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Dimensionamento de pessoal: um caso prático

ARTIGOS

Dimensionamento de pessoal: um caso prático

Antonio Carlos M. Mattos

Professor do Departamento de Métodos Quantitativos e Informática da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas; engenheiro-eletricista (EPUSP), pós-graduado em administração de empresas (EAESP-FGV), analista de sistemas (IRIA-França)

1. APRESENTAÇÃO

"Quantas pessoas você precisa para fazer isso?" - é uma pergunta que todo analista de organização e métodos administrativos (O. M.) normalmente enfrenta.

Um dimensionamento de recursos humanos pode ter em vista o aspecto politico da organização - sua estrutura de poder - como é o caso da elaboração dos organogramas, ou então o aspecto técnico, onde o funcionamento correto das rotinas burocráticas é a principal preocupação. Está claro que o dimensionamento técnico tem amplas implicações na estrutura política da organização, estando ambos intimamente ligados.

Este artigo tem por finalidade apresentar, de forma sistemática, um método para a determinação da quantidade de pessoas necessárias para a execução de rotinas administrativas, dando ênfase às funções (técnicas) e não aos cargos (políticos).

2. INTRODUÇÃO SEMITEÓRICA

O ponto de partida de qualquer dimensionamento de recursos humanos deve ser o conhecimento das rotinas administrativas que se pretende implantar ou reestruturar. Para tanto, começamos por descrevê-las segundo uma linguagem conveniente: o fluxograma.

Já amplamente utilizado em processamento de dados e análise de sistemas, o fluxograma é a melhor forma de descrição de uma rotina, pelo menos para as finalidades que temos em vista. Sua unidade básica é o módulo de processamento, constituído de uma entrada, um processamento e uma saída.

Como exemplo de um módulo temos a datilografia de uma carta. Neste caso, a datilógrafa recebe uma minuta, datilógrafa a carta e o envelope com base nessa minuta, e emite finalmente ambos. Assim, identificamos a minuta como sendo a entrada desse módulo, a datilografia como o processamento, e a carta e o envelope como a saída.

Para representar adequadamente tal módulo, lançamos mão de uma simbologia gráfica, como a indicada na figura 1, obtendo, então, o esquema da figura 2.



Um outro módulo bastante comum é o da colocação da carta em um envelope para correspondência. Na figura 3 indicamos esse módulo, constituído da carta e do envelope (entrada), do processamento (colocação da carta no envelope e selagem) e da saída (envelope fechado e selado).


A interligação de vários módulos dá origem a um fluxograma. Na figura 4 mostramos o fluxograma da rotina: Preparação de uma carta para a expedição.


Uma vez especificadas as rotinas, passamos para a determinação do fluxo de dados. Esse conceito envolve as noções de volume de dados e de tempo de processamento dos dados.

No exemplo anterior, se tivéssemos um volume de dados de 680 cartas e um tempo de processamento previsto de um mês, teríamos um fluxo de dados de 680 cartas por mês. Assim, de uma maneira geral, podemos expressar o fluxo de dados por

Um terceiro elemento importante é a demora-padrão.

No exemplo visto anteriormente poderíamos mensurar, segundo os métodos da medida de tempos e movimentos, qual o número médio de cartas, incluindo os envelopes, que uma datilógrafa-padrão conseguiria emitir. Suponhamos que essa média seja de cinco cartas por hora. Podemos, então, afirmar que a rotina datilografia admite um fluxo médio de cinco cartas por homem-hora (H-h), ou seja, uma pessoa trabalhando continuamente durante uma hora consegue emitir cinco documentos.

A demora-padrão é dada pelo inverso do valor acima, isto é, 0,2H-h/carta. Em outras palavras, a emissão de uma carta demora, em média, 0,2 horas por datilógrafa. Por outro lado, admitindo-se que a operação "fechar envelope" demora três minutos ou 0,05 horas, sua demora-padrão será de 0,05 H-h/envelope.

Concluímos afirmando que a demora-padrão é igual ao tempo que uma pessoa leva para processar cada elemento de uma rotina.

Com esses valores, podemos completar o fluxograma, ficando então este em condições de servir de base para o dimensionamento do pessoal necessário (ver figura 5).


A carga de trabalho é definida como sendo o produto da demora-padrão pelo fluxo de dados de saída. Assim, no caso citado, a carga de trabalho da datilografia é igual a 680 (cartas + envelopes)/mês, que, multiplicado por 0,2 H-h/ (carta + envelope), resulta em 136 H-h/mês.

Para o fechamento dos envelopes, a carga mensal é de:

0,05 . 680 = H-h/mês

O fator de tempo útil corresponde ao número de horas efetivamente trabalhadas por mês. Assim, por exemplo, se o dia de trabalho for de 8 horas, com 1,5 hora de almoço, teremos 6,5 horas efetivamente trabalhadas por dia. Se o mês em questão tiver 21 dias úteis (descontados os feriados, pontos facultativos, férias, sábados domingos etc.) teremos 6,5 . 21 = 136,5 horas úteis mensais.

Se, ainda, as estatísticas mostrarem que, para esse tipo de atividade (datilografia, por exemplo), as faltas corresponderem a 6,5 horas por mês, encontraremos, finalmente, um valor de (136,5 - 6,5) = 130 horas efetivas de trabalho por mês.

Assim, o fator de tempo útil será de 130 h/mês. Uma forma alternativa de se computar o tempo útil será visto no item 3.2.

Agora, se dividirmos a carga de trabalho mensal pelo fator de tempo útil, chegaremos, finalmente, ao número de pessoas necessárias para a execução da rotina.

No caso acima, para a datilografia, teremos necessidade de

(136 H-h/mês) / (130 h/mês) = 1,05 H

ou seja, uma datilógrafa a ser admitida.

Para a rotina de "fechamento dos envelopes":

(34 H-h/mês) / (130 h/mês) = 0,26 H

Neste caso, a solução será um funcionário admitido, pois com zero a rotina não poderia ser executada.

Em resumo, podemos enunciar a "fórmula para o dimensionamento do pessoal em uma rotina", que é:1 1 Notemos que essa fórmula nada mais é que uma "regra de três" composta.

Número de funcionários necessários =

Ao se utilizar essa expressão, é importante efetuar uma análise dimensional das unidades em jogo, para nos certificarmos de que os resultados estão corretos, pelo menos no que tange às unidades. Assim, como já vimos:

que se obtém ao "cancelar" a unidade "mês" no numerador e no denominador, o mesmo fazendo com "h". Resta, então, a unidade "H", indicada no segundo membro da igualdade.

A carga de trabalho também pode ser expressa por:

Carga-de-trabalho = demora-padrão

fluxo-de-dados

donde

Número de funcionários necessários =

Um outro conceito importante neste estudo é o de percentagem de tempo ocioso.

Como vimos atrás, para a rotina de "fechamento dos envelopes" era necessário 1 funcionário, já que o mínimo é 1. Mas como o número encontrado foi de 0,26 H, isto significa que a diferença 1 - 0,26 = 0,74 deverá corresponder à existência de um tempo ocioso para esse funcionário.

De uma maneira geral, a percentagem de tempo ocioso pode ser dada por:2 2 O símbolo "0/1" significa "valor em por unidade" e equivale a um centésimo do valor em percentagem (%).

ou então,

Aplicando a primeira expressão acima aos dois exemplos anteriores, obtemos:

Tempo ocioso na datilografia:

1 - (1,05/1) = - 0,05/1 = - 5%

ou seja, existirá um tempo ocioso negativo de 5%, significando que haverá, eventualmente, necessidade de horas-extras para a datilógrafa, ou então a rotina poderá sofrer algum atraso.

Se for aplicada a segunda expressão, o resultado será o mesmo.

Para o caso do fechamento dos envelopes:

1 - (0,26/1) = 0,74 0/1 = 74%

isto é, esse funcionário terá 74% do tempo útil em ociosidade (0,74. 130 h/mês = 96,2 h/mês), podendo ser usado, nessas 96,2 horas mensais, para a realização de outras tarefas.

3. UM CASO PRÁTICO

Veremos, a seguir, como os conceitos emitidos no item 2 podem ser aplicados a uma situação prática.

Uma empresa, de porte médio, possui, como uma de suas atribuições, determinado tipo de controle no Estado de São Paulo. Para tanto, uma equipe de 50 fiscais realiza, diariamente, uma série de levantamentos, originando assim a emissão de três relatórios de campo, que denominamos de formulários 15, 16 e 17.

Esses formulários são a seguir submetidos a dois tipos de processamento, que chamamos de rotina 31 e 32 (ver figuras 6 e 7).



Na rotina 31 os dados do formulário são lançados em um outro e datilografado. Daí, é emitido um parecer (Conclusões) que é datilografado e anexado (Montagem Final). O relatório técnico assim gerado é em seguida protocolado e distribuído.

A rotina 32 é semelhante à anterior. Sua diferença básica reside no fato de que, como relatório a ser aqui emitido, envolve muitos cálculos, sendo parte dela realizada por computador.

A situação anteriormente descrita perdurou até há algum tempo atrás, quando então resolveu-se criar um banco de dados para armazenar e tratar as informações geradas.

Para tanto foi estabelecida uma outra rotina, que seria responsável pela alimentação dos arquivos do citado banco. Essa rotina, denominada 33 (ver figura 8) foi, por conveniência, repetida na figura 9, recebendo esta o nome de 34.



Na rotina 33 seriam lançados todos os dados até então gerados, isto é, "históricos", e na 34, os em geração, ou seja, "atuais".

A partir daí, a emissão dos relatórios e gráficos seria automática (realizada por computador), e não foi representada.

Uma vez definido o cronograma de implantação, tornava-se necessário determinar a quantidade de funcionários a serem contratados, para que pudesse ser gerado um volume de dados de cerca de 1 500 000 cartões perfurados em 36 meses.

Para a passagem do estágio de processamento então existente para o novo foi adotada uma estratégia paralela.

Assim, nos seis primeiros meses, que foi chamado de fase I, estariam em funcionamento as rotinas 31, 32, 33 e 34.

Na segunda fase de implantação (próximos seis meses), seriam suprimidas as rotinas 31 e 32, ficando então as rotinas 33 e 34.

Na terceira fase, com os dados históricos todos lançados, restaria apenas a rotina 34, que permaneceria indefinidamente. Para fins comparativos, esta terceira foi fixada em seis meses.

A mudança duraria, assim, um ano e meio.

3.1 Especificação das rotinas

Nas figuras 6, 7, 8 e 9 estão mostrados os fluxogramas, com os valores numéricos já associados.

3.2 Dimensionamento do pessoal por rotina

Com base nos fluxogramas anteriores, calculamos as cargas de trabalho para as quatro rotinas (ver tabelas 1, 2, 3 e 4). Como se pode notar, estamos usando uma forma alternativa de cálculo, talvez mais simples. Ao invés de utilizar o "fator de tempo útil", que requer o conhecimento de dados estatísticos nem sempre facilmente disponíveis, lançamos mão do seguinte expediente: mantemos constantes o número de horas trabalhadas por mês (160 horas), que chamamos de prazo para o processamento dos dados, e adicionamos uma margem de segurança de 10% nas cargas de trabalho calculadas a partir do fluxograma.

Os resultados obtidos em um e outro caso, de certa forma, se equivalem.

3.3 Dimensionamento do pessoal por fase

Como as quatro rotinas não serão executadas em períodos e locais diferentes, é necessário agrupá-las de algum modo, com evidente redução dos custos com o pessoal. Assim, como vimos, a quantidade de pessoal necessário nas quatro rotinas, tomadas isoladamente, é:

As mesmas rotinas, desenvolvendo-se conjuntamente, como acontece na fase I (tabela 5), requerem:

A redução dos funcionários deve-se ao fato de que os tempos ociosos se reduzem à medida que as cargas de trabalho aumentam, como resultado da "fusão" das rotinas.

Para o caso da rotina 33, cujos dados originais são anuais (ver tabela 3), foi admitida uma distribuição uniforme das cargas durante os 12 meses, resultando os valores da tabela 5. Deste modo, por exemplo, a carga total para perfuração e conferência, que era de 7 814,40 H-h/ano, resultou em 7 814,40/12 = 651,20 H-h/mês.

3.4 Consumo de material

A partir dos dados dos quatro fluxogramas, podemos fazer uma previsão de consumo de formulários e cartões para as três fases. Tal previsão encontra-se na tabela 8.

3.5 Custos associados

Fazemos em seguida uma previsão dos custos diretos associados à execução dessas quatro rotinas.

Notamos, na tabela 9, fases I e II, onde são realizadas as mudanças e implantações, um custo semestral cerca de quatro vezes superior ao da fase III, quando então entraremos em uma nova fase "estável".

Esses valores permitem, também, estimar os custos médios de perfuração e conferência de cartões e de preenchimento de formulários.

Para o caso dos cartões, os custos mensais são (em cruzeiros, fase I):

Como o total de cartões é 104 856, temos um custo total de Cr$ 0,27 por cartão perfurado.

Quanto ao preenchimento dos formulários (fase II, em cruzeiros):

Dividindo esse valor pelos 13 630 formulários preenchidos, obtemos um custo médio de preenchimento de Cr$ 1,55 por formulário.

3.6 Resumo final

Apresentamos, neste item, um resumo final de todos os valores relevantes para a implantação e execução das rotinas. O resumo acha-se reproduzido na tabela 10.

Como observamos, o total do pessoal, que é de 16 na fase I, diminui para 13 na fase II, permanecendo em 4 da fase III em diante. Deverá, assim, haver uma política de reaproveitamento desses funcionários nos 12 últimos meses. Também, por motivos óbvios, tal estudo não deve ser-lhes divulgado, pelo menos de imediato.

Uma grande redução dá-se também no equipamento de perfuração e conferência de cartões, favorecendo a opção de aluguel.

4. CONCLUSÕES

A metodologia até aqui exposta, embora de caráter geral, apóia-se num modelo teórico contendo uma série de hipóteses que não devem ser esquecidas ao se utilizá-la.

Uma delas baseia-se na determinabilidade do fluxograma. Ou seja, pressupõe um conhecimento detalhado e amplo da rotina em estudo. Quanto maior for o número de sub-rotinas não consideradas (como por exemplo a sub-rotina calcular o INPS na rotina Folha de Pagamento) mais pobre será a capacidade de previsão do modelo. Assim, rotinas com alta imprevisibilidade não se prestam a uma análise desse tipo.

Outra hipótese refere-se à invariabilidade da rotina. Como o nome já diz, deve ser "rotina". Se os procedimentos variarem com o tempo, como ocorre em geral nas atividades altamente criativas ou inventivas, ou que se encontram em fase de mudança, os métodos de cálculo utilizados deverão ser mais sofisticados para não se desviarem em demasia da realidade. De qualquer forma, o modelo, tal como foi apresentado, não é imediatamente aplicável a situações como essa.

Uma terceira hipótese bastante importante é a da uniformidade dos fluxos de dados. No exemplo apresentado no item 2, quando foi definido um fluxo de 680 cartas/mês, estava implícito que seriam emitidas 68 cartas a cada 3 dias ou 22,7 cartas por dia. Em outras palavras, o fluxo era constante. E essa linearidade com o tempo foi o que deu origem às fórmulas apresentadas, que nada mais são que "regras de três" compostas.

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Tabela 6

Tabela 7

Podemos também expressar o mesmo fato por meio do exemplo já citado. Aquela datilógrafa conseguia emitir 680 cartas por mês, uniformemente. Mas se, ao contrário, essas cartas aparecessem somente ao fim do mês, digamos, nos 10 últimos dias, uma funcionária já não seria suficiente, sendo necessárias três datilógrafas para a realização da mesma tarefa mensal.

BIBLIOGRAFIA

A metodologia empregada neste trabalho foi desenvolvida pelo autor e tem apresentado resultados práticos satisfatórios.

A bibliografia aqui apresentada pretende remeter o leitor a uma série de publicações de boa qualidade, que possuem uma relação direta com o assunto aqui tratado.

A obra de Charoux é uma das melhores, senão a melhor, sobre simplificação do trabalho administrativo e burocrático.

Barnes é um clássico no estudo de tempos e movimentos, mostrando, de forma sistemática, como é possível determinar, estatisticamente, a demora-padrão de uma dada atividade.

Millward enfoca o problema da organização e métodos administrativos de uma maneira geral, enquanto que Bingham está mais dirigido para a área de processamento de dados.

Taylor possui o mérito de ter sido o primeiro a se preocupar com a racionalização do trabalho. Embora datando de 1919, suas teses são até hoje aceitas, tendo servido de base para todos os estudos posteriores.

Simon é mais filosófico. Em um de seus primeiros capítulos, analisa os métodos da simplificação racional do trabalho, dando-lhes a curiosa classificação de Estudo fisiológico da organização.

  • Charoux, Gaury et alii. Pratique des études d'organization administrative dans le secteur public. Paris, SCOM - Ministère de l'Economie et des Finances - Direction du Budget, 1970.
  • Barnes, R.M. Motion and time study. New York, 1949.
  • Millward, E. Organisation and methods. London, The Macmillan Press, 1967.
  • Bingham, J. & Davies, G. A handbook of system analysis. London, The Macmillan Press, 1972.
  • Taylor, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo, Editora Atlas, 1970.
  • March, J. G. & Simon, H. A. Teoria das organizações. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1970.
  • 1
    Notemos que essa fórmula nada mais é que uma "regra de três" composta.
  • 2
    O símbolo "0/1" significa "valor em por unidade" e equivale a um centésimo do valor em percentagem (%).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1974
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