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Medidas de contas nacionais e desenvolvimento: retorno a um tema antigo

COMENTÁRIO

Medidas de contas nacionais e desenvolvimento: retorno a um tema antigo

Renato J. Mayer

Economista, com mestrado na universidade de East Anglia, Grã-Bretanha

Uma quantidade considerável de trabalhos na literatura econômica recente tem-se centrado na crítica ao uso quase exclusivo de variáveis econômicas, e, entre elas, especialmente o PNB, para medir o desenvolvimento e suas implicações no bem-estar. Trata-se, sem dúvida, de uma discussão iniciada há bastante tempo mas relegada a um segundo plano durante um longo período. Nos países em desenvolvimento, cuja expansão capitalista não tem com freqüência resultados claramente expressos e desejados pela comunidade, as contas nacionais permanecem ainda como o único critério empregado. Os aumentos do PNB servem, então, a comparações internacionais, a metas de planejamento e política e a um esforço de propaganda em massa que pretende sugerir a idéia de que o desenvolvimento é generalizado dentro das fronteiras nacionais e para todas as classes na sociedade.

Nesta comunicação, tentamos analisar e estabelecer estágios para as críticas mais fundamentais às contas nacionais como indicadores de desenvolvimento e apresentar de maneira bastante sumária parte do trabalho pioneiro que vem sendo feito no sentido de novos e melhores indicadores.

Em primeiro lugar, devemos concordar quanto a finalidade dos indicadores, ou seja, exatamente o que desejamos medir. A idéia de desenvolvimento está necessariamente associada a juízos de valor, sendo quase um sinônimo de melhoria.1 1 Ver, a propósito Seers, Dudley. What are we trying to measure? The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972. Mais comumente, porém, a concordância de opiniões não vai além disso. Podemos sempre pensar em termos de um desenvolvimento tipicamente capitalista e de outro tipicamente socialista como casos extremos de classes diferentes beneficiando-se (pelo menos mais do que as outras) deste processo. Isto, é claro, traz à tona a questão do desenvolvimento para quem - não no sentido de indivíduos, mas de uma camada ou diversas camadas numa sociedade definida. As classes no poder político são historicamente aquelas cujos juízos de valor moldam o conceito de desenvolvimento num certo país e num certo período de tempo e isto não pode deixar de ser levado em consideração.

Embora não haja conceito "positivo" ou "neutro" de desenvolvimento, de maneira a prosseguir em nossa discussão, devemos utilizar algum que seja operacional, ainda que, por força, vagamente definido. Poderíamos então expressar desenvolvimento como novas atitudes em relação à vida e ao trabalho, acompanhadas por mudanças nas instituições culturais, sociais e políticas que abrem o caminho, para a plena realização do potencial da personalidade humana. Tal definição permite compreender o que se passa em nações de independência recente nas quais o desenvolvimento toma a feição de instituições sociais e políticas em mudança e de novas atitudes no tratamento de problemas em meio a um ambiente de aumentos muito reduzidos nas variáveis econômicas.2 2 Para um tratamento um pouco mais detalhado dessa questão, ver Helleiner, G. K. Socialism and development in Tanzania. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 2, Jan. 1972 e Kuznets, Simon. Modern economic growth: findings and reflections. American Economic Review, v. 63, n. 3, Jun. 1973.

Quanto aos conceitos normalmente utilizados em contabilidade nacional, parece-nos desnecessário aqui estabelecer definições. O sistema proposto pela Nações Unidas é adotado de maneira generalizada e, para nossos propósitos, a falta de homogeneidade entre sistemas nacionais é apenas um problema a mais que se acrescenta aos que discutimos a seguir.

O que mais comumente se toma como uma medida direta de desenvolvimento é a do produto interno bruto ou a da renda nacional per capita.3 3 A distinção que se faz aqui é entre o produto Interno bruto a preços de mercado e a renda nacional, esta sendo igual ao produto nacional líquido a custo de fatores, ambos divididos pela população do país. 4 Ver, para o caso brasileiro, Instituto Brasileiro de Economia. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1972. p. 37 e seg. Basicamente surgem três estágios de problemas quando esses agregados são utilizados como estimadores de desenvolvimento, a saber: 1. problemas decorrentes da incapacidade das conceituações desses agregados em abranger o processo de desenvolvimento conforme definido anteriormente; 2. problemas derivados de usos e metodologias de computação e obtenção final do agregado diferentes e/ou inapropriadas; 3. problemas de erros incorporados nas estimativas. Grosso modo, a análise, desenvolvida na presente comunicação, de cada um destes três estágios corresponde à eliminação, respectivamente, das três hipóteses normalmente adotadas de que: a) crescimento, considerado como aumento na produção de bens e serviços, é uma aproximação adequada de desenvolvimento; b) taxas de crescimento são internacionalmente comparáveis; c) tais taxas são comparáveis para o mesmo país em diferentes períodos de tempo.

O primeiro grupo de problemas pode ser desagregado, meramente para tornar mais clara a exposição em três categorias principais. Estas categorias referem-se: a) aos coeficientes fixos e, num sentido mais amplo, à hipótese de constância nas relações econômicas implícita nos modelos de estimação da renda nacional; b) a não-consideração, em qualquer das etapas relevantes de obtenção de cifras para as contas nacionais, de algum tipo de função de benefício social; c) a impossibilidade de comparações entre funções de bem-estar e de preferência entre países distintos e até dentro de um mesmo país.

Com vistas a se chegar às cifras das contas nacionais, as economias (e, neste caso, referimo-nos particularmente às economias dos países em desenvolvimento) são desagregadas em vários setores, para cujas estimativas, regra geral, se segue procedimento diverso entre si. É raro em países desenvolvidos e, a fortiori, nos em desenvolvimento, contar-se com levantamentos periódicos dos setores da economia. Assim sendo, para cada um tendem os responsáveis pela contabilidade nacional a, naturalmente, identificar certas relações tidas como representativas do setor e passíveis de serem reproduzidas a cada ano com novos valores para as variáveis. Em conseqüência, à medida que os censos são realizados com intervalos de 10 anos e à medida que o montante de conhecimento acumulado é escasso, os contadores nacionais e estatísticos normalmente repetem, com variações muito pequenas e mais freqüentemente por muitos anos, os procedimentos que a experiência, não sem grandes esforços, lhes ensinou como sendo capazes de conduzir a uma cifra "razoável". Em outras palavras, um modelo supondo coeficientes constantes dentro da economia e, portanto, estabilidade de estruturas, passa a ser introduzido como um instrumento útil para a quantificação das características em transformação acelerada de um país em desenvolvimento. Em alguns casos, como por exemplo, o dos setores de construção e agricultura de subsistência, a hipótese de relações fixas para um largo período de tempo é feita explicitamente. Se esses setores representam uma fração considerável da atividade econômica naquele país ou se também estão passando por transformações, a validade de qualquer cifra finalmente obtida torna-se, por conseguinte, bastante duvidosa.

O que os aumentos no produto interno bruto ou na renda nacional significam em última análise é uma maior disponibilidade de bens e serviços dentro da economia. Mas bens e serviços é o que permanece, uma vez postos de lado os pesos dados pelos preços de mercado quando se decompõe o valor aumentado dos agregados. Desenvolvimento, medido dessa maneira, restringe-se, portanto, a objetos materiais imediatamente quantificáveis.5 5 Não parece desejável discutir aqui e agora a essência abstrata dos serviços. Estamos supondo que estes possam ser expressos de alguma maneira material e quantificável, qualquer que seja.

Todavia, os efeitos de, digamos, uma nova fábrica, não se circunscrevem a uma maior produção de um determinado bem. É comum tais efeitos darem origem a tantos problemas adicionais que estes podem até mais que contrabalançar os supostos benefícios sociais de uma maior produção. Agravamento de problemas urbanos, deterioração das condições de saúde, poluição ambiental, destruição de atividades de artesanato e desemprego, são custos freqüentes que se opõem aos benefícios de um maior estoque de capital, substituição de importações, efeitos de encadeamento, aquisição de maior experiência e capacidade de trabalho, etc. A questão, porém, reside no fato de que se se define desenvolvimento da estrita maneira como a que fica implícita quando se toma como indicadores apenas os agregados econômicos, então necessariamente devemos utilizar uma função de custo e benefício, pela qual maiores ou menores quantidades potenciais de bens e serviços, correspondendo aos benefícios ou prejuízos líquidos, sejam acrescentadas às cifras de produção corrente.

Além do mais, se o processo de desenvolvimento for considerado em sua concepção mais ampla, como deve forçosamente ser o caso em países recentemente libertos do domínio colonial, as transformações que ocorrem não são usualmente seguidas de aumento imediato na produção. Reformas agrárias radicais têm historicamente sido acompanhadas de algum declínio na produção dos primeiros anos. No entanto, são pré-condições para maiores produções futuras e melhores condições sociais no campo. "Assim como pode haver crescimento econômico sem desenvolvimento, pode haver desenvolvimento sem crescimento econômico".6 6 Streeten, Paul. The frontier of development studies. London, Macmillan, 1972. p. 31.

O procedimento normal para se chegar aos agregados nacionais é o da conversão de todo o volume produzido, via seus preços, num montante expresso em termos monetários que, somado aos demais, resultará na cifra procurada. Cabem aqui algumas observações importantes. Diz-se, em defesa da renda nacional, que ela é um indicador objetivo, isento de juízos de valor. Os pesos que se atribuem a cada tipo de produto ou serviço, ou seja, os preços correntes de mercado, refletem, todavia, a estrutura de demanda daquela economia particular e esta é determinada pela distribuição da renda. Isto significa que quando os contadores nacionais tomam os preços de mercado como a expressão das funções de preferência de uma comunidade, estão ao mesmo tempo implicitamente aceitando o conceito de que os aumento na produção dentro do atual quadro de distribuição de renda podem servir como um bom indicador de desenvolvimento. É claro que neste procedimento há um juízo de valor, pois o desenvolvimento (de acordo com outro juízo de valor) pode ser considerado como demandando indispensavelmente uma distribuição diversa da renda. É esse tipo de critério enganoso que explica por que em alguns países um aumento de 5% na produção de bens de luxo ou armas (ou até mesmo bicicletas), acompanhado de uma queda de 1% na produção de gêneros alimentícios pode aparecer como demonstrativo de um aumento na renda e, portanto, no desenvolvimento. Em países onde há sério problema de pobreza, não representaria este fenômeno justamente um aumento dessa pobreza?

Além disso, em países de vasto território, usualmente a produção está concentrada regionalmente. Haverá sempre uma certa especialização entre as regiões do país, mas uma ou poucas tenderão a concentrar a produção manufatureira ou as colheitas de maior valor. Isto não apenas gerará diferentes níveis regionais de poderes aquisitivos, mas, também, e, como resultado, diferentes preços de mercado, tornando extremamente difícil a determinação dos pesos a serem atribuídos aos bens e serviços considerados no agregado econômico e lançando dúvidas sobre essa determinação. E deve-se acrescentar que, segundo o clima e os hábitos culturais, regiões num mesmo país podem vir a apresentar diferentes padrões de necessidades, de tal modo que certos bens e serviços de pouco valor em determinados lugares são inestimáveis em outros.

Tais problemas são aumentados várias vezes no caso de tentativas de comparações internacionais. O método costumeiro, adotado pelas Nações Unidas, de conversão das rendas nacionais às taxas de câmbio vigentes tem-se revelado insatisfatório. Implica se ter um conjunto comum de preços como critério básico de comparabilidade, mas dadas as diferentes dotações de fatores, tal conjunto não existe. Ademais, os países crescem de acordo com padrões característicos distintos, atendendo a diferentes necessidades em ambientes diferentes, a própria idéia de uma comparação internacional neste caso perdendo bastante de seu sentido.

A renda nacional, seja um conceito ou seja uma cifra, não é capaz de indicar desenvolvimento. Menos ainda a renda nacional per capita. Esta passa completamente por cima da questão de quem apropria a renda em crescimento, isto é, da questão da distribuição da renda. (Há, pelo menos, um consenso geral de que o índice de Gini deva ser mantido afastado de 1.) O exemplo clássico é o da renda média do Kuwait duas vezes maior que a do Reino Unido - mesmo levando em conta os planos de melhoria do padrão de vida daquele país árabe e a atual crise britânica. Tem havido algumas sugestões de que a renda mediana (ou a modal) seja adotada como um indicador superior à renda média; isto, porém, não invalida qualquer das considerações feitas. Os economistas em países em desenvolvimento continuam agarrados ao uso de cifras de contas nacionais como indicadores de desenvolvimento e isto somente pode ser explicado pelo seu bias ideológico. É comum afirmar-se que os incrementos na renda nacional, se forem suficientemente rápidos, cedo ou tarde levam à solução dos problemas econômicos, sociais e políticos; a realidade, porém, tem demonstrado que não só certos tipos de crescimento falham em superar estas dificuldades, como ainda contribuem para seu agravamento.7 7 V. Seers. op. cit. Além disso, aumentos muito desiguais na renda das classes numa sociedade, mesmo se deixam em melhor situação, relativamente a sua posição anterior, as classes de renda mais baixa, estão sujeitas a criar sérias dificuldades políticas e sociais no futuro. Se esses estratos inferiores aumentam sua renda, digamos, de 1%, e aqueles no topo da pirâmide social a sua de 10%, uma vez que as necessidades não são apenas aquelas básicas e sim e cada vez mais as socialmente determinadas, a consciência da diferença entre as classes e da inacessibilidade à maior parte dos resultados do crescimento econômico é um gerador potencial de tensões sociais dificilmente compatíveis com a idéia de desenvolvimento. Ver, para exemplos, Banfield, Edward C. The moral basis of a backward society. Chicago, The Free Press, 1958.

Até aqui viemos discutindo problemas relativos à própria natureza do conceito de produto interno bruto ou de renda nacional e deixamos de lado qualquer preocupação quanto ao grau de precisão com que as cifras efetivamente publicadas correspondem àquilo que pretendem indicar. Veremos agora uma outra série de problemas, a saber, os concernentes à compatibilidade metodológica nos procedimentos empíricos de obtenção das cifras finais.

Os sistemas de contas nacionais foram elaborados e têm sido aperfeiçoados nos países industriais, onde as condições para levantamentos estatísticos são, pelo menos, melhores que nas áreas em desenvolvimento.8 8 Como estimar a produção não levada ao mercado e o consumo no setor de agricultura de subsistência é, por exemplo, um dos mais intrincados desafios às autoridades em países em desenvolvimento e que praticamente inexiste nos desenvolvidos. Sugere a existência de uma renda oculta, não medida pelos departamentos de estatística e que pode servir de explicação para a continuidade da vida e das atividades econômicas em áreas de baixa renda, como a Etiópia, onde a renda média se situa em torno de US$ 0,20 por dia. Isto significa que, nos primeiros, dada a sua maior confiabilidade, são mais úteis como instrumentos de análise, planejamento e política econômica. No entanto, mesmo nos países desenvolvidos, a precisão das informações requer permanente verificação e questões aparentemente inócuas como quanto da população é coberta em cada levantamento não parecem fora de propósito. Morgenstern, por exemplo, reporta ao censo norte-americano de 1950 como tendo omitido a presença de cinco milhões de pessoas.9 9 Morgenstern, Oskar. On the accuracy of economic observations. Princeton, N.J., Princeton University Press, 1963. A questão é, naturalmente, muito mais relevante em países subdesenvolvidos, nos quais a falta ou insuficiência de tão básica informação não apenas torna enganosa qualquer comparação internacional numa base per capita, como ainda provoca distorção da realidade com que se defrontam os agentes de decisão, levando inevitavelmente ao desperdício de recursos escassos.

A causa desse segundo estágio de problemas reside na não-disponibilidade de dados estatísticos. Uma vez que cada país tem suas próprias peculiaridades e deficiências específicas (para não mencionar as categorias econômicas/completamente diferentes que criam novos problemas conceituais), é raro haver homogeneidade de critérios entre os países, entre as regiões de um mesmo país e suas instituições10 10 Os resultados desta falta de homogeneidade foram apontados por Clóvis Cavalcanti em um estudo em que compara as estimativas da Fundação Getúlio Vargas de produto interno para os nove estados nordestinos e as da SUDENE. Considerando-se que a FGV só publica cifras para o produto interno líquido e que as despesas de consumo do capital representam, segundo seus próprios cálculos, 5-6% do produto interno bruto da região, a relação entre os valores encontrados para o PIL cf (FGV) e para o PIB cf (SUDENE), em percentagens, a preços correntes para os anos 1965-68 é a seguinte: e mesmo dentro da mesma instituição em diferentes momentos de tempo. Diferentes problemas estatísticos e diferentes lacunas a serem preenchidas requerem abordagens e respostas diferentes.11 11 Mesmo para os países desenvolvidos, para os quais estas diferenças estão presumivelmente reduzidas a um mínimo, afirma um expert: "Em particular, a conversão de produtos complexos em elementos de preços e quantidades envolve inevitavelmente difíceis julgamentos que podem afetar em grande medida os resultados obtidos. Desse modo, tais estatísticas não devem ser tratadas como dados inteiramente objetivos e pelo menos parte da variação observada entre países deve ser atribuída a diferentes departamentos estatísticos adotando diferentes soluções para os mesmos tipos de poblemas". Hill, T.P. The measurement of real product. Organization for Economic Co-operation and Development, 1971. p. 73. Isto explica por que em cada lugar e em cada momento de tempo artifícios distintos, engenhosos e com freqüência inexatos são empregados para se chegar a estimativas de componentes relativamente desconhecidos. O resultado mais geral é um conjunto de valores agregados de duvidosa precisão e comparabilidade no que se refere a tempo e lugar. Morgenstern chama a atenção para o fato de que "nada para o qual não existam bons conceitos pode ser medido, e conceitos, não importa quão precisos, são de pouco valor prático se as mensurações correspondentes não puderem ser realizadas".12 12 Morgenstern. op. cit. p. 244.

Em linguagem mais direta, permanecem certos problemas relativamente aos quais os contadores nacionais e estatísticos podem sempre seguir métodos alternativos, sendo conduzidos, ao final, a resultados díspares. Experiências coroadas de êxito com algum método em um país tendem a ser difundidas aos demais, mas este processo deixa ainda muito a desejar. Os problemas mencionados concernem normalmente ao tratamento das variações de preços e das suas ponderações na avaliação do produto, da renda gerada em atividades extramercado, das mudanças na qualidade dos bens e serviços, do valor a ser imputado aos fluxos criados pelas habitações ocupadas pelos proprietários e pelos serviços domésticos, etc. O que deve ser considerado como atividade econômica e, portanto, medido, e a valorização dos serviços do governo têm merecido especial atenção recentemente, mas continuam altamente controvertidos.

Dado que a metodologia de computação das contas nacionais vive ainda problemas de inconsistência, dificilmente se pode tomar seus resultados como bons indicadores de um fenômeno tão complexo como o do desenvolvimento. Mesmo se aceitarmos a usual confusão com o conceito de crescimento, adotando este como um estimador não-tendencioso de desenvolvimento, terminaríamos no problema maior de quais medidas de crescimento empregar.

Os economistas em países em desenvolvimento costumam reconhecer o escasso grau de confiança dos agregados nacionais quanto à sua precisão, mas à medida que partilham da crença de que são os melhores indicadores, justificam o seu uso como tal, preferindo acreditar que as cifras têm sido melhoradas a cada ano. Cifras melhores, entretanto, deixam ainda lugar à questão de quantas representações (correspondendo às diferentes abordagens e procedimentos de computação) podem ser incluídas sob um único e mesmo conceito.

Dediquemo-nos agora, para finalizar, à discussão dos números obtidos. O terceiro estágio de problemas refere-se, assim, de uma maneira geral, à fragilidade das taxas de crescimento estimadas, devido a erros nas estatísticas de renda nacional.

Segundo Morgenstern, três são as principais causas de erro: amostragem (em dados industriais, por exemplo) e/ou enumeração em massa (estatísticas de comércio exterior, agricultura, mineração, etc); os ajustamentos realizados nas estatísticas disponíveis para que caibam no quadro conceitual do agregado (caso de dados obtidos como subprodutos de computações ou residualmente e não por informação direta); e as práticas generalizadas de interpolação, extrapolação, atribuição de pesos mais ou menos arbitrários, projeções de tendências e universalização de informações amostrais, com o objetivo de suprir lacunas para setores e anos, cujas estimativas não são ou são apenas parcialmente disponíveis. Esperançosamente, os economistas tomam como certo que os erros permaneçam constantes no tempo, ou que variam uniformemente ao longo dos anos, ou ainda, com mais freqüência, que simplesmente sejam cancelados. Está ainda para ser provado que qualquer dessas hipóteses, relativamente às contas nacionais, tem alguma dose de validade.

Em seu magnífico trabalho, Morgenstern cita Simon Kuznets como tendo afirmado que uma margem média de erro de 10% para as estimativas de renda nacional dos Estados Unidos da América seria razoável. E, contudo, os departamentos de estatística dos Estados Unidos e do Reino Unido são considerados como os responsáveis pela melhor apuração de contas nacionais do mundo.13 13 Quanto ao Reino Unido, segundo um sistema de gradação estabelecido em 1956, as melhores estatísticas para componentes dos agregados admitem uma margem de erro ao redor ou inferior a 3% em qualquer direção. Além do mais, esta percentagem de 10%, que se afigura o limite inferior de imprecisão, não é de maneira alguma irrelevante: 10% do PNB norte-americano representa aproximadamente três quartos do PNB do Reino Unido e excede a soma dos PNBs de muitos países subdesenvolvidos!

Morgenstern aponta ainda a irrelevância de comparações de taxas de crescimento quando há erros incorporados nas estimativas. Tomando a cifra hipotética de US$ 550 milhões (e que corresponde mais ou menos ao que se estimou como o PNB dos Estados Unidos em 1962), mostra o que ocorre se as cifras divulgadas, supostamente corretas, para o ano seguinte forem de US$ 560 milhões (a uma taxa de crescimento de 1,8%) ou de US$ 566,5 milhões (a uma taxa de crescimento de 3,0%). No primeiro caso, se os erros no ano I e ano II contribuírem para uma diferença de menos de 5% relativamente aos valores tidos como corretos, a relação 532,0/ 522,5 nos dará ainda uma taxa de crescimento de 1,8%. Se os erros no ano II, porém, forem de mais de 5%, a taxa de crescimento resultante será 588,0/522,5, ou seja, 12,5 por cento! Repetindo-se o mesmo procedimento para taxas de crescimento supostamente corretas de 3%, erros de - 5% ou de + 5% nas estimativas para o segundo ano, causarão variações nas taxas de crescimento desde 3% até 13,8%. É óbvio que esta ampla margem de diferenças em taxas de crescimento é completamente independente do nível absoluto alcançado e sua causa reside nos percentuais assumidos para as variações no PNB e para os erros. Os últimos, tomados como de mais ou menos 5%, estão visivelmente subestimados.

Este simples exemplo chama a atenção para a falta de propósito em discussões quanto aos decimais nos números adotados para taxas de crescimento. O que está realmente em questão é a validade dos inteiros.

Mesmo se nenhum erro houvesse, diferentes taxas de crescimento seriam obtidas pela escolha de diferentes anos-base. Uma vez que comparações do PNB no tempo são normalmente feitas tomando-se uma média ponderada dos valores adicionados por cada setor de atividade em um determinado período como o agregado e, por outro lado, ponderando-se cada um dos valores agregados setoriais por uma expressão correspondente ao valor adicionado no ano-base, o emprego como ano-base dos últimos anos de uma série de médio ou longo prazo produz taxas médias de crescimento mais elevadas. Os setores de atividade que têm crescido mais tendem a impor relativamente maior peso no final do período do que em seu início.14 14 Para o período 1950-65, a adoção de pesos alternativos para o valor agregado dá origem aos seguintes extremos para taxas de crescimento médio do PIB em alguns países selecionados: Os preços, nesse caso, foram admitidos constantes. Variações nos preços e, de novo, a escolha dos anos-base, quando isto acontece, implicam margens adicionais de variação das taxas de crescimento e criam mais dificuldades à obtenção de uma taxa "correta". E, por último, mas não menos importante, as sucessivas e comuns revisões nas taxas de crescimento, acarretando aleatoriamente mudanças positivas ou negativas nas cifras anteriores, fazem a análise, por exemplo, de séries temporais, depender muito do momento de tempo particular em que é realizada.

Podemos concluir, portanto, que o valor prático das taxas de crescimento normalmente divulgadas tem sido muito superestimado. Em quase todos os lugares são publicadas sem qualquer acompanhamento de estimativas do erro implícito nas cifras e aceitas incondicionalmente, não somente como Indicadoras de desenvolvimento, mas sobretudo para fins de política econômica. Uma vez que os recursos são escassos, especialmente em áreas subdesenvolvidas, sua má alocação devido a informação básica enganosa tem um custo de oportunidade elevadíssimo.15 15 Nossa imaginação pode ir longe se se consideram as conseqüências para o Nordeste brasileiro da possível subestimação da importância de sua indústria implícita nos dados oficiais da Fundação Getúlio Vargas. Ver Cavalcanti, Clóvis, op. cit.

A ênfase corrente em taxas de crescimento pode ser explicada em parte pela usual e urgente necessidade de dados informativos sobre os progressos da economia. Há países em que as taxas são apresentadas antes mesmo do fim do ano a que se referem. É claro que há nisso um apelo político bastante forte; Broffenbrenner é mencionado como tendo conhecimento do processo de negociação entre o governo japonês e as Forças de Ocupação Norte-Americanas sobre qual seria a renda nacional do Japão logo após o fim do último conflito mundial, visando definir o montante de ajuda econômica.16 16 Ver Morgenstern. op. cit. p. 243. Mais recentemente, tem-se conhecimento da manipulação das cifras de renda per capita por parte do governo do Paquistão Ocidental com vistas a diminuir as diferenças entre aquela parte e a Oriental, esta transformada depois em república independente.

Não obstante, as computações do PNB tem alguma importância, embora bem menor do que o qué se supõe usualmente. Fornecem certamente uma idéia aproximada das principais relações na economia e para propósitos de política isto já é uma grande ajuda. Além do mais, podem ser utilizadas em comparações de longo prazo de modo a indicar as principais tendências e transformações históricas da estrutura econômica. O seu aperfeiçoamento permite superar parcialmente algumas das dificuldades discutidas anteriormente, mas é evidente que aos recursos estatísticos escassos deveriam ser dadas outras prioridades, principalmente aquelas capazes de gerar guias práticos e imediatos para os agentes de decisão nos países em desenvolvimento.

II

Desde os anos cinqüenta as Nações Unidas vêm insistindo na descrição dos objetivos e do próprio processo de desenvolvimento por um conjunto de variáveis, tanto econômicas como sociais. Nos primeiros trabalhos, estas eram reunidas sob o título geral de "níveis de vida".17 17 Ver United Nations. Report on international definition and measurement of standards and levels of living. New York, United Nations, 1954 e International definition and measurement of levels of living: an interim guide. New York, United Nations, 1961. Pesquisas posteriores, destinadas já especificamente à obtenção de um indicador de desenvolvimento mais amplo, produto de uma média ponderada de várias séries, foram levadas a cabo sobretudo pelo Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas - UNRISD - resultando na seleção rigorosa de 24 indicadores.18 18 Ver United Nations. Department of Economic and Social Affairs. International Social Development Review, New York, n. 2, 1970. Estes foram finalmente reduzidos para 18, a saber:19 19 Ver McGranahan, D.V. Richard-Proust, C. Sovani, N.V. e Subramanian, M. Contents and measurement of socioeconomic development. New York e London, Praeger Publishers, 1972. As outras seis variáveis inicialmente incluídas eram as taxas de natalidade e de mortalidade, o consumo de calorias provenientes de cereais e tubérculos como percentagem do consumo calórico total, a percentagem de habitações supridas de eletricidade sobre o total, a diferenciação estrutural da população (entendida como a soma dos valores das diferenças entre a parcela do PNB gerada em cada um dos três setores, em percentagem, e a distribuição percentual da população economicamente ativa por estes mesmos setores) e a percentagem do dispêndio de consumo privado total destinada a alimentação.

1. esperança de vida ao nascer;

2. percentagem da população total em localidades de 20 000 ou mais habitantes;

3. consumo diário per capita de proteínas animais;

4. número de matrículas no ensino primário e secundário combinadas como percentagem do grupo etário de 5 a 19 anos;

5. matrículas em treinamento vocacional como percentagem do grupo etário de 5 a 19 anos;

6. número médio de pessoas por quarto de habitação;

7. circulação de jornais diários de interesse geral por cada 1 000 habitantes;

8. número de telefones por cada 100 000 habitantes;

9. número de receptores de rádio por cada 1 000 habitantes;

10. percentagem da população economicamente ativa empregada em geração de energia elétrica, fornecimento de gás, água, serviços sanitários, transporte, armazenamento e comunicações;

11. produção agrícola por trabalhador do sexo masculino empregado na agricultura em dólares norte-americanos de 1960;

12. força de trabalho adulta do sexo masculino empregada na agricultura como percentagem da força de trabalho total;

13. consumo de eletricidade de kwh per capita;

14. consumo de aço em kg per capita;

15. consumo de energia em kg de carvão ou equivalente per capita;

16. percentagem do produto interno bruto gerada pelo setor industrial;

17. comércio exterior (soma das exportações e importações) per capita em dólares norte-americanos de 1960;

18. percentagem de assalariados sobre o total da população economicamente ativa.

Estes indicadores apresentam uma estreita correlação com valores do desenvolvimento; são mensuráveis e possíveis de serem utilizados de maneira a resultar num índice agregado. Todavia, mesmo este indicador geral não está despido de juízos de valor, conforme veremos a seguir.

Com base em comparações dos dados de diversos países, um sistema de pontos correspondentes foi montado, servindo também a determinação de "pontos críticos" quando da conversão dos indicadores a uma escala comum. Um índice geral de desenvolvimento foi finalmente obtido, usando-se um sistema de pesos variáveis derivados do grau de correlação entre cada indicador e os demais a cada nível de desenvolvimento.

É de se observar que o enfoque das Nações Unidas é multidisciplinar, ou melhor, interdisciplinar. O conjunto proposto de indicadores econômicos, sociais, educacionais e nutricionais certamente serve melhor a nossa definição de desenvolvimento do que o uso exclusivo de contas nacionais. O índice geral que se elaborou é, no entanto, mais uma simples medida de quanto um país já avançou ao longo de um caminho definido por dados de diversas nações em diversos estágios de progresso do que um indicador normativo. Uma vez que a própria seleção dos indicadores é não-neutra, ainda que seja um fato objetivo em que há pontos críticos correspondendo a um mínimo em necessidades humanas, a adoção deste ou daquele enfoque forçosamente implica julgamentos de valor. É mais confortante, porém, reconhecer que são comuns a muitos e diferentes países e ao corpo dos técnicos de renome internacional.

Os estudos nas Nações Unidas não são as únicas tentativas de se chegar, através de diversas variáveis quantitativas, a relações entre estas e os indicadores razoáveis de desenvolvimento. Beckerman, em 1966, correlacionou sete indicadores não-monetários a estimativas independentes de renda real e consumo para um grande número de países. Os coeficientes de correlação obtidos foram extremamente elevados, mas verificou-se existir uma causação mútua entre as variáveis. Além disso, a idéia básica não era apontar um conjunto alternativo de indicadores, mas ao contrário, permitir a predição dos níveis de renda real para aqueles países via as variáveis utilizadas. Adleman e Morris, em 1967, recorreram a análise fatorial no sentido de lançar alguma luz sobre a interdependência entre variáveis sociais, políticas e institucionais e econômicas em três diferentes estágios de desenvolvimento socioeconômico. Setenta e quatro variáveis foram selecionadas (algumas delas tipicamente não-quantitativas como, por exemplo, o grau de modernização das perspectivas da liderança política ou de seu compromisso com o desenvolvimento econômico), porém mais uma vez a principal motivação não consistia em prover indicadores de desenvolvimento, mas, sim, testar a utilidade de métodos quantitativos empíricos na análise dos processos de modernização. E há ainda o trabalho dirigido por Harbison, na Universidade de Princeton, em 1970, de análise quantitativa do desenvolvimento de recursos humanos. Chegou-se a uma medida de desenvolvimento, porém todo o tratamento é voltado para indicadores de desenvolvimento educacional e de disponibilidade em recursos humanos.20 20 Ver, respectivamente, Beckerman, W. International comparisons of real incomes. Paris, OECD Development Centre, 1966 e Beckerman, W. & Bacon, R. International comparisons of income levels: a suggested new measure. Economic Journal, vol. 76, 1966; Adelman, Irma & Morris, C.T. Society, politics and economic development. Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1967; Harbison, F.H. Maruhnic, J. & Resnick, J.R. Quantitative analysis of modernization and development. Industrial Relations Section, Princeton University, 1970. Um resumo mais detalhado destes trabalhos pode ser encontrado em Baster, Nancy. Development indicators: an introduction. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.

Por mais incipiente que seja, todo este recente esforço aponta a possibilidade de construção de um novo conjunto de indicadores mais relevantes de desenvolvimento. Juntamente com a crítica cada vez mais acerba das limitações e do pouco crédito atribuído às contas nacionais, constitui prova de que no futuro um conjunto complexo de indicadores ou funções de bem-estar claramente especificadas tornar-se-ão as funções objetivas cuja maximização forma o cerne dos programas de desenvolvimento. Tal fenômeno não passou despercebido a conhecidos pesquisadores: "Parece bastante claro que um certo número de problemas analíticos e de mensuração permeiam ainda a teoria e a avaliação do crescimento econômico nos próprios países desenvolvidos e que, além disso, pode-se vislumbrar à frente mudanças substanciais em alguns aspectos da análise, nos estudos de contabilidade nacional e no estoque de resultados empíricos que ocuparão os economistas nos países desenvolvidos nos anos que se seguem".21 21 Kuznets, Simon, op. cit. p. 258.

O desvio de recursos e know-how estatístico de estimativas do PNB para a determinação destes novos conjuntos de indicadores de desenvolvimento requer, porém, que de antemão certas questões sejam esclarecidas.

Embora pareça mais apropriado considerar o desenvolvimento em seu enfoque mais amplo, interdisciplinar, e portanto medido por vários indicadores, separadamente ou combinados em uma função de bem-estar semelhante às funções de produção usuais,22 22 Esta nova função de produção é bastante semelhante ao tipo mais familiar, com a diferença de que nela os indicadores de bem-estar aparecem como variáveis independentes, claramente não relegadas a um papel residual. Como se chegar a uma tal função é ainda uma questão extremamente controvertida. Ver Drewnowski, Jan. Social indicators and welfare measurement: remarks on methodology. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972. não há concordância geral em torno deste procedimento mesmo entre os que estão a favor de indicadores de desenvolvimento significativos. Diversos enfoques têm sido alternativamente propostos, desde a simples correlação dos indicadores de educação, saúde, seguro social, lazer e serviços públicos aos correspondentes montantes de dispêndio governamental, que então os expressariam, à consideração de melhorias nestas categorias de bem-estar, como objetivos do desenvolvimento e, assim, incluídos em um sistema interdependente ao mesmo nível e juntamente com outros valores econômicos do desenvolvimento.

Uma outra questão refere-se aos fenômenos não diretamente mensuráveis. Devem estes ser excluídos ou, levando-se em conta que o vínculo entre os construtores teóricos e as definições empíricas é habitualmente débil, estamos autorizados a introduzir algum tipo de escala, ainda que apenas aproximada, de quantificação destes fenômenos?

Buscando uma saída para este tipo de problema, Dudley Seers oferece um critério mais operacional pelo qual os países em desenvolvimento podem medir o sucesso de seus programas.23 23 Ver Seers, Dudley, op. cit. Baseia-se em indicadores de pobreza, desemprego e desigualdade e no fato de que, estando tão intimamente associados, a erradicação ou atenuação de qualquer um desses dilemas deve necessariamente levar ao mesmo efeito nos outros.

Os indicadores de pobreza estão centrados no consumo alimentar, pois para que haja vida humana sem prejuízo da saúde física e mental, uma quantidade mínima de alimentos é requerida. Na índia, por exemplo, chegou-se a estabelecer uma linha oficial de pobreza, traduzida num montante de renda monetária que admite também despesas básicas em moradia, vestuário, calçados, etc. Tal procedimento poderia ser estendido a outros países, reconhecendo-se como um indicador a proporção da população que se enquadrasse abaixo desta linha de pobreza. Ao contrário, um traço de desenvolvimento seria reconhecido por uma proporção maior da população que atingisse ao menos o nível de vida demarcado por esta linha.

Tanto o desemprego como as desigualdades sociais são reconhecidamente difíceis de se medir.24 24 Difíceis, porém não impossíveis. Ver, entre outras, as tentativas para o caso brasileiro de Salm, Cláudio & O'Brien, F.S. Desemprego e subemprego no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 24, n. 4, out./dez. 1970 e de Wells, John. Distribution of earnings, growth and the structure of demand in Brazil during the 1960's. World Development, v. 2, n. 1, Jan. 1974. Levantamentos regulares podem, todavia, identificar mais ou menos precisamente quantas pessoas necessitam de emprego. Emprego aqui é tomado em seu sentido mais amplo, abrangendo atividades como trabalho de empresa familiar, estudo, manutenção da casa, em suma, atividades básicas sem as quais a personalidade humana não se pode desenvolver. Por outro lado, admite-se que haja outras fontes de desigualdade além da renda; mas esta é possivelmente a determinante, e o coeficiente de Gini e suas variações são ainda indicadores úteis da desigualdade em uma população.

Para propósitos de planejamento em países subdesenvolvidos, metas relativas à pobreza, emprego e distribuição da renda deveriam receber a maior prioridade. Uma vez definidas estas metas, os planejadores teriam diante de si a tarefa de determinar como atingi-las e quais medidas, implicariam na área de política econômica.

Sem sombra de dúvida, novos conjuntos de indicadores trazem consigo inúmeros problemas conceituais e práticos. Contudo, como diz Seers, "estes não são mais formidáveis que aqueles apresentados pelas contas nacionais, mas nós nos acostumamos simplesmente a ignorar os últimos".

É tempo, portanto, de mudar as prioridades atribuídas ao trabalho estatístico. A economia é muito comumente definida como "a ciência da alocação ótima dos recursos escassos" e recursos e know-how estatísticos são certamente escassos. Deveríamos, portanto, usá-los para medir variáveis mais relevantes do que as que viemos enfatizando até aqui. Deveríamos agir como economistas.

Ver Cavalcanti, Clóvis. Uma avaliação das estimativas de renda e produto do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 2, n. 2, dez. 1972.

Ver Hill, T. P. op. cit. p. 86.

  • 2 Para um tratamento um pouco mais detalhado dessa questão, ver Helleiner, G. K. Socialism and development in Tanzania. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 2, Jan. 1972 e Kuznets,
  • Simon. Modern economic growth: findings and reflections. American Economic Review, v. 63, n. 3, Jun. 1973.
  • 4 Ver, para o caso brasileiro, Instituto Brasileiro de Economia. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1972. p. 37 e seg.
  • 6 Streeten, Paul. The frontier of development studies. London, Macmillan, 1972. p. 31.
  • 7 V. Seers. op. cit. Além disso, aumentos muito desiguais na renda das classes numa sociedade, mesmo se deixam em melhor situação, relativamente a sua posição anterior, as classes de renda mais baixa, estão sujeitas a criar sérias dificuldades políticas e sociais no futuro. Se esses estratos inferiores aumentam sua renda, digamos, de 1%, e aqueles no topo da pirâmide social a sua de 10%, uma vez que as necessidades não são apenas aquelas básicas e sim e cada vez mais as socialmente determinadas, a consciência da diferença entre as classes e da inacessibilidade à maior parte dos resultados do crescimento econômico é um gerador potencial de tensões sociais dificilmente compatíveis com a idéia de desenvolvimento. Ver, para exemplos, Banfield, Edward C. The moral basis of a backward society. Chicago, The Free Press, 1958.
  • 9 Morgenstern, Oskar. On the accuracy of economic observations. Princeton, N.J., Princeton University Press, 1963.
  • Ver Cavalcanti, Clóvis. Uma avaliação das estimativas de renda e produto do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 2, n. 2, dez. 1972.
  • 11 Mesmo para os países desenvolvidos, para os quais estas diferenças estão presumivelmente reduzidas a um mínimo, afirma um expert: "Em particular, a conversão de produtos complexos em elementos de preços e quantidades envolve inevitavelmente difíceis julgamentos que podem afetar em grande medida os resultados obtidos. Desse modo, tais estatísticas não devem ser tratadas como dados inteiramente objetivos e pelo menos parte da variação observada entre países deve ser atribuída a diferentes departamentos estatísticos adotando diferentes soluções para os mesmos tipos de poblemas". Hill, T.P. The measurement of real product. Organization for Economic Co-operation and Development, 1971. p. 73.
  • 17 Ver United Nations. Report on international definition and measurement of standards and levels of living. New York, United Nations, 1954 e International definition and measurement of levels of living: an interim guide. New York, United Nations, 1961.
  • 18 Ver United Nations. Department of Economic and Social Affairs. International Social Development Review, New York, n. 2, 1970.
  • 20 Ver, respectivamente, Beckerman, W. International comparisons of real incomes. Paris, OECD Development Centre, 1966 e Beckerman, W. & Bacon, R. International comparisons of income levels: a suggested new measure. Economic Journal, vol. 76, 1966;
  • Adelman, Irma & Morris, C.T. Society, politics and economic development Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1967;
  • Harbison, F.H. Maruhnic, J. & Resnick, J.R. Quantitative analysis of modernization and development Industrial Relations Section, Princeton University, 1970.
  • Um resumo mais detalhado destes trabalhos pode ser encontrado em Baster, Nancy. Development indicators: an introduction. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.
  • 22 Esta nova função de produção é bastante semelhante ao tipo mais familiar, com a diferença de que nela os indicadores de bem-estar aparecem como variáveis independentes, claramente não relegadas a um papel residual. Como se chegar a uma tal função é ainda uma questão extremamente controvertida. Ver Drewnowski, Jan. Social indicators and welfare measurement: remarks on methodology. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.
  • 24 Difíceis, porém não impossíveis. Ver, entre outras, as tentativas para o caso brasileiro de Salm, Cláudio & O'Brien, F.S. Desemprego e subemprego no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 24, n. 4, out./dez. 1970 e de Wells,
  • John. Distribution of earnings, growth and the structure of demand in Brazil during the 1960's. World Development, v. 2, n. 1, Jan. 1974.
  • 1
    Ver, a propósito Seers, Dudley. What are we trying to measure?
    The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.
  • 2
    Para um tratamento um pouco mais detalhado dessa questão, ver Helleiner, G. K. Socialism and development in Tanzania.
    The Journal of Development Studies, v. 8, n. 2, Jan. 1972 e Kuznets, Simon. Modern economic growth: findings and reflections.
    American Economic Review, v. 63, n. 3, Jun. 1973.
  • 3
    A distinção que se faz aqui é entre o produto Interno bruto a preços de mercado e a renda nacional, esta sendo igual ao produto nacional líquido a custo de fatores, ambos divididos pela população do país.
    4 Ver, para o caso brasileiro, Instituto Brasileiro de Economia.
    Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1972. p. 37 e seg.
  • 5
    Não parece desejável discutir aqui e agora a essência abstrata dos serviços. Estamos supondo que estes possam ser expressos de alguma maneira material e quantificável, qualquer que seja.
  • 6
    Streeten, Paul.
    The frontier of development studies. London, Macmillan, 1972. p. 31.
  • 7
    V. Seers. op. cit. Além disso, aumentos muito desiguais na renda das classes numa sociedade, mesmo se deixam em melhor situação, relativamente a sua posição anterior, as classes de renda mais baixa, estão sujeitas a criar sérias dificuldades políticas e sociais no futuro. Se esses estratos inferiores aumentam sua renda, digamos, de 1%, e aqueles no topo da pirâmide social a sua de 10%, uma vez que as necessidades não são apenas aquelas básicas e sim e cada vez mais as
    socialmente determinadas, a consciência da diferença entre as classes e da inacessibilidade à maior parte dos resultados do crescimento econômico é um gerador potencial de tensões sociais dificilmente compatíveis com a idéia de desenvolvimento. Ver, para exemplos, Banfield, Edward C.
    The moral basis of a backward society. Chicago, The Free Press, 1958.
  • 8
    Como estimar a produção não levada ao mercado e o consumo no setor de agricultura de subsistência é, por exemplo, um dos mais intrincados desafios às autoridades em países em desenvolvimento e que praticamente inexiste nos desenvolvidos. Sugere a existência de uma renda oculta, não medida pelos departamentos de estatística e que pode servir de explicação para a continuidade da vida e das atividades econômicas em áreas de baixa renda, como a Etiópia, onde a renda média se situa em torno de US$ 0,20 por dia.
  • 9
    Morgenstern, Oskar.
    On the accuracy of economic observations. Princeton, N.J., Princeton University Press, 1963.
  • 10
    Os resultados desta falta de homogeneidade foram apontados por Clóvis Cavalcanti em um estudo em que compara as estimativas da Fundação Getúlio Vargas de produto interno para os nove estados nordestinos e as da SUDENE. Considerando-se que a FGV só publica cifras para o produto interno líquido e que as despesas de consumo do capital representam, segundo seus próprios cálculos, 5-6% do produto interno bruto da região, a relação entre os valores encontrados para o PIL
    cf (FGV) e para o PIB
    cf (SUDENE), em percentagens, a preços correntes para os anos 1965-68 é a seguinte:
  • 11
    Mesmo para os países desenvolvidos, para os quais estas diferenças estão presumivelmente reduzidas a um mínimo, afirma um
    expert: "Em particular, a conversão de produtos complexos em elementos de preços e quantidades envolve inevitavelmente difíceis julgamentos que podem afetar em grande medida os resultados obtidos. Desse modo, tais estatísticas não devem ser tratadas como dados inteiramente objetivos e pelo menos parte da variação observada entre países deve ser atribuída a diferentes departamentos estatísticos adotando diferentes soluções para os mesmos tipos de poblemas". Hill, T.P.
    The measurement of real product. Organization for Economic Co-operation and Development, 1971. p. 73.
  • 12
    Morgenstern. op. cit. p. 244.
  • 13
    Quanto ao Reino Unido, segundo um sistema de gradação estabelecido em 1956, as melhores estatísticas para componentes dos agregados admitem uma margem de erro ao redor ou inferior a 3% em qualquer direção.
  • 14
    Para o período 1950-65, a adoção de pesos alternativos para o valor agregado dá origem aos seguintes extremos para taxas de crescimento médio do PIB em alguns países selecionados:
  • 15
    Nossa imaginação pode ir longe se se consideram as conseqüências para o Nordeste brasileiro da possível subestimação da importância de sua indústria implícita nos dados oficiais da Fundação Getúlio Vargas. Ver Cavalcanti, Clóvis, op. cit.
  • 16
    Ver Morgenstern. op. cit. p. 243.
  • 17
    Ver United Nations.
    Report on international definition and measurement of standards and levels of living. New York, United Nations, 1954 e
    International definition and measurement of levels of living: an interim guide. New York, United Nations, 1961.
  • 18
    Ver United Nations. Department of Economic and Social Affairs.
    International Social Development Review, New York, n. 2, 1970.
  • 19
    Ver McGranahan, D.V. Richard-Proust, C. Sovani, N.V. e Subramanian, M.
    Contents and measurement of socioeconomic development. New York e London, Praeger Publishers, 1972. As outras seis variáveis inicialmente incluídas eram as taxas de natalidade e de mortalidade, o consumo de calorias provenientes de cereais e tubérculos como percentagem do consumo calórico total, a percentagem de habitações supridas de eletricidade sobre o total, a diferenciação estrutural da população (entendida como a soma dos valores das diferenças entre a parcela do PNB gerada em cada um dos três setores, em percentagem, e a distribuição percentual da população economicamente ativa por estes mesmos setores) e a percentagem do dispêndio de consumo privado total destinada a alimentação.
  • 20
    Ver, respectivamente, Beckerman, W.
    International comparisons of real incomes. Paris, OECD Development Centre, 1966 e Beckerman, W. & Bacon, R. International comparisons of income levels: a suggested new measure. Economic Journal, vol. 76, 1966; Adelman, Irma & Morris, C.T.
    Society, politics and economic development. Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1967; Harbison, F.H. Maruhnic, J. & Resnick, J.R.
    Quantitative analysis of modernization and development. Industrial Relations Section, Princeton University, 1970. Um resumo mais detalhado destes trabalhos pode ser encontrado em Baster, Nancy. Development indicators: an introduction.
    The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.
  • 21
    Kuznets, Simon, op. cit. p. 258.
  • 22
    Esta nova função de produção é bastante semelhante ao tipo mais familiar, com a diferença de que nela os indicadores de bem-estar aparecem como variáveis independentes, claramente não relegadas a um papel residual. Como se chegar a uma tal função é ainda uma questão extremamente controvertida. Ver Drewnowski, Jan. Social indicators and welfare measurement: remarks on methodology. The Journal of Development Studies, v. 8, n. 3, Apr. 1972.
  • 23
    Ver Seers, Dudley, op. cit.
  • 24
    Difíceis, porém não impossíveis. Ver, entre outras, as tentativas para o caso brasileiro de Salm, Cláudio & O'Brien, F.S. Desemprego e subemprego no Brasil.
    Revista Brasileira de Economia, v. 24, n. 4, out./dez. 1970 e de Wells, John. Distribution of earnings, growth and the structure of demand in Brazil during the 1960's.
    World Development, v. 2, n. 1, Jan. 1974.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1974
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