dizer, portanto, é que as oportunidades de pesquisa nos EUA (e a concomitante falta de oportunidades no BrasiJ constituem forças convergentes que promovem a evasão de nossos cérebros. Além disso, existe uma parcela substancial de cientistas brasileiros que vinham-se dedicando ao ensino e que mudaram para aquele país para permanecerem nesse mesmo tipo de atividade. Essa observação indica, possivelmente, uma frustração muito grande com os padrões de ensino brasileiros.

Em um segundo momento, há como que urri movimento pendular parcial de volta à situação profissional existente no Brasil. A atividade docente que havia perdido um grande contingente atrai uma parcela dos que se estavam dedicando exclusivamente à pesquisa e "funções técnicas em empresas privadas" também perde uma parte dos que havia atraído. Mas, de maneira geral, a perda da atividade de pesquisa é bastante pequena, pois o contingente daqueles que se dedicam a uma atividade mista de pesquisa e docência aumenta no segundo momento.

Em um nível mais geral, pode-se dizer que duas classes de fatores profissionais são responsáveis pela evasão de cérebros brasileiros: as condições de trabalho reinantes no Brasil e as existentes nos EUA. Do lado brasileiro, três condições parecem gerar uma grande frustração entre os cientistas fazendoos decidir pela mudança para os EUA: 1. obstáculos organizacionais à pesquisa científica, 2. o tipo de atividade docente que prevalece no Brasil, e 3. o exercício profissional desvinculado de uma carreira científica (por exemplo, o desempenho de funções técnicas no serviço público). Do lado norte-americano, dois fatores parecem constituir mecanismos de atração: 1. as condições de pesquisa, e 2. as condições de ensino.

Mas, ao lado das vantagens profissionais comparativas outro fator importante da mobilidade parece ser a condição salarial. A tabela 16 apresenta uma comparação entre a última remuneração mensal no Brasil, a remuneração mensal no primeiro emprego nos EUA e a remuneração mensal'no "atual" emprego nos EUA.

A melhoria salarial é absolutamente impressionante, É lógico, entretanto, que ela não reflete uma ambição monetária por parte dos cientistas brasileiros. O que ela reflete, em primeiro lugar, é que os cientistas brasileiros são miseravelmente remunerados no Brasil e, em segundo lugar, que a mudança para os EUA implica uma substancial melhoria da qualidade material da vida do cientista.

7. Motivos da Emigração

Perguntou-se aos cientistas brasileiros nos EUA os motivos da sua emigração e as duas ordens de fatores discutidas anteriormente surgiram como as dominantes.

A tabela 17 mostra os motivos da emigração referentes à ordem profissional.

Este quadro confirma de maneira mais detalhada as afirmações hipotéticas que vimos fazendo até agora. Ele sugere, entretanto, um outro fator de ordem profissional até aqui não mencionado, ou seja, a de que um dos possíveis motivos da emigração de cientistas brasileiros para os EUA refere-se às oportunidades de progresso profissional inexistentes no Brasil. Em outras palavras, a sensação de que se chegou ao cume da carreira no Brasil quando

o cientista ainda é muito jovem combinada com uma sensação de estagnação intelectual ("não tenho mais nada a aprender no Brasil") pode constituir força importante para a emigração. Esses fatores estão, porém, intimamente combinados com o problema do reconhecimento profissional, ou seja, de manifestações (inexistentes no Brasil), por parte da comunidade mais ampla a respeito da qualidade e importância do trabalho do cientista.

A tabela 18 apresenta os motivos da emigração de ordem econômica.

Uma parcela substancial dos cientistas reconhece que motivos de ordem econômica constituem forças relevantes -para a emigração. Note-se, entretanto, que tal fato não é verdadeiro para um número também grande de cientistas. Os que não mencionam vantagens econômicas podem não considerar importante esses fatores ou podem simplesmente estar-se conformando com a imagem de que o cientista é um profissional desinteressado das vantagens materiais. De qualquer forma, não se deve esquecer que, independentemente dessa opinião, os cientistas entrevistados tiveram uma tremenda melhoria salarial ao emigrarem para os EUA.

Além desses motivos, 53,7% dos entrevistados mencionaram a eficiência administrativa e 44,8% mencionaram a infra-estrutura material adequada existente nos EUA como motivos da emigração.

8. Projeto de retorno

Perguntou-se aos entrevistados se pretendiam retornar brevemente para o Brasil e os resultados foram os seguintes:

Como se pode observar, apenas uma parcela pequena dos cientistas tenciona retornar brevemente ao Brasil. A intenção, entretanto, não implica uma possível volta ao país.

Perguntou-se, também, aos entrevistados em que condições considerariam regressar ao Brasil e as respostas obtidas foram as que constam da tabela 20.

Esta tabela mostra, mais uma vez, que condições profissionais e econômicas são as principais causas tanto da evasão de cérebros como do não-retorno ao Brasil.

9. Resumo e Conclusões: Sugestões para uma Política de Retorno.

A análise de informações sobre a "evasão de cérebros" brasileiros para os EUA fornecidas pelo governo norte-americano e por levantamento por amostragem sugere que:

1. a proporção de cientistas e técnicos dos países subdesenvolvidos sobre o total de imigrantes aumentou nos últimos anos;

2. pessoal médico e engenheiros compõem a maioria de emigrantes para os EUA e cientistas compõem uma minoria;

3. no âmbito regional da América do Sul e do México, a Argentina, o México, a Colômbia e o Brasil são os países que apresentam maiores contingentes de emigrantes;

4. pessoal médico (médicos e enfermeiras profissionais), engenheiros, químicos e matemáticos contituem os tipos de profissionais com maiores taxas de emigração do Brasil para os EUA;

5. as taxas de "evasão de cérebros" brasileiros para os EUA parecem manter-se constantes e, em alguns casos, decrescentes. Não se pode, porém, com os escassos dados disponíveis estabelecer-se previsões sobre esse movimento, populacional. Mas considerando-se a enorme expansão quantitativa do ensino superior que ocorre atualmente no Brasil3 3 Pastore, José. O ensino superior em São Paulo: aspectos quantitativos e qualitativos de sua expansão. Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, São Paulo, 1970; Pastore, José & Perosa, Gilda Gouvea. O estudante universitário em São Paulo. Instituto de Pesquisas Econômicas, São Paulo. 1971. é de se esperar que a taxa de evasão aumente no futuro, a não ser que se desenvolvam políticas científicas e tecnológicas;

6. de maneira geral, os cientistas e técnicos brasileiros que emigram para os EUA são altamente qualificados;

7. de maneira geral, receberam treinamento pósgraduado nos EUA;

8. de maneira geral, emigram para aquele país devido a condições profissionais, salariais e organizacionais vantajosas existentes naquele país e desvantajosas existentes no Brasil.

Essas observações provam a necessidade de formulação de políticas científicas e tecnológicas por parte dp Brasil não só para evitar a "evasão de cérebros" como, principalmente, para aumentar os níveis de aproveitamento interno das atividades desses profissionais.

Este trabalho sugere alguns elementos para a formulação de tais políticas. Seus autores reconhecem, entretanto, o caráter preliminar e provisório de tais sugestões e assim elas devem ser entendidas pelos leitores.

Qualquer política científica ou tecnológica, para ser realista e produtiva, deve levar em contra três aspectos que parecem fundamentais. O primeiro refere-se às necessidades e pretensões no nível nacional, ou seja, deve levar em conta os interesses nacionais. O segundo refere-se às condições existentes nq país e aos recursos disponíveis para modificá-las. O terceiro deve levar em conta as necessidades e pretensões da comunidade técnico-científica. Se qualquer um desses aspectos for ignorado, as políticas resultantes tenderão ao fracasso ou poderão perfeitamente não alcançar as metas desejadas. Nem sempre os três níveis fornecem aspectos coincidentes e, por isso, a sua compatibilização pode ser difícil ou, talvez, impossível.

No entanto, apesar dessas dificuldades, passamos a sugerir um modelo de política de retorno de "cérebros" brasileiros. A formulação desse modelo parte do pressuposto de que o número de cientistas e técnicos que hoje emigram é bastante pequeno, mas que deve aumentar em futuro próximo. O aumento deve ser provocado, em primeiro lugar, pela expansão da rede de organizações dedicadas ao ensino superior.4 4 Pastore, José. O ensino superior em São Paulo: aspectos quantitativos é qualitativos de sua expansão. Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, São Paulo, 1970. Em outras palavras, é razoável supor-se que o aumento das taxas de emigração é proporcional ao das taxas de escolarização superior e, como estas estão crescendo, aquelas também devem fazê-lo. Em segundo lugar, o aumento da taxa de emigração deve ocorrer devido às próprias necessidades educacionais e econômicas do Brasil, ou seja, na medida em que a economia do país cresce e a rede do ensino superior expande-se, aumentam as necessidades de pessoal científico e técnico; estes, por sua vez, devem ser treinados no exterior pois lá obterão uma formação melhor do que no Brasil. Finalmente, o próprio grau do desenvolvimento científico e tecnológico existente no Brasil requer que futuros cientistas e técnicos sejam treinados no exterior. Levando-se em consideração estes argumentos, não só o número de cientistas e técnicos brasileiros a serem treinados no exterior deve-se desenvolver como, também, o treinamento no exterior deve ser estimulado. Mas,se isso ocorrer sem a concomitante formulação de uma política de retorno, a evasão deverá aumentar, criando-se, assim, um "círculo vicioso da pobreza científica e tecnológica".

Uma política de retorno, por sua vez, deverá levar em conta três fatores básicos: a) os interesses nacionais no desenvolvimento da ciência e tecnologia; b) o ponto de flexão da curva de aprendizado; e c) as condições de trabalho daqueles que retornam.

O estímulo ao treinamento no exterior não deve ser executado indiscriminadamente, pois tanto os recursos nacionais como as possibilidades de emprego de talentos são limitados. Além do mais, deve haver certas áreas consideradas prioritárias dentro do desenvolvimento geral da ciência e da tecnologia. Na medida em que esses interesses nacionais no desenvolvimento da ciência e tecnologia sejam claramente formulados, deverá ocorrer um estímulo ao treinamento no exterior.

Concomitantemente a esse estímulo é necessário que se defina um ponto de flexão da curva de aprendizado a partir do qual o indivíduo começa a produzir ciência e tecnologia. Em outras palavras, na carreira profissional de qualquer cientista e técnico existe um momento em que o aprendizado tende a diminuir e a produção profissional a aumentar. Em alguns setores isso pode ocorrer na hora em que o cientista ou técnico termina seu treinamento formal; em outros setores isso acontece um ou dois anos após o término do treinamento formal. Até esse momento, cientistas e técnicos são, em geral, consumidores do saber e, por isso, devem estar em locais onde haja saber para ser consumido. A partir daí passam a ser produtores de conhecimento, ou seja, o investimento educacional começa a produzir retornos. É então que se deve preocupar com a volta de cientistas e técnicos do exterior. A determinação desses pontos de flexão é relativamente fácil e pode ser utilizada numa política de aproveitamento de cientistas e técnicos em países como o Brasil.

Ainda que o simples retorno de cientistas e técnicos possa constituir-se em "lucro" para o país que os recebe de volta, um modelo de política de retornd deve levar em conta as condições de trabalho daqueles que voltam, ou seja, deve-se preocupar em produzir condições organizacionais para o uso dos conhecimentos adquiridos anteriormente e para a produção de ciência e tecnologia por parte desses profissionais. Algumas dessas condições que precisam ser melhoradas no Brasil estão sugeridas neste trabalho. Assim, não há muitas dúvidas a respeito de que a melhoria dos níveis de remuneração, o maior incentivo à pesquisa e o estímulo à participação continuada em atividades da comunidade científica internacional são necessários para que existam vantagens no retorno ao país. Note-se que as melhorias das condições de trabalho para cientistas e técnicos não só pode-se constituir em estímulo adicional ao retorno como, também, em atração de cientistas e técnicos estrangeiros que colaborariam para o desenvolvimento nacional.

É lógico que a construção de um modelo que levasse em conta esses três conjuntos de variáveis requer algumas investigações preliminares que serviriam para definir melhor os parâmetros a serem empregados. Mas cremos que ele é realizável nas atuais condições brasileiras e que pode ser muito útil quando as taxas de evasão aumentarem, em futuro não muito longínquo.

  • Adams, Walter, ed. The brain drain. New York, The Mac Millan Company. London, Collier-Mac Millan Limited, 1968.
  • Pastore, José. O ensino superior em São Paulo: aspectos quantitativos e qualitativos de sua expansão. Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, São Paulo, 1970.
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  • Ramirez, Mariano e Parra, Elvidio. Algunas características de la emigración de profesionales y técnicos de América Latina a los Estados Unidos. Washington, D.C., OEA, 1968.
  • US Government Printing Office. The brain drain into the US of scientists, engineers and physicians. 1967.
  • 1
    Ramirez, Mariano & Parra, Elvidio.
    Algunas características de Ia emigración de profesionales y técnicos de América Latina a los Estados Unidos. Washington, D.C., OEA, 1968.
  • 2
    US Government Printing Office.
    The brain drain into the US of scientists, engineers and physicians. 1967.
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    Pastore, José. O
    ensino superior em São
    Paulo: aspectos quantitativos e qualitativos de sua expansão. Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, São Paulo, 1970; Pastore, José & Perosa, Gilda Gouvea. O
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  • 4
    Pastore, José. O
    ensino superior em São Paulo: aspectos quantitativos é qualitativos de sua expansão. Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, São Paulo, 1970.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1972
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