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A crise da república oligárquica no Brasil: as primeiras manifestações tenentistas

COMENTÁRIOS

A crise da república oligárquica no Brasil: as primeiras manifestações tenentistas* * Este texto constitui um capítulo da tese de mestrado Tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República, apresentada pela Prof.ª Maria Cecília Spina Forjaz ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em julho de 1974. A pesquisa que resultou na elaboração dessa tese foi patrocinada pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, onde a autora exerce atividades docentes junto ao Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração.

Maria Cecília Spina Forjaz

Professora do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

A campanha sucessória do Presidente Epitácio Pessoa, propositalmente antecipada pelas oligarquias dos "grandes estados" (São Paulo e Minas Gerais), desencadeia um conflito entre as Forças Armadas e as classes dominantes que culmina nas primeiras manifestações tenentistas, ou seja, o Levante do Forte de Copacabana, da Escola Militar do Realengo, de algumas guarnições da Vila Militar, da Primeira Circunscrição Militar de Mato Grosso e de alguns membros isolados do Exército e da Marinha em Niterói.

Essa mesma campanha significou um momento de intensificação das dissidências interoligárquicas. Contra a candidatura "café-com-leite" dos estado dominantes, uniram-se na Reação Republicana as oligarquias do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro apresentando a candidatura de Nilo Peçanha para a presidência da República.

Quais as raízes do descontentamento militar e os móveis principais de sua rebeldia nessa fase inicial da crise da Primeira República? Como se dá a articulação entre a rebeldia militar e os conflitos infernos das oligarquias regionais? Até que ponto existe uma complementaridade de objetivos entre as dissidências oligárquicas e os militares? Estas são algumas das questões que pretendemos esclarecer neste capítulo.

Da mesma forma, pretendemos investigar até que ponto essas primeiras manifestações tenentistas se articulam à crescente insatisfação dos setores médios urbanos. Existe realmente nesse contexto alguma manifestação dos militares rebeldes que os identifique como porta-vozes desses setores?

Assim, no início dos anos 20 a rebeldia militar e a atuação da Reação Republicana que a ela se entrelaça, apresentam-se como a conjunção de dois movimentos que contestam as estruturas políticas básicas da Primeira República, de uma forma paralela e coincidente, porém originadas de reivindicações e conflitos distintos. De um lado a dignidade e honra das Forças Armadas enquanto guardiãs das instituições republicanas, ofendidas pelos "políticos" e "homens do poder". De outro as tensões regionais das oligarquias dominantes, ou seja, os protestos dos setores oligárquicos não-vinculados diretamente ao café, porém integralmente participantes das estruturas de poder típicas da Primeira República. Oligarquias dissidentes que utilizam em sua luta pelo poder uma insatisfação militar de caráter corporativo, aguçada por uma grande coesão grupal.

Por sua parte as Forças Armadas exercem quase a função de partido político, constituindo aliás o único grupo nacional organizado, com uma elevada expectativa sobre seu próprio papel enquanto "estrato protetor da República", e contando com a possibilidade do recurso à violência.

Essa mesma conjunção de movimentos políticos ocorreria em 1930, ou seja, a união de oligarquias dissidentes (porém agora ocorrendo uma cisão dentro da própria fração hegemônica, os cafeicultores, e seus representantes diretos no poder) e o movimento tenentista, amadurecido por uma década de lutas, no contexto da grande crise internacional do capitalismo, o que levaria à ruptura do sistema agroexportador oligárquico.

A conjuntura do início da década de 20 que analisamos no momento é marcada também por uma crise cíclica do capitalismo internacional, a de 1920, refletida imediatamente nos países periféricos por uma retração do volume das exportações e do preço dos produtos primários (as exportações brasileiras de café diminuíram de 13 milhões em 1919, para 11,5 milhões em 1920).

Os tradicionais mecanismos defensivos da economia cafeeira são postos em prática, ou seja, a desvalorização cambial,1 1 Veja Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959, cap. 28: A defesa do nível de emprego e a concentração da renda. pela terceira vez é realizada a operação valorizadora do café,2 2 Veja Carone, Edgard. A república velha; instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 47. através de emissões e empréstimos externos.

É amplamente conhecido o efeito de socialização das perdas e privatização dos lucros3 3 Veja Furtado,Celso. op. cit. p. 196. para o setor cafeicultor que ambas as medidas acarretam, e daí o aguçamento das tensões regionais das oligarquias dominantes, assim como da insatisfação dos setores médios e populares urbanos.

1. A REBELDIA MILITAR

As origens da rebeldia militar ligam-se ao conhecido civilismo de Epitácio Pessoa. "Ojeriza, tenho sim, aos oficiais que, roídos de ambição ou de inveja descuram os deveres de sua nobilíssima profissão para se envolverem em tricas de politicagem; dos que, traindo a missão que lhes cabe nas sociedades organizadas, volvem contra a ordem constitucional as armas que da nossa confiança receberam para guardá-las; aos que têm a estulta pretensão de se arvorar em patrões da República, porque há 36 anos, quando ainda não tinham sequer vindo ao mundo, outros oficiais, quase todos já falecidos, concorreram para a mudança das instituições. A estes, sim, tenho ojeriza."4 4 Pessoa, Epitácio. Pela verdade. Apud: Silva, Hélio. 1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 42.

Rompendo as tradições, ele nomeou os civis Pandiá Calógeras e Raul Soares para as pastas da Guerra e da Marinha, e quando este último deixa o ministério, outra vez o presidente da República nomeia um civil para substituí-lo.

Mais uma vez os militares se agitam na tentativa de afastar o Ministro da Guerra civil, e o candidato da oposição Nilo Peçanha não deixaria mais tarde de explorar essa sensação militar de humilhação: "Não me parecia nobre que a República, nesse particular, fosse menos liberal que o Império, onde os militares exerciam sua ponderada ação política na alta administração do país, trouxeram sempre a influência de sua abnegação e de sua formação cívica, o altruísmo e o senso profundo do interesse verdadeiramente nacional. A própria experiência da República aí estava a indicar a proficuidade dessa colaboração. Em 30 anos de gestão nas pastas militares essa colaboração foi sempre perfeitamente honesta, sem desmerecer a laboriosa gestão atual" (grifo nosso).5 5 O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jun. 1921.

Outro episódio importante vai opor Epitácio Pessoa e os militares, quando o primeiro, logo no início de seu governo, tenta retirar do Senado um projeto de aumento dos soldos militares que havia sido proposto por altas patentes do Exército e da Marinha, pretextando bancarrota financeira.

Uma série de incidentes menores marcam as relações governo/militares na gestão de Epitácio Pessoa criando um clima de crescente hostilidade que vai culminar com o episódio das Cartas Falsas e com a sucessão presidencial do Estado de Pernambuco, que analisaremos mais adiante e que constituem os móveis imediatos dos primeiros levantes tenentistas.

Toda a oposição militar ao governo canalizou-se na pessoa do M.al Hermes Rodrigues da Fonseca, o sobrinho de Deodoro, que passou a simbolizar a glória do Exército e sua responsabilidade perante as instituições republicanas. Quando ele chega da Europa, em meados de 1921, depois de anos de exílio, é objeto de grandes homenagens e passa a centralizar toda uma movimentação militar de caráter crescentemente político e que chega ao lançamento virtual de sua candidatura à sucessão presidencial.

É muito significativo dos ânimos militares nessa ocasião o discurso pronunciado pelo Capitão-de-fragata Alencastro Graça no banquete oferecido pelo M.al Hermes da Fonseca em retribuição às homenagens recebidas, e do qual transcrevemos a passagem mais reveladora:

"No doloroso transe por que estamos passando, quando o natural desenvolvimento dessa classe é limitado por pequenos caprichos, sirva-nos ao menos esta oportunidade para um desabafo tão justificável. Grandemente responsáveis pelo regime que implantamos à custa de nossas baionetas, até hoje temos vivido como comparsas e relegados sempre a um plano inferior, depois que o pretensioso e inculto bacharelismo se assenhoreou, com a nossa própria aquiescência, dos papéis mais importantes. No tabuleiro político de nossa terra não somos admitidos e desde que um de nossos camaradas se aventura a romper o preconceito estabelecido, candidatando-se a uma posição qualquer, recusam-nos, dizendo que devemos entregar-nos a nossos deveres profissionais. No entanto, nem mesmo este último direito nos tem sido assegurado integralmente e quando não bastassem as inúmeras provas de desconsideração, havia ainda a triste humilhação de não administrarmos as nossas classes...

As tricas políticas não podem entrar em nossas cogitações mas, sem embargo, manter uma posição indiferente quando se vai talvez julgar o nosso destino, não é uma coisa admissível. As Forças Armadas não se sujeitarão a servirem de meros espectadores, tratando-se da escolha de seu chefe supremo. Não é que nos sintamos atraídos pela ambição política: é o amor da pátria que nos encoraja... Quando todos se armam refazendo e melhorando suas organizações militares abandonamo-nos aqui inteiramente a uma indiferença criminosa, deixando morrer à mingua o pouco que conseguimos.** ** N. do A.: Referência ao rearmamento posterior à Guerra mundial. Já não é só o material que nos falta e que facilmente seria adquirido: é a moral que se abate e sua depressão envolve também a defesa da nossa nacionalidade, desde que nos achamos cercados de uma vizinhança ávida de preponderância e supremacia. Chegamos infelizmente a um estado de marasmo e inanição que não pode e nem deve ser ignorado pelo público que paga docilmente nossas despesas e confia em nós como suas sentinelas mais avançadas. Afastados intencionalmente do convívio político, a nossa fraca voz não alcançará as altas camadas que nos oprimem e deprimem com o peso de seu menosprezo... As classes armadas não são formadas de carneiros nos tempos hodiernos: possuímos um passado que mostra o que temos feito em prol da evolução político-social de nosso país. Voltem os velhos generais e almirantes aos antigos postos e paremos com a infeliz experiência que nos vai atirando célere ao abismo de uma franca dissolução. Apresentemos uma frente unida, coesa, e tenhamos presente que o que nos guia nesse momento não é um subalterno sentimento de vulgar ambição, mas sim o amor da pátria querida, dessa terra que herdamos de nossos antepassados e que juramos defender com a própria vida".6 6 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 3 jun. 1921.

A conseqüência desse discurso foi a prisão do Cap. Alencastro Graça, ordenada pelo presidente da República, por atentado à disciplina militar e uma série de boatos sobre a prisão do próprio M.al Hermes, tendo inclusive O Estado de São Paulo publicado uma nota relativa a boatos sobre uma revolução no Rio de Janeiro, veiculados em Recife e posteriormente desmentidos. Fatos esses que demonstram claramente o clima de extrema agitação nos meios militares, que na opinião de Rui Barbosa em carta a Nilo Peçanha,7 7 Carta de Rui Barbosa a Nilo Peçanha, de 15 jun. 1921, publicada em O Estado de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 1921. configuraria uma situação do País mais grave do que a de 1889.

O lançamento da candidatura Hermes da Fonseca não chega a se concretizar, em parte devido à hesitação do próprio marechal, em parte por não obter grande repercussão nos meios políticos, e principalmente devido às articulações das bancadas dos estados dissidentes que postulam a candidatura oposicionista de Nilo Peçanha, simpático aos militares e que acaba diluindo as articulações hermistas e canalizando as insatisfações militares.

O episódio da abortada candidatura Hermes possibilita ainda a percepção de uma cisão nos meios militares entre os altos escalões e os intermediários, à medida que esses últimos foram os mais ferrenhos defensores dessa candidatura, tendo várias altas patentes se pronunciado contra a intervenção militar na campanha sucessória, como é o caso do pronunciamento do G.al Cardoso de Aguiar: "... o Exército não faz política. É exato que existe um núcleo de oficiais defensores exaltados da candidatura Hermes... Pronunciei-me contra. O marechal não deve imiscuir-se na política. Sua atividade deve consagrá-la toda ao Exército ... Fiz parte de uma comissão que se entendeu sobre o assunto com Nilo Peçanha. Minha atitude era inspirada pelo desejo de solucionar de vez o caso, evitando explorações que já se faziam sentir nos meios militares. Os estados aliados não aceitaram e o mesmo grupo de oficiais continuou a propaganda. É bem de ver que esse grupo não representa o Exército, é uma minoria, que nem pode falar em nome da Região, que não é solidária com a atitude que ele possa assumir. Os oficiais concorrerão às urnas como cidadãos, votando nos candidatos que merecerem a preferência de cada um. Alguns naturalmente terão suas simpatias pelo candidato da Convenção,8 8 Convenção de representantes das bancadas estaduais que escolheram a candidatura do presidente de Minas Artur Bernardes. de um grande grupo tenho ouvido palavras de pouco entusiasmo por Nilo Peçanha".9 9 O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 1921.

Como se patenteia por estas declarações à "oficialidade",10 10 Nesse período é costume denominar de forma genérica como "oficialidade" as patentes intermediárias do Exército, pois sempre que se trata de referências às altas patentes elas são feitas de forma individualizada. que constitui a facção mais radical das Forças Armadas, tem como saída para o conflito em que estão envolvidas, a ascensão à presidência da República de um "dos seus", de um membro da instituição a que pertencem, e que portanto, pretendem ver representada diretamente no poder. Tal aspiração liga-se à uma consciência que ainda difusamente vê no Exército a "própria nação",11 11 Declarações do M. al Hermes da Fonseca por ocasião de sua posse na presidência do Clube Militar e em que após relembrar a participação do Exército na proclamação da República diz que "hoje o Exército é outro e representa a própria nação, por isso é que é constituído de cidadãos soldados não se poderia quedar indiferente aos interesses gerais do País". O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jan. 1921. ou seja, que o vê como a encarnação dos interesses gerais da nacionalidade.

Porém, neste tipo de atuação política já podemos apreender os germes de uma ideologia mais elaborada, que se nessa fase se limita a responder às afrontas dirigidas às Forças Armadas, já contém elementos que transcendem a pura e simples reação de esprit de corps.

Tanto que, se as altas patentes também repudiam as ofensas que atingem as Forças Armadas, nem por isso participam como grupo de uma tentativa de assumir a presidência legalmente através de eleições, nem alguns meses depois através de meios insurrecionais.

A não ser exceções individuais, mantém o seu protesto dentro dos limites da estrita legalidade, apoiando candidaturas oposicionistas. Como bem o demonstra o G.al Cardoso de Aguiar os altos escalões militares são submissos aos políticos da oposição oligárquica e não ousam insistir numa candidatura que não tem a sua aprovação.

2. A REBELDIA OLIGÁRQUICA

Paralelamente à rebeldia militar, desenvolve-se a rebeldia das oligarquias regionais dos chamados estados intermediários,12 12 Estados intermediários na hierarquia de poder dos estados brasileiros, situados entre os líderes São Paulo e Minas Gerais, e o resto dos estados brasileiros, fracos e totalmente submetidos à força político-eleitoral dos primeiros. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, que vão formar a reação republicana em oposição à candidatura "café-com-leite" de Artur Bernardes e Urbano dos Santos.

Esta havia sido escolhida logo no início de 1921 pelo eixo São Paulo-Minas, que usou a antecipação da campanha sucessória do Pres. Epitácio Pessoa como uma forma de combater os laivos independentes de sua política, ou seja, a não-submissão total aos interesses específicos dos cafeicultores.

É num contexto de conflito entre os grandes estados e a presidência da República que vai se desenvolver a campanha eleitoral, embora Epitácio tivesse apoiado seus candidatos.

O primeiro estado que se levantou contra esta indicação foi o Rio Grande do Sul, através de seu presidente Borges de Medeiros, que denunciou os conchavos antidemocráticos de escolha dos candidatos à sucessão presidencial e afirmou que não ratificaria um acordo entre São Paulo e Minas do qual não havia participado. Declarou que só apoiaria uma candidatura vinculada a um programa de governo.

Na base desta oposição estão os interesses econômicos do Rio Grando do Sul,13 13 O programa da Reação Republicana atacava o imperialismo dos grandes estados e pedia proteção para os produtos de exportação em geral, e não apenas para o café. contrários aos esquemas de valorização do café, que aumentavam a inflação e a instabilidade financeira, responsáveis por uma diminuição na demanda do principal produto do estado, o charque. Consumido principalmente pelas classes populares, elas tinham seu poder aquisitivo amplamente afetado pelas conseqüências exatamente dessas medidas defensivas a que já fizemos referência.

Bahia e Pernambuco disputaram a indicação à vice-presidência ao lado de Artur Bernardes e como não foi possível o acordo, romperam com essa candidatura e tornaram-se dissidentes. Como se vê, os conflitos regionais das oligarquias dominantes manifestam-se também como disputas momentâneas, derivadas de ambições pessoais.

Essas dissidências vão unir-se em torno de Nilo Peçanha, líder das oligarquias fluminenses, que volta da Europa no início de junho de 1921 e torna-se imediatamente o ponto de convergência das articulações oposicionistas, inclusive devido ao seu grande prestígio popular.

Após algumas tentativas de encontrar um candidato de conciliação nacional14 14 Foram aventados por Nilo Peçanha os nomes de Rui Barbosa, M. al Hermes da Fonseca e Wenceslau Brás. em prol de quem Bernardes e ele mesmo desistiriam de suas candidaturas, Nilo Peçanha acede aos convites dos estados dissidentes e constitui-se a Reação Republicana, que indica para vice o presidente da Bahia, J. J. Seabra.

3. AS CARTAS FALSAS E A SUCESSÃO PERNAMBUCANA

Desenvolve-se acirradamente a campanha eleitoral, quando, às vésperas da chegada ao Rio de Janeiro do candidato da Convenção para a apresentação de sua plataforma de governo, estoura a bomba que levaria ao auge a indisciplina militar. No dia 9 de outubro de 1921 o Correio da Manhã publica em fac-símile a seguinte carta:

"Belo Horizonte, 3-6-1921

Amigo Raul Soares

Saudações afetuosas.

Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados, e de tudo que nessa orgia se passou. Espero que use com toda energia, de acordo com as minhas últimas instruções, pois, essa canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina. Veja se o Epitácio mostra agora a sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados, prendendo os que saíram da disciplina e removendo para bem longe esses generais anarquizadores. Se o Epitácio com medo não atender, use de diplomacia que depois do meu reconhecimento ajustaremos contas.

A situação não admite contemporizações, os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões.

Abraços do Artur Bernardes."15 15 Veja Silva, Hélio. 1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 51-2.

A reação é instantânea: reúne-se no dia seguinte o Clube Militar e aprova uma moção: "A Moção - O Clube Militar - órgão das classes armadas - julga de seu dever que o público conceito emitido pelo Sr. Artur Bernardes, na sua carta de 3 de junho último, colocou o Exército na contingência de reagir imediatamente. Porque, ou S. Ex.ª tem razão em nos qualificar de canalha venal, ou inutilmente ultrajou o Exército. Na primeira hipótese, o Exército deve ser dissolvido, pois a defesa da Nação não pode estar confiada a janízaros e canalhas; na segunda, S. Ex.ª criou absoluta incompatibilidade entre a sua pessoa e o Exército. Existe, pois, um dilema, como solução única: ou a nossa dissolução, ou o Exército não aceita que S. Ex.ª seja o Presidente da República. O Exército proclamou, consolidou e entregou a República aos senhores políticos profissionais, que podem governá-la sem ultrajar aos que tem a convicção da pobreza honrada. E é com tais fundamentos que o Exército implora à Nação a eleição de qualquer outro brasileiro para Presidente da República pois não assegura ao Sr. Artur Bernardes o exercício desse cargo."16 16 Silva, Hélio. op. cit. p. 53.

Estava criado o impasse. Como Artur Bernardes tivesse declarado não ser o autor das cartas,17 17 Dias depois da publicação da carta transcrita o Correio da Manhã publica uma nova carta atribuída a Artur Bernardes. a opinião pública e o próprio Exército cindem-se em facções que negam ou aceitam a falsidade delas e o debate que se segue é rico em formulações que configuram duas ideologias sobre as relações entre os militares e a política. Apreendê-las e analisá-las é fundamental para nossas investigações.

Uma dessas ideologias enfatiza o caráter profissional do militar e incita-o a isolar-se da política, e apesar das citações sucessivas tornarem-se por vezes enfadonhas julgamos imprescindível antes de interpretá-la, descrevê-la, e nada melhor para isso do que as palavras de seus próprios formuladores: "No fundo já tivemos ocasião de dizer junto ao túmulo de Floriano e ora repetimos que 'é uma afronta aos brios nacionais essa extravagância de erigir o Exército em tutor da Nação, em rebaixar a Nação em tutelada do Exército.' Manter a ordem e não perturbá-la é o dever das forças militares e as que assim não o fizerem por bem, traindo esse dever, precisam ser forçadas a fazê-lo por mal. O Exército não é uma casta: é uma classe. A farda não dá valor a quem não o tem: e quem o tem é que dá valor à farda. O voto militar é contado como o do paisano. A Nação é civil e não militar. Apesar dessa megalomania militarista de 'Nação Armada', 'os melindres nacionais', já tivemos ensejo de o dizer, são representados não pelas forças armadas, mas pelas fraquezas armadas. Além disso os Caxias, os Osórios, etc., a elite em suma e não o vulgo do grosso da tropa é que representa a minha classe. O que não for isso são preconceitos vulgares de almas vulgares... Se o Exército se levantar para impor de maneira valentona o Sr. Peçanha, todos nós patriotas civis ou militares, o faremos voltar. Nada de caudilhismo ou de pronunciamentos militares."18 18 Declaração do G. al Gomes de Castro, um dos membros da comissão nomeada pelo Clube Militar para esclarecer sobre a falsidade ou autenticidade das cartas atribuídas a Artur Bernardes, publicadas n' O Estado de São Paulo, em 16 nov. 1921.

É da mesma forma reveladora das concepções da ideologia do soldado profissional a seguinte nota à imprensa do governo:19 19 O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 1921. "O governo reconhece a todo cidadão, militar ou não, a liberdade de manifestação sobre assuntos políticos, negando porém o direito de servir-se, em seu interesse e preferências pessoais, da parte de poder público que lhes confiou. Assim, o governo não pode consentir que qualquer funcionário civil ou militar, se prevaleça de seu cargo ou de seu posto, a fim de impor a outrem suas opiniões partidárias. Os oficiais do Exército e da Armada podem individualmente manifestar-se em questões políticas, mas não coletivamente, pois como coletividade são instituições nacionais destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. No dia em que pudessem envolver-se em lutas partidárias, desagregar-se-iam por dissensões intestinas e deixariam de ser a garantia da pátria, ou matariam a liberdade civil..." 20 20 Destaca-se ainda como texto representativo da ideologia do soldado profissional o artigo do jornal O Estado de São Paulo assinado apenas com a letra S (constatamos posteriormente tratar-se de Sertório de Castro) e intitulado A Política e as classes armadas: "Não se apresentou sequer, uma oportunidade que justificasse o debate ensaiado sem seguimento, acerca dos direitos políticos dos militares. Ninguém os põe dúvida, ninguém os contesta, ninguém lhes nega legitimidade. O que se contesta, aquilo a que se nega legitimidade é a atitude revolucionária de um pronunciamento coletivo como meio prático de os exercer: é a intervenção indébita em assunto que a lei põe fora de sua alçada, porque se lhe fôssemos reconhecer hoje essa autoridade, desapareceria a ordem constitucional, e os órgãos legítimos da política teriam de ceder seu papel e suas funções na sociedade a uma corporação que se toma digna de todo respeito precisamente porque, sendo a depositária das armas da nação, e sendo sua força e o sustentáculo de sua defesa, tem todos seus movimentos tolhidos pelas regras da obediência e pelos cânones da disciplina. Mas esses rigores, que só lhes coíbem as manifestações coletivas, pois que assim se pronunciando, exerceriam uma influência opressiva e desigual, porque seria a força disputando às classes civis desarmadas uma função que lhes é inata, não privam os militares de terra e mar, como não privam os operários, o magistrado, o industrial, o comerciante, o lavrador e todo o cidadão brasileiro na posse de seus direitos políticos, de todas as prerrogativas que por igual lhes confere sem nenhuma distinção, o nosso estatuto fundamental..."

É importante enfatizar que após a publicação desta nota governamental, uma série de membros da cúpula militar pronunciou-se favoravelmente a ela, o que sem dúvida constitui uma evidência de que os altos escalões do Exército identificam-se com esse tipo de ideologia. Notamos aqui, mais uma vez, uma distinção clara entre o comportamento da cúpula militar e dos escalões intermediários, muito mais inclinados para uma ideologia que valoriza a intervenção militar na política e que nesse momento que analisamos se identifica muito mais por uma série de comportamentos políticos radicais do que por formulações ideológicas precisas.

Em outros termos, diríamos que nesse momento esboça-se a especificidade de um certo movimento militar, que se afirma ainda muito mais por oposição à mentalidade do soldado profissional, do que por uma afirmação positiva de seus próprios princípios. Cremos encontrar aqui, realmente, o germe do tenentismo.

Um articulista da época,21 21 Cartas de Minas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1921. O artigo só vem assinado com o inicial N. apreendendo exatamente essa oposição entre duas ideologias relativas ao papel de Forças Armadas na política, elabora um diálogo imaginário entre um civil que defende a idéia do soldado profissional e um tenente que para se opor a ela argumenta basicamente procurando mostrar o papel do Exército no Brasil como "um dos principais fatores das nossas conquistas democráticas", culpa os "políticos profissionais" pela mistificação eleitoral e assim justifica a necessidade da intervenção militar saneadora. Evidentemente não seria por acaso que o articulista atribuiu a um tenente a defesa da intervenção militar.

Essa mesma oposição se expressa nitidamente quando os sócios do Clube Militar se dividem entre favoráveis e contrários à formação de uma comissão que investigaria a autenticidade das Cartas. Os últimos, entre os quais está o próprio M.al Hermes da Fonseca, opõem-se à comissão argumentando que o assunto é de natureza política e por isso o Clube Militar deveria alhear-se dele. Porém, os favoráveis à formação da comissão vencem por ampla maioria.

Após conturbadas reuniões e divergências internas, a comissão pronuncia-se pela autenticidade das Cartas e o Clube Militar em Assembléia-Geral Extraordinária do dia 28 de dezembro de 1921 apresenta uma moção em que afirma:

"Porque não tenha este Clube qualidade jurídica para promover ação em desafronta das autoridades ofendidas;

Resolve, por isso, entregar o caso ao julgamento da Nação."22 22 Silva, Hélio. op. cit. p. 62.

Na mesma ocasião, um discurso do Al.te Silvado nos proporciona uma amostra das formulações daqueles que se opõem à ideologia do soldado profissional: "O Clube Militar... desde a Abolição até a atualidade, passando pela Proclamação da República e pela sua consolidação, feita com as armas nas mãos, sob o comando supremo do impretérito Floriano... Os veteranos da Abolição, da Proclamação e da Consolidação da República estão alertas e prontos a correr em auxílio da Nação... Que todo o cidadão de uma Pátria livre tem o dever de ser político, é uma conseqüência óbvia do bom senso e da simples leitura das leis... Sendo os militares cidadãos no pleno gozo de todos os direitos e prerrogativas garantidas aos civis, é claro, é evidente, inconcusso e incontestável que têm o dever iniludível de ser políticos".23 23 Silva, Hélio. op. cit. p. 62.

Assim como o tenente imaginário a que nos referimos, o almirante enfatiza a participação militar nos momentos decisivos da vida política brasileira, delineando-se assim um dos pontos-chaves dessa orientação, ou seja, a concepção de que as Forças Armadas seriam no Brasil o principal agente da mudança política. E teriam esse papel à medida que representassem os interesses gerais da nacionalidade, como já tivemos ocasião de mostrar anteriormente.

Após esse pronunciamento da Comissão do Clube Militar, as facções mais radicais das Forças Armadas, ou seja, a oficialidade jovem, imbuída da ideologia do cidadão soldado, teriam optado pela insurreição como forma de impedir a ascenção de Artur Bernardes, caso ele fosse eleito. Tanto que aproximadamente um mês depois dela, o jornal O Combate publicou uma circular com a nota "confidencial" e assinada "O Exército" e que estaria sendo enviada às guarnições militares nos estados: "Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1922. Camaradas. A nossa moção significa não votarmos no nosso inimigo Artur Bernardes que não será governo porque dissolverá o Exército, pois conhecemos seu desejo incontido de vingança, a sua arrogância e violência apoiado nos negocistas de São Paulo, nos régulos estaduais, no conluio político e desgraçadamente na ambição dos Hermes da Fonseca, Tarso Fragoso, Bonifácio da Costa, Setembrino de Carvalho, Abílio de Noronha, Gabriel Botafogo, Carneiro da Fontoura, Pessoa de Queiroz, Eduardo Sócrates, Neiva de Figueiredo, Mena Barreto e demais generais em número de 24. São em qualquer terreno contrários ao Sr. Artur Bernardes os comandantes de corpos desta guarnição, que não se manifestam combinadamente porque estão sob a pressão do Sr. Pandiá Calógeras, ministro da Guerra. A oficialidade, porém - capitães e tenentes - bem como os sargentos estão todos unidos e bem orientados, aguardando o momento para agir. Não convém dar aqui em detalhes o nosso programa. Dele aí tendes uma parte confiada à vossa responsabilidade. O sentimento de amor ao Exército é a vossa segurança pessoal. Esperamos que o vosso patriotismo tenha segura orientação. Queremos evitar a revolução; desejamos que o Sr. Epitácio Pessoa conclua o seu governo e apenas desejamos que o Sr. Bernardes não seja eleito. No Brasil só existem 21 estados eleitorais: 16 são do Sr. Bernardes e cinco são do Sr. Nilo Peçanha, mas ainda assim, temos a previsão de que será pequena a diferença de votos entre os dois candidatos. Em 15 de novembro haverá então dois presidentes reconhecidos: o Sr. Bernardes pelo bernardismo e o Sr. Nilo pela dissidência. Para que essa diferença seja favorável ao Sr. Nilo, faz-se necessária vossa ação junto ao poder local: 15 dias antes da eleição presidencial, deveria, amigavelmente se for possível, ponderar ao governador desse estado que tendo a vossa classe confiado à nação a nossa desafronta, queremos inteira liberdade de voto e jamais a pressão eleitoral em favor do Sr. Bernardes... Se o Sr. Bernardes for eleito, impediremos aqui o seu reconhecimento pelo Congresso; se for reconhecido, impediremos a sua posse de qualquer modo. Em 15 de novembro não haverá governo; tomaremos conta do Sr. Bernardes, vivo ou morto, e então daremos posse ao Sr. Nilo ou proclamaremos um ditador. Em 15 de novembro deveis estar atentos: é possível que tenhais de tomar conta do governo daí, até lá, não vos deixeis iludir. Não necessitais vos expor em demasia, é inútil fazerdes pública a vossa adesão. Temos certeza da vitória final, pois temos conosco a maioria do Exército, da Marinha e da Polícia desta capital. Sabemos combater o inimigo e temos coragem. Nota. Esta circular não tem resposta e já prevemos o caso de denúncia."24 24 O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 fev. 1922.

O boato da apreensão dessa circular não foi confirmado mas outras evidências o indicam que a conspiração estava em marcha.

Pouco tempo após a vitória de Artur Bernardes (a 1.º de março de 1922) abortou uma tentativa de sedição na Marinha, tendo sido presos vários tenentes envolvidos nos acontecimentos.

De qualquer forma, o importante a considerar é que a opção pelo caminho armado foi feita, não sendo fundamental saber exatamente quando isso ocorre. Realmente, os preparativos para os levantes que eclodem no início de julho são também totalmente desconhecidos, conhecendo-se apenas a causa imediata de sua eclosão, a sucessão presidencial do Estado de Pernambuco.

Dois grupos concorreram às eleições, um deles nilista e outro bernardista e apoiado pelos Pessoa de Queiroz, parentes do presidente da República. Como a campanha eleitoral tivesse sido muito agitada, as tropas federais patrulharam Recife para manter a ordem, porém, apesar da ordem do Presidente da República para que se mantivessem imparciais, apoiavam claramente os bernardistas.

Realizadas as eleições, no dia 27 de maio de 1922, ambos os grupos declaram-se vencedores e inicia-se uma luta armada entre os grupos oponentes, sendo então enviadas novas tropas federais que ocupam Recife. Nessa ocasião quatro tenentes telegrafam ao Clube Militar protestando contra a parcialidade das forças federais a favor dos bernardistas25 25 Realiza-se no dia 25 de junho de 1922 uma reunião do Clube Militar para discutir a questão pernambucana e o telegrama dos tenentes, em que discursa o Ten. Gwaier de Azevedo e que constitui o melhor documento que demonstra a quebra da hierarquia dentro do Exército e a cisão entre a cúpula e as patentes intermediárias. Veja a transcrição desse discurso em Sodré, Nelson Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 202-8. e este responde em nome de seu presidente, por telegrama enviado ao comandante das tropas federais com o seguinte teor: "O Clube Militar está contristado pela situação angustiosa em que se encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glorioso Exército a odiosa posição de algoz do povo pernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos arts. 6.º e 14 da Constituição, para isentardes o vosso nome e o da nobre classe a que pertencemos da maldição de nossos patrícios. O apelo que ora dirijo ao ilustre consócio é para satisfazer os instantes pedidos de camaradas nossos daí, no sentido de apoiá-lo nessa crítica emergência, em que se procura desviar a força armada do seu alto destino. Confiando no vosso patriotismo e zelo pela perpetuidade do amor do Exército, ao povo de nossa terra, vos falo nesse grande momento. Não esqueçais que as instituições passam e o Exército fica. - Saudações - M.al Hermes da Fonseca."26 26 Veja Silva, Hélio. op. cit. p. 96.

O telegrama é duplamente ofensivo ao governo federal, pois os artigos da Constituição a que se refere tratam respectivamente das intervenções federais nos estados e do papel constitucional do Exército, insinuando que eles estariam sendo desrespeitados por Epitácio Pessoa, o que equivalia a acusá-lo também de parcialidade pró-bernardistas.

Após o telegrama desencadeiam-se rapidamente os acontecimentos com a repreensão e prisão do M.al Hermes e finalmente o fechamento do Clube Militar a 3 de julho de 1922, baseado numa lei contrária às associações nocivas à sociedade (com base nessa mesma lei tinham sido fechadas as associações de operários anarquistas, o que melindrou ainda mais os brios militares).

Foi a gota d'água que entornou o copo da rebeldia militar. O primeiro levante e a primeira derrota se dá na Vila Militar, na noite de 4 para 5 de julho, quando os rebeldes, entre os quais se destaca o Ten. Cristiano Buya27 27 O então Ten. Artur da Costa e Silva foi um dos participantes do levante. são facilmente dominados, pois a maioria permaneceu fiel à legalidade.

Concomitantemente eclode o levante na Escola Militar do Realengo onde alunos e oficiais formam coluna rebelde que se dirige à Vila Militar para fundir-se às tropas aí rebeladas, mas defronta-se com suas forças legalistas e, após acirrado combate, é derrotada. Nessa ocasião, lutam pela primeira vez os Ten. Juarez Távora, Ciro do Espírito Santo Cardoso e Ricardo Hall.

O episódio mais marcante e mais heróico-suicida dos primeiros levantes tenentistas, no entanto, foi o levante do Forte de Copacabana28 28 Para descrições detalhadas do Levante veja: Silva, Hélio. op. cit. 2.ª parte: Primeiro cinco de julho; Carone, Edgard. A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 352-7; Castro, Sertório de. A república que a revolução destruiu. Freitas Bastos, 1932, p. 424-30; Carneiro, Glauco. História das revoluções brasileiras. Rio de Janeiro, Ed. O Cruzeiro, 1965, v. 1, cap. 12, p. 223-49. que se inicia na madrugada do dia 5 de julho e termina na legendária Marcha dos Dezoito do Forte a 7 de julho e onde se manifestam dois grandes líderes do tenentismo, Siqueira Campos e Eduardo Gomes, e onde morrem os Ten. Nilton Prado e Mário Carpenter, cujos depoimentos analisaremos a seguir.

Além de um início de revolta de uma minoria rapidamente reprimida em Niterói, os levantes não se estendem aos estados, com exceção do Mato Grosso onde, sob a chefia do G.al Clodoaldo da Fonseca os revoltosos dominam todas as unidades do estado e preparam uma marcha sobre São Paulo e posteriormente Rio de Janeiro, mas à altura de três Lagoas o G.al Clodoaldo mantém conversações com um mediador enviado pelo governo federal e, conhecendo a derrota da revolta no Rio, rende-se às forças legais.

Um observador não identificado do jornal O Estado de São Paulo informa que "sendo o G.al Clodoaldo comandante da circunscrição ... tudo levaria a crer que fosse ele a cabeça do movimento. A população mesma de Três Lagoas não o tinha como tal. Eu partilho igualmente dessa opinião - o comando das forças rebeldes era exercido pela oficialidade da circunscrição. O Ten. Grandville B. de Lima é tido por quase toda gente como o verdadeiro chefe do movimento."29 29 O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jul. 1922. Como vemos, também aqui o movimento é liderado pelos tenentes.

4. "A POPULAÇÃO CURIOSA, ESPREITAVA"

Os tenentes, que inegavelmente lideraram os acontecimentos, não têm ainda um projeto para a sociedade, mas agem ainda num momento de despertar da consciência, como membros de uma instituição ofendida, que vêem como a responsável pela República e, o que é fundamental, começam de forma vaga e imprecisa a enxergá-la como representante dos interesses da nacionalidade. Tanto não têm ainda um projeto para a sociedade que não se propõem a formular e definir quais seriam esses interesses. Apenas partem do princípio abstrato de que participam de uma instituição que os encarna, sem a menor noção de conflitos de natureza econômico-social, e restringindo-se a reivindicações de caráter político-conjuntural, na medida em que seu objetivo imediato é impedir a posse de Bernardes, por ter este conspurcado a honra do Exército.

Personalizam seus inimigos e não se preocupam em propagar seus objetivos. Um dos únicos esclarecimentos a esse respeito são as declarações do G.al Clodoaldo da Fonseca, em seu depoimento no processo de 1922, em que afirma ser a intenção do movimento "sem interromper a ordem civil, obrigar os próceres da política a concordarem em declarar nula a eleição presidencial e fazer a indicação de nossos candidatos".30 30 Silva, Hélio. op. cit. p. 207.

Desde a primeira manifestação de conflito, como já mostramos anteriormente, o leit motif das formulações militares refere-se aos brios e à dignidade das Forças Armadas. As referências à defesa da honra do Exército são o traço comum das declarações dos tenentes que lideraram o Levante do Forte de Copacabana. De acordo com a narrativa de um voluntário, identificado apenas pelas iniciais J.P.M., constante do 20.º volume do processo dos revoltosos de 22: "Nilton Prado, em voz alta, perguntou se estavam dispostos a defender junto com a guarnição do Forte a honra do Exército, como brasileiros que eram... Seguindo sempre na frente, ao lado de Siqueira Campos, de quem não me afastava, ouvi-o gritar várias vezes para os companheiros que poderiam retirar-se se assim o desejassem. Quando menor fosse o número, maior seria a glória dos que ficassem. As tradições de glória e de honra do Exército brasileiro, seriam defendidas até a morte."31 31 Silva, Hélio. op. cit. p. 134-7.

Da mesma forma, o cadete Ari Brasil, participante do levante da Escola Militar do Realengo, assinou declaração afirmando que participara espontânea e conscientemente "para auxiliar os chefes e desafrontar o Exército".32 32 Silva, Hélio. op. cit. p. 139.

É o fato marcante do primeiro 5 de julho a inexistência de pronunciamentos e manifestos. A população é pega de surpresa e como afirmou um historiador "os heróis falam pouco".33 33 Os depoimentos de Siqueira Campos e Eduardo Gomes no processo de 22, assim como suas raras e breves declarações à imprensa são essencialmente descritivas, além de muito sucintas. Em suma, espontaneidade, voluntarismo e indefinição ideológica marcam as origens do tenentismo.

Os tenentes conspiram e agem isoladamente e não buscam aliados na oligarquia dissidente e não pretendem o apoio de grupos populares.

Os líderes da Reação Republicana condenaram a revolta, a começar por Borges de Medeiros e Nilo Peçanha.34 34 Veja declarações de ambos os líderes em Carone, Edgard. A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 358-9. Os deputados da dissidência na Câmara enfatizam a sua total ignorância sobre o movimento militar, e o Deputado Gonçalves Maia declarou: "Senhor presidente, sei que fui um revolucionário, que já amarguei diversas vezes o fel da prisão mas, agora, não poderia ser favorável a um levante militar sem idéias."35 35 O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 1922.

Na verdade, os políticos da dissidência procuraram utilizar a insatisfação militar e inclusive estimularam-na em seu próprio proveito, como aliás vários militares e partidários de Bernardes denunciaram. Poucos dias após a eclosão do movimento, a dissidência resolveu dissolver-se, manifestando assim claramente sua adesão ao statu quo e reconhecendo definitivamente a vitória de Artur Bernardes.

Da mesma forma, não houve nenhuma aproximação entre essas primeiras manifestações tenentistas e a insatisfação dos setores médios e populares urbanos. Como já enfatizamos, os tenentes nessa fase não têm um projeto para a sociedade e não se pretendem, nem foram identificados como porta-vozes das reivindicações de nenhum grupo social, a não ser o próprio Exército enquanto parcela do aparelho de Estado. A esse respeito, um dos autores que interpreta o tenentismo como vanguarda da classe média no Brasil afirma: "mas o movimento vencido, que aparentemente tem características somente de levante militar, também vira afastar-se de si, antes de 5 de julho, o apoio de segmentos da pequena burguesia civil e dos operários - como Maurício de Lacerda e Caio Monteiro de Barros".36 36 Carone, Edgard, op. cit. p. 359.

Quanto ao aspecto organizatório, a precipitação, a desorganização, assim como a falta de articulação entre os revoltosos, caracterizam o movimento. De acordo com as palavras de Hermes da Fonseca Filho, seu pai "partia com um pressentimento absoluto da derrota. Três causas davam-lhe esse presságio: a falta completa de articulação de movimentos; o retardamento de contatos entre os revolucionários e o conhecimento completo e perfeito de toda a ação revolucionária, pelo governo."37 37 Silva, Hélio. op. cit. p. 202.

  • 1 Veja Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959, cap. 28: A defesa do nível de emprego e a concentração da renda.
  • 2 Veja Carone, Edgard. A república velha; instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 47.
  • 4 Pessoa, Epitácio. Pela verdade. Apud: Silva, Hélio. 1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 42.
  • 5O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jun. 1921.
  • 6Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 3 jun. 1921.
  • 7 Carta de Rui Barbosa a Nilo Peçanha, de 15 jun. 1921, publicada em O Estado de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 1921.
  • 9O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 1921.
  • 11 Declarações do M.al Hermes da Fonseca por ocasião de sua posse na presidência do Clube Militar e em que após relembrar a participação do Exército na proclamação da República diz que "hoje o Exército é outro e representa a própria nação, por isso é que é constituído de cidadãos soldados não se poderia quedar indiferente aos interesses gerais do País". O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jan. 1921.
  • 15 Veja Silva, Hélio. 1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 51-2.
  • 19O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 1921.
  • 21 Cartas de Minas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1921.
  • 24O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 fev. 1922.
  • 25 Realiza-se no dia 25 de junho de 1922 uma reunião do Clube Militar para discutir a questão pernambucana e o telegrama dos tenentes, em que discursa o Ten. Gwaier de Azevedo e que constitui o melhor documento que demonstra a quebra da hierarquia dentro do Exército e a cisão entre a cúpula e as patentes intermediárias. Veja a transcrição desse discurso em Sodré, Nelson Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 202-8.
  • 28 Para descrições detalhadas do Levante veja: Silva, Hélio. op. cit. 2.Ş parte: Primeiro cinco de julho; Carone, Edgard. A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 352-7;
  • Castro, Sertório de. A república que a revolução destruiu Freitas Bastos, 1932, p. 424-30;
  • Carneiro, Glauco. História das revoluções brasileiras Rio de Janeiro, Ed. O Cruzeiro, 1965, v. 1, cap. 12, p. 223-49.
  • 29O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jul. 1922.
  • 34 Veja declarações de ambos os líderes em Carone, Edgard. A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 358-9.
  • 35O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 1922.
  • *
    Este texto constitui um capítulo da tese de mestrado
    Tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República, apresentada pela Prof.ª Maria Cecília Spina Forjaz ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em julho de 1974. A pesquisa que resultou na elaboração dessa tese foi patrocinada pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, onde a autora exerce atividades docentes junto ao Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração.
  • **
    N. do A.: Referência ao rearmamento posterior à Guerra mundial.
  • 1
    Veja Furtado, Celso.
    Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959, cap. 28: A defesa do nível de emprego e a concentração da renda.
  • 2
    Veja Carone, Edgard.
    A república velha; instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 47.
  • 3
    Veja Furtado,Celso. op. cit. p. 196.
  • 4
    Pessoa, Epitácio.
    Pela verdade. Apud: Silva, Hélio.
    1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 42.
  • 5
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jun. 1921.
  • 6
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 3 jun. 1921.
  • 7
    Carta de Rui Barbosa a Nilo Peçanha, de 15 jun. 1921, publicada em
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 1921.
  • 8
    Convenção de representantes das bancadas estaduais que escolheram a candidatura do presidente de Minas Artur Bernardes.
  • 9
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 1921.
  • 10
    Nesse período é costume denominar de forma genérica como "oficialidade" as patentes intermediárias do Exército, pois sempre que se trata de referências às altas patentes elas são feitas de forma individualizada.
  • 11
    Declarações do M.
    al Hermes da Fonseca por ocasião de sua posse na presidência do Clube Militar e em que após relembrar a participação do Exército na proclamação da República diz que "hoje o Exército é outro e representa a própria nação, por isso é que é constituído de cidadãos soldados não se poderia quedar indiferente aos interesses gerais do País".
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jan. 1921.
  • 12
    Estados intermediários na hierarquia de poder dos estados brasileiros, situados entre os líderes São Paulo e Minas Gerais, e o resto dos estados brasileiros, fracos e totalmente submetidos à força político-eleitoral dos primeiros.
  • 13
    O programa da Reação Republicana atacava o imperialismo dos grandes estados e pedia proteção para os produtos de exportação em geral, e não apenas para o café.
  • 14
    Foram aventados por Nilo Peçanha os nomes de Rui Barbosa, M.
    al Hermes da Fonseca e Wenceslau Brás.
  • 15
    Veja Silva, Hélio.
    1922, sangue na areia de Copacabana. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 51-2.
  • 16
    Silva, Hélio. op. cit. p. 53.
  • 17
    Dias depois da publicação da carta transcrita o
    Correio da Manhã publica uma nova carta atribuída a Artur Bernardes.
  • 18
    Declaração do G.
    al Gomes de Castro, um dos membros da comissão nomeada pelo Clube Militar para esclarecer sobre a falsidade ou autenticidade das cartas atribuídas a Artur Bernardes, publicadas n'
    O Estado de São Paulo, em 16 nov. 1921.
  • 19
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 1921.
  • 20
    Destaca-se ainda como texto representativo da ideologia do soldado profissional o artigo do jornal
    O Estado de São Paulo assinado apenas com a letra S (constatamos posteriormente tratar-se de Sertório de Castro) e intitulado
    A Política e as classes armadas: "Não se apresentou sequer, uma oportunidade que justificasse o debate ensaiado sem seguimento, acerca dos direitos políticos dos militares. Ninguém os põe dúvida, ninguém os contesta, ninguém lhes nega legitimidade. O que se contesta, aquilo a que se nega legitimidade é a atitude revolucionária de um pronunciamento coletivo como meio prático de os exercer: é a intervenção indébita em assunto que a lei põe fora de sua alçada, porque se lhe fôssemos reconhecer hoje essa autoridade, desapareceria a ordem constitucional, e os órgãos legítimos da política teriam de ceder seu papel e suas funções na sociedade a uma corporação que se toma digna de todo respeito precisamente porque, sendo a depositária das armas da nação, e sendo sua força e o sustentáculo de sua defesa, tem todos seus movimentos tolhidos pelas regras da obediência e pelos cânones da disciplina. Mas esses rigores, que só lhes coíbem as manifestações coletivas, pois que assim se pronunciando, exerceriam uma influência opressiva e desigual, porque seria a força disputando às classes civis desarmadas uma função que lhes é inata, não privam os militares de terra e mar, como não privam os operários, o magistrado, o industrial, o comerciante, o lavrador e todo o cidadão brasileiro na posse de seus direitos políticos, de todas as prerrogativas que por igual lhes confere sem nenhuma distinção, o nosso estatuto fundamental..."
  • 21
    Cartas de Minas.
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 1921. O artigo só vem assinado com o inicial
    N.
  • 22
    Silva, Hélio. op. cit. p. 62.
  • 23
    Silva, Hélio. op. cit. p. 62.
  • 24
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 fev. 1922.
  • 25
    Realiza-se no dia 25 de junho de 1922 uma reunião do Clube Militar para discutir a questão pernambucana e o telegrama dos tenentes, em que discursa o Ten. Gwaier de Azevedo e que constitui o melhor documento que demonstra a quebra da hierarquia dentro do Exército e a cisão entre a cúpula e as patentes intermediárias. Veja a transcrição desse discurso em Sodré, Nelson Werneck.
    História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 202-8.
  • 26
    Veja Silva, Hélio. op. cit. p. 96.
  • 27
    O então Ten. Artur da Costa e Silva foi um dos participantes do levante.
  • 28
    Para descrições detalhadas do Levante veja: Silva, Hélio. op. cit. 2.ª parte: Primeiro cinco de julho; Carone, Edgard.
    A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 352-7; Castro, Sertório de.
    A república que a revolução destruiu. Freitas Bastos, 1932, p. 424-30; Carneiro, Glauco.
    História das revoluções brasileiras. Rio de Janeiro, Ed. O Cruzeiro, 1965, v. 1, cap. 12, p. 223-49.
  • 29
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jul. 1922.
  • 30
    Silva, Hélio. op. cit. p. 207.
  • 31
    Silva, Hélio. op. cit. p. 134-7.
  • 32
    Silva, Hélio. op. cit. p. 139.
  • 33
    Os depoimentos de Siqueira Campos e Eduardo Gomes no processo de 22, assim como suas raras e breves declarações à imprensa são essencialmente descritivas, além de muito sucintas.
  • 34
    Veja declarações de ambos os líderes em Carone, Edgard.
    A república velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 358-9.
  • 35
    O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 1922.
  • 36
    Carone, Edgard, op. cit. p. 359.
  • 37
    Silva, Hélio. op. cit. p. 202.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1976
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