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Considerações sobre adoção do conceito mercadológico no Rio Grande do Sul

COMENTÁRIOS

Considerações sobre adoção do conceito mercadológico no Rio Grande do Sul

Astor Haxsel

Professor do Curso de Administração de Empresas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

1. INTRODUÇÃO

Tem-se verificado nos últimos anos no Rio Grande do Sul, por parte das empresas industriais, uma tendência para adoção da filosofia empresarial de orientação para o mercado que se contrapõe à orientação para a produção, adotada anteriormente. Andrew Powell, em sua tese de doutoramento, realizada em 1967, concluiu que os empresários gaúchos possuiriam visão mercadológica Jdêntica à dos paulistas, faltando, porém, aos primeiros "talento profissional que capitalizasse a boa visão de mercado existente".1 1 Powell, Andrew Foster. An analysis of factors influencing the use of marketing research bym anufactures in Brazil. Michigan, MSU, 1968. A intensificação do processo competitivo, os formandos em administração de empresas, os cursos livres de mercadoiogia para empresários e o maior número de publicações especializadas têm sido os principais agentes atuando no sentido de adoção do conceito mercadológico no estado.

Dentro deste contexto ainda se observa, entretanto, práticas e procedimentos mercadológicos que não se revelam como sendo de orientação para o mercado. São técnicas que não se ajustam à filosofia de orientação para o consumidor. O propósito deste artigo é justamente tecer comentários sobre algumas dessas técnicas e indicar alguns caminhos para um melhor ajustamento delas ao conceito, especificamente para o setor industrial.

A seleção das técnicas e procedimentos para exame foi feita em função de sua não-adequação a um ou mais aspectos do que definimos ser orientação mercadológica para efeito deste trabalho:2 2 Hise, Richard T. Have manufacturing firms adopted the marketing concept? Journal of Marketing, v. 29, p. 9 July, 1965.

a) orientação para o consumidor, isto é, conhecimento dos desejos e necessidades dos consumidores, antes do início do processo mercadológico;

b) busca de lucratividade nas operações mercadológicas;

c) uma estrutura organizacional em que todas as atividades mercadológicas são executadas pelo departamento mercadológico e onde também o executivo máximo da área possui no organograma geral da empresa, posição igual à dos executivos máximos das áreas de produção e finanças.

A experiência em consultoria e os seminários de mercadologia coordenados pelo autor serviram de base para a generalização sobre a situação no presente momento, no Rio Grande do Sul, das técnicas escolhidas. O quadro 1, a seguir, sintetiza as áreas e as técnicas selecionadas para análise. Entendemos, ainda, que tais técnicas não esgotam a definição de tópicos da tecnologia mefcadclógica que devem ser aperfeiçoados no estado.

2. ORGANIZAÇÃO

Um dos pontos fundamentais para que a orientação mercadológica seja adotada é o de que a estrutura da organização seja estabelecida em função desse objetivo. "Uma orientação para os consumidores por parte da' alta direção não é suficiente. A orientação precisa ser suportada por modificações organizacionais dentro da empresa".3 3 Kotier, Philip. Marketing management; analysis, planning and control. New Jersey, Prentice-Hall, 1967. p. 8.

Embora não haja forma fixa para uma estrutura organizacional mercadológica, pois esta deve ser adaptada a cada situação, ela deveria pelo menos satisfazer às seguintes condições básicas:4 4 Sturdivant, Frederick D. & outros. Managerial analysis in marketing. Illinois, Scott, Foresman & company, 1970. p. 284; Hise, Richard T. Have manufacturing firms adopted the marketing concept? op. cit. p. 11.

a) executivo máximo da área mercadológica, com alto status e que influencie em todos os estágios do processo decisório e nos planos a longo prazo de sua empresa;

b) integração de todas as funções mercadológicas sob responsabilidade do executivo máximo da área mercadológica.

A estrutura organizacional das empresas no estado ainda se encontra bastante distanciada do que seria desejável para uma orientação mercadológica. Basicamente, os seguintes aspectos podem ser observados:

1. Não-definição da área mercadológica como uma unidade à parte na estrutura existente, separada de produção e finanças.

2. Baralhamento da área mercadológica com outras áreas.

3. Funções mercadológicas exercidas por diversos departamentos.

4. Cargo de chefia de vendas (direção dos vendedores e representantes), representando o mais alto nível mercadológico formalizado na estrutura da empresa.

5. Decisões sobre produto de responsabilidade da área de produção e decisões de preço e propaganda tomadas pela direção administrativo-financeira.

Tendo em vista esses aspectos e observando que cada empresa deve buscar ajustamentos organizacionais próprios, formulamos as seguintes sugestões, no sentido de adaptação da estrutura orgânica das empresas do estado para real adoção da filosofia mercadológica:

1. Criação de uma diretoria de mercadização, ao mesmo nível das demais diretorias executivas (produção, finanças, etc). Como muitas empresas possuem um chamado diretor comercial exercendo muitas vezes funções em diversas áreas (compras, obtenção de financiamentos, concessão de crédito, direção de vendas, propaganda, etc), poder-se-ia transformar a sua posição de tal forma que todas e exclusivamente as funções mercadológicas fossem agrupadas sob sua responsabilidade. Evidentemente, um treinamento técnico e de preparo para essa mudança se tornará necessário.

2. Reunião de todas as funções mercadológicas sob responsabilidade do executivo máximo mercadológico (já visto no item anterior).

3. Criação de assessoria e órgãos de linha dentro da área mercadológica, como gerente de pesquisa mercadológica, gerente de vendas, gerente de propaganda, gerente de distribuição, etc.

3. PESQUISA MERCADOLÓGICA

"O ponto de partida para o estabelecimento de qualquer programa mercadológico orientado para o desejo dos consumidores é a existência de um departamento de pesquisa mercadológica. A algum órgão da empresa deve ser atribuída a responsabilidade de determinar especificamente quais são os desejos dos consumidores".5 5 Id. ibid. p. 10. "É difícil para uma empresa, sem um departamento de pesquisa mercadológica, afirmar que está seguindo o conceito mercadológico, pois um dos fundamentos desse conceito é o de que, para se orientar para o consumi99 dor, é preciso conhecer seus desejos e necessidades."6 6 Sturdivant Frederick D. & outros, op. cit. p. 298.

Andrew Powell,7 7 Powell, Andrew Foster, op. cit. em sua tese de doutoramento, conclui que a visão mercadológica é ponto fundamental para utilização de pesquisa mercadológica pelas empresas. As empresas cujos administradores tivessem uma boa visão mercadológica tenderiam a utilizar mais pesquisa mercadológica que as outras. Quanto ao Rio Grande do Sul, ainda no mesmo trabalho há os seguintes comentários:

a) grande parte dos entrevistados possuem boa visão mercadológica;

b) existe na estrutura das empresas pouca especialização administrativa;

c) não existe conhecimento específico quanto às técnicas de pesquisa mercadológica;

d) das 25 empresas analisadas no estado, somente três usavam pesquisa mercadológica regularmente e destas apenas duas possuíam departamento de pesquisa mercadológica.

A situação nos últimos anos tem evoluído favoravelmente à adoção de pesquisa mercadológica no estado, principalmente como conseqüência dò grande número de formandos em administração de empresas e também dos cursos de mercadologia e pesquisa oferecidos por órgãos ligados às classes empresariais. Estudos que visem a determinação de potenciais, quotas e previsões, a partir de dados secundários, têm-se tornado mais comuns. Prevalece, entretanto, a pouca freqüência de pesquisas que busquem dados primários.

Para utilização mais intensa de pesquisa merca dológica no estado por parte dos empresários, for mulamos as seguintes sugestões:

1. Criação, dentro da estrutura organizacional de empresa, de um órgão responsável por pesquisa mercadológica evidentemente ajustado ao tamanho e objetivos visados.

2. Caberia a esse órgão fundamentalmente a assessoria ao processso decisório, basicamente como consequência da manipulação de dados secundários, de origem interna e externa. De um modo específico, poderia caber a esse órgão funções de análise de vendas, determinação de potenciais, determinação de quotas, análise da rentabilidade da linha de produtos, etc.

3. Intensificação da assimilação das técnicas de pesquisa mercadológica pela contratação de técnicos em administração e também pela freqüência aos cursos livres oferecidos sobre o assunto.

4. PRODUTO

Diretamente ligado ao aspecto anterior em que se salientou a dificuldade de se conhecer o gosto e o desejo dos consumidores devido à inexistência de pesquisa mercadológica, a formulação da estratégia dé produto faz-se a partir daquilo que o empresário julga ser o gosto e os hábitos dos consumidores que, na maioria das vezes, identificam os seus próprios padrões.

A par da inexistência de pesquisa mercadológica, outro fato negativo na definição de produto consiste em que, no estado, o produto é determinado, na grande maioria das vezes, exclusivamente pela área de produção. O problema ganha maior vulto se levarmos em conta que engenheiros, dirigentes dos departamentos de produção, são, por formação, orientados para produção.8 8 Sturdivant, Frederick D. & outros, op. cit. p. 293.

O conceito da qualidade do produto é, especificamente, um dos aspectos que se observa mais dissociado do mercado. A qualidade tem sido estabelecida em função dela própria e não de acordo com o que o consumidor deseja quanto à qualidade e o que está disposto a pagar por ela. São freqüentes frases que revelam uma nítida orientação para a produção: "Para vendermos mais, o que precisamos fazer é melhorar a qualidade", ou "tendo qualidade, um produto vende por si só". O valor da pesquisa mercadológica na orientação da qualidade do produto fica evidenciado pelo seguinte caso, ocorrido com formandos em administração na cadeira de prática profissional:

Uma indústria de utensílios domésticos possuía funcionária antiga selecionando, segundo padrões de qualidade estabelecidos há muitos anos por técnicos da área de produção, os produtos que. deveriam pertencer à linha de qualidade normal, e outros de segunda categoria, que seriam vendidos por um preço menor. Pesquisa realizada por graduados em administração mostrou que os consumidores não eram capazes de diferenciar grande parte dos produtos classificados como de segunda categoria dos de categoria normal. Conseqüência: mais amplitude nos limites que definiam os produtos normais.

O caminho para solução do problema da nãodefinição do produto em função do consumidor deveria observar, fundamentalmente, dois pontos:

1. Utilização de pesquisa mercadológica para auscultar gosto e desejos dos consumidores.

2. Participação do executivo mercadológico de maneira efetiva na formulação da estratégia de produto; ambas as soluções estão associadas a tópicos anteriores em que recomendávamos a criação de um departamento de pesquisa mercadológica e de um departamento de vendas que coordenasse os elementos da estratégia mercadológica.

5. PREÇO

A fixação do preço de venda, no estado, é feita fundamentalmente a partir dos custos do produto, considerando-se somente em segundo plano os fatores relativos a concorrência e demanda. De uma forma simplificada, o método usado chega ao preço de venda, considerando os custos que podem ser atribuídos diretamente ao produto, adicionando-se-lhes certa quantia que representaria a parte do produto na distribuição dos custos fixos totais e mais determinada parcela de lucro desejado, em geral expressão dé um percentual fixo aplicado sobre os custos.

O critério em uso impossibilita, peia sua rigidez, o ajustamento para cima e para baixo que poderia ser bastante lucrativo e se constitui em procedimento que não revela orientação para o mercado. Staud e Taylor observam que a fixação do preço de venda basicamente a partir dos custos "não se adapta ao comportamento gerencial no qual a ação administrativa da firma é vista como dirigida a objetivos em que as forças do mercado determinam as maneiras como os fatores de produção e mercadologia serão combinados para melhor explorar as oportunidades de lucro".9 9 Staudt, Thomas A. & Taylor, Donald A. A managerial introduction to marketing. New Jersey, Prentice-Hall, 1965, p. 479.

Acreditamos que o critério usado se baseia principalmente na simplicidade administrativa de seu uso e em valores éticos que acreditam na justiça social, para consumidores e vendedores, de uma política de fixação de preços a partir dos custos.

Os caminhos a explorar na administração de preços, no estado, situam-se tanto em variações para cima10 10 Nas variações para cima, o CIP (Comissão Interministerial de Preços) estabelece limites de aumento. como para baixo. Um programa para aperfeiçoar o processo decisório relativo a preço deveria envolver os seguintes aspectos.

1. Análise da política de preços conjuntamente com os demais instrumentos mercadológicos, como produto, propaganda, canais de distribuição, etc.

2. Uma análise da demanda e da concorrência. Perguntas sobre reações da demanda, concorrência, custos e lucro total a diferentes níveis de preço deveriam ser constantemente formuladas.

3. Redefinição do que constitui custo mínimo para o produto. Como o critério em uso se fundamenta na soma dos custos variáveis e fixos atribuíveis ao produto e como os segundos são função das quantidades vendidas, o ponto de partida deveria ser outro. Critério em que fosse considerado basicamente o custo variável como ponto mínimo e a margem sobre o mesmo, vista como contribuição para absorção do custo fixo total, que haverá independentemente da quantidade vendida, deveria ser adotado.11 11 Ver: Ornstein, Rudolf. Aspectos atuais do método de custeio direto. Revista de Administração de Empresas, v. 12, mar. p. 7-21, 1972.

6. EQUIPE DE VENDAS

Diretamente relacionado com o problema organizacional, em que não se afigura a existência do executivo na área mercadológica, existe na empresa gaúcha o problema do tipo de equipe de vendas utilizado. O fato de não existir executivo de nível mercadológico e, conseqüentemente, de não haver pressão coordenada e uniforme sobre o mercado, se transfere também a níveis inferiores onde não existem as chefias de vendas e os vendedores da própria empresa.

É marcante a figura do representante autônomo exercendo c papel de venda. Podemos dizer que grande parte das atividades mercadológicas das empresas no estado é influenciada por essas figuras que atuam independentemente e, na maioria das vezes, representando várias empresas. "Comumente, as firmas que se utilizam de representantes se queixam de sua falta de cooperação. O controle e a supervisão dos representantes é extremamente difícil, pois tratando-se de firmas autônomas, vendendo uma série de produtos e operando em regiões distantes, o contato e as comunicações com o fabricante são escassos e ineficientes".12 12 Richers, Raimar; Figueiredo Orlando & Hamburguer, Pólia Lerner. A administração de vendas na pequena empresa brasileira. Rio de Janeiro, FGV, 1970. p. 113.

Para obtenção de melhor produtividade mercadológica, as empresas do estado deveriam considerar planos de substituição de representantes por vendedores próprios. Evidentemente, fatores adicionais como habilidade de vendas do representante, crescimentos de mercados regionais e objetivos de penetração deveriam também ser considerados. Afinal, poder-se-ia ainda continuar com algumas áreas com representantes ao lado de outro sistema em que seriam usados vendedores próprios.

7. CONCLUSÃO

O movimento que se observa no Rio Grande do Sul nos últimos anos, no sentido de adoção da filosofia mercadológica de orientação para o mercado, precisa ser acompanhado por um desenvolvimento das técnicas e procedimentos mercadológicos para se dar base efetiva a essa idéia.

A fim de serem orientadas para o mercado, as empresas devem fazer algo mais que simplesmente adotar essa filosofia. Elas precisam dar base a seu propósito de serem orientadas para o mercado, fazendo modificações organizacionais dentro da firma, e adotando procedimentos operacionais e práticos que as tornará mais aptas a servirem mais completa e efetivamente a seus consumidores.

  • 1 Powell, Andrew Foster. An analysis of factors influencing the use of marketing research bym anufactures in Brazil Michigan, MSU, 1968.
  • 2 Hise, Richard T. Have manufacturing firms adopted the marketing concept? Journal of Marketing, v. 29, p. 9 July, 1965.
  • 3 Kotier, Philip. Marketing management; analysis, planning and control. New Jersey, Prentice-Hall, 1967. p. 8.
  • 4 Sturdivant, Frederick D. & outros. Managerial analysis in marketing. Illinois, Scott, Foresman & company, 1970. p. 284;
  • 9 Staudt, Thomas A. & Taylor, Donald A. A managerial introduction to marketing. New Jersey, Prentice-Hall, 1965, p. 479.
  • 12 Richers, Raimar; Figueiredo Orlando & Hamburguer, Pólia Lerner. A administração de vendas na pequena empresa brasileira. Rio de Janeiro, FGV, 1970. p. 113.
  • 1
    Powell, Andrew Foster.
    An analysis of factors influencing the use of marketing research bym anufactures in Brazil. Michigan, MSU, 1968.
  • 2
    Hise, Richard T. Have manufacturing firms adopted the marketing concept?
    Journal of Marketing, v. 29, p. 9 July, 1965.
  • 3
    Kotier, Philip.
    Marketing management; analysis, planning and control. New Jersey, Prentice-Hall, 1967. p. 8.
  • 4
    Sturdivant, Frederick D. & outros.
    Managerial analysis in marketing. Illinois, Scott, Foresman & company, 1970. p. 284; Hise, Richard T. Have manufacturing firms adopted the marketing concept? op. cit. p. 11.
  • 5
    Id. ibid. p. 10.
  • 6
    Sturdivant Frederick D. & outros, op. cit. p. 298.
  • 7
    Powell, Andrew Foster, op. cit.
  • 8
    Sturdivant, Frederick D. & outros, op. cit. p. 293.
  • 9
    Staudt, Thomas A. & Taylor, Donald A.
    A managerial introduction to marketing. New Jersey, Prentice-Hall, 1965, p. 479.
  • 10
    Nas variações para cima, o CIP (Comissão Interministerial de Preços) estabelece limites de aumento.
  • 11
    Ver: Ornstein, Rudolf. Aspectos atuais do método de custeio direto.
    Revista de Administração de Empresas, v. 12, mar. p. 7-21, 1972.
  • 12
    Richers, Raimar; Figueiredo Orlando & Hamburguer, Pólia Lerner.
    A administração de vendas na pequena empresa brasileira. Rio de Janeiro, FGV, 1970. p. 113.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1974
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