Acessibilidade / Reportar erro

Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio

José Carlos Garcia Durand

Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio

Por Luiz Antonio Rodrigues da Cunha. Eldorado, 1973. (Coleção Reta.)

A maior parte dos técnicos em planejamento educacional no Brasil cerrou fileiras, a partir de uns 10 ou 15 anos atrás, em torno de uma proposição: o ensino médio tradicional é muito pouco eficaz, posto que não profissionaliza, e deve ser substituído por uma formação prática, de caráter técnico, encerrando em si a terminalidade escolar, com duas vantagens para o sistema universitário e para o mercado de trabalho: evitar a pressão crescente de candidatos à universidade e as frustrações que a acompanham e sobretudo abastecer de técnicos o parque produtivo.

O autor mostra que, em verdade, esta posição se estribava em um pressuposto perigoso, ou seja, a suposição de uma enorme escassez de mão-de-obra técnica não confirmada por levantamentos fidedignos e abrangentes - o que lhe permite levantar uma dúvida legítima: ainda que se possa falar de escassez de técnicos industriais com base na magnitude da taxa privada de retorno do investimento em educação técnica, isso não diz qual a quantidade de técnicos industriais ainda empregáveis aos níveis salariais atuais (p. 148). Em linguagem mais corrente ele pergunta com procedência se um pequeno acréscimo no contingente de técnicos industriais não é capaz de fazer - por força da lei da oferta e da procura - descer o seu nível salarial abaixo da média de remuneração das demais ocupações preenchidas por egressos de cursos de nível médio não técnico. Em caso positivo, fica questionada a eficácia e a oportunidade da conversão de todo o ensino de nível médio a um objetivo de formação profissional.

Como o autor parece endossar este ponto de vista, baseando-se não em cálculos próprios de necessidades de mão-de-obra técnica, mas na sintomática ausência de uma pressão concreta dos empresários sobre o sistema educacional, expressa na inexistência de estimativas sérias da real carência de técnicos, somos levados a constatar a discrepância crescente entre o que ele chama função manifesta (formação de mão-de-obra) e latente (contenção de aspirações de ascensão social, pelo desvio ao mercado de trabalho de jovens aspirantes à universidade) do novo ensino médio, tal como reestruturado pela Lei n.º 5 692/71 - Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1.º e 2.º graus.

O objetivo do trabalho é mostrar que nesta discrepância está o caráter ideológico (encobrimento dos reais objetivos da política educacional), uma vez que: a) a função manifesta de formação de mão-de-obra não é o objetivo fundamental da reversão do sistema educacional do tradicional ao técnico, mas sim, b) o alvo mais premente é evitar o perigo político da canalização a movimentos estudantis de contestação das aspirações ascensionais de uma ampla camada de jovens, que nem o sistema universitário pode comportar, nem a esfera produtiva pode admitir como recursos de nível superior, em seus respectivos ramos de especialização.

Como, segundo o autor, a aspiração ascensional está mais intimamente radicada na estrutura social vigente, ao passo que a necessidade de mão-de-obra é mais virtual que real, era de se esperar e realmente ocorreu que, na sua efetivação, o novo ensino técnico passasse cada vez mais a desempenhar a função propedêutica à universidade que sua "filosofia" negava. A prova disso estaria tanto na organização curricular baixada pela lei mencionada (que introduz homogeneidade na intensidade das cargas de cultura geral e técnica para todos os setores do ensino médio) quanto no fato constatado de que é elevada a proporção de egressos de cursos técnicos que se candidatam e matriculam-se na universidade (p. 109-10). Ora, como o novo ensino técnico ainda é inferior no preparo à universidade do que o restante do sistema de ensino médio e, como, por outro lado, a formação de mão-de-obra não acaba con-vertendo-se em empregos efetivos, Luiz Antonio é levado a uma crítica contundente: ..."o uso do ensino técnico industrial como paradigma do novo ensino médio profissional poderá ser um grande erro de planificação educacional", (p. 130.) Isto é, o novo sistema deprime sua eficiência propedêutica sem ganhar efetivamente na terminalidade almejada, donde (ainda segundo o autor) continua a ser elitista e com produtividade menor.

Duas observações nos sugere o trabalho em exame: a primeira, de ordem metodológica, consiste em questionar o uso da dicotomia função manifesta/função latente para caracterizar objetivos declarados e não declarados: da política educacional sob exame. Ora, se o objetivo de conter aspirações "irrealizáveis" de ascensão social está presente em (pelo menos) algumas das citações de autoridades educacionais que o autor apresenta (ver p. 111, por exemplo), ela não pode ser considerada latente; segundo o paradigma da análise funcionalista de Merton, só é legítimo ao sociólogo falar de funções latentes para correspondências entre a instituição, processo, padrão cultural etc. e a estrutura social que, por fugirem à consciência dos agentes envolvidos no processo, podem ser reivindicadas pelo sociólogo como descoberta sua.

A segunda crítica, de ordem empírica, diz respeito à tentativa de provar que o novo sistema, de ensino técnico esteja acentuando o caráter elitista (p. 110) da educação brasileira, com base na apresentação de estatísticas que revelam elevada proporção de técnicos de nível médio concorrendo ou freqüentando a universidade. Para que a tese seja sustentável, é preciso mostrar que os egressos do curso técnico não estejam trabalhando como técnicos industriais enquanto cursam a faculdade, ou, mais genericamente, que sua formação escolar pré-universitária não os esteja auxiliando de qualquer forma a sobreviver na condição de universitários, com alguma vantagem sobre os que se formaram no ensino tradicional. Se isso estiver ocorrendo, e dado que a clientela do ensino técnico, principalmente o industrial, provém das assim chamadas camadas sociais de baixa renda, é de convir que a nova política educacional se constitua de abertura e não de restrição de oportunidades.

Excetuadas as observações, é de se ressaltar ser a obra uma séria e bem organizada exploração da constituição, evolução e transformações do ensino técnico no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1973
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br