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Coalizões parlamentares e instabilidade governamental: a experiência brasileira (1961-1964)

ARTIGOS

Coalizões parlamentares e instabilidade governamental: a experiência brasileira (1961-1964)

Wanderley Guilherme dos Santos

Consultor científico do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

I. Fazendo o diagnóstico da crise brasileira, ainda em 1963, Afonso Arinos de Mello Franco argutamente apontava a fragmentação da representação política no Congresso como uma das situações que ao mesmo tempo indicava e contribuía para a ineficiência do sistema político nacional. A multiplicação de facções políticas tornava extremamente difícil a tarefa de constituir estável maioria que viesse a sustentar um programa de governo consistente e de longo prazo. O diagnóstico é preciso, econômico e muito bem articulado, estimulando a transcrição de um de seus trechos mais penetrantes. "A atomização das maiorias - diz Afonso Arinos - principalmente na Câmara, retira a qualquer partido a possibilidade de controlar a situação, seja nas comissões, seja em plenário. Os pequenos partidos podem adquirir uma importância desmesurada, muito maior do que seu peso numérico, sempre que o resultado das votações for apertado. Maiorias flutuantes e precárias, integradas por grupos que se aproximam sem se juntar, impõem uma constante necessidade de transação, às vezes no pior sentido, isto é, no sentido de barganha, na troca de vantagens, até de chantagens e corrupções. Os líderes vivem numa dobadoura, remendando sem cessar as cordas frágeis de suas redes partidárias, por cujas malhas arrebentadas escapam os peixes mais ariscos. Nada se pode fazer de durável, de impessoal, de construtivo. Depende tudo das circunstâncias, possibilidades e interesses (as mais das vezes pessoais) de cada dia. Esta situação repercute dentro dos partidos, cujas bancadas têm sempre fronteiras móveis, facilmente penetráveis pelos adversários."11 Mello Franco, Afonso Arinos de. A evolução da crise brasileira. Companhia Editora Nacional, 1965. O livro é composto de artigos jornalísticos escritos antes e após o movimento político-militar de 1964. O trecho transcrito faz parte do artigo A crise e o Poder Legislativo, p. 52.

O motivo de tão exacerbada fragmentação de forças políticas encontra-se, segundo o autor, no sistema eleitoral prevalecente à época, baseado no mecanismo de representação proporcional. A introdução do sistema de representação proporcional foi advogada logo após a queda da Monarquia, ém fins do século passado, como forma de controle do Poder Executivo, mas só após a Revolução de 1930 começou a ser praticada, tendo já a Assembléia Constituinte de 1934 sido eleita de acordo com esse sistema. Ao contrário de enfraquecer o Executivo, entretanto, estima Afonso Arinos, a representação proporcional terminou por enfraquecer o Legislativo pela fragmentação das forças políticas.22 Mello Franco, A.A. Id. ibid. p. 51-2.

Embora o diagnóstico das dificuldades operacionais do Congresso possa ser adequado, a causalidade imputada por Afonso Arinos aos mecanismos de representação proporcional não parece encontrar apoio nas investigações existentes. É certo que existe associação entre sistemas de representação proporcional e multiplicação de facções partidárias ou fragmentação política, entendendo-se por fragmentação política apenas a produção de sistemas ultramultipartidários.33 Cf., por exemplo, Douglas Rae. The politicai consequences of electoral laws. Yale University Press, 2.ª edição, 1970. Entretanto, a simples multiplicação das agremiações partidárias, ou das facções políticas, por si só não produz ou acarreta instabilidade governamental. E este é o ponto extremamente relevante da observação de Arinos: a atomização das forças políticas no Congresso impedia a constituição da estável maioria capaz de sustentar a operação cotidiana do governo. É apenas por este efeito que a fragmentação político-partidaria, ou político-faccional, se transforma em situação indesejável para o sistema político, não havendo entretanto evidência de que este seja sempre o caso. Ao contrário, exemplos existem de regimes excepcionalmente estáveis operando em contextos de elevada fragmentação partidária, onde contudo alta integração consensual das diversas elites se contrapõe às tendências disruptivas da multiplicação faccionai.44 Lijphart, Arendt. The politics of accomodation - plurálism and áemocracy in the Netherlands. University of Califórnia Press, 1968. E aqui tocamos no ponto essencial. A fragmentação partidária não se constitui em obstáculo à operação governamental senão quando essa fragmentação partidária se converte em inconciliável fragmentação política, isto é, quando à multiplicação das agremiações partidárias ou para-partidárias se associa um processo de radicalização político-ideológica. Aparentemente, a cadeia de condicionantes não é, como imagina Arinos, representação proporcional - fragmentação - o que é certo, seguido de representação proporcional - instabilidade, o que é inexato, mas a seguinte: representação proporcional - fragmentação, intervenção eventual de um processo de radicalização política, e então fragmentação plus radicalização levando à instabilidade governamental.55 Para uma discussão da composição partidário-político-ideológica do Legislativo brasileiro, ver Santos, Wanderley Guilherme dos. Impass and crisis in Brazüian politics. Ph.D. dissertation (first draft), Stanford University, 1972. cap. 2. Analise estatística revelou que, embora a fragmentação partidária permanecesse mais ou menos estável - o número de partidos entre 1945 e 1964 variou entre nove e 11 - a fragmentação eleitoral aumentou consistentemente. Muito mais importante todavia é o fato de que a fragmentação era politicamente orientada, isto é, distribuía-se entre partidos de orientação ideológica marcada, os quais terminavam por formar coalizões de força mais ou menos equivalentes.

Em outro trabalho discuti a integração teórica entre esses diversos componentes num sistema semiformalizado.66 A formalização de uma teoria que estabeleceu diferentes sentidos de causalidade entre fragmentação, radicalização e instabilidade governamental encontra-se em Santos, W.O. op cit. Appendix 1. Agora, analisarei estatisticamente o comportamento das diversas agremiações político-partidarias no Legislativo brasileiro, no período de 1961 a 31 de março de 1964 para mostrar como efetivamente a desagregação das forças políticas no Congresso tornava inviável o desenvolvimento de qualquer programa de governo mais consistente, devido ao perfil de inconstância das coalizões parlamentares que se constituíram.

Secundariamente ficará claro como a importância dos pequenos partidos não parece ter sido tão grande quanto Arinos sugere em seu diagnóstico. Tomarei como unidade empírica de análise as votações nominais do período e usarei como instrumental de análise os índices de coesão e de semelhança partidárias de Rice.77 O índice de coesão estabelece o grau de integração e/ou divisão interna de cada partido em função da divisão de seus votos a respeito de cada questão submetida a votação. O índice de semelhança estabelece a medida em que dois partidos se assemelham em suas divisões internas em relação às mesmas questões. Para esses e outros índices, ver Anderson, Lee F., Watts Meredith W. & Wilcox, Allen R. Legislative roll call análysis. Northwestern University Press, 1966.

II . Da posse de Jânio Quadros, em 1961, a 31 de março de 1964 houve 110 votações nominais na Câmara dos Deputados do Brasil. Aplicando-se um esquema de classificação substantiva a estas votações nominais, obtém-se a seguinte distribuição.

Quadro 1


Excluindo-se as votações nominais das categorias 7 a 12, com base na estimativa de que não são politicamente significativas, o número total reduz-se para 30. Se tivermos em mente a observação sobre as votações relacionadas à reforma agrária, então o número total se reduz a 21 votações nominais, distribuídas da seguinte forma: seis relacionadas a emendas constitucionais; três a reforma agrária; duas ao capital estrangeiro; oito a procedimentos parlamentaristas; duas sobre locação de prédio urbanos e finalmente a votação nominal relativa à idade para aposentadoria. Outras exclusões são ainda necessárias. Uma das votações nominais referente à reforma agrária pertence ao período Jânio Quadros e tornou-se obsoleta mais tarde. Esta votação nominal referia-se à proposta de Fernando Ferrari de encerrar a discussão sobre reforma agrária e pedia uma votação urgente sobre a matéria. A proposta foi aprovada mas a primeira votação importante sobre o assunto realizou-se somente dois anos mais tarde e não se referia ao projeto de lei sob discussão na época de Ferrari. Consideramos conveniente, portanto, excluir esta votação mantendo a análise dentro do período João Goulart. A votação sobre a questão urbana referia-se à reformulação da legislação regulando o aluguel urbano, e que constituia periódica ação do Congresso, visando proteger os inquilinos. Finalmente, excluiu- se a proposta de redução da idade para aposentadoria. Apesar de poder ser interpretada como instância de um movimento demagógico por parte de alguns partidos ou facções no Congresso ou, por outro lado, ser classificada no item "votações nominais de bem-estar", perdeu sua utilidade comparativa devido a ausência de votações nominais similares. Desta forma, o número final de votações nominais reduziu-se a 18, com a seguinte distribuição: I. emendas constitucionais (1, 2, 10, 11, 14, 15); II. reforma agrária (16,17); III. capital estrangeiro (4, 18); IV. procedimentos parlamentaristas (3, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13). Os números correspondem às posições das votações nominais na relação cronológica apresentada no apêndice 1 apêndice 1 .

A distribuição dos votos por partido para as 18 votações nominais colhidas para análise está contida, em números absolutos e percentuais (com exceção dos votos do PSP, PRP, PTN e MTR), nos quadros 2 e 3, que se seguem (o apêndice 2 apêndice 2 identifica os partidos mencionados nos quadros apenas segundo suas siglas).



Desde logo, o quadro 2 deixa claro que a contribuição dos pequenos partidos para as decisões legislativas era realmente nula. PRP, PL e PSB foram mantidos, entretanto, devido a sua posição ideológica, muito mais do que em função de sua força parlamentar.

Em que medida os partidos brasileiros demonstraram um comportamento consistente no Congresso? Seriam eles partidos homogêneos ou seriam fracionados por lutas entre tendências variadas? Haveria uma variação no comportamento do partido em função das áreas de problemas? Para responder a estas perguntas agregamos os dados dos quadros 2 e 3 segundo as áreas de problemas e calculamos o índice de coesão partidária para cada área. Os quadros 4 a 7 apresentam os resultados.


 





A análise do índice de coesão por áreas de problemas levanta alguns pontos interessantes. Consideremos as votações referentes a emendas constitucionais. Esta é a área na qual o PSB atinge o índice de coesão mais baixo, embora exista consistência no comportamento do partido. Ele apresenta um baixo índice de coesão no que se refere a emendas em favor do parlamentarismo e o valor mais alto possível quando a questão é a de restaurar o presidencialismo. PSD, UDN, PR e PRP, por sua vez, apresentam comportamento de certa forma divergente. Apesar de atingirem altos níveis de coesão durante as votações de emendas parlamentaristas, há uma nítida clivagem referente à emenda do plebiscito. Finalmente, é bastante curioso que o PDC, supostamente um partido de tendência esquerdista, apresente um padrão de evolução semelhante ao dos conservadores.

Os partidos conservadores ou de tendência conservadora, algo divididos quanto a questões constitucionais, desenvolvem comportamento mais coeso no que se refere a questões agrárias. Nesta área não apenas o PTB e o PSB demonstram marcante unidade partidária, mas é também nela que têm que enfrentar uma frente conservadora altamente homogênea. PSD, UDN e PRP também demonstram alto nível de consenso. Esta é a área em que a UDN atinge seu mais alto nível de integração, obtendo o valor 0,88 no índice de coesão. Para o PDC e PSP, ao contrário, as questões agrárias ocasionam nítidas divisões internas. Ambos eram partidos de base predominantemente urbana e seus membros tinham que votar de acordo com persuasões políticas e/ou econômicas, mais do que por cálculos eleitorais, ou para agradar a um dos grandes partidos. Parece que, na ausência de uma diretriz partidária para comandar o voto, uma liberdade de escolha relativamente ampla tende a aumentar a divisão do partido.

Analisaremos agora os resultados apresentados no quadro 6 referente às votações nominais sobre capital estrangeiro. Os efeitos devastadores que a campanha nacionalista produziu nos partidos de centro e de centro-direita são óbvios. Os dois maiores partidos conservadores, UDN, e PSD, dividiram-se quase ao meio nestas questões, atingindo o mais baixo índice médio de valores nas séries de quatro médias. E mais uma vez os partidos de esquerda, PTB e PSB, mostraram uma unidade marcante, muito mais louvável no caso do PTB, se se considera o tamanho da agremiação. Quanto aos demais partidos, parece que uma linha em ziquezague seria a melhor representação de seu comportamento, num momento apresentando elevado índice de coesão, para reduzi-lo drasticamente em seguida.


Cabe considerar, finalmente, as votações nominais referentes às indicações dos primeiro ministros, moções de confiança, moções de censura, e todos os procedimentos que caracterizam a engrenagem do parlamentarismo. Enquanto o PSD parece recuperar, nesta área de problemas, a mesma unidade partidária que existe quanto a questões agrárias, a UDN mais uma vez parece sofrer profundas dissensões internas. Em três episódios o partido dividiu-se ao meio, e em duas outras ocasiões o índice de coesão foi menor que 0,50. O PR é outro dos partidos conservadores que não absorveu as tensões políticas durante o período do parlamentarismo. Em cinco das oito votações localizou-se abaixo de 0,50. E, mais uma vez, os partidos de orientação ideológica mais bem articulada foram os que revelaram maior possibilidade de manter coesos seus membros. O PL, o PRP e o PTB são, entre os nove partidos, os que apresentam índices de coesão mais altos.

A análise dos quadros revelou que alguns partidos obtiveram maior sucesso na manutenção de seus membros dentro dos limites da disciplina partidária. Outros, dependendo da questão em foco, variavam amplamente quanto a sua unidade. No entanto poderia ter acontecido que as variações de um partido numa área de problemas fossem compensadas pelas variações de outro em outra área, de tal forma que, no final, a posição relativa dos partidos não variasse tanto quanto se poderia supor a partir de uma análise de índices isolados. Em outras palavras, dos resultados até aqui apresentados não é possível ainda deduzir que a posição relativa de um partido na escala de coesão referente a uma área seja necessariamente inconsistente com sua posição relativa na mesma escala, já agora referindo-se a outra área de problemas.

Para verificar esta possibilidade, calculou-se a correlação de ordem entre os índices de coesão dos partidos e as áreas de problemas (Rô de Spearman). Os resultados estão apresentados no quadro abaixo.

Das seis associações, cinco não parecem apresentar correlação entre a coesão do partido em uma área e sua coesão em outra, em comparação com os índices dos demais partidos. Somente as áreas I e IV apresentam resultado um pouco menos desalentador, mas o valor obtido é ainda muito pequeno para ser considerado de alguma importância preditiva. Ao contrário, se há alguma conclusão preditiva decorrente deste quadro é a de que a ausência de correlações de ordem entre os índices de coesão dos partidos e as áreas de problemas implica que as coalizões parlamentares tendem a variar bastante de uma área para outra.

Esta inferência, se confirmada, será de grande valor para a presente discussão. A variação nas coalizões parlamentares como função da variação no conjunto de questões políticas significaria alto nível de instabilidade governamental devido à ausência de um apoio contínuo a ser esperado do Congresso. A conquista do Congresso pelo governo teria que ser um processo contínuo, diário, se possível.

O problema das coalizões parlamentares flutuantes pode ser abordado pela análise das votações nominais segundo o índice de semelhança de Rice, que mede o movimento dos partidos na mesma direção, com base na proporção relativa de seus membros que votam da mesma maneira. O índice foi calculado para cada partido em comparação com todos os demais, controlando por áreas de problemas. Os resultados seguem-se nos quadros 9 a 12.


 





Considere-se a área de problemas constituída pelas emendas constitucionais. Tomando-se apenas os índices com valor igual ou superior a 0,80, é possível discriminar, à primeira vista, nove coalizões, a saber: 1. PSD + UDN + PSP + PR + PDC; 2. PTB + PSB; 3. UDN + PSD + PDC + PL; 4. PSP + PSD + PSB + PDC; 5. PR + PSD + PDC; 6. PSB + PTB + PSP; PDC + PSD + UDN + PSP + PR + PL; PRP; 9. PL + UDN + PR + PDC. Inspeção mais rigorosa, entretanto, mostra que, apesar de fragmentado, o Congresso brasileiro não carecia de uma racionalidade política. As coalizões 1 e 3, por exemplo, são as mesmas com as seguintes alterações: a) o PL não pertence à coalizão 1; b) o PR e o PSP não pertencem à coalizão 3. E a mesma razão explica a ausência do PL e do PSP nas coalizões correspondentes: diferiam quanto à antecipação do plebiscito para janeiro de 1963 e quanto à primeira votação nominal para o restabelecimento do presidencialismo no Brasil. O PR não se inclui em 3 pela mesma razão. A coalizão 4 não corresponde à coalizão 1 por causa da presença do PSB na primeira delas. Por sua vez, a coalizão 6 é a coalizão 2, excluindo-se da primeira o PSP. O que trouxe o PSP e o PSB para a mesma coalizão foram as votações nominais referentes à emenda constitucional parlamentarista e nada mais. Isto explica a presença do PSB na 4 e a do PSP na 6. Finalmente, a razão de aparente coalizão em que o PDC se alia a todos os partidos, excluindo-se a coalizão 2 e o PRP, é muito simples. O PDC partiu-se ao meio na votação referente à antecipação do plebiscito, e desta forma tornouse semelhante tanto àqueles que votaram a favor quanto àqueles que votaram contra. Quanto às demais votações, o PDC alinhou-se consistentemente com a coalizão 1.

Excluindo-se o caso do PRP, quase sempre isolado diante de questões constitucionais, existiam na verdade somente duas coalizões parlamentares na área de emendas constitucionais. Uma, incluindo PSD, UDN, PSP, PR, PDC e PL, que se desfez apenas em relação à antecipação do plebiscito para janeiro de 1963. Esta foi a questão que originou todas as outras aparentes coalizões. A segunda constituída pelo PTB e PSB, diferenciando-se das demais sobretudo por sua reação às emendas parlamentaristas (1, 2), e à manobra PSD/UDN buscando evitar o plebiscito através da aprovação de um projeto que o adiasse para o primeiro semestre de 1963 (votação nominal n.º 10).

A evolução do processo de articulação de coalizões, nesta área de problemas, parece portanto apresentar os seguintes pontos salientes: .

a) emenda parlamentarista, em setembro de 1961. Todos os partidos se unem favoravelmente à emenda, isolando o PTB e o PSB. Além disso, o PSB estava dividido quanto à questão, tendo seu índice de coesão atingido o mínimo nestas votações;

b) emenda constitucional, de 13 de setembro de 1962, antecipando o plebiscito para o primeiro semestre de 1963, proposta pela aliança PSD/ UDN. Este movimento provocou a divisão dos próprios PSD e UDN - é nesta votação que apresentam os índices de coesão mais baixos - isolando-os, e uniu todos os demais partidos. A seqüência dos acontecimentos, na época, foi a seguinte: a emenda foi derrotada, o Gabinete Brochado da Rocha resignou, o Comando Geral dos Trabalhadores convocou uma greve geral e o Gal. Jair Dantas Ribeiro emitiu seu famoso pronunciamento sobre a situação crescentemente incontrolável no Sul;88 A 13 de setembro de 1962, na seqüência da greve geral convocada pelo Comando Geral dos Trabalhadores e da renúncia do Gabinete Brochado da Rocha, de tendência esquerdista, o Gal. Jair Dantas Ribeiro, comandante do III Exército, enviou ao Ministro da Guerra um telegrama, a que deu publicidade, afirmando que não teria condições de manter a ordem na região sob sua jurisdição caso o Congresso persistisse em não antecipar o plebiscito que deveria estabelecer a volta do regime presidencialista.

c) a 14 de setembro de 1962, uma emenda antecipando o plebiscito para janeiro de 1963 foi aprovada, com a derrota da coalizão do extremo conservador - UDN, PRP e PL - e fragmentando o PDC.

Analisando agora a área de reforma agrária, defrontamo-nos com panorama diferente. Três principais coalizões parecem ter-se formado nesta área. A primeira - PSD + PR + PDC - estava consistentemente em oposição às propostas de reforma agrária postas em votação. Segue-se a já conhecida coalizão de esquerda, formada pelo PTB + PSB, favorecendo a proposta de reforma agrária do PTB, e lutando contra o projeto proposto pela UDN. Finalmente, a coalizão da ala direita constituída pela UDN + PRP + PL numa posição exatamente oposta à da coalizão esquerdista. Numa situação marginal, a coalizão PSP + PDC sem significado político. A explicação deste resultado é simples: o PSP era contra a proposta da UDN, o que o aproximava da oposição do PDC, e estava dividido em relação ao PTB; considerando que o PDC era mais contrário à proposta da UDN do que à do PTB, aproximou-se do PSP, devido ao comportamento de oposição deste último. Esta área de problemas, aliás, provocou alta tensão entre os membros do PDC e do PSP: o índice médio de coesão destes partidos nesta área foi o mais baixo, sendo respectivamente 0,48 e 0,17.

Comparando estes últimos resultados com descobertas precedentes parece que a questão da reforma agrária era suficientemente conflitante para fragmentar a grande coalizão constitucional conservadora, empurrando a UDN e o PL para o lado radical do PRP e dividindo o PSP. Somente a coalizão de esquerda constituída pelo PTB + PSB se mantém estável diante da questão agrária. Contudo a própria coalizão de esquerda irá mostrar um perfil surpreendente em relação à próxima área de problemas, a do capital estrangeiro.

Para começar, apenas dois partidos apresentam índices de coesão acima de 0,80 nesta área: PTB e PSB. Para o PSD, assim como para a UDN, esta área surgia como um campo minado. Eles chegaram ao ponto mais baixo da coesão partidária, e a UDN quase se divide em duas. Segue-se a relação das coalizões aparentes à primeira vista: 1. PSD + UDN; 2. PTB + PSP + + PDC + PRP; 3. UDN + PSD; 4. PSP + PTB + PRP + PL; 5. PR; 6. PSB; 7. PDC+ PTB; 8. PRP + PTB + PSP; 9. PL + PSP + PRP.

A coalizão 3 se inclui nal, a7ea8ha2ea9 na 4. A situação do PSB já foi explicada na nota do quadro 6. A razão pela qual o PL aparece com o PSP mas não com o PTB, tornando a coalizão 9 diferente da 2, é a votação nominal n.º 4, onde o PSP e o PL apoiam o projeto de Celso Brant menos entusiasticamente que o PTB. O PDC, por sua vez, se alinha ao PTB mas não ao PSP, precisamente porque se assemelhava ao PTB, e na votação nominal n.º 18 estava mais próximo deste último do que do PSP. O PR, finalmente, era o partido isolado nesta área.

A distribuição de forças políticas nesta área parece ter sido a seguinte: uma grande coalizão a favor da regulamentação do capital estrangeiro, os partidos de direita e de centro-direita profundamente divididos quanto ao assunto, e portanto com menor capacidade de influência, e o outro partido de centro-direita (PR) isolado. A grande coalizão constitucional não funcionou nesta área, obviamente, e a coalizão agrário-conservadora também se desfez. Algumas mudanças ocorreram também na "esquerda". O papel do PSB na coalizão diminuiu pela associação simultânea do PRP, partido de extrema direita e do PL, por um lado, e a do PDC ao PTB, fiel afinal à sua retórica revolucionária. Fica claro, agora, que um governo que teve de depender de tal coalizão parlamentar para implementar políticas relacionadas ao capital estrangeiro não poderia esperar muito na questão de reforma agrária, onde perdia o apoio do PRP, e especialmente quando a política oficial, nesta área, estava associada à necessidade de emendas constitucionais, o que acabava de liquidar a coalizão pela saída do PDC e PSP, e simultânea solidariedade partidária do PSD e UDN.

O período em que o Brasil experimentou o regime parlamentarista foi pequeno. Não obstante, a engrenagem parlamentar posta em marcha por este regime levou à formação de um padrão de coalizão diferente dos previamente descritos. À primeira vista, as coalizões foram as seguintes: 1. PSD + PSP + PDC; 2. PTB + PSB; 3. UDN + PR; 4. PSP + PSD + + PSB; 5. PR + UDN; &. PSB + PTB + PSP; 7. PDC +PSD; 8. PRP; 9. PL.

Aparentemente, esta foi a área que provocou a maior fragmentação partidária. O PSP, embora sempre mais próximo do PTB do que do PSD, aparece agora na coalizão 1, liderada pelo PSD. Havia duas razões para isto: o voto do PSP na votação nominal n.º 7, e seu apoio moderado a Brochado da Rocha na votação nominal n.º 9. Isso modifica a posição do PSP retirando-o da área de influência do PTB e levando-o para a do PSD. Mas não são estas as razões pelas quais o PSB aparece na coalizão 4 ou o PSP na 6. O que uniu o PSP foi o fato deste último ter-se dividido ao meio na votação nominal n.º 3, e o PSP na votação nominal n.º 6. Divisões marcantes em outros dois partidos - UDN e PR - fizeram com que se unissem em inesperada coalizão em questões de maquinaria parlamentaristas.

Supõe-se em geral que o PR tenha sido um aliado tradicional do PSD e a análise confirmou esta suposição nas áreas de reforma agrária e emendas constitucionais. As questões de capital estrangeiro conduziram o PR a uma posição de isolamento e, finalmente, nos procedimentos parlamentaristas, as divergências entre os representantes do PR foram levadas ao máximo. Foi nesta área que o PR atingiu seu mais baixo nível no índice de coesão (0,39). A UDN também estava profundamente dividida no que se referia a questões parlamentaristas, com um índice de coesão abaixo de 0,50 e, conseqüentemente, alinhada ao PR. A primeira vista, a coalizão n.º 5 expressa a similaridade da indecisão muito mais do que a similaridade de orientações políticas.

Cortados do partido que seguiam normalmente - UDN - devido à polarização deste último, o PL e o PRP não eram capazes, por sua vez, de formar um acordo entre si estabelecendo uma direção a seguir. Não formaram coalizão e votaram assistematicamente. Finalmente, apenas o PTB e o PSB permanecem de novo unidos.

III. A análise dos dados das votações nominais, aparentemente confirma a antecipação de que as coalizões parlamentares tenderam a apresentar diferentes perfis para áreas de problemas diferentes. Partidos que atuaram juntos em uma área muito provavelmente estariam em lados opostos diante de outro conjunto de problemas. Embora o número total de votações nominais não seja grande, parece plausível propor a conclusão de que a crescente fragmentação e polarização realmente levaram a formação de coalizões ad hoc, isto é, coalizões para vetar políticas - votações nominais n.os 10, 16, 17.

Além disso, a análise das coalizões parlamentares sugere a proposição de que tanto as coalizões que pretenderam impedir políticas quanto as que sustentavam políticas eram instáveis, tornando mais difícil a manutenção de um padrão consistente e contínuo de output do Legislativo. PTB e PSB parecem ter formado o grupo mais estável no Congresso, sem ser no entanto forte o suficiente para superar a oposição vinda de outras esferas. A UDN aparece como um tempestuoso partido, o mais dividido dos grandes partidos, sem condições portanto de liderar uma coalizão estável e consistente de oposição. Finalmente, o PDC parece ter-se filiado à esquerda apenas em retórica, alinhando-se com o PSD na maioria das questões. Na medida em que o Legislativo brasileiro era, no período considerado, e por razões constitucionais, o principal canal para a aprovação de medidas de reformas sociais e institucionais reclamadas pela sociedade, fica configurada uma situação de crise e instabilidade governamental onde nem o governo tinha condições estáveis de governo, nem a oposição possuía condições estáveis de oposição.

APÊNDICE 1

1. Emenda constitucional mudando o regime para o parlamentarismo (2.09.61) (primeira votação nominal).

2. Emenda parlamentarista (2.09.61) (segunda votação nominal).

3. Moção de Confiança ao Gabinete de Tancredo Neves (20.09.61).

4. Projeto de Celso Brant limitando a remessa de lucros (20.11.61).

5. Moção de Censura ao Ministro das Relações Exteriores, San Thiago Dantas (20.05.62).

6. Rejeição da indicação de San Thiago Dantas para Primeiro-ministro (28.06.62).

7. Indicação de Auro Moura Andrade para Primeiro-ministro (12.07.62).

8. Indicação de Brochado da Rocha para Primeiro-ministro (9.07.62).

9. Moção de Confiança ao Gabinete de Brochado da Rocha (13.07.62).

10. Emenda constitucional antecipando o plebiscito para o primeiro semestre de 1963 (13.09.62).

11. Emenda constitucional antecipando o plebiscito para 6 de janeiro de 1963 (14.09.62).

12. Indicação de Hermes Lima para Primeiro-ministro (29.09.62).

13. Moção de Confiança ao Gabinete de Hermes Lima (6.12.62).

14. Emenda constitucional restabelecendo o presidencialismo (22.01.63) (primeira votação nominal).

15. Emenda constitucional restabelecendo o presidencialismo (22.01.63) (segunda votação nominal).

16. Projeto de reforma agrária de Milton Campos (7.08.63).

17. Expropriação de terras do PTB (Goulart) (7.10.63).

18. Projeto de Sérgio Magalhães impedindo agências públicas de proteger empréstimos estrangeiros ao Brasil quando feitas por firmas estrangeiras (7.11.63).

Fonte: Anais do Congresso.

APÊNDICE 2

Lista dos partidos brasileiro até 1964.

PSD - Partido Social Democrático

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

UDN - União Democrática Nacional

PSP - Partido Social Progressista

PR - Partido Republicano

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PDC - Partido Democrata Cristão

PRT - Partido Republicano Trabalhista

PST - Partido Social Trabalhista

PRP - Partido de Representação Popular

PL - Partido Libertador

PTN - Partido Trabalhista Nacional

MTR - Movimento Trabalhista Renovador

  • 1 Mello Franco, Afonso Arinos de. A evolução da crise brasileira. Companhia Editora Nacional, 1965.
  • 4 Lijphart, Arendt. The politics of accomodation - plurálism and áemocracy in the Netherlands. University of Califórnia Press, 1968.
  • 5 Para uma discussão da composição partidário-político-ideológica do Legislativo brasileiro, ver Santos, Wanderley Guilherme dos. Impass and crisis in Brazüian politics. Ph.D. dissertation (first draft), Stanford University, 1972. cap. 2.
  • 7 O índice de coesão estabelece o grau de integração e/ou divisão interna de cada partido em função da divisão de seus votos a respeito de cada questão submetida a votação. O índice de semelhança estabelece a medida em que dois partidos se assemelham em suas divisões internas em relação às mesmas questões. Para esses e outros índices, ver Anderson, Lee F., Watts Meredith W. & Wilcox, Allen R. Legislative roll call análysis. Northwestern University Press, 1966.

apêndice 1

apêndice 2

  • 1
    Mello Franco, Afonso Arinos de.
    A evolução da crise brasileira. Companhia Editora Nacional, 1965. O livro é composto de artigos jornalísticos escritos antes e após o movimento político-militar de 1964. O trecho transcrito faz parte do artigo A crise e o Poder Legislativo, p. 52.
  • 2
    Mello Franco, A.A. Id. ibid. p. 51-2.
  • 3
    Cf., por exemplo, Douglas Rae.
    The politicai consequences of electoral laws. Yale University Press, 2.ª edição, 1970.
  • 4
    Lijphart, Arendt.
    The politics of accomodation - plurálism and áemocracy in the Netherlands. University of Califórnia Press, 1968.
  • 5
    Para uma discussão da composição partidário-político-ideológica do Legislativo brasileiro, ver Santos, Wanderley Guilherme dos.
    Impass and crisis in Brazüian politics. Ph.D. dissertation
    (first draft), Stanford University, 1972. cap. 2. Analise estatística revelou que, embora a fragmentação partidária permanecesse mais ou menos estável - o número de partidos entre 1945 e 1964 variou entre nove e 11 - a fragmentação eleitoral aumentou consistentemente. Muito mais importante todavia é o fato de que a fragmentação era politicamente orientada, isto é, distribuía-se entre partidos de orientação ideológica marcada, os quais terminavam por formar coalizões de força mais ou menos equivalentes.
  • 6
    A formalização de uma teoria que estabeleceu diferentes sentidos de causalidade entre fragmentação, radicalização e instabilidade governamental encontra-se em Santos, W.O. op cit. Appendix 1.
  • 7
    O índice de coesão estabelece o grau de integração e/ou divisão interna de cada partido em função da divisão de seus votos a respeito de cada questão submetida a votação. O índice de semelhança estabelece a medida em que dois partidos se assemelham em suas divisões internas em relação às mesmas questões. Para esses e outros índices, ver Anderson, Lee F., Watts Meredith W. & Wilcox, Allen R.
    Legislative roll call análysis. Northwestern University Press, 1966.
  • 8
    A 13 de setembro de 1962, na seqüência da greve geral convocada pelo Comando Geral dos Trabalhadores e da renúncia do Gabinete Brochado da Rocha, de tendência esquerdista, o Gal. Jair Dantas Ribeiro, comandante do III Exército, enviou ao Ministro da Guerra um telegrama, a que deu publicidade, afirmando que não teria condições de manter a ordem na região sob sua jurisdição caso o Congresso persistisse em não antecipar o plebiscito que deveria estabelecer a volta do regime presidencialista.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1973
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