A demanda de produtos alimentícios industrializados no Brasil
Lenina Pomeranz
Professora do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas
1. INTRODUÇÃO
1.1 Objetivo do estudo
O objetivo deste estudo, sobre a demanda de produtos alimentícios industriais no Brasil é o de fornecer elementos para a análise das inter-relações entre o volume e a diversificação dessa demanda e a tecnologia de produção adotada nas empresas produtoras desse ramo industrial. Ressalte-se, portanto, de imediato, que não se trata de uma análise de caráter macroeconômico e sim de um trabalho que concentra suas atenções no potencial de mercado para os produtos alimentícios industrializados, a fim de se verificar como responde a empresa, em termos de sua técnica de produção, aos estímulos derivados do comportamento do referido mercado. Isto, naturalmente, não impede que os elementos aqui contidos, se e quando apropriados, sejam utilizados também para análises e considerações distintas das que constituem o seu objetivo explícito.
A fixação estrita deste objetivo decorre da natureza da pesquisa de que este trabalho é parte e que tem como centro o comportamento "tecnológico" das empresas.
1.2 Premissas teóricas e/ou metodológicas
As premissas que fundamentam a realização desta análise preliminar da demanda, tendo em vista a técnica de produção da empresa são, na realidade, algumas hipóteses que deverão ser testadas no decorrer do trabalho de campo. Essas premissas são as seguintes:
A) As tecnologias alternativas conhecidas para a produção industrial variam com a escala de produção, a qual tem como uma de suas condicionantes a dimensão do mercado consumidor; no caso particular do ramo alimentício, a escala é fortemente condicionada pela disponibilidade e perecibilidade das matérias-primas; mas é de se considerar também que a descentralização industrial só se torna viável a certos níveis mínimos de escala, que tendem a ser menores quando a indústria está voltada para o suprimento de regiões urbanas menores; e tendem a ser maiores quando as dimensões do mercado correspondem a regiões metropolitanas ou de grande concentração urbana; o que condiciona a própria descentralização da produção à discussão do mercado consumidor. Isto decorre da necessidade de contrabalançar o aumento de custo do transporte do produto acabado, resultante da localização mais próxima dos centros produtores de matérias-primas com a redução de seu custo de produção a fim de realizar (vender) a produção a um dado nível de preços. Uma das alternativas, para o caso de certos produtos e de grandes empresas de transformação, consistiria numa descentralização das usinas de primeiro processamento, em função dos centros produtores de matérias-primas e a concentração da transformação dos semi-acabados junto aos centros consumidores e/ou ao sistema de transporte de ligação com estes centros consumidores.
De qualquer forma, e para os fins da pesquisa, pode-se admitir, como hipótese sujeita à verificação empírica, que a escala de produção, mesmo no ramo de produção de alimentos, tem como um de seus condicionantes básicos o tamanho do mercado consumidor.
B) As tecnologias de produção variam de produto para produto, sendo, portanto, a tecnologia no ramo função do perfil de sua demanda; em outros termos, a demanda de produtos alimentícios, excluindo-se a de exportação (objeto de estudo específico), apresenta uma composição diferenciada conforme a estratificação social, que é dada pela distribuição da renda. Esta composição tende a ser mais complexa, à medida que aumenta o nível de renda, sendo de se supor que se criem segmentos de mercado para produtos novos e se expandam os segmentos de mercado já existentes. Isto conduz à introdução de novas alternativas tecnológicas no processo produtivo, vinculadas de um lado à introdução de novos produtos, e de outro lado, à ampliação das escalas de produção dos produtos já conhecidos e consumidos.
Condiciona-se assim a decisão tecnológica à decisão sobre o produto a produzir e, conseqüentemente, às condições e comportamento do mercado.
Dessas premissas decorrem os dois aspectos em que se deve centrar a análise: perfil da demanda e dimensionamento do mercado em seus vários segmentos.
Finalmente, para delimitar a análise, resta explicitar o que aqui se considera "produtos industrializados de alimentação". Denominam-se assim todos os bens que passam por um processo de transformação industrial, desde o mais elementar, como o beneficiamento, ao mais complexo, como o que combina matérias-primas agrícolas e outros insumos para sua obtenção. Dada a abrangência desta definição e dado ser o sujeito central da análise a tecnologia de produção, busca-se classificar estes produtos em vários estratos, de acordo com um critério que leva em conta, de forma combinada, a sua essencialidade para o consumo, a finalidade de sua industrialização e as características ou/e complexidade de seu processo de transformação.
Chega-se assim à seguinte classificação:
a) Produtos beneficiados, incluindo os produtos agrícolas que, antes de serem consumidos, precisam ser beneficiados, não podendo ser consumidos in natura. São basicamente cereais, farinhas, açúcar e café;
b) Produtos conservados, incluindo os produto do reino animal, cujo consumo, nos centros urbanos, pressupõe não só seu beneficiamento, mas também sua conservação, através de distintos processos de frigorificação;
c) Produtos industrializados de maior grau de processamento, incluindo todos os demais produtos industrializados, através da combinação de matérias-primas agrícolas in natura ou já beneficiadas, em diferentes processos de transformação. Como subcategorias, neste estrato, tem-se:
pães, massas e biscoitos;
doces, geléias e produtos derivados do cacau;
legumes em conserva;
carnes preparadas;
pescado industrializado;
laticínios;
óleos e gorduras.
A análise desenvolve-se em dois níveis: a dimensão do mercado é tratada a nível agregado, com as limitações decorrentes desse tratamento; a composição do mercado é tratada a nível dos orçamentos familiares, por classe de renda, restringindo-se à população urbana.
Tal ênfase ou tratamento justifica-se pelas seguintes razões:
No que diz respeito ao dimensionamento do mercado, pretende-se somente, dentro do quadro de referência analítico maior da pesquisa, chegar a indicações sobre volumes da demanda que ofereçam elementos para compreensão das escalas de produção do ramo industrial de alimentação. Em outros termos trata-se menos de uma análise da situação do mercado que de um conhecimento do montante de produção aproximado que se realiza no mercado, a uma estrutura de preços dada.
No que diz respeito à composição da demanda, a restrição dos orçamentos familiares urbanos decorre mais da inexistência de elementos de análise, que da decisão racional de isolar a composição da demanda na zona rural. É bem verdade que esta restrição, se tem aparentemente menos importância do ponto de vista do conjunto do mercado, pelo volume da demanda que se supõe, por inúmeras razões, ser menor que o da zona urbana, não deixa de representar uma lacuna na análise à medida que as recentes transformações nas relações de produção no campo, com o crescimento do regime assalariado, podem conduzir a um crescimento da demanda de produtos alimentícios industrializados na zona rural, com o peso maior nos bens comprados em relação aos produzidos pelas famílias. Conforme se pode observar no quadro 1, a renda média familiar na zona rural, no começo da década de 60, não ultrapassou 4,9 vezes o salário mínimo urbano em sete estados do país, abrangidos por pesquisa da Fundação Getúlio Vargas.1 1 Não se conhece levantamentos abrangentes sistematizados sobre o orçamento familiar no meio rural mais recente. incluindo os proprietários de terra, o que, se de certa forma explica o alto coeficiente desta renda gasta na alimentação (quadro 2), de outro lado explica também o alto coeficiente de consumo de produtos alimentícios produzidos pela própria família (quadro 3), inclusive daqueles considerados neste estudo como industrializados. Observe-se que, à exceção de Pernambuco e São Paulo, em todos os demais estados o consumo de produtos produzidos pelas famílias é substancialmente maior que o dos produtos comprados, o que, combinado aos demais elementos indicados, permite, ainda que com ressalvas, restringir a análise da composição da demanda ao meio urbano. A subestimação maior deste procedimento estará no conjunto de "outros produtos", que constituem justamente os produtos industrializados: açúcar branco, farinha de mandioca, farinha de trigo, fubá e farinha de milho, massas, melado, pães, rapadura e outros (condimentos e especiarias, doces de frutas, sal, chocolate e derivados, etc). No conjunto dos bens comprados, a sua participação relativa é a mais alta - sempre mais de 1/3 dos bens comprados - seguida de produtos agrícolas básicos (arroz, feijão, mandioca, batata, café, milho verde e outros) e carnes (inclusive peixes). É de se supor, com o regime assalariado instituído e a não disponibilidade de terra para produção dos bens de consumo pelas famílias, que a parcela de produtos comprados passe a ser predominante; a falta de informações adicionais, contudo, impede que se faça considerações a respeito.
Há ainda uma observação, de caráter metodológico, a ser feita, e que diz respeito ao fato de a análise ser feita em termos monetários e não físicos. A adoção deste critério se justifica: a) por se trabalhar em termos agregados, necessários à posterior integração desta análise com a da oferta, realizada, também, em termos agregados ao nível dos ramos e sub-ramos (não a nível de produtos); b) pela complexidade da estrutura do consumo, que demandaria um tempo muito superior ao disponível, para análise do mercado ao nível de cada produto. Um enfoque desta natureza implicaria, em realidade, inúmeros estudos de mercado, o que foge, também, ao escopo da pesquisa na presente etapa. O tratamento dos dados em termos monetários introduz, evidentemente, as distorções da estrutura de preços relativos vigente em cada localidade na ocasião da pesquisa que serviu de base para os levantamentos de campo. Trata-se de distorções inevitáveis, para as quais se adverte o leitor, embora se busque evitá-las sempre que possível, dando um tratamento preferencial à análise comparativa em termos relativos.
2. O PERFIL DO CONSUMO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
A análise da composição do consumo de produtos industrializados é realizada a partir dos orçamentos familiares levantados em pesquisa realizada em 1967/68 pela Fundação Getúlio Vargas, na então Guanabara, no Recife e em Porto Alegre; e em pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, em São Paulo, em 1971. Tentou-se elaborar uma análise histórica do comportamento da demanda, mas a mesma revelou-se inviável, por não ser possível - nos limites de tempo disponíveis para este trabalho - obter os dados dos levantamentos realizados pela FGV em 1962/63, bem como os dados da pesquisa realizada pela Fundação IBGE em 1974. Quanto aos dados da pesquisa realizada em 1952 pela Comissão Nacional de Bem-Estar Social, além de não terem sido publicados em detalhe suficiente, restringem-se a famílias de trabalhadores, ou seja, a um único estrato social.
Nestas condições, a análise limita-se aos orçamentos referidos anteriormente, sem considerações relativas à sua eventual alteração. Convém, neste sentido, advertir para alguns aspectos cuja análise se faz necessária complementarmente, antes de concluir sobre o perfil do consumo encontrado nos referidos orçamentos. Estes aspectos dizem respeito ao desenvolvimento econômico que se verificou no país nos anos mais recentes posteriores à pesquisa da FGV e que pode, portanto, através de modificações no perfil de distribuição da renda da população, ter alterado também o perfil do consumo de aumentos, com um consumo maior de produtos mais sofisticados. Há que ponderar ainda sobre o crescimento do emprego, o qual, refletindo-se no próprio número de pessoas empregado por família, pode ter alterado a distribuição da renda familiar considerada na análise.
A pesquisa realizada pela Fipe em 1971 já pode, de certa forma, refletir algumas dessas modificações, uma vez que se refere a São Paulo, que constitui o centro mais importante do desenvolvimento referido.2 2 Este centro envolve a região metropolitana e não simplesmente o município de São Paulo, ao qual se limita a pesquisa da Fipe. De qualquer forma, grande parte do parque industrial ainda está localizado no município, mantendo-se válida a consideração feita no texto. Como, porém, não se dispõem de dados de pesquisa anteriores a 19713 3 Refere-se ao período 1967/68-1971. esta hipótese não é verificável e permanece no terreno das especulações.
Assim, até que se disponha dos dados da Fundação IBGE relativos a 1974, os resultados da presente análise devem ser confrontados, de alguma maneira, com elementos da oferta, para refletirem mais precisamente o comportamento do consumo em período mais recente.
2.1 O padrão de consumo de alimentos industrializados, em cada cidade considerada
Do total de alimentos consumidos por pessoa, em cada classe de renda familiar considerada, extraiu-se o consumo de produtos industrializados, conforme definição dos mesmos anteriormente apresentada. Nos quadros 4 e 5 são indicadas essas participações respectivamente para Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. Nestes quadros, observa-se:
que existe relativa estabilidade na participação do consumo de produtos industrializados sobre o total de alimentos consumidos, entre os estratos considerados; ou seja, a divisão entre produtos industrializados e produtos in natura no consumo independe do nível da renda familiar, e isso embora a percentagem da renda familiar gasta com alimentos decresça à medida que a renda familiar se eleve, confirmando o comportamento configurado pela Lei de Engel (quadros 6 e 7, gráficos 1 e 2)4 4 Pode-se objetar às percentagens indicadas nos referidos quadros, especialmente no que diz respeito às classes situadas nos extremos da distribuição da renda familiar considerada. Efetivamente, estas percentagens parecem bastante distintas das dos indicadores internacionais, o que leva a duas ordens de consideração: 1.ª) a de que os indicadores conhecidos são relativos a médias amostrais dos vários países com os quais a média das amostras para cada uma das cidades consideradas parece consistente (veja Houthakker, H. S. An international comparison of household expenditure patterns, commemorating the centenary of Engel's Law); 2.ª) a de que o tamanho da amostra em cada classe de renda talvez seja muito pequeno, fazendo com que a mesma não seja significativa ao nível de cada estrato. Um teste preliminar de consistência, realizado com os dados a esse nível nas amostras utilizadas nos quatro trimestres em que a pesquisa foi realizada, indicou resultados satisfatórios para os dados do primeiro trimestre e insatisfatórios para os demais; essa foi a razão pela qual se utilizou somente a amostra do primeiro trimestre de referência neste trabalho, embora, ao nível das amostras como um todo, ou seja, sem distinção da renda familiar, os dados fossem significativos. Essas considerações permitem que se aceite, ainda que com as necessárias reservas, os dados indicados nos quadros indicados.
que há uma diferença na participação relativa dos produtos industrializados, sobre o dispêndio total com alimentação em cada uma das cidades consideradas, sendo de se notar que São Paulo é que apresenta menor participação. Não fora a participação do Rio de Janeiro muito próxima à de São Paulo, poder-se-ia imputar a diferença constatada a uma evolução temporal, uma vez que entre as pesquisas realizadas nas três cidades e em São Paulo há um lapso de tempo de um qüinqüênio e dos mais significativos do ponto de vista do desenvolvimento econômico. Não há, porém, fundamento para isso nos dados; por outro lado, não parece haver correlação entre essas diferenças e outras variáveis, como o nível da renda familiar, por exemplo (a renda familiar média das amostras é de respectivamente 5,13, 4,36, 5,47 e 7,47 salários mínimos mensais para o Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e São Paulo).
Quanto à distribuição do consumo dos alimentos industrializados, as diferenças regionais se apresentam mais marcantes (quadro 8); assim, na classificação principal verifica-se estarem muito próximos os padrões de consumo de Porto Alegre e Rio de Janeiro, diferindo, ambos, dos padrões observados em Recife e em São Paulo. Na primeira cidade é menor o consumo de produtos beneficiados e conservados (cereais, açúcar, café e farinhas, carnes, peixes e leite) em favor dos produtos de maior grau de processamento, nos quais a parcela significativa e maior é dada pelo consumo de pães, massas e biscoitos; em São Paulo, o consumo de produtos beneficiados (cereais e farinhas; açúcar e café) é muito maior, o que se explica pelo consumo maior de café; é menor também a participação do consumo de produtos conservados (carnes, peixes e leite) e de produtos de maior grau de processamento.
É, por sinal, na composição desta categoria de produtos que se encontram as maiores diferenças nos padrões de consumo regionais, diferenças essas que mereceriam uma análise mais aprofundada, vinculada aos hábitos de consumo da população e às estruturas da comercialização (inclusive preços relativos) e da produção industrial de gêneros alimentícios de cada localidade. Esta análise, entretanto, escapa aos limites do presente trabalho.5 5 Uma análise sobre o efeito-renda será tentada adiante. O que cabe observar é o alto consumo de pães, massas e biscoitos em todas as cidades consideradas, contrariando, ainda que no nível de precisão a que se está trabalhando, a suposição de que este consumo seria pequeno no Nordeste e grande em São Paulo; o que se verifica é que, em termos relativos, o consumo destes produtos é maior no Recife que nas outras localidades consideradas e que São Paulo só apresenta consumo destes produtos superior ao do Rio de Janeiro. Na estrutura do consumo desta categoria de produtos industrializados, São Paulo apresenta maior consumo relativo de óleos e gorduras, em detrimento da participação do consumo de carnes preparadas e laticínios. Também é maior, em termos relativos em comparação com as outras três cidades, o consumo de legumes em conserva e pescado industrializado; o consumo deste último produto é, porém, inferior relativamente ao do Recife. De qualquer forma, e a despeito das diferenças regionais, o que se verifica é uma concentração de consumo em alguns grupos de produtos: em Porto Alegre, além de pães, massas e biscoitos, o consumo maior é encontrado em carnes preparadas e óleos e gorduras; no Rio de Janeiro, tem-se a grande concentração, depois de pães e massas e biscoitos, em carnes preparadas e laticínios; no Recife, o padrão de consumo é idêntico ao do Rio de Janeiro, com maior grau de concentração, porém, nos subgrupos considerados; em São Paulo, o maior consumo relativo se encontra em pães, massas e biscoitos, óleos e gorduras e laticínios.
2.2 Os padrões de consumo de alimentos industrializados por nível de renda familiar
Considerada esta composição em cada localidade, por estrato de renda familiar, o que se verifica é o seguinte:
Porto Alegre: existe uma mudança gradativa na composição do consumo per capita à medida que se altera o nível da renda familiar (quadro 9). Assim, o consumo de produtos beneficiados passa de 24,87% s/o total de produtos industrializados consumidos no estrato de famílias de menor renda para 9,13% desse total no estrato de maior renda familiar; a participação dos produtos industrializados mais processados também cai de 50,63% para 35,46% respectivamente, nos dois estratos de renda considerados, enquanto o consumo de produtos conservados aumenta a sua participação relativa de 24,50% para 55,41% do total de produtos industrializados consumidos nos mesmos estratos. Convém ressaltar que se está trabalhando com grandezas relativas e que a redução da participação relativa do consumo de cada categoria não significa redução no nível de consumo. Isto pode ser evidenciado no gráfico 3, em que se observa o crescimento do consumo por estrato de renda familiar: verifica-se que o consumo é elástico à renda nas categorias de produtos conservados e produtos mais processados indicando o comportamento das curvas uma elasticidade menor somente para os produtos beneficiados.6 6 Convém observar que não se está usando o conceito de elasticidade-renda em sentido estrito, uma vez que, trabalhando com produtos agregados, entre os quais horrivelmente se encontram tipos, marcas e consequentemente preços diferentes, não se estará sempre comparando produtos iguais. Assim, o conceito de elasticidade deve ser aqui entendido como exprimindo a relação entre a variação na participação relativa de uma determinada categoria ou tipo de bem sobre o dispêndio total de alimentos industrializados, e a variação do nível de renda familiar.
Também ao nível dos grupos de produtos que compõem a categoria "produtos industrializados mais processados" verificam-se modificações nos padrões de consumo, à medida que a renda familiar cresce: observa-se uma maior concentração em torno de poucos produtos nos estratos de renda familiar mais baixa e uma maior diversificação do consumo nos estratos de renda mais alta. Assim, pães, massas e biscoitos, óleos e gorduras e carnes preparadas participam com 45,23% e 37,20% do consumo total de produtos industrializados nos dois estratos de renda mais baixos e com 25,73% e 23,90% nos dois estratos de renda mais altos. Em compensação, nos últimos dois estratos - laticínios e doces, geléias e produtos derivados do cacau - somam 9,50% e 10,71% na mesma ordem, enquanto nos dois estratos de renda mais baixa perfazem 3,25% e 2,45%, respectivamente. Estas percentagens refletem, de uma lado, uma elasticidade-renda de consumo muito alta destes produtos, e de outro lado, diferenças muito grandes nos níveis de consumo per capita em cada estrato de renda. Essas diferenças são vistas no quadro 10. Tomando por base 100 o nível do consumo per capita das famílias de menor nível de renda, chega-se a índices superiores à casa dos 1.000 entre as famílias de maior nível de renda, nos produtos que se pode considerar nobres, como doces, geléias e produtos derivados do cacau, carnes preparadas e laticínios. No caso particular do primeiro grupo de produtos, o índice tão elevado indicado se deve basicamente ao praticamente inexistente nível de consumo per capita verificado no estrato de famílias de renda inferior a um salário mínimo. Mesmo, porém, tomado o terceiro estrato de famílias (renda entre 1,5 e 2,24 salários mínimos) a diferença entre os níveis de consumo se mantém bastante acentuada.
No quadro 11, indica-se em termos percentuais, o consumo per capita das famílias de cada estrato de renda em relação ao consumo per capita médio de todas as famílias, por categoria de produto. De uma maneira geral, observa-se que o consumo é sempre inferior à média entre as famílias de nível de renda inferior a 3,5 salários mínimos. Há, contudo, dependendo da categoria e/ou subcategoria de produtos que se considere, uma dispersão maior ou menor em torno da média, o que permite de forma aproximada caracterizar os produtos da categoria considerada como predominantemente de consumo difundido ou predominantemente voltado para o consumo dos estratos de população de maior nível de renda. Com base neste critério, levando em conta a análise anterior (com base nos quadros 9 e 10), pode-se estabelecer, para Porto Alegre a seguinte classificação:
- produtos beneficiados;
- pães, massas e biscoitos;
- óleos e gorduras.
- produtos conservados;
- doces, geléias e produtos derivados do cacau;
- legumes em conserva;
- pescado industrializado;
- laticínios;
- carnes preparadas.
Rio de Janeiro: A composição do consumo de produtos industrializados mantém-se em proporções quase equivalentes entre as famílias de estratos de renda mais baixa (até 2,24 salários mínimos) no que diz respeito às principais categorias de produtos (quadro 12). A partir deste nível de renda, com o incremento da participação do consumo de alimentos conservados, passa a reduzir-se em termos relativos, o consumo de produtos beneficiados, enquanto se mantém em torno dos 40% a participação dos produtos industrializados mais processados. Entre estes, destacam-se como parcelas significativas do consumo, até os estratos compostos pelas famílias de renda inferior a 5,5 salários mínimos: pães, massas e biscoitos, carnes preparadas e óleos e gorduras.
A partir deste nível de renda, mantém-se como categorias de maior participação relativa no consumo pães, massas e biscoitos e carnes preparadas, mas passam a ganhar importância considerável, laticínios (em geral com o dobro do consumo de óleos e gorduras) e doces, geléias e produtos derivados do cacau.
Os dados do quadro 13 e o gráfico 4, que indicam a alteração do consumo per capita em relação à elevação da renda familiar, permitem verificar a dinâmica de crescimento do consumo que conduziu às modificações na participação relativa de cada uma das categorias mencionadas anteriormente. Com efeito, observa-se a baixa variação do consumo de produtos beneficiados e o enorme crescimento da consumo de produtos conservados (que só no estrato das famílias de renda mais alta não se mantém crescente) e dos produtos industrializados de maior grau de processamento; quanto às subcategorias destes produtos, com exceção de pães, massas e biscoitos, e óleos e gorduras, apresentam um crescimento excepcionalmente alto, o que se deve provavelmente ao baixo nível de seu consumo entre as famílias de mais baixa renda. Isto pode ser, por sua vez, constatado na relação entre o consumo per capita desses produtos nestas famílias e o seu consumo per capita médio global (quadro 14): entre as famílias com renda inferior a 2,25 salários mínimos, o consumo per capita de doces, geléias e produtos derivados do cacau não ultrapassa 20% do consumo médio per capita destes produtos; em laticínios, o consumo per capita destes estratos da população não ultrapassam 50% do consumo per capita médio.
A partir destas considerações e examinando os demais quadros, pode-se classificar as categorias e/ou subcategorias de produtos, na cidade do Rio de Janeiro, como segue:
- produtos beneficiados;
- pães, massas e biscoitos;
- carnes preparadas;
- óleos e gorduras.
- produtos conservados;
- doces, geléias e produtos derivados de cacau;
- legumes em conserva;
- pescado industrializado;
- laticínios.
Recife: A composição da demanda, consideradas as três grandes categorias de produtos, apresenta pequena variação, em termos relativos, nos estratos de renda de até 3,5 salários mínimos (quadro 15). A partir deste nível de renda há uma tendência para reduzir a participação do consumo de produtos beneficiados e de produtos industrializados mais processados, e para um aumento significativo do consumo de produtos conservados. Observa-se, neste particular, quando comparadas as participações relativas de produtos conservados (basicamente carnes, peixes e leite fresco) e de carnes preparadas, que é quase simétrico o seu comportamento, sugerindo preponderância da subcategoria carnes preparadas nos estratos populacionais de renda familiar mais baixa a preponderância de consumo de produtos conservados, entre os quais carnes frescas, nos estratos de renda mais alta.
Na composição dos produtos de maior grau de processamento constituem itens importantes em todos os estratos de renda: pães, massas e biscoitos, carnes preparadas e laticínios. Convém ressaltar contudo, que nesta subcategoria o peso maior é dado pelo consumo de leite em pó, crescente até a faixa de renda de oito salários mínimos, constituindo os queijos e manteiga produtos de consumo significativo somente a partir dos estratos de renda superior a 5,25 salários mínimos. No quadro 16 e no gráfico 5 observa-se o crescimento do consumo per capita à medida que se eleva a renda familiar, isto é, quando se passa dos estratos de renda mais baixos para os estratos de renda mais altos. Quando consideradas as três grandes categorias, o que se verifica é um crescimento relativamente moderado de todas até o estrato de renda cujo limite superior é igual a 3,5 salários mínimos; a partir. deste nível de renda acentua-se a diferença no nível de consumo de produtos conservados: chega a mais de 100 vezes a diferença entre o consumo do estrato de renda mais baixa e o de renda mais alta - a de produtos de maior grau de processamento. Quanto a estes, com exceção de laticínios e óleos e gorduras, cujo comportamento indica tendência regular de crescimento em relação à renda familiar, os demais apresentam flutuações entre os vários estratos de renda considerados, sugerindo existirem além do fator "renda", outros fatores muito condicionantes do seu consumo; estas considerações, entretanto, não devem minimizar o efeito-renda sobre os níveis de consumo dos produtos examinados, em que pesem as flutuações já referidas, são bastante distintos os níveis de consumo das famílias de maior nível de renda e os das famílias de menor nível de renda. Com exceção do pescado industrializado, cujo consumo per capita é mais baixo que a média, também nos dois estratos de renda mais alta - o que pode ser explicado por hábitos de consumo per capita de todos os produtos considerados - é inferior à média, nos estratos de renda de até 3,5 salários mínimos; no que diz respeito a carnes preparadas, o consumo per capita inferior à média se verifica até o estrato de renda com limite superior de oito salários mínimos (quadro 17).
Adotando os mesmos critérios adotados no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, pode-se classificar os produtos considerados conforme segue:
- produtos beneficiados;
- pães, massas e biscoitos;
- carnes preparadas;
- pescado industrializado;
- óleos e gorduras.
- produtos conservados;
- doces, geléias e produtos derivados do cacau;
- legumes em conserva;
- laticínios.
São Paulo: Na distribuição do dispêndio das famílias de diferentes níveis de renda entre as três grandes categorias de produtos consideradas, observa-se uma redução gradativa da participação relativa dos produtos beneficiados a favor do consumo de produtos conservados à medida que se elevam os níveis da renda familiar, enquanto se mantém praticamente a mesma a participação dos produtos de maior grau de processamento (quadro 18). Convém observar, contudo (quadro 19), que este comportamento da participação relativa de cada uma das categorias não implica redução ou aumento dos seus níveis de consumo per capita; assim, verifica-se que, a partir do estrato de renda familiar superior a seis salários mínimos, o consumo per capita de produtos beneficiados apresenta o mesmo nível em todos os estratos considerados; da mesma forma o consumo de produtos industrializados mais processados, estável em termos de uma participação relativa no dispêndio com alimentos industrializados independentemente do nível da renda familiar, apresenta uma diferença de 2,45 vezes no estrato de famílias de renda mais elevada em relação ao de renda mais baixa.
Entre os produtos industrializados mais processados, observa-se uma concentração do consumo, em termos relativos, em algumas subcategorias: pães, massas e biscoitos, laticínios e óleos e gorduras, acrescentando-se carnes preparadas à medida que se eleva o nível da renda familiar. De uma maneira geral, quando analisado o comportamento das várias subcategorias, observa-se um aumento paulatino da participação relativa de cada uma delas, em detrimento do consumo de pães, massas e biscoitos (de 16,84% nas famílias de menor nível de renda para 9,09% do consumo total dos produtos industrializados) de óleos e gorduras, ainda que em proporções menores (de 9,72% para 7,35% entre o primeiro e o último estrato de famílias considerado). A diferença nos níveis de consumo per capita de todos os produtos considerados (quadro 20) é bastante acentuada, ainda que menor quando comparada com a diferença observada nas demais cidades estudadas;7 7 Convém ressaltar, apesar das advertências anteriormente já feitas, que a pesquisa em são Paulo é de data distinta, e foi realizada por entidade distinta das pesquisas efetuadas no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. Considere-se também a diferença na estratificação das famílias por nível de renda familiar. convém observar, porém, que é maior esta diferença nos produtos de maior consumo, como óleos e gorduras, pães, massas e biscoitos. Considerado o consumo médio per capita, verifica-se que são consideravelmente inferiores a ele os níveis de consumo de produtos conservados e produtos mais processados encontrados nas famílias com nível de renda inferior a seis salários mínimos; em realidade, é somente a partir do estrato de renda de oito salários mínimos que se encontra consumo superior à média em ambas as categorias consideradas, sendo de se notar a enorme diferença entre os índices de consumo do primeiro estrato de famílias - até dois salários mínimos - e o do último estrato de famílias considerados. Este comportamento do consumo é ainda mais acentuado nas subcategorias de produtos industrializados mais processados, verificando-se particularmente com doces, geléias e produtos derivados do cacau, legumes em conserva e laticínios.
Adotando-se o mesmo critério adotado para o caso das demais cidades, pode-se classificar as categorias de produtos considerados da seguinte forma:
- produtos beneficiados;
- pães, massas e biscoitos;
- óleos e gorduras.
- produtos conservados;
- doces, geléias e produtos derivados do cacau;
- legumes em conserva;
- carnes preparadas;
- pescado industrializado;
- laticínios.
Comparando os resultados a que se chega nas quatro cidades consideradas, verifica-se, a despeito das diferenças quantitativas encontradas, que são produtos beneficiados, pães, massas e biscoitos e óleos e gorduras, as categorias de produtos de consumo mais difundido entre todas as classes de renda; em outras palavras, são as categorias de produtos, cujo consumo per capita nas famílias de diferentes níveis de renda apresentam menor dispersão em tomo da média de consumo per capita de todas as famílias. No caso particular do Rio de Janeiro e Recife, pode-se acrescentar carnes preparadas e, no Recife, ainda, pescado industrializado, com o mesmo comportamento. As demais categorias e subcategorias de produtos apresentam consumo per capita nos estratos de renda familiar mais elevado em proporções muitas vezes superiores ao dos estratos de renda mais baixa.
A incidência do consumo das três categorias de produtos indicados, em todas as faixas de renda consideradas, nas quatro cidades, permite admitir que são mais essenciais do ponto de vista do consumo; isto torna os seus ramos de produção mais interessantes para estudo, desde que se admita o consumo como um dos critérios de seleção dos ramos do setor a estudar. Há, porém, que qualificar este critério, acrescentando algumas considerações. Em primeiro lugar, não se deve esquecer que o estudo refere-se a um ponto no tempo, sendo necessário, portanto, introduzir algumas considerações sobre a dinâmica do consumo observado. Neste sentido, observa-se que os produtos de consumo mais difundidos indicados na análise, são também aqueles de menor elasticidade-renda o que faz com que o crescimento de sua demanda se condicione, basicamente, ao próprio crescimento da população consumidora, ou seja, ao aumento do nível de emprego. Nestas condições, é necessário examinar o comportamento do emprego, a fim de verificar em que medida se oferecem perspectivas para o crescimento dessa demanda.
Quanto aos produtos consumidos preponderantemente pelos estratos da população de maior nível de renda, a sua demanda dependerá em termos agregados do crescimento da renda per capita e do perfil de distribuição de renda, ambos se conjugando para indicar em que medida e condições evoluem esses estratos da população de maior nível de renda. É, assim, necessário examinar o comportamento destas variáveis, porque é possível que, dependendo do comportamento presumível do mercado consumidor, alguns sub-ramos do setor produtor apresentem maior dinamismo e sejam, conseqüentemente, mais interessantes para a variação de inovações eventualmente introduzidas no processo produtivo como resposta ao crescimento possível do consumo.
Em segundo lugar, conviria ainda examinar, de alguma forma, se há ou não tendência para modificar os dispêndios familiares em relação à alimentação, face à gama de bens de consumo oferecidos no mercado, especialmente duráveis. Este último aspecto infelizmente não foi possível examinar face a discrepâncias encontradas nos dados disponíveis.
Os demais aspectos serão objeto dos itens que seguem.
3. O CRESCIMENTO DO EMPREGO, DA RENDA PER CAPITA E DO CONSUMO PESSOAL PER CAPITA
No quadro 21 são apresentados indicadores sobre o crescimento do emprego, do produto interno bruto per capita e do consumo pessoal per capita no Brasil, no período compreendido entre os censos de 1950 e 1970.8 8 Convém advertir novamente que as considerações que aqui se fazem objetivam tão-somente qualificar a análise sobre o consumo feita anteriormente, não pretendendo, portanto, envolver qualquer análise paralela de maior profundidade sobre as variáveis consideradas. Observa-se, inicialmente, que o emprego vem se mantendo praticamente a um mesmo nível em relação à população, o que significa que tem crescido a taxas praticamente idênticas às da população. Com efeito, enquanto esta cresceu às taxas médias de 3,0% e 2,9% ao ano nos períodos intercensitários 1950-60 e 1960-70, respectivamente, o emprego total apresentou taxas de crescimento de 2,8% e 2,7% nos mesmos períodos. Para os fins de nossa análise, restrita à zona urbana, são porém mais significativos os dados relativos ao emprego urbano; estes, de acordo com o quadro 21, apresentam taxas médias de crescimento anual muito superiores às do emprego total, ou sejam, 4,3% e 4,6% entre 1950-60 e entre 1960-70, respectivamente, não obstante serem inferiores às taxas de crescimento da população urbana. No que concerne à qualificação do emprego criado, o que se verifica (quadro 22) é um crescimento relativo maior das ocupações "técnicas, científicas, artísticas", e de pessoal não-qualificado, com 6,9% e 4,6% ao ano, respectivamente, entre 1950 e 1970.
A primeira dessas categorias representa, contudo, somente 8,5% de população economicamente ativa urbana em 1970, enquanto a segunda soma quase 60% da mesma. Admitindo-se que a renda guarda relação com a qualificação do trabalho, e considerando, com base nos critérios e estimativas de José Almeida, um contingente da população economicamente ativa fora do mercado de cerca de 30% do seu total,9 9 Industrialização e emprego no Brasil. op. cit. p. 114. pode-se preliminarmente para fins de nossa análise, estabelecer: como segmento de mercado de baixa renda um conjunto de pessoas de pouco mais de 50% da população economicamente ativa, das categorias de pessoal qualificado e semiqualificado, e pessoal não-qualificado; como segmento de mercado de níveis de renda mais elevada os proprietários e administradores e o pessoal empregado em ocupações técnicas, científicas e artísticas. Em termos do crescimento do emprego exclusivamente - não considerando ainda o crescimento da renda - o primeiro desses segmentos apresenta um crescimento médio anual de 3,9% nos 20 anos considerados, bastante inferior ao do segundo, cuja taxa média anual de crescimento no mesmo período é de 5,5%.
Quanto à renda per capita e o consumo pessoal per capita, apresentam praticamente a mesma taxa de crescimento anual nos dois decênios considerados, indicando que se manteve a propensão média per capita a consumir, a despeito da tendência declinante do consumo agregado (quadro 21). O índice per capita, contudo, como indicador médio, não reflete o comportamento do consumo das várias camadas da população, o qual - à parte as considerações relativas à eqüidade de distribuição do bem-estar - influi diferentemente sobre os diversos mercados conseqüentemente também sobre o de produtos alimentícios industrializados. Nestas condições convém analisar ainda que brevemente, o perfil de distribuição da renda. De acordo com os dados do quadro 23, os 40% mais pobres da população economicamente ativa detinham somente 11,56% da renda em 1960, decrescendo esta percentagem para 10,01% em 1970. Agregando-se os 40% seguintes, a perda de participação relativa no total da renda no decênio é ainda maior, caindo de 45,65% para 37,76% entre 1960 e 1970.
De outro lado, a participação dos 20% ricos na renda total cresceu de 54,35% para 62,24% entre 1960 e 1970. Este quadro é distinto quando se considera a população ocupada em atividades urbanas e a população ocupada em atividades rurais; de fato, tomando-se os dados do censo demográfico de 1970, o que se verifica (quadro 24) é: uma maior proporção da renda de atividades agrícolas nos segmentos mais pobres da população; uma maior concentração da riqueza nas camadas que constituem os 20% da população de maior rendimento.
A distribuição da população economicamente ativa segundo os seus rendimentos complementa estas indicações; de acordo com os dados do quadro 25, verifica-se que, embora concentrada, a renda das pessoas ocupadas em atividades urbanas distribui-se mais dispersamente entre os estratos da população de menores rendimentos; assim, enquanto na atividade primária cerca de 80% percebem rendimentos inferiores a Cr$150,00 mensais - o que, segundo critério de José Almeida já referido anteriormente as exclui da economia de mercado - nas atividades urbanas as pessoas com este nível de rendimento alcançam 32%; as pessoas com rendimento entre um e dez salários mínimos aproximadamente - entre Cr$ 151,00 e Cr$ 2.000,00 - representam 62,5% nas atividades urbanas e 22,1% nas atividades rurais.
Esta distribuição da renda das atividades urbanas está relativamente consistente com a distribuição do emprego por nível de qualificação, o que sugere, na relação entre ambos, que cresce menos rapidamente o contingente da população economicamente ativa de baixos rendimentos - até cerca de três salários mínimos - e mais rapidamente aquele de rendimentos superiores a três salários mínimos.
Pode-se, pois, manter a divisão do mercado em dois segmentos, em função do seu dinamismo e do seu volume de renda: um mercado constituído por uma massa de poder de compra relativamente grande em termos agregados, mas baixo em termos unitários por pessoa ocupada, com dinamismo de crescimento sujeito basicamente ao crescimento do emprego; trata-se do mercado de bens assenciais, de baixa elasticidade-renda e no qual se podem incluir os sub-ramos classificados anteriormente como de consumo difundido. O Outro constituído de uma massa de poder de compra grande em termos agregados e em termos unitários, com dinamismo de crescimento fortemente dependente do crescimento do emprego e do crescimento da renda; trata-se do mercado de bens de menor grau de essencialidade e que, elásticos à renda, compõem o diversificado dispêndio das unidades familiares de nível de renda mais elevado. Neste segmento do mercado incluir-se-iam os sub-ramos do setor produtor de alimentos industrializados classificados como bens consumidos preponderantemente pelos segmentos da população de nível de renda mais elevado.
4. CONCLUSÕES
Os estudos realizados, com base nas pesquisas sobre orçamentos familiares disponíveis, consuziram às seguintes conclusões:
a) os produtos alimentícios industrializados constituem uma parcela ponderável do dispêndio familiar com alimentação, não variando significativamente esta parcela com a variação do nível de renda. Da mesma forma não varia significativamente esta parcela entre as cidades consideradas, à exceção de São Paulo, em que é menor que nas demais;
b) a partir da classificação adotada neste trabalho, constatou-se que algumas categorias de produtos alimentícios têm consumo mais difundido, relativamente inelástico em relação à renda, enquanto outras são consumidas predominantemente pelas famílias de maior nível de renda, crescendo o seu consumo com o crescimento da renda.
Entre as primeiras, incluem-se: produtos beneficiados; pães, massas e biscoitos, óleos e gorduras e, secundariamente, carnes preparadas. Entre as segundas incluem-se: produtos conservados, doces, geléias e produtos derivados do cacau, legumes em conserva, pescado industrializado e laticínios;
c) chegou-se, assim, a dois segmentos de mercado, dependentes em seu comportamento, de variáveis distintas: o mercado dos produtos da primeira categoria referida, cuja demanda depende basicamente do crescimento do nível de emprego;10 10 Não se está considerando o fator "preço", no âmbito deste trabalho. e o mercado dos produtos da segunda categoria, cuja demanda depende do crescimento do emprego e da renda, bem como da distribuição desta. Os dados relativos a essas variáveis permitiram admitir que o segundo apresenta crescimento maior e deve, conseqüentemente, ser mais dinâmico. Há que considerar, porém, a dimensão de ambos os mercados consumidores; com base na distribuição de renda da população ativa, verifica-se que o primeiro mercado a que já nos referimos é bastante amplo e tende a ampliar-se em termos absolutos, à medida que se eleva a nível de emprego;
d) nestas condições, considerando o perfil do consumo em termos de dimensionamento do mercado e de seu crescimento, convém selecionar para o estudo de campo alguns sub-ramos da indústria que se classifiquem em cada uma das categorias referidas, com a inclusão de um número maior de sub-ramos em um ou outro segmento de mercado, conforme a importância maior ou menor que se queira atribuir a cada um dos aspectos considerados (dimensão e ritmo de crescimento).
- 4 Pode-se objetar às percentagens indicadas nos referidos quadros, especialmente no que diz respeito às classes situadas nos extremos da distribuição da renda familiar considerada. Efetivamente, estas percentagens parecem bastante distintas das dos indicadores internacionais, o que leva a duas ordens de consideração: 1.Ş) a de que os indicadores conhecidos são relativos a médias amostrais dos vários países com os quais a média das amostras para cada uma das cidades consideradas parece consistente (veja Houthakker, H. S. An international comparison of household expenditure patterns, commemorating the centenary of Engel's Law);
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Ago 2013 -
Data do Fascículo
Dez 1977