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A reforma agrária no Brasil

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

A reforma agrária no Brasil

Dennis Cintra Leite

A Reforma Agrária no Brasil

Por José Gomes da Silva. Zahar Editores, 1971. 284 p.

O tema da reforma agrária no Brasil é um cavalo de batalha de todas as correntes ideológicas. As esquerdas empenham-se em tê-la como palavra de ordem e ponta de lança da reformulação institucional. A direita dilui seu conteúdo, identificando reforma com assistência ao agricultor. Tanto a direita como a esquerda parecem esquecer-se das lições da história moderna. O fato concreto é que em todas as ocasiões em que as reivindicações do campesinato quanto à propriedade da terra foram atendidas, este mesmo campesinato, potencialmente revolucionário, tornou-se o bloco mais conservador, para não dizer reacionário, da comunidade. Isso foi verdadeiro com a redistribuição das terras que seguiu à Revolução Francesa. Evidenciou-se também por ocasião da Revolução Bolchevique que tomou lugar depois de uma reforma agrária de algum sucesso na Rússia czarista. Nos Estados Unidos Jefferson, já no século XVIII, notava essa influência estabilizadora de um campesinato proprietário de suas próprias terras. Em termos operacionais, portanto, tanto a esquerda como a direita estão lutando em campos diametralmente opostos àqueles em que se deveriam colocar face a seus interesses a médio e longo prazos. Acontece, no entanto, que a curto prazo os dois campos têm interesses táticos a defender. As esquerdas pensam em enfraquecer as estruturas agrárias como um primeiro passo ao enfraquecimento de todas as estruturas capitalistas da sociedade. Não interessa ter reforma agrária, mas sim agitar a favor da mesma. Essa agitação conjugada com os horizontes acanhados dos proprietários da terra causa insegurança, fuga de capitais e paralização ou pelo menos ineficiência na economia de mercados. A direita preocupava-se com uma diminuição do poder dos grandes proprietários de terra, com os quais, normalmente, nessas alturas dos acontecimentos, identifica-se. Com isso observamos o curioso fenômeno da esquerda propalando uma medida que terá como conseqüência uma diminuição de seus atrativos e a direita protegendo-se contra uma medida que resultará no aumento de seu poder.

A análise que acabamos de expor está subjacente em todo o livro de Gomes da Silva. Ela nunca se torna explícita, e este é um dos defeitos do autor. Além dessa dimensão ideológica, o autor envereda por campos nos quais mostra muito pouca competência; o principal destes é o da análise econômica dos efeitos de uma Reforma Agrária. Aqui ele nos oferece considerandos tais como a liberação de grandes contingentes de mão-de-obra do campo canseqüentes de um aumento da produtividade gerada por uma redistribuição da terra. Para provar esse aumento da produtividade nos fornece dados sobre duas fazendas abandonadas cujas terras foram redistribuídas entre camponeses da região. Prova que a produção aumentou e (como haveria de não aumentar se as glebes estavam abandonadas antes, do projeto-piloto?) com isso projeto esses aumentos para a economia como um todo, multiplicando os índices de aumento da produção por trabalhador pela população agrária do Brasil. Calcula, a partir desse momento, a população necessária na agricultura para prover as necessidades de alimentos e matérias-primas no Brasil e mostra o contingente de mão-de-obra liberável: cerca de 5 milhões de trabalhadores. Ora, sabemos que um dos problemas mais sérios no Brasil é como absorver os contingentes já liberados pela agricultura de maneira produtiva e não como liberar outros contingentes de mão-de-obra necessariamente fadadas à ociosidade. Por sorte, a conseqüência provável de uma Reforma Agrária, ao menos a curto prazo, será uma diminuição na produtividade agrícola e, portanto, maior capacidade da agricultura de reter essa mão-de-obra.

Outras curiosidades encontradas no livro, além de erros crassos na aplicação de instrumental analítico macroeconômico tal como supor um multiplicador de emprego onde não haja capacidade ociosa, incluem passagens líricas sobre o estilo e bom-gosto da personalidade camponesa e o enquadramento do Homestead Act americano que distribuiu terras virgens a agricultores como se fosse uma reforma agrária.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1972
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