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Método dialético e teoria política

COMENTÁRIOS

Método dialético e teoria política

Robert N. V. C. Nicol

Chefe do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração da Escola de Administracão de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

Michael Lowy, politicólogo da nova geração, radicado na França, acaba de ter um de seus livros editados em português pela Paz e Terra. Trata-se de Método dialético e teoria política. No volume que acaba de ser lancado, foram coletados oito ensaios que o autor produziu no período 1962-72, nos quais analisa diferentes aspectos da ciência política, da maneira como é vista pela ótica marxista. Destes oito ensaios, um é de natureza puramente metodológica, enquanto os remanescentes são dedicados a diferentes autores: três a Marx, dois a Rosa Luxemburgo, um a Weber e um a Lenine.

Como seria de se esperar de trabalhos produzidos ao longo de uma década, não há muita homogeneidade nos oito ensaios, quanto ao estilo, nível de argumentação lógica, ou mesmo quanto ao interesse que possam despertar junto ao leitor.

Em geral, o estilo do autor é agradável: escreve com fluência, sendo adequadamente didático. Entretanto, em alguns dos ensaios chega a ser germanicamente maçante.

É o que ocorre com o ensaio sobre Lenine (Da grande lógica de Hegel à estação finlandesa de Petrogrado). Neste, a preocupação do autor está voltada para demonstrar como o apóstolo do socialismo soviético conseguiu romper com o marxismo "pseudoortodoxo" kautskiano. O marxismo pregado por Kar! Kautsky não via na revolução russa mais do que uma revolução burguesa. Foi preciso romper com tal visão para que Lenine pudesse vislumbrar, nessa mesma revolução, a possibilidade de uma virada para o socialismo. Os resultados do rompimento com a linha kautskiana vamos encontrar nas "Teses de abril" - colocações de Lenine que nortearam os esforços dos bolcheviques na tomada do poder em 1917, e que foram apresentadas, em sua forma embrionária, frente à multidão que aguardava o seu regresso à Russia, na estação finlandesa de Petrogrado.

Após uma leitura atenta de seguidas páginas, em que o autor tenta mostrar que a gênese da visão de Lenine esteve numa leitura cuidadosa que o líder bolchevique fez de Hegel, o leitor vê-se forçado a concordar com o autor no sentido de que realmente deve ter sido "a leitura materialista de Hegel que liberou Lenine do marxismo pseudo-ortodoxo"1 1 Lowy, Michael. Método dialético e teoria política. Rio de Janeiro, Paz e Terra. p. 136. de Kautsky. Mas qual não será a surpresa do leitor ao chegar à última página do ensaio e verificar que não é nada disso: que a leitura de Hegel não foi muito importante; que muito mais importante na formação da visão de Lenine foi a situação revolucionária criada pela I Guerra Mundial.2 2 ld. ibid. p. 142. Nessa altura, o leitor desavisado só poderá chegar a duas conclusões: a) que o autor foi bastante confuso em sua exposição; b) que poderia ter dito tudo o que disse acerca de Lenine em meia página, em vez das 16 que usou - em suma, que o ensaio não passa de um longo, confuso e, por isso mesmo, maçante panegírico à "brilhante" percepção de Lenine acerca da situação russa em princípios de 1917.

Na mesma categoria do "veja-como-fulano-era-brilhante", está um dos ensaios acerca de Rosa Luxemburgo (Rosa Luxemburgo). Embora reconhecendo que, quanto à "questão nacional", Rosa sofria de forte miopia - visto que era contra a política de autodeterminação preconizada por Lenine e outros líderes bolcheviques (posição que a história validou como a mais acertada) - para Lowy, Rosa permanece como "um dos discípulos de Marx no século XX mais fiéis a seu método"3 3 ld. ibid. p. 96. e, conseqüentemente, um de seus discípulos mais brilhantes.

Afora os panegíricos maçantes, há pelo menos um artigo que prima pela mediocridade das idéias defendidas. Trata-se do trabalho sobre Weber (Weber e Marx: notas críticas sobre um diálogo implícito). A argumentação do autor é simples: Weber, que era um sociólogo brilhante, não chegou a impugnar a validade do materialismo dialético. As poucas (na realidade duas) passagens em que Weber parece criticar o materialismo dialético podem ser ignoradas, visto que, numa delas, uma leitura mais acurada mostrará que Weber não está fazendo uma colocação antimarxista e, na outra, simplesmente a argumentação apresentada por Weber não faz muito sentido. Assim, o que Lowy na realidade faz é um apelo à autoridade de Weber: para que seus seguidores não rejeitem Marx na suposição errônea de que Weber demonstrou a falsidade do materialismo dialético. Talvez alguns leitores possam ver nesse raciocínio primário algum rasgo de genialidade; pessoalmente, não consigo ver nenhum.

A par das odes em louvor a Lenine e a Rosa, e do ensaio inconseqüente acerca de Weber, há dois artigos que, embora estejam longe de se destacar por sua lucidez, abordam temas interessantes. Trata-se de um artigo sobre Marx (Maix e revolução espanhola de 1854-56) e outro sobre Rosa Luxemburgo (A significação metodológica da palavra de ordem "socialismo ou barbárie"). O tema central dos dois artigos é o fato de que a revolução socialista pode ocorrer mesmo em países não muito adiantados, desde que não nos limitemos a "esperar com os braços cruzados que a dialética histórica nos traga seus frutos maduros".4 4 ld. ibid. p. 119. O corolário desta idéia é que "o processo (de mudança social) está condicionado não somente pela base econômica, mas também pelos acontecimentos do passado (sociais, políticos ou militares) e pela praxis revolucionária dos homens no presente"5 5 ld. ibid. p. 95. Isto é, em determinadas situações a "superestrutura" pode ser tão importante - se não mais importante - quanto a base econômica na determinação das mudanças sociais. A colocação é feita inicialmente em termos de corolário, que surge de uma análise dos artigos que Marx escreveu sobre a revolução espanhola e que foram publicados no New York Daily Tríbune. Nesses artigos, Marx inicialmente acredita que a Espanha era "imatura" para uma revolução socialista, por ser um país pouco desenvolvido e onde, conseqüentemente, a infra-estrutura econômica não forneceria bases para uma revolução dessa natureza. Posteriormente, ao que parece, mudou de idéia e passou a acreditar que "a Espanha estava bastante madura para fazer parte de uma revolução socialista iminente na Europa".6 6 ld. ibid. p. 94. Segundo Marx, essa maturidade seria "o produto não de um desenvolvimento econômico e industrial, mas de uma série de acontecimentos históricos no nível político-social".7 7 Id. ibid. p. 95.

A implicação lógica de tal constatação seria a de que não devemos esperar que a história nos presenteie com o socialismo - devemos lutar por ele. E a atividade revolucionária se faz necessária, não só para acelerar ou abreviar o processo histórico, como para decidi-lo. Esta última idéia é desenvolvida no artigo sobre Rosa. O desenvolvimento do tema envolve uma crítica ao marxismo fatalista e "oportunista" de Kautsky. A visão comodista de Kautsky de que "o partido socialista é um partido revolucionário, ele não é um partido que faz revoluções",8 8 Id. ibid. p. 118. justifica-se na medida em que se crê na inevitabilidade do socialismo, isto é, na medida em que o desenvolvimento histórico tem um único sentido. No momento em que se percebe que não há somente um único sentido para a evolução, que fatores culturais, entre outros, podem determinar sentidos diversos, o "radicalismo passivo" dos marxistas kautskianos só pode ser rejeitado.

Embora concordando que tal conclusão parece ser uma decorrência lógica da colocação feita acerca da participação de fatores culturais na evolução social, o problema é que o autor nos apresenta uma hipótese sem demonstração. A conclusão é válida se a premissa for válida. Mas, a única argumentação que o autor apresenta para justificar a validade desta é que Marx julgou que poderia ser válida, e nada mais. Novamente temos um apelo à autoridade alheia (no caso, à de Marx), e não um apelo à razão. O leitor é deixado totalmente no escuro no tocante à justificativa lógica de tal premissa, bem como das condições em que seria válida. Por exemplo: qualquer país subdesenvolvido poderia ter uma revolução socialista? Basta que exista um Guevara com um punhado de seguidores bem treinados para que esta ocorra; ou seriam necessárias outras condições? Se necessárias, quais seriam, exatamente, estas outras condições? Perguntas como estas, sem as quais a colocação do autor cai no campo do óbvio, não são nem sequer levantadas.

Que revoluções socialistas podem ocorrer em certos países atrasados, estamos fartos de saber. Mas, o que hoje em dia é um lugar-comum, na época de Kautsky não o era. A crítica que o autor faz a Kautsky é uma crítica fácil, visto que se vale de uma experiência histórica inexistente no início do século. Na época, não parecia tão óbvio que revoluções socialistas pudessem ocorrer em países atrasados. A posição assumida por Marx em seus últimos artigos acerca da revolução espanhola não parece ser das mais típicas daquele autor. É, no mínimo, uma tese que não se encaixa muito bem com sua visão da evolução da humanidade. E, afinal, não nos esqueçamos de que da vastíssima obra legada por Marx - que certamente ultrapassa em muito a casa da centena de itens, abrangendo desde livros e panfletos a artigos e cartas -o autor teve que desenterrar uns obscuros artigos acerca da revolução espanhola de 1854-56, para mostrar que num determinado momento Marx vislumbrou a possibilidade de um país atrasado vir a "fazer parte da revolução socialista iminente na Europa" (grifos meus). Só essas observações bastam para colocarem dúvida o "oportunismo" de Kautsky. A visão do marxista alemão era perfeitamente coerente com as colocações de seu mestre.

O próprio autor, em seu artigo sobre Rosa (Socialismo ou barbárie), parece admitir que sua crítica é um pouco injusta, ao afirmar que "em última análise, foi Rosa Luxemburgo mesmo que... colocou pela primeira vez, explicitamente (grifo do autor), o socialismo como sendo não o produto 'inevitável' da necessidade histórica, mas como uma possibilidade histórica objetiva".9 9 Id. ibid. p. 121 Finalmente, convém lembrar que a ruptura entre Rosa e Kautsky só ocorreu em 1915, oortanto dois anos antes que a história mostrasse que Rosa tinha razão.

Em O humanisno historicista de Marx ou reler O Capital, o autor pretende, seguindo Che Guevara, mostrar que o "marxismo é humanista (no melhor sentido do termo)",10 10 Id. ibid. p.64. isto é, mostrar que o marxismo, apesar de ser científico, tem sua dimensão moral, tendo como preocupação central o bem-estar do ser humano. Indiretamente, tal preocupação se traduz numa crítica a colocações que tendem a negar tal dimensão do marxismo, como por exemplo as colocações de Althusser.

O autor distingue duas correntes humanistas no marxismo de nossos dias. Uma, ligada ao processo de "liberação na URSS, cujos paladinos são antigos stalinistas (sinceramente) arrependidos (Garaudy, Schaff, etc.)",11 11 Id. ibid. p.80. que querem um diálogo com os "homens de boa vontade que recusam a guerra e a miséria".12 12 Id ibid. p. 80. A outra, "louva menos o diálogo do que a guerra revolucionária do povo contra o imperialismo e o capitalismo".13 13 ld ibid p. 80. Seria o humanismo de figuras como Mao Tsé-tung e Che Guevara. Entre as duas versões do "humanismo marxista", parece que o autor pende para a segunda delas, isto é, para o humanismo que pretende redimir o homem através da guerra revolucionária.

Acho difícil negar a existência de um "humanismo (no bom sentido do termo)" em Marx. Mas acho igualmente difícil compatibilizar esse humanismo com outros aspectos da teoria marxista, especialmente com a guerra revolucionária que culminaria na ditadura do proletariado. As críticas que podem ser feitas a esse "humanismo" são tão velhas quanto a própria teoria marxista. Basicamente, prendem-se ao problema dos meios para se atingir o fim proposto. As críticas apresentadas vêem uma certa incompatibilidade entre o objetivo colimado, qual seja, o desenvolvimento do ser humano em sua plenitude e os meios propostos para atingi-lo, que envolvem: a) manutenção de um estado todo-poderoso, mesmo que de caráter "transitório" e mesmo que nas mãos de pessoas que se julgam representantes dos interesses do proletariado; b) a violência conseqüente de uma guerra revolucionária.

Alguns críticos, como Bakunin, não temem a violência tanto quanto a ditadura proposta por Marx, visto que esta só tenderia a se perpetuar, perpetuando as iniquidades. "Dizem que essa ditadura estatal é um meio transitório, inevitável para se chegar à emancipação total do povo; anarquia ou liberdade, esse é o objetivo; Estado ou ditadura, esse é o meio. Assim, a fim de emancipar as massas trabalhadoras, é necessário antes de mais nada agrilhoá-las... Afirmam que só a ditadura -a deles, é claro - pode criar a vontade do povo; ao qual respondemos: nenhuma ditadura pode ter outro objetivo que não o de se perpetuar; nenhuma ditadura saberia gerar e desenvolver, no povo que a suporta, algo mais que a escravidão; a liberdade só pode ser criada pela liberdade".14 14 Rakunin, Miguel. La libertad. México, DF, Grijalbo. 1972. p. 69.

Outros, como Bertrand Russell, criticam não somente a ditadura-meio, mas também a violênciameio, argumentando que a violência só pode levar à ditadura. "Minha objeção não é que o capitalismo seja menos ruim do que os bolcheviques afirmam, mas que o socialismo é pior, não na sua melhor versão, mas na única versão que pode surgir de uma guerra. Os males da guerra, especialmente da guerra civil, são enormes e inequívocos; os ganhos a serem obtidos da vitória são problemáticos... Para ganhar a guerra é necessário uma concentração do poder, e na concentração do poder têm origem os mesmos males que observamos no capitalismo com a concentração da riqueza".15 15 Russell, Bertrand. The practice and theory of bolshevism. London, George Allen, 1920. p. 30-1.

Em outras palavras, o autoritarismo implícito na violência e na ditadura do proletariado nunca seria compatível com a liberdade mais ampla, proposta por Marx e seus seguidores, para o ser humano. Até o presente, o peso da evidência histórica tem mostrado que Bakunin e Russell estavam com a razão. Nessas circunstâncias, qualquer proposta de um "humanismo revolucionário" é, na melhor das hipóteses, duvidosa e, quase que certamente, produto de uma grande confusão mental.

Objetividade e ponto de vista de classe nas ciências sociais é, sem margem de dúvidas, o mais interes-Scinte (e inteligente) dos artigos da coletânea. Trata-se de um ensaio bem estruturado, em que o autor critica a visão positivista comtiana da ciência, contrapondo a esta a versão marxista.

Para o positivismo comtiano "a sociedade pode ser epistemologicamente assimilada à natureza",16 16 ld. ibid p. 12. sendo, portanto, "regida por leis naturais, quer dizer leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humana".17 17 ld. ibid p. 12. Destas premissas, conclui-se que "o método nas ciências sociais pode e deve ser o mesmo que o das ciências da natureza, com os mesmos métodos de pesquisa e sobretudo com o mesmo caráter de observação 'neutra', objetiva e desligada dos fenômenos".18 18 ld. ibid p. 12.

Tais colocações são objeto de crítica do autor, tanto no tocante a seu aspecto puramente metodológico, quanto a suas implicações ideológicas.

Comecemos por estas últimas. "As implicações ideológicas conservadoras, reacionárias e contra-revolucionárias dessa concepção são evidentes",19 19 ld. ibid p. 12. segundo o autor, "e, aliás, explicitamente formuladas por Comte",20 20 ld. ibid p. 12. para quem "as leis sociais são leis naturais",21 21 ld. ibid p. 12. cujas conseqüências seriam que "a sociedade não pode ser transformada; contra os sonhos revolucionários utópicos e negativos, o positivismo enaltece a aceitação passiva do status quo social" .22 22 ld. ibid p. 12.

Novamente, não há como negar o caráter essencialmente conservador do positivismo comtiano, como apontado pelo autor. Não há, também, como contestar sua afirmação de que o aspecto conservador do comtismo deriva precisamente da percepção da sociedade como regida por "leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e de ação humana". Supostamente, o marxismo, por apresentar uma visão "revolucionária" da sociedade, estaria isento de tais tendências conservadoras, que ossificam o corpo social. Nada mais falso. Talvez o marxismo não seja contra a mudança. Até aí, acredito que nem mesmo o conservador mais renitente seria, desde que as mudanças fossem no sentido por ele aprovado. Mas, daí a afirmar que o marxismo não pode levar a uma certa indiferença ou passividade ante as mudanças sociais, é algo totalmente diverso. Fazer uma afirmação dessa natureza seria equivalente a dar um salto em termos lógicos, cuja validade a própria história do movimento marxista negaria.

Convém não esquecer a colocação de Trotsky, muito bem lembrada por L. A. Galvão: "O pensamento è sempre conservador e o pensamento revolucionário é mais conservador ainda."23 23 Galvão, L.A. A crítica à política. São Paulo, Fundação Getulio Vargas, 1977. p 22. mimeogr. Tal afirmação pode parecer paradoxal, mas o paradoxo é facilmente explicável. Em geral, revoluções ocorrem através de apelos a valores antigos que foram ignorados ou desvirtuados. Não é o escravo, que nunca sentiu o ar da liberdade, quem irá arriscar sua vida por ela; normalmente é o inverso: quem luta pela liberdade é quem já a teve, perdeu-a, e quer recuperá-la. O apelo revolucionário tem força na medida em que for um apelo a valores sentidos, isto é, a valores vivenciados anteriormente. Em geral, são vazios os apelos a valores imaginários (ainda não vivenciados).

O próprio autor, embora não nesse trabalho, mas em outros que já foram objeto de nossa análise (veja anteriormente), parece reconhecer que o marxismo não está imune a essas tendências de indiferença conservadora. Os kautskianos representam esse tipo de tendência dentro da tradição marxista. Na medida em que os seguidores de Kautsky percebiam a sociedade como sendo governada por "leis de bronze que determinam a transformação necessária da sociedade", o homem ficava relegado a um mero espectador do curso da história. Em outras palavras, o próprio marxismo é capaz de gerar um quietismo político semelhante, em muitos aspectos, ao conservadorismo comtiano, e exatamente pelas mesmas razões.

Quanto aos aspectos metodológicos, embora concordando com o autor no sentido de que "as visões de mundo, as ideologias (no sentido amplo de sistemas coerentes de idéias ou valores) das classes sociais modelam de maneira decisiva (direta ou indireta, consciente ou inconscientemente) as ciências sociais...",24 24 Id. ibid. p. 17. isto é, que não existe ciência social neutra, é difícil aceitar que o caminho para a superação de tal restrição está no emprego da dialética marxista.

Admitindo-se que numa sociedade sem classes poder-se-ia atingir maior "objetividade", no sentido de que as visões de mundo não são enviesadas por posições de classe, não consigo perceber como o marxismo burguês possa pleitear ter atingido tal objetividade. Afinal, o marxismo burguês é subproduto dos fatores que condicionam a existência e percepção do mundo da classe burguesa e, conseqüentemente, requer mais do que algumas frases gongóricas e passes de mágica para poder pleitear que alguns "iluminados" desta classe tenham conseguido transcender sua situação de classe e ver a luz. De revelações, bastam as bíblicas. O máximo que o marxismo burguês poderia pleitear é que, quando se instalar a sociedade sem classes, poderemos ter uma maior objetividade nas ciências sociais. Até lá, infelizmente, toda e qualquer colocação só pode ser classista e, por conseguinte, enviesada.

E, mesmo numa sociedade sem classes, a objetividade total só seria atingida se postularmos que só existe um único fator; e é muito pouco provável que isso seja verdade, e que nenhum outro fator, como por exemplo o poder, possa "subjetivar o mundo". Assim, acredito que nem o marxista mais deslumbrado chegaria a afirmar que as ciências praticadas nas sociedades do Leste europeu atingiram um maior grau de objetividade que as praticadas no mundo ocidental. Os Lyssenkos da ciência soviética se contam às centenas.

Em suma, o autor aborda temas importantes nos seus ensaios, os quais são, em geral, tratados com adequada clareza. Acredito que estas duas qualidades, clareza e relevância dos temas, bastem para recomendar a leitura de seu livro. Entretanto, o leitor não deverá esperar mais do que isso dessa leitura.

Quem esperar encontrar análises profundas, ou pelo menos inteligentes, dos temas abordados ficará um tanto quanto decepcionado. O marxismo praticado pelo autor, diferentemente do marxismo praticado, digamos, por alguns dos elementos da escola de Frankfurt, é muito pouco autocrítico e por isso mesmo de alcance bastante limitado.

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    1 Lowy, Michael. Método dialético e teoria política. Rio de Janeiro, Paz e Terra. p. 136.
  • 14 Rakunin, Miguel. La libertad México, DF, Grijalbo. 1972. p. 69.
  • 15 Russell, Bertrand. The practice and theory of bolshevism London, George Allen, 1920. p. 30-1.
  • 23 Galvão, L.A. A crítica à política São Paulo, Fundação Getulio Vargas, 1977. p 22. mimeogr.
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    Lowy, Michael.
    Método dialético e teoria política. Rio de Janeiro, Paz e Terra. p. 136.
  • 2
    ld. ibid. p. 142.
  • 3
    ld. ibid. p. 96.
  • 4
    ld. ibid. p. 119.
  • 5
    ld. ibid. p. 95.
  • 6
    ld. ibid. p. 94.
  • 7
    Id. ibid. p. 95.
  • 8
    Id. ibid. p. 118.
  • 9
    Id. ibid. p. 121
  • 10
    Id. ibid. p.64.
  • 11
    Id. ibid. p.80.
  • 12
    Id ibid. p. 80.
  • 13
    ld ibid p. 80.
  • 14
    Rakunin, Miguel.
    La libertad. México, DF, Grijalbo. 1972. p. 69.
  • 15
    Russell, Bertrand.
    The practice and theory of bolshevism. London, George Allen, 1920. p. 30-1.
  • 16
    ld. ibid p. 12.
  • 17
    ld. ibid p. 12.
  • 18
    ld. ibid p. 12.
  • 19
    ld. ibid p. 12.
  • 20
    ld. ibid p. 12.
  • 21
    ld. ibid p. 12.
  • 22
    ld. ibid p. 12.
  • 23
    Galvão, L.A.
    A crítica à política. São Paulo, Fundação Getulio Vargas, 1977. p 22. mimeogr.
  • 24
    Id. ibid. p. 17.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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