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Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970)

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970)

Volia Regina Costa Kato

Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-4970)

Por Octávio lanni. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. 316 p.

O livro do professor Octávio lanni acrescenta elementos importantes para a compreensão da prática do planejamento governamental no Brasil, tanto no nível das circunstâncias nacionais, quanto no de uma tendência manifesta no mundo capitalista, especialmente a partir da crise de 1929.

O autor analisa as relações entre o Estado e a economia, no decorrer dos anos de 1930 a 1970, 92 através das políticas econômicas governamentais, isto é, busca as conexões últimas entre o poder político e o poder econômico. Para isto, divide o seu estudo em seis fases distintas que se interligam conforme a tendência: Políticas Econômicas Nacionalistas (1930-45) e Liberal (1946-50); Desenvolvimento e Capitalismo Nacional (1951-54); Industrialização e Interdependência (195560); Estado e Economia na Crise do Desenvolvimento (1961-64) e, afinal, Interdependência e Modernização (1964-J0). Demonstra as condições do aparecimento e desenvolvimento do processo de "hipertrofia do Poder Executivo", em detrimento do Poder Legislativo e, conseqüentemente, o surgimento e fortalecimento de uma "tecnoestrutura estatal".

Em sua análise, dois aspectos apresentam-se relevantes e interdependentes:

1.º a compreensão do sistema económico-político brasileiro depende da análise de duas de suas manifestações importantes, ocorridas no decorrer do processo histórico:

a) maior interferência do Estado na economia;

b) adoção de políticas governamentais cada vez mais complexas assumindo a forma de políticas econômicas planificadas.

2.º as políticas econômicas adotadas pelos diferentes governos, oscilam entre duas tendências principais:

a) de caráter nacionalista, com vistas à criação de um capitalismo nacional;

b) favorável à associação ao capitalismo mundial, denominada "estratégia de desenvolvimento dependente".

A partir de 1930, o Estado passou a intervir de forma cada vez mais decisiva no conjunto da economia, embora nem sempre sua ação estivesse norteada por uma política de desenvolvimento. Em grande parte, a reorganização administrativa foi resposta aos problemas imediatos, gerados por crises econômicas e políticas. Foi o caso, por exemplo, do governo Vargas (1930-45). A crise de 1929, além dos efeitos depreciativos que causou na economia cafeeiro, permitiu que se vislumbrassem os principais problemas brasileiros e os limites de uma economia dependente. Neste momento, o sistema econômico diversificou-se e surgiram novos grupos sociais e políticos que impuseram reformas na estrutura político-administrativa. Concomitantemente à intervenção estatal, esboçaram-se os primeiros traços de uma tecnoestrutura oficial: o Conselho Federal de Comércio Exterior, criado em 1934, é considerado o primeiro órgão brasileiro de Planejamento Governamental.

O planejamento, a serviço de uma política econômica, parece ter sido adotado no Brasil, segundo o autor, durante a II Guerra Mundial. Neste momento, as decisões de caráter econômico-financeiro dependeram, de forma acentuada, da interferência planificada do Estado. O Conselho de Economia Nacional, estabelecido pela Constituição de 1937, investia o Estado de novas atribuições econômicas. E, através da Coordenação da Mobilização Econômica, órgão criado em 1942, o Estado planejava o funcionamento e expansão das atividades econômicas. O problema siderúrgico mostra as proporções desta intervenção: em 1940 foi instituída uma Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, com finalidade de implantar uma usina siderúrgica. No ano seguinte, criou-se a Companhia Siderúrgica Nacional que instalou a Usina de Volta Redonda.

No governo do General Dutra (1946-1950), os interesses econômicos e políticos de grupos conservadores brasileiros e interesses estrangeiros, não se adequavam a uma estrutura estatal de tipo intervencionista. Foi assumida uma orientação liberal pelo governo e, desorganizada a tecnoestrutura nascente no período anterior. Conseqüentemente, o poder público reduziu suas funções econômicas e sua responsabilidade quanto ao desenvolvimento, havendo intensa penetração de capital estrangeiro.

Ao assumir o poder em 1951, Vargas teve que enfrentar um Congresso francamente antiintervencionista. Apesar disto, o novo governo Vargas (1951-1954) voltou a adotar sua política anterior. A tecnoestrutura desmantelada articulou-se novamente, através da criação de órgãos de caráter técnico-científico e, a planificação estatal voltou a ser tema de debates. Inclusive, a criação da Petrobrás exigiu todo um aparato (empresários nacionais e estrangeiros, militares, políticos, técnicos, administradores e economistas) que compunham a assessoria econômica do Poder Executivo.

No período governamental de Juscelino Kubitschek (1956-1960) solidificaram-se, ainda mais, as relações entre o Estado e a economia. Nesta época, o planejamento já era uma prática incorporada pelo poder público. A atuação do Estado garantia a expansão do capital estrangeiro e fortalecia, conseqüentemente, os laços de dependência em relação aos países hegemônicos do sistema capitalista (em especial os Estados Unidos). Para a consecução do plano de governo e solução de problemas económico-administrativos, tornou-se mais complexo o aparato técnico de apoio ao Poder Executivo, aperfeiçoando a capacidade de intervenção do Estado. Este fato acabou por desencadear uma contradição entre Executivo (influenciado pelos interesses urbano-industriais) e Legislativo (representando os interesses conservadores dos setores agrários). A superação deste antagonismo exigia a negação da "democracia representativa", o que só ocorreria em anos posteriores.

O governo João Goulart (1961-1964) além dos problemas econômicos, enfrentou uma crise política manifestada através da radicalização das posições dos partidos de esquerda e direita. Na verdade, a adoção do Plano Trienal (e outras medidas de planejamento) não resolveram a grave crise econômica do momento. Por não contar com o apoio das classes conservadoras do Congresso, o Governo apelou para as massas populares como uma força de pressão, o que levou o conflito Executivo-Legislativo ao seu ponto mais alto.

O ano de 1964 marcou a superação desta contradição e a afirmação das fortes prerrogativas do Executivo, regulamentadas através dos Atos Institucionais, principalmente o n.º 5 e da Constituição de 1969. O controle dos conflitos políticos e sociais facilitou a execução da política planificada do governo Castelo Branco (e de seus sucessores) que propiciou às empresas privadas nacionais e, principalmente multinacionais, condições favoráveis de crescimento e expansão.

A maneira pela qual o estado interviú na economia no decorrer dos anos de 1930 a 1970 revela que as políticas econômicas adotadas trouxeram conotações nacionalistas e internacionalistas, segundo objetivavam a concretização de um capitalismo nacional emancipado ou a superação do subdesenvolvimento através da associação ao capital internacional.

Estes são os aspectos que consideramos centrais, exatamente porque esclarecem a importância da estrutura de poder nas decisões de caráter econômico. Não podemos esquecer, porém, outros aspectos como, por exemplo, as políticas salariais e operárias dos governos etc. O livro, em seu conjunto, fornece elementos fundamentais para o aprofundamento de problemas político-econômicos e sociais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1973
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