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Burocracia latino-americana ou reflexo desfavorável da teoria da organização

ARTIGOS

Burocracia latino-americana ou reflexo desfavorável da teoria da organização* * Tradução do original em inglês por Nelson Pujol Yamamoto e revisão técnica por Nilza Vieira M. do Prado.

Viviane B. de MárquezI; Rainer Godan SII

IPh.D. em sociologia pela Universidade Wisconsin, Madison e, atualmente, professora de sociologia do ITAM - Instituto Tecnológico Autônomo do México, México, D.F

IIProfessor do ITAM - Instituto Tecnológico Autônomo do México

1. INTRODUÇÃO

A gradual americanização da teoria sociológica que tem se verificado desde o início da década de 20 redundou em uma dificuldade cada vez maior de generalizar seus parâmetros para outras sociedades, principalmente nos países em desenvolvimento, disto resultando que os casos contrários a modelos existentes fora dos EUA foram ou ignorados ou isolados em modelos ad hoc que pretendem responder pelas divergências das teorias centrais sem, contudo, questioná-las.

Neste ensaio, tomaremos a teoria organizacional como um exemplo dessa espécie de confusão teórica e tentaremos demonstrar que, dadas certas premissas, o comportamento organizacional pode ser explicado em termos semelhantes tanto em sociedades desenvolvidas como em sociedades em desenvolvimento. Portanto, defenderemos a tese de que, basicamente, não há diferenças entre sociedades, total ou parcialmente industrializadas, quanto aos mecanismos sociais que explicam o comportamento humano em organizações,1 1 À parte quaisquer sutilezas de definição, os termos burocracia e organização serão utilizados alternadamente neste ensaio como referência aos esforços coletivos de caráter permanente. embora possam haver algumas variações nos efeitos globais de tais mecanismos, devidas às condições estruturais distintas historicamente desenvolvidas, que vigoram em seu meio. Portanto, o que estamos procurando estabelecer é um núcleo teórico explicativo do comportamento humano em organizações que faça com que as diferenças entre sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas sejam teoricamente previsíveis, ao invés de fixar qualificações marginais de pouca relevância teórica.

Dadas as condições atuais, o leitor que se interessar pode escolher entre dois tipos de aproximação ao procurar entender o modo como as burocracias operam nos países em desenvolvimento. Ele pode se voltar ou para teorias de tradição weberiana, que enfatizam o caráter racional das burocracias, ou para a agora abundante bibliografia sobre administração de desenvolvimento, que deve sua origem às idéias desenvolventes em voga na década de 60.

Na primeira alternativa, as burocracias nos países em desenvolvimento (que serão citadas no corpo do texto sob a sigla BPD) são como que cópias de carbono imperfeitas de suas irmãs mais afortunadas, baseando-se no fato de que comparações estáticas detalhadas com burocracias ocidentais acusam diferenças consideráveis. Naturalmente, tais comparações levam à idéia de que as BPD estão se equiparando com o mundo ocidental, tecnologicamente mais avançado, ou seja, refletem o status "transitório" das sociedades a que estão arraigadas.

A segunda alternativa consiste em se pressupor que há diferenças qualitativas entre as burocracias ocidentais e as não-ocidentais. Infelizmente, esta aproximação ainda não conseguiu chegar a nenhuma idéia teórica central. Antes, como freqüentemente acontece nas ciências sociais, ela oferece uma série heterogênea de teorias parciais, que pretendem responder pelo que se imagina ser uma discrepância entre o comportamento organizacional que supostamente ocorre na Europa ou nos EUA, e o comportamento contrário das BPD.

Nas páginas seguintes, analisaremos tais aproximações separadamente, demorando-nos em mais alguns pontos teóricos e metodológicos que acreditamos serem responsáveis pela nossa ignorância a respeito de organizações em geral. Isto nos permitirá determinar os parâmetros em que julgamos poder haver uma perspectiva alternativa capaz de responder pelo comportamento organizacional em qualquer parte do mundo. Desta forma, esperamos demonstrar que a divisão feita pela sociologia norte-americana entre sociologia desenvolvente e sociologia desenvolvida é falsa, particularmente no caso da teoria organizacional; tal ênfase nos problemas de países em desenvolvimento pode esclarecer bastante alguns problemas sem solução nos assim chamados países desenvolvidos.

A estrutura teórica proposta foi indicada principalmente pela experiência mexicana, mas pode ser generalizada para outras sociedades. O México é um dos países mais extensos e industrializados do Terceiro Mundo. Possui grande tradição de independência política do jugo colonial e passou por uma revolução social há apenas 60 anos. Como tal, se constitui em útil meio-termo entre os países industrializados do mundo ocidental e os países mais jovens do Terceiro Mundo.

2. COMENTÁRIO TEÓRICO DE MODELOS DE COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL

A sociologia nunca se sentiu à vontade ao lidar, ao mesmo tempo, com problemas de reificação e reducionismo. Entretanto, no caso da teoria organizacional, ela optou abertamente pela reificação, no sentido de que o comportamento humano tem sido reduzido a uma simples extrapolação de mecanismos organizacionais, relegando as manifestações individuais ao plano de problemas de segunda ordem. Conseqüentemente, o que se considera comportamento humano varia por meio de mudanças em modelos teóricos de estrutura organizacional. Apresentaremos os quatro paradigmas básicos mais comumente presentes na bibliografia organizacional contemporânea, analisando-os em termos do que sabemos acerca do comportamento fora do contexto organizacional.

2.1 Teorias de racionalidade global: O homem como o robô sobressocializado

Este paradigma considera a organização a menor unidade de análise e a define como um conjunto de componentes estruturais independentes organizados por mecanismos de coordenação, comunicação e controle. Quando se amplia este modelo para se poder levar em consideração as forças externas que atuam sobre a organização, os agentes estão igualmente ausentes do modelo, a não ser pelo suprimento de papéis limitados em que se concorda que posições específicas nas organizações oferecem oportunidades especiais para dados agentes a fim de determinar-se a maneira pela qual o mundo externo é interpretado e influenciado. Normalmente, contudo, considere-se que ou o meio afeta a organização como um todo monolítico ou os agentes externos especializados afetam as partes estruturais organizacionais especializadas correspondentes.

Neste paradigma, quaisquer ações empreendidas por participantes organizacionais conteriam, supostamente, seu propósito coletivo. Portanto, as organizações deveriam apresentar conjuntos coerentes de objetivos e subobjetivos, a que os participantes teriam que aderir voluntariamente. O desvio é ou insignificante ou distribuído aleatoriamente, de forma a afetar apenas a eficiência relativa do sistema. Ainda assim, não se esclarece perfeitamente porque os participantes deveriam tornar seus interesses de uma organização. Na maioria esmagadora dos casos, a única resposta a esta pergunta é que os participantes fazem o que lhes é ordenado porque são pagos para tal, o que daria margem a uma nova dúvida, isto é, qual seria o custo de oportunidades ao se desempenhar um papel de acordo com regras preestabelecidas, em contraposição aos benefícios econômicos adicionais potenciais provenientes de uma ruptura de tais regras.2 2 Não é produtivo argumentarmos que mecanismos de supervisão e controle impedem que isso aconteça, pois isso seria afirmar que apenas os participantes inferiores são atraídos pelo desvio, quando, na verdade, os participantes superiores têm muito mais a ganhar com isso e muito mais recursos à sua disposição para passarem despercebidos. Porém, neste paradigma, tal tipo de problema não é geralmente levantado, uma vez que é anulado pela suposição de coerência entre metas e valores individuais e organizacionais. Além disso, sempre é possível conjurar os valores de trabalho da sociedade norte-americana que evitariam que essa espécie de cálculo individual ocorresse, assim como a disponibilidade de pelo menos algumas recompensas intrínsecas pelo desempenho de um papel de acordo com um script aprovado.

O sistema natural funcionalista variante desse paradigma oferece um tipo de explicação diferente para o comportamento racional, mas o resultado final é quase o mesmo. Os mecanismos internos são naturais ou inconscientes, mas tudo acontece como se houvesse uma racionalidade inconsciente agindo por toda a organização e empenhada em preservar sua existência (em oposição à criação de eficiência e lucros, como na perspectiva de administração racional).

Evidentemente, há problemas que impedem que tais mecanismos funcionem perfeitamente: os instrumentos para se atingirem as metas são resistentes, as metas são deslocadas e as informações nunca são perfeitas. Além disso, há limitações cognitivas ao conhecimento necessário para se tomarem decisões racionais, e, ainda mais, o homem tem necessidades emocionais que precisam ser satisfeitas por meio de grupos informais que só podem solapar a racionalidade até certo ponto. No entanto, tais tipos de objeções nunca são significativamente incorporados à estrutura teórica; são apenas consideradas como fatores restritivos, e não determinantes.

2.2 Teorias de racionalidade grupal e quase-grupal: o homem gregário

Dado que a descoberta de que as metas organizacionais são todas compatíveis entre si e não podem ser maximizadas simultaneamente, seja porque são mutuamente contraditórias, seja porque os recursos são limitados, os processos organizacionais internos assumem uma aparência diferente. Os recursos limitados sugerem a idéia de competição por poder e influência, a fim de garanti-las, e a dominância relativa de certos grupos que existem para ganhar qua grupos advogando um conjunto de metas em detrimento de outro. Entretanto, muito do trabalho neste sentido ainda pressupõe uma integração normativa relativamente firme por parte dos membros dos grupos competidores. Ao invés de assimilarem alguma vaga identidade organizacional geral, como no paradigma precedente, estes interiorizam as metas imediatas limitadas, relacionadas diretamente com seu papel, e competem com o grupo com que interagem diretamente (isto é, vendas versus produção, professores versus administração etc). Portanto, o homem não está à procura de si mesmo e da aprovação do sistema maior, mas sim à procura de seu departamento e da aprovação de seus colegas próximos, que lhe darão indiretamente uma maior cota de recompensas materiais e não-materiais, que a organização distribui de forma desigual. Do mesmo modo, quaisquer recursos internos porventura disponíveis para melhorar a posição de seus grupos na organização será utilizado como tal, ao invés de aproveitado para ganhos pessoais.

Portanto, este paradigma, essencialmente, é semelhante ao anterior, a não ser pelo fato de adotar uma unidade de análise menor e de não admitir uma super-racionalidade ao nível de organização que lembra a mão invisível do mercado aberto.

2.3 Teoria de cálculo individual: o homem hobbsiano

O próximo tópico analítico considera que as organizações são compostas de alianças mutáveis que justapõem divisões internas a linhas fronteiriças externas e que concorrem a uma recompensa monetária por parte das organizações. Esta é a única perspectiva que não faz qualquer tipo de suposição acerca da natureza das ligações entre indivíduos e organizações e dos interesses que estão por trás das alianças. É desnecessário dizer que esta teoria não desfruta de um status muito respeitável na sociologia, pois tende a oferecer uma visão atomizada do homem, segundo a qual ele não é controlado por sistemas de crenças comuns e mecanismos de submissão. Tal teoria é geralmente encontrada em trabalhos sarcásticos e jocosos sobre burocracia que não possuem uma posição científica reconhecida, e, como tal, não são tomados como sérias objeções aos argumentos pertinentes aos dois paradigmas anteriores. Assim, ao invés de lidar com os problemas da relação entre estrutura e papel individual, que os dois paradigmas anteriores definem como idênticos, este paradigma alternativo simplesmente define a estrutura como inexistente. Isto não apenas deixa de resolver a questão, como também dá origem a uma nova série de problemas, provavelmente mais insustentáveis do que os identificados nos paradigmas mais respeitados. Como colocaremos adiante, a solução não está em ou reificar ou ignorar a estrutura, mas em avaliar quantas barreiras ela coloca aos participantes, e, portanto, quanto de improvisação individual estes podem conseguir.

2.4 Teorias de não-racionalidade

Sob este título reuniremos duas unidades: o pacote de relações humanas e o modelo de recusa, vulgo modelo-lata-de-lixo. Na primeira perspectiva, os homens são considerados feixes de necessidades emocionais que teriam que ser satisfeitas uma vez que devam alguma espécie de obediência à organização: eles precisam sentir que estão participando, que seus esforços estão sendo reconhecidos; em suma, precisam receber satisfações pessoais. Sem entrarmos nas diversas seqüelas deste modelo geral, bastante conhecidas de todos nós, podemos simplesmente colocar que ele levanta alguns dos mesmos problemas verificados no paradigma hobbsiano, embora de maneira ligeiramente menos óbvia. O que a escola de relações humanas tem feito é reduzir o sistema social da organização a uma série de grupos primários autônomos, nos quais a interação informal tem prioridade sobre a execução de tarefas. Uma vez mais, o impacto da estrutura formal foi afastado ao invés de explicado.

No modelo-lata-de-lixo, uma das últimas novidades no campo da teoria da organização, a estrutura formal é relegada a um status igualmente insignificante: suas questões são ambíguas, os interesses pessoais não são determinados e as decisões são mais pretextos para outros processos do que o efeito de competição, tais como a distribuição de status entre os participantes ou a reafirmação de lealdades. A imagem do homem aqui implícita é a do engajamento limitado, seja para metas organizacionais, seja para metas pessoais. As situações a sua volta não são claras, seu raio de atenção é restrito: assim, ele persegue seu objetivo desorganizadamente. De vez em quando, ele enfrenta decisões que implicam importantes conseqüências en passant, por assim dizer.

2.4.1 Argumentação

Dos quatro paradigmas que acabamos de apresentar, os dois primeiros são destacadamente os que mais predominaram na curta história da teoria da organização, no sentido de que foram os de mais peso (como ainda o são) nos estudos publicados até agora. Tais paradigmas dominantes projetam uma imagem do homem organizacional que é excessivamente tanto segmentada como regimentada, instâncias estas que são interdependentes entre si. Com efeito, ao trabalhar a premissa pela qual os papéis organizacionais e não-organizacionais estão claramente separados, tais modelos garantem que o mundo exterior não intervém nos mecanismos organizacionais, a não ser através de grandes mecanismos (mercado, conhecimento técnico, eleitorados políticos etc) que afetam toda a organização em que o indivíduo supostamente está absorvido. Desta forma, a única etapa reconhecida oficialmente para satisfazer as diversas necessidades socialmente induzidas do homem é a organização que, implicitamente, deve ordenar sua lealdade. Conseqüentemente, as organizações tendem a ser reificadas como os requisitos estruturais necessários para fazer o sistema funcionar (daí a teoria da cópia de carbono imperfeita relativa às BPD).

A desumanização do comportamento que se segue é dificilmente sustentável no contexto dos países desenvolvidos (e, realmente, tal problema está sendo seriamente questionado), mas perde toda a credibilidade quando trata de sociedades em desenvolvimento, tão grandes são as discrepâncias entre comportamento previsível (como por regras) e comportamento real.

Até agora, nenhum dos outros paradigmas proporcionaram alternativas viáveis por si mesmas, de forma que têm sido utilizados simplesmente como remendos para os dominantes. O modelo-lata-de-lixo, por exemplo, realmente tenta oferecer uma alternativa radical, mas simplesmente não explica como poderíamos mandar um homem para a lua. O paradigma hobbsiano, por outro lado, possui a vantagem de se referir à teoria do comportamento humano que traz conseqüências para as organizações (ao invés da maneira oposta), mas recende a reducionismo. Quanto às relações humanas, não pode fazer mais nada além de explicar porque os paradigmas dominantes não podem funcionar perfeitamente.

A questão, contudo, não está em decidir qual imagem do homem é a mais correta, mas, precisamente, em evitar suposições excessivamente simplificadoras. Devemos parar de pressupor a natureza da relação entre agentes individuais e mecanismos organizacionais, para começarmos a considerá-la uma questão problemática em e de si mesma. Procedendo assim, podemos descobrir que qualquer paradigma pode ser correto em alguns casos limitantes, porque descobrir que muito do que vem sendo descrito como a forma modal pela qual os seres humanos se comportam em organizações é realmente uma resposta a uma constelação específica de condições sociais que são bastante instáveis tanto no tempo como através das fronteiras nacionais. Portanto, não podemos compreender as atuais discrepâncias entre as espécies de organizações ou as mudanças aparentes na sociedade norte-americana, assim como em outros países, a menos que comecemos a explorar tal relação.

Neste processo, podemos acabar com o mito de que existe uma coisa chamada comportamento organizacional que ocorre desde o mais emaranhado conglomerado de chapeleiros, até a Nasa, a Dupont ou o Coral do Exército Soviético. Teremos também que abandonar perspectivas unilaterais do homem como maximizante de metas, como feixe de emoções reprimido ou como lânguido lixeiro, para, ao invés disso, nos atermos aos tipos de comportamentos que possuem maior probabilidade de sobrepujar os outros e em que contexto.

Na concepção alternativa que desejamos apresentar, os seres humanos são considerados as principais forças motrizes que determinam os mecanismos organizacionais internos e constituem o pivô da interação entre meio e organização. Em outras palavras, o sistema social é desempenhado na organização pelos próprios agentes individuais: estes julgam as situações não de acordo com estreitas regras organizacionais do jogo, mas com uma ampla perspectiva que faz com que interpretem sua relação com a organização em termos do comportamento-padrão esperado (não necessariamente de forma normativa) que predomina na sociedade circunvizinha. Isto significa que, longe de estabelecer uma distinção detalhada entre papéis organizacionais e não-organizacionais, eles utilizam baterias inteiras de papéis com diferentes probabilidades de sucesso e recompensa, de acordo com o contexto institucional mais amplo em que a organização se encontra.

3. ANÁLISE METODOLÓGICA DA BIBLIOGRAFIA ORGANIZACIONAL

Além do problema da falta de pesquisas que não se limitem ao âmbito nacional, o que ainda é comum nas ciências sociais, o campo das organizações sofre de uma excessiva estreiteza de concepção de elaboração teórica, que compartilha com a maioria das outras áreas da sociologia. Denominaremos tal fato de empirismo abstraído, para que possamos diferenciá-lo de uma forma alternativa, ou seja, a abstração analítica.

Muito sucintamente, a estratégia de elaboração teórica geral adotada pelo empirismo abstraído é criar um conceito abstrato pela generalização de algumas situações empíricas concretas, geralmente por meio da adição de um ismo ou ação à palavra que designa o caso isolado. Desta forma, a essência das pessoas autoritárias torna-se autoritarismo (ou a essência dos traços autoritários em um indivíduo), ou, ainda, a essência das operações formalizadas torna-se formalização. O próximo passo consiste em relacionar tais termos combinados com abstrações formuladas de maneira semelhante, por intermédio da postulação de uma relação causal, seja sem especificar os processos dinâmicos responsáveis por tal sistema articulado, seja formulando-os em termos vagos (a assim chamada análise racional teórica) que jamais se submetem a qualquer tipo de teste. Por exemplo, ao número de pessoas trabalhando em uma firma pode-se dar o pseudoteórico nome de tamanho e, ao número de níveis de controle, o de diferenciação vertical, além de algumas, explicações intuitivas acerca da razão por que a primeira viria a determinar a segunda.

Podem ser encontrados exemplos deste tipo de aproximação mais tipicamente nos trabalhos de Zettelberg e de seus seguidores, que acreditam que tudo que os sociólogos necessitam almejar tem a forma "quanto mais A, mais C; quanto mais B, mais C; daí, quanto mais A, mais B", que consiste em tomar emprestado da lógica formal, indiscriminadamente, uma forma de raciocínio cujas regras intrínsecas provavelmente não podem esperar satisfazer.

Por outro lado, pode ser encontrado um exemplo da falta de validação teórica de sistemas articulados na veneranda relação entre tamanho e diferenciação estrutural, que é supostamente explicada por processos de tensões estruturais geradas por crescimento sob a forma de uma piora nas comunicações e na coordenação. Ainda, assim, tudo o que é produzido como testemunho de tal sistema articulado é uma correlação entre o número de pessoas trabalhando e o número de divisões internas. No entanto, é fácil imaginarmos um número de explicações alternativas da mesma espécie, igualmente plausíveis. Por exemplo, a causação se movimenta para a decisão oposta, de forma que as estruturas diferenciadas criam mais necessidades para as despesas administrativas. Daí as pressões em direção ao crescimento, ou, como propuseram (Stinchcome, 1964 ou Meyer, 1977), as disposições internas das organizações têm mais a ver com a adoção de padrões institucionalizados no meio ambiente (e talvez as firmas grandes possam dispor delas mais facilmente) do que os imperativos estruturais.

O modo pelo qual o ambiente de organizações tem sido tratado também fornece um bom exemplo deste tipo de aproximação. Na maior parte das vezes, coloca-se que o meio afeta a organização sob um princípio ad hoc: o pesquisador tem à mão uma série de vagos fatores ambientais (tais como crescimento populacional, percentagem de funcionários públicos, urbanização etc), sorteando qualquer número deles quando vê chegado o momento. Não há uma perspectiva global da qual inferir relações, de forma que os fatores ambientais são convenientes apetrechos para preencher as lacunas deixadas por fatores endógenos e para aumentar o total de variância explicado. Conceptualmente falando, então, o ambiente é uma massa amorfa que contém tudo e nada, e é justamente por esta razão que tem se constituído em um dos terrenos preferidos para incursões explanatórias de sociólogos principiantes, desde meados da década de 60. O meio não foi integrado à teoria da organização, tendo sido meramente justaposto a ela, utilizando-se para tal os mesmos instrumentos de empirismo abstraído usado para explicar mecanismos internos. Seria o caso, talvez, dessa justaposição se originar do medo de que nem tudo é justo na teoria da organização? Além disso, uma insistência no mesmo ponto pode nos dar a reconfortante ilusão de estarmos criando uma teoria cumulativa.

No caso das BPD, em especial, o meio foi escolhido como o fator todo-poderoso que pudesse explicar seu funcionamento imperfeito (em comparação com seus correlativos norte-americanos), ao passo que, nos países industrializados, o meio é considerado simplesmente um modificador. Existe alguma diferença no grau de permeabilidade de organizações entre países? Por quê? Analisar separadamente ambas as espécies de organizações, e com diferentes estruturas, não ajuda a resolver este problema, ou mesmo imaginar se este seria interessante.

Além disso, o empirismo abstraído, aplicado quer a fatores internos quer a fatores externos, é uma aproximação feita às escuras, de bastante relevância quando empregado na comparação das BPD com organizações norte-americanas, por exemplo. Se uma equação que funciona para organizações N nos EUA não proporciona um bom resultado para organizações M na Argentina ou no Peru, deve-se concluir que as organizações no Peru ou na Argentina não operam da mesma forma. Este tipo de raciocínio equivale ao seguinte disparate científico: pressupondo-se que não faremos qualquer tentativa para isolar, sob observação direta, processos de transmissão genética, caso se descubra que as mães da região A dão à luz crianças com características fisiológicas (como coloração dos olhos ou da pele) diferentes daquelas procriadas pelas mães da região B, concluímos, portanto, que os processos genéticos para as mães A e B são diferentes. Se ainda pensarmos que as crianças A possuem características mais desejáveis, podemos mesmo dizer que as crianças B são réplicas imperfeitas das crianças A.

Além do problema de falsas comparações entre as burocracias de sociedades em desenvolvimento e as assim chamadas sociedades desenvolvidas, a prática do empirismo abstraído pode ser tanto enganosa como infrutífera, uma vez que está fundamentada na falácia epistemológica de que a teoria só pode ser elaborada indutivamente. Também conhecida como operacionismo, esta aproximação se identifica com "a exigência de que os conceitos ou termos utilizados na descrição de experiência estejam estruturados em termos de operações que possam ser desempenhadas inequivocamente" (Hempel, 1952, p. 41). O raciocínio fundamental é o de que a maneira mais promissora de estabelecer argumentos explicativos nas ciências sociais "é criar uma grande quantidade de termos definidos operacionalmente, de ampla determinação e uniformidade de uso" (Hempel, 1951, p. 47). Evidentemente, este tipo de concepção delega a elaboração real de um paradigma teórico mais amplo a um estágio posterior, em que os conceitos coligidos indutivamente teriam algum significado por meio de uma combinação realizada logicamente. Portanto, este método de elaboração teórica está fundamentado na idéia de que a realidade social está pronta para ser tomada de assalto por algum vago processo que a defina empiricamente. Tal premissa é epistemologicamente suspeita, pois pressupõe que a elaboração teórica é um mero exercício taxiconômico que parte do mais concreto para chegar ao mais abstrato por meio de algum processo indolor que abrigue categorias cada vez mais abrangentes de entidades empíricas.

Uma alternativa a esta teoria seria a que propõe uma reconstrução da realidade como tarefa básica para a elaboração teórica. Neste contexto, a teoria se constitui no produto de um diálogo contínuo entre os objetos do mundo empírico e o sujeito cognitivo (o investigador). Sua interação permite construir as bases teóricas que não apenas ajudam a designar conceitos relevantes e critérios aceitáveis, mas que também determinam as etapas necessárias para operacionalizá-los. Neste sentido, a teoria não apenas contém dados e conceitos para especificar seus sistemas articulados, mas também dá início a sua própria existência. Ao contrário do empirismo abstraído, esta concepção da teoria não tenta abarcar fatias inteiras da realidade social, mas sim abstrair alguns elementos analíticos desta. Portanto, a tarefa básica de elaboração teórica consiste em destacar aspectos analíticos específicos comuns a um grande número de situações empíricas amplamente divergentes. Dessa forma, a educação ou o estado civil, para Durkheim, são indicadores empíricos de integração social (no que se refere a designar situações empíricas semelhantes), mas duas situações empíricas distintas, análogas somente quanto a um de seus aspectos: a força dos laços sociais que unem o indivíduo à sociedade (sejam eles família ou tradição).

É precisamente esta concepção da elaboração teórica que impossibilita o acúmulo de fenômenos empíricos sem conexão, volumosos e não-dirigidos, sem lhe emprestar um significado. Ao invés de apenas designar o total de operações formalizadas nas organizações como formalização, ou a proporção de empregados não-produtivos como intensidade administrativa, deve-se estabelecer primeiramente o contexto teórico geral nos quais estas noções serão utilizadas, o que implica em, por um lado, defini-los nominalmente, e, por outro, associá-los a uma teoria formulada de maneira mais abrangente. Caso contrário, não causaria surpresa o fato de os conceitos pseudoteóricos não viajarem muito bem, seja de uma sociedade para outra, seja ainda dentro da mesma área de interesse. Deduzidos de indicadores empíricos, tais conceitos realmente demonstram parcas qualidades de definição, embora tenham sido destinados a expressar características gerais. Por isso, o que o empirismo abstraído realmente faz é apresentar uma nomenclatura suntuosa que não pode ser nem traduzida em níveis de indagação analíticos distintos, nem utilizada para explicá-los.

4. ANÁLISE DA BIBLIOGRAFIA SOBRE ADMINISTRAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO

A bibliografia sobre a administração de desenvolvimento parece sofrer exatamente das limitações opostas àquelas encontradas na bibliografia organizacional. Ela nos oferece muitas informações acerca das adjacências históricas, políticas e culturais das BPD, mas pouco nos diz sobre como tais instâncias foram traduzidas em disposições estruturais e em comportamento organizacional. Na argumentação que se segue, defenderemos a tese de que meras diferenças culturais ou de valores são insuficientes para explicar o comportamento. O que é necessário esclarecer são os principais mecanismos sociais por meio do que os fatores estruturais influenciam a maneira pelas quais as pessoas agem em diferentes contextos de ação social (em nosso caso, organizações). Segundo nosso ponto de vista, os valores devem, portanto, ser tratados como conseqüências, antes que determinantes de tais mecanismos principais. Embora a bibliografia sobre desenvolvimento apresente interesses semelhantes, em nossa opinião ainda não tomaram providências no sentido de uma clara união entre organização e meio das BPD.

O número de aproximações que podem ser encontradas na bibliografia de desenvolvimento são identificadas mais por seus interesses particulares em fenômenos empíricos do que por suas estruturas conceptuais distintas. Conseqüentemente, encontramos estudos de ecologia administrativa, pesquisas que utilizam variáveis de regimes políticos como elementos de distinção entre os sistemas administrativos nacionais, considerações históricas de reações burocráticas a processos de modernização, estudos que aplicam explicações culturais ao comportamento burocrático e, finalmente, pesquisas que tratam de problemas de alteração de desempenho burocrático no contexto de rápidas mudanças políticas, sociais e culturais. Tais aproximações possuem em comum um interesse geral no impacto político, econômico e cultural do meio sobre o funcionamento de organizações burocráticas. Enquanto tais concepções representam um grande passo em direção ao enfraquecimento da sociologia organizacional sem tempo nem espaço, a falta de uma estrutura conceptual coerente dessas concepções as reduz a meras representações ideográficas.

Em suas aplicações práticas, o estudo de ecologia administrativa segue a perspectiva estrutural-funcional, com todas suas implicações. Assim, esta é essencialmente uma aproximação conservadora, na qual os esforços disruptivos no sentido da modernização por parte dos países em desenvolvimento são freqüentemente considerados negativos ou patológicos. Embora esta aproximação possa auxiliar na elucidação da complexidade da interdependência entre estruturas e funções que age sobre os sistemas administrativos dentro de um contexto nacional, não pode fornecer quaisquer causalidades precisas, simplesmente em virtude da pura grandeza da pesquisa. Por outro lado, em virtude de sua própria natureza, esta aproximação fornece uma útil ordenação de realidades sociais complexas, embora não possa ir além de alguns esquemas classificatórios descritivos.

Os estudos que utilizam variáveis de regimes políticos como elementos de distinção entre sistemas burocráticos nacionais podem ser considerados casos especiais da aproximação anterior. Tais estudos postulam que os sistemas políticos são determinantes primários de normas burocráticas, estruturas e comportamento. Conseqüentemente, considera-se que a instabilidade política dos países em desenvolvimento leva a desempenhos burocráticos igualmente inconstantes. Desta forma, esta aproximação produz essencialmente os mesmos resultados da anterior. Contudo, sua concentração em algumas poucas variáveis consideradas cruciais conduzem a relações causais mais claras. Além disso, ela é útil para propósitos comparativos, no sentido de que localiza os fatores relativos a diferenciais do regime e seus conseqüentes padrões de comportamento burocrático.

As considerações históricas de experiências burocráticas de modernização constituem essencialmente um conjunto de trabalhos que tentam desenvolver indutivamente critérios e conceitos relevantes por meio da reconstrução do nascimento das burocracias nacionais. Fazendo uso eclético e algo indiscriminado de conceitos de outras disciplinas, tais trabalhos descrevem desenvolvimentos e mudanças institucionais, interpretando as influências ambientais por intermédio do empréstimo de conceitos das ciências políticas, da sociologia, da economia etc. Constituem uma rica fonte de informação para tentativas posteriores visando a conceptualizações mais teóricas.3 3 Talvez valha a pena mencionarmos um outro aspecto: a ênfase especial dada à experiência japonesa - o único caso de um país em desenvolvimento não-ocidental que conseguiu o feito de ser admitido no clube fechado dos países industrializados, ocidentalizados e, portanto, modernizados.

Os estudos que utilizam conceitos culturais para identificar os sistemas administrativos nacionais se baseiam em fatores psicológicos, tais como valores e atitudes tomadas por administradores individuais, a fim de explicarem o comportamento burocrático e seus equivalentes estruturais. Partindo de sua concepção básica, esta perspectiva não visa a uma avaliação abrangente das burocracias, mas antes tenta avaliar os fenômenos culturais em termos tangíveis tais como o conceito de autoridade dos administradores e sua possível relação com o sistema de valores político ou com problemas de tomada de decisão e suas implicações para as disposições burocráticas estruturais. Fundamentalmente, esta é uma burocracia comportamental que sublinha as questões metodológicas e as técnicas de coleta de dados quantitativas.

A última aproximação a ser referida constitui na verdade uma continuação da anterior, uma vez que lida com problemas de alteração de desempenho burocrático nos países em desenvolvimento. Este tipo de interesse volta-se para o problema mais prático de provocar mudanças administrativas a fim de intensificar eficiência e obediência de acordo com as normas das burocracias ocidentais. Essencialmente, esta perspectiva se preocupa com problemas encontrados pelo profissional liberal expert, frente à tarefa de implantar medidas de reformas administrativas ou de supervisionar projetos de desenvolvimento. Embora realmente levante alguns problemas sobre a relação entre sistemas políticos e padrões de comportamento administrativo correspondentes, esta aproximação, entretanto, se limita a aplicações práticas, tais como planejamento, programação ou formação de pessoal.

A título de resumo desta breve análise, temos que toda esta área pode ser caracterizada pela falta de uma estrutura coerente ou de algo que lembre o que poderia ser chamado de um fundamento teórico comum. Esta é uma área definida pelo interesse em certos assuntos e baseada na distinção artificial entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. A disciplina-mãe destas aproximações é, sem dúvida, a ciência política, com outras áreas desempenhando papéis menores. Além disso, esta bibliografia é quase exclusivamente descritiva, entremeada com hesitantes tentativas ocasionais de chegar a explicações de importância geral. No entanto, esta área de investigação não pode ser ignorada; originou materiais empíricos muito ricos e, além disso, constitui a única tentativa de ultrapassar as limitações etnocêntricas da bibliografia organizacional por meio da inclusão de parâmetros sociais mais amplos.

5. TEORIA CENTRAL COMUM DO COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL

Nossas objeções aos modelos de comportamento organizacional existentes atualmente podem se resumir no fato de estes excluírem o ser humano. Portanto, a solução óbvia é "recuperar o elemento humano" para seguir uma velha recomendação, segundo a qual "uma organização é, acima de tudo, um conjunto de pessoas, e o que a organização realiza é realizado por pessoas" (Simon, 1957). Contudo, não estamos propondo uma meia-volta em direção a uma perspectiva reducionista das organizações, uma vez que, como já salientamos, isto mais traz problemas do que os resolve.

A principal vantagem de "recuperar o elemento humano", da forma como vemos o problema, é esclarecer a relação entre meio e organização, tornando, dessa forma, esta última um autêntico produto da sociedade, ao invés de uma fórmula mais ou menos padronizada para a produção de bens e serviços.

Houve diversos indícios, em trabalhos anteriores, de que o comportamento individual não é determinado apenas por papéis organizacionais. Os trabalhos de Selznick, Goldner e Crozier, em particular, salientaram a importância de forças socializantes mais intensas que partem do meio. O que é ainda necessário fazer é especificar os mecanismos sociais que unem tais forças ao comportamento individual e, conseqüentemente, a efeitos organizacionais. Este hiato teórico forçou aqueles que queriam levar em conta as forças socializantes externas para valerem-se da fuga em explicações culturais, nas quais os homens se tornam receptáculos passivos de valores sociais legítimos, que de alguma forma transmitem aos mecanismos organizacionais por intermédio de processos de impregnação não-especificados. O potencial de tais explicações para as BPD é óbvio, e tem sido amplamente explorado, conduzindo ao argumento de que os valores sociais nos países em desenvolvimento são algo anti funcionais para as burocracias, o que explica porque elas "não funcionam" tão bem como seus correlativos norte-americanos.

5.1 Os instrumentos de promoção profissional: desempenhos versus papéis

Gostaríamos de propor, como primeira aproximação para o melhor entendimento destes problemas, uma conceptualização das atividades individuais nas organizações como conjuntos de comportamento obtentor de recursos. O paradigma do papel pareceria apropriado para descrever tais conjuntos, não fosse o fato de os papéis terem sido utilizados tradicionalmente na teoria social para relacionar ação com tarefas especificadas com pouca ou nenhuma mediação por parte do indivíduo. No contexto atual, precisamos de um conceito que não esteja restrito ao comportamento especificado normativamente ou à noção de comportamento funcional necessária para a obtenção de algum produto apropriado, social ou sistematicamente. Assim, em dado contexto institucional, é provável que um médico faça seus pacientes esperarem durante várias horas até que ele os atenda, ou que um policial procure ser subornado, mesmo que nenhum comportamento seja especificado ou necessário para estas ocupações (ou, desviante, no que diz respeito a isto, uma vez que este tipo de comportamento é generalizado).

Além disso, em organizações, os homens, como em qualquer outro lugar, agem em diferentes níveis, de tal forma que um pode vir a ser mero pretexto para o outro. Em outras palavras, desempenhar uma dada ação, tal como preparar um relatório, ou pedir informações, pode, na verdade, ser uma tentativa disfarçada de alterar ou solidificar uma determinada distribuição de poder e influência, antes que um mero cumprimento de tarefa de acordo com os planos de uma organização. O conceito de desempenho de Goffman (Goffman, 1959), portanto, se adaptaria melhor a esta estrutura conceptual do que o paradigma do papel, pois inclui tanto o comportamento produzido como o comportamento público, além de não possuir rigidez normativa. Por exemplo, um policial desonesto, ao procurar ser subornado, pode assumir a aparência exterior de estar desempenhando seu papel legítimo fazendo um longo discurso sobre a importância de obedecer às leis, mas, contudo, produzindo o comportamento que seria interpretado corretamente como um pedido de suborno. Do mesmo modo, um político que em sua campanha eleitoral tece loas às virtudes da democracia, na verdade está arrecadando votos. Em ambos os casos, a audiência sabe como distinguir o comportamento assumido do produzido, e a reagir a eles da maneira mais apropriada. O comportamento público, em casos extremos, terá um valor pouco mais que simbólico, destinado a tornar as reivindicações do agente mais legítimas.

Ao contrário do que acontece com a idéia de papel em sua concepção mais clássica, a de desempenho não reduz os indivíduos a meros portadores de regras internas. Estes podem mudar sozinhos de um tipo de desempenho para outro, aplicando estrategicamente qualquer número deles a uma dada situação, a fim de controlar não apenas a definição da situação, como admitiu Goffman, mas, em última análise, os recursos valiosos, sob a forma de riqueza, prestígio e poder. Além disso, longe de estarem restritos a interações frontais de curta existência dentro dos limites de uma dada organização, os desempenhos preenchem todo o espaço vital de um agente, ou seja, a totalidade das associações de seu grupo. Portanto, para qualquer determinado agente, a importância especial que qualquer organização pode ter como um palco para desempenhos (mais do que o abrigo familiar ou um campo de futebol) está simplesmente no potencial destes como uma fonte de riqueza, prestígio ou poder, ou, simplesmente, auto-subsistência e reconhecimento mínimo.

O conceito de espaços vitais totais como universo da carreira de um indivíduo, em oposição às tarefas organizacionais restritas, significa que se quaisquer recursos externos à organização que o emprega podem ser utilizados para melhorar sua posição reivindicadora interna, assim o serão. Tais recursos podem aparecer sob a forma de informações privilegiadas ou escassas, conhecimentos sobre técnicas ou condições externas vitais para a organização (laços familiares ou outros de ordem pessoal), com os centros de poder ou informações sendo potencialmente prejudiciais à organização (ou a alguns de seus membros), se divulgados. Tudo isto pode influenciar a posse de cargo de um indivíduo, assim como sua promoção e poder dentro da organização, quase que independentemente da maneira como ele desempenhará suas tarefas.

Aqueles que discordam desta perspectiva oportunista do comportamento em organizações podem alegar que a grande maioria dos participantes organizacionais em sociedades industrializadas não utiliza, na verdade, seu poder de influência para ganhar acesso às organizações ou para ser promovida. Isto, contudo, dificilmente seria um argumento convincente. Mais do que atribuir tais comportamentos virtuosos aos assim chamados valores universais ou à ética protestante, seria mais sensato concluir que muitos não se utilizam de influências exteriores simplesmente porque não têm acesso a nenhuma que provoque alguma mudança em suas carreiras. Contudo, quando se trata dos escalões superiores das organizações, a idéia de utilizar recursos externos de poder para se vangloriar da própria posição não soa mais tão absurda, tanto que o Power elite, de C. W. Mill, pode ter sido mais uma teoria organizacional do que uma teoria política.

Fazer uma análise global da variedade e da interação entre diferentes tipos de desempenhos organizacionais não seria propósito do presente enasio. Entretanto, postular sua existência corresponde a ignorar diversos dos paradigmas que apresentamos anteriormente, assumindo uma postura basicamente oportunista da parte dos participantes organizacionais, prontos a utilizarem diferentes linhas de comportamento a fim de se apresentarem da melhor maneira, dependendo das oportunidades disponíveis. Na argumentação que se seguirá, utilizaremos uma dicotomia simples para distinguir dois tipos de desempenhos, ou seja, desempenhos relativos à tarefa e desempenhos relativos a poder. A primeira categoria corresponde, grosso modo, ao que poderia ser chamado de "fazer o serviço", no sentido de executar as tarefas da maneira como foi estabelecida pelos planos da organização. Os desempenhos relativos a poder, por outro lado, dizem respeito à manipulação de pessoas e recursos a fim de se influenciarem determinados efeitos que podem ou não corresponder a uma atividade organizacional legítima. Evidentemente, esta distinção é muito superficial, e nenhuma ação concreta pode pertencer inequivocamente a um ou outro tipo de desempenho. No entanto, uma vez que vários desempenhos podem corresponder à mesma ação, o problema é mais de proeminência do que de identidade.

É necessário salientar que nenhum dado desempenho pode ser considerado recompensador a priori, não obstante os valores oficiais de uma organização ou da sociedade a ela circunvizinha. Por exemplo, a competência técnica pode ser, em alguns casos, altamente valorizada e recompensada, mas, em outros, pode ser até punida. Este pode ser o caso de uma variedade de situações. Pode acontecer que um trabalho seja simplesmente impossível de executar-se (tal como curar doentes mentais, governar Nova Iorque ou acabar com a miséria), de forma que nunca haverá qualquer prova concreta a ampará-lo. Pode também acontecer que os indicadores de realização não sejam suficientemente claros ou proeminentes, não sejam valorizados o bastante pela sociedade ou que os resultados demorem a aparecer depois de iniciado o comportamento, não poder do, portanto, ser utilizados como base para recompensa.4 4 Por exemplo, os benefícios sociais de diminuir o índice de natalidade da índia de 1,6 para 1,2 podem ser enormes, mas não suficientemente visíveis ou socialmente valorizados, e há muito chão a percorrer entre a ativação de um programa de ação e os seus resultados. Por último, "fazer o serviço" pode entrar em conflito com interesses defendidos dentro e fora de uma organização.

Os desempenhos relativos a tarefas podem ser considerados como recursos potenciais se o conhecimento específico for escasso e tiver grande demanda, e se estiver de acordo com os interesses estabelecidos. Em tais circunstâncias, pode ser útil como um dispositivo prolongador de carreira; caso contrário, um participante organizacional terá que apelar para fontes alternativas de autopromoção (ou de mera sobrevivência). Portanto, a atitude correta não é pressupor que os homens executam seus trabalhos simplesmente porque isto assim está estabelecido, mas, como fez Stinchcombe, questionar em que tipo de contexto se estará realmente sob pressão no sentido de executar algo para o que se está sendo pago oficialmente (Stinchcombe, 1974). No exemplo por ele descrito, o diretor da Tráfico (ao mesmo tempo a Motor Vehicles e a polícia de trânsito), em uma pequena cidade da Venezuela, gasta pouco ou nenhum tempo na expedição de cartas de motorista, simplesmente pelo fato de que provavelmente nenhuma recompensa poderia advir daí. Por outro lado, apresentar seus cumprimentos aos seus superiores hierárquicos em Caracas é medida indispensável para a proteção de sua carreira, de forma que ele passa mais tempo na capital do que expedindo cartas de motorista. Em outras palavras, o homem mantém suas prioridades na ordem certa.5 5 Além disso, expedir cartas de motorista desvalorizaria as oportunidades de suborno de que seus subordinados poderiam tirar vantagem, surpreendendo motoristas sem carta na estrada, e, conseqüentemente, lhe valeria a inimizade deles mais que seu respeito. Criar-lhes oportunidades econômicas por meio de não expedição de cartas de motorista, portanto, constitui um recurso político adcional à disposição do chefe, que ele utiliza para conseguir obediência de seus subordinados de maneira mais eficiente do que por meio de regras e regulamentos repressores. A população perde, mais isso não tem importância. Visto sob este prisma, o processo não é, portanto, tão imbecil como afirmou erroneamente Stinchcombe (Stinchcombe, 1974. p. 10, sic), mas altamente racional.

Na verdade, expedir cartas de motorista em Nova Iorque, ou não as expedir na Venezuela, é exatamente o mesmo comportamento para o diretor da Motor Vehicles, caso a racionalidade organizacional seja compreendida como uma função de parâmetros ambientais mais que cega obediência a regras.

Outro exemplo deste processo que logo nos vem à mente é a fuga de cientistas e intelectuais dos países em desenvolvimento e também dos países europeus. Isto pode ser explicado pela posição reivindicadora inferior que as habilidades técnicas mantêm em certos contextos organizacionais, mesmo que, de um ponto de vista racional convencional, tais serviços possam ser desesperadamente necessários, principalmente nos países em desenvolvimento. Do mesmo modo, as universidades geralmente não distribuem gordas recompensas aos professores que dedicam mais tempo ao ensino, nem aos funcionários administrativos que se esforçam nas tarefas burocráticas, pois nenhuma das duas atividades são consideradas escassas ou especialmente valorizadas. A capacidade de trazer dinheiro e prestígio para a instituição pela formação de uma equipe esportiva ou obter subvenções ou fundos de assistência é muito mais recompensada.

Se "fazer um serviço" não é suficiente para conseguir dinheiro e reconhecimento, sendo que tal ação realmente pode ser contraprodutiva, então ganhar e dar apoio político, freqüentemente em troca de outros recursos, pode se tornar importante atividade para a promoção da carreira. O acesso ao conhecimento privilegiado, os contatos com fontes externas de auxílio (em virtude da circulação anterior em outras organizações ou redes de grupos primários), a capacidade de distribuir trabalhos ou dividir ganhos ilícitos são alguns exemplos de bases de poder que podem ativar outras espécies de expedientes e assim promover uma carreira.

Não queremos dizer que a barganha por influências constitua novidade no plano da teoria da organização. Tal fato tem sido reconhecido como importante recurso, mas geralmente tem sido vinculado de maneira por demais íntima com a realização de objetivos organizacionais ou subnutários, ou ainda com a proteção da organização contra forças alienígenas (isto é, legitimando suas atividades). É isso que levou à pressuposição de que as organizações sempre lutam para sobreviver, pois nenhuma das forças ou subgrupos extra-organizacionais dentro delas deveriam utilizá-las para seus próprios propósitos. Se, por outro lado, tomarmos como o fator dinâmico básico a promoção de carreira antes que a de objetivos grupais, então a própria maneira eficiente pela qual os interesses privados expoliam as burocracias em certos contextos organizacionais não deveria mais se constituir uma surpresa, pois, dada aquela premissa, as atividades políticas não precisam estar associadas com lealdade prestada à organização, mas com lealdade prestada a qualquer fonte de apoio político a uma carreira, seja ela interna ou externa à organização. Esta perspectiva possui a vantagem de separar a racionalidade relativa à carreira com a racionalidade relativa à sobrevivência e sucesso organizacional, ao invés de tomá-las como idênticas. Ainda assim, cabe a nós especificarmos as condições sob as quais os dois tipos de racionalidade serão, no mínimo, compatíveis, assim como as condições sob as quais elas serão oponentes. Isto, esperamos, nos livrará de estereotipizar a primeira condição como típica de sociedades industriais e a segunda como quinhão cabível aos países em desenvolvimento.

Além disso, se tomarmos os desempenhos relativos a poder como formas alternativas para a obtenção de compensações monetárias, torna-se possível considerarmos a corrupção burocrática como uma atividade contínua normal, ao invés de um fenômeno marginal interessante apenas para os apreciadores de desorganização social. Em um contexto organizacional, por exemplo, onde as regras do jogo tornam o recrutamento e a promoção baseados no mérito algo virtualmente impossível e a dispensa algo extremamente difícil,6 6 Tais condições existem em muitos países em desenvolvimento onde os sindicatos adquiriram poder substancial em troca de sua cooperação com o governo. Este também parece ser o caso em muitas sociedades ocidentais, pelo menos em se tratando de servidores públicos. a corrupção de funcionários públicos de nível inferior por receptores de serviços proporciona aos últimos pelo menos um controle mínimo sobre os incentivos, aliás ausentes, que encorajarão estes funcionários a prestar serviços. Por outro lado, a tolerância de tal corrupção dos inferiores por parte dos superiores do funcionalismo público lhes oferece uma superioridade sobre seus subordinados que a hierarquia formal não pode fornecer. O passado nem tão distante (e, em alguns casos, o presente) de governos municipais nos EUA é um exemplo típico.

A corrupção pode também ser um meio pelo qual uma organização (ou um grupo desta) possui influência sobre outra. O funcionário público do mais alto escalão que estiver disposto a ser subornado por interesses externos tornará alguns recursos organizacionais disponíveis, e, em troca, terá expandido seu universo de oportunidades além das fronteiras de sua participação na organização. Escândalos recentes envolvendo chefes de estado (tanto de países desenvolvidos como de países em desenvolvimento) em conluio com corporações transnacionais são bons exemplos de tal fenômeno.

Contudo, não é suficiente afirmarmos que os participantes organizacionais agem algumas vezes como valorosas abelhas, e outras, como manipuladores de pessoas e situações, ou ainda como espectadores apáticos e indiferentes (para confirmar a contribuição do sistema-lata-de-lixo). Devemos especificar, até certo ponto, a probabilidade de escolha de um ou de outro tipo de desempenho, se quisermos ir além de uma teoria eclética de motivação social, e descobrirmos porque o homem se comporta de forma diferente em diferentes organizações, principalmente nos países em desenvolvimento.

5.2 Estrutura das oportunidades

Os perigos de uma argumentação gratuita podem ser evitados somente pelo confronto entre desempenho e oportunidades reais. A natureza de tais oportunidades depende de uma série de fatores estruturais que agem alternativamente, ora como barreiras, ora como incentivos para os agentes. Queremos crer que é nestes fatores que deve ser procurada a razão pela qual o homem faz qualquer tipo de trabalho nas organizações. É também nestes fatores que pode ser encontrada a chave para as diferenças fundamentais entre comportamento burocrático dentro de cada país e entre países.

Apresentaremos três fatores variáveis básicos - dos mais distantes do comportamento individual aos mais próximos - que, a título de hipótese, serão considerados como influentes sobre as escolhas de desempenhos dos agentes e, em última análise, como criadores e diferenciadores de climas organizacionais: 1) forças institucionais formadas historicamente predominantes na grande sociedade circunvizinha; 2) o ambiente imediato de uma organização; 3) relações sociais disponíveis para os agentes individuais a fim de promoverem suas carreiras.

Podemos considerar os fatores histórico-institucionais como o ambiente comum dentro do qual as organizações agem em um dado espaço nacional, isto é, o ambiente compartilhado por organizações de todos os tipos. Este é o elemento que tem sido por vezes reduzido a características culturais dos participantes organizacionais.

No presente contexto, procuraremos estabelecer as razões históricas da institucionalização de padrões de comportamento dominantes dadas pelos participantes organizacionais, relacionando-as a disposições estruturais de teor histórico na sociedade mais ampla.

O ambiente imediato das organizações, por outro lado, terá variações de uma organização para outra dentro da mesma sociedade. Tal fato está muito próximo do conceito de modelo organizacional de Evan, no sentido de que inclui aqueles elementos no meio que possui um impacto interacional direto sobre uma dada organização (Evan, 1972). É na diferenciação entre ambientes organizacionais que procuraremos explicar algumas das principais diferenças entre burocracias de serviço industriais e públicos que podem ser encontradas nos países em desenvolvimento.

Finalmente, o nível analítico mais baixo é o das relações sociais do indivíduo. Por isso não queremos incluir apenas o conjunto de características mensuráveis que permita a classificação do indivíduo, mas também sua participação e circulação em diversos grupos sociais e redes que são importantes tanto para sua carreira como para a organização da qual ele é membro em tempo integral. O status social, no sentido estático comum do termo, seria, portanto, considerado apenas como um simplificador de tais relações, de preferência a uma determinante direta do sucesso profissional.

Evidentemente, estes três conjuntos de fatores não são independentes, e representam uma hierarquia de antecedentes teóricos, semelhantes a uma série de círculos concêntricos, mas não no sentido causal clássico do termo, que seria representado por uma cadeia X Y Z. Antes, cada antecedente contribui para uma compreensão do impacto do elemento seguinte na linha do comportamento burocrático. Assim, a posição social de um agente não deveria ser considerada como medida isolada única de status socioeconômico, mas como elemento de uma determinada estrutura de classe com seus próprios padrões de dominância política e processos de mudança social, assim como mobilidade grupal ou individual. Do mesmo modo, o mercado de uma organização deve ser compreendido dentro do contexto mais amplo da divisão mundial entre países em desenvolvimento dependentes e países desenvolvidos dominantes e o conseqüente papel do governo ao definir o futuro de uma sociedade. Portanto, não estamos fazendo a ingênua suposição de que as forças históricas causam o comportamento burocrático da mesma forma como uma bola de bilhar que colide com outra causa o movimento desta. Antes, acreditamos que as estruturas sociais contemporâneas estão engastadas na história e não podem ser compreendidas separadamente, ainda menos pela irresponsável utilização de indicadores empíricos de valor teórico instável.7 7 Conseqüentemente, esta perspectiva histórica também repudia a utilização das assim chamadas explicações históricas, que aproximam de maneira mecânica os padrões de comportamento de séculos atrás dos processos contemporâneos graças às tradições prolongadas, século após século, como resíduos sociais dos tempos de outrora, miraculosamente deixadas intactas pelos processos de mudança social. Um exemplo desse tipo de interpretação é a corrupção na América Latina, decorrente das práticas da Coroa Espanhola em suas colônias; um outro exemplo é a instabilidade marital nas famílias negras dos EUA, decorrente da escravidão. Ambos os argumentos são inconsistentes quando confrontados com dados empíricos comparativos de sociedades com antecedentes históricos radicalmente diferentes. A corrupção vigora em sociedades que não tiveram importantes precedentes históricos e o matriarcado é uma característica da classe pobre urbana, desde o início da Revolução Industrial, mesmo sem escravidão.

5.2.1 Fatores históricos

Limitaremos esta análise à investigação das raízes históricas de dois fatores institucionais que parecem ter tido o maior impacto sobre a diferenciação entre burocracias ocidentais e não-ocidentais, ou seja: a) personalismo; b) politização. Ao procedermos assim, salientaremos mais a caracterização das sociedades não-ocidentais, mas apenas porque estas são menos conhecidas dos estudiosos de organizações. Portanto, esta irregular ênfase não deve ser construída como outra tentativa disfarçada de explicar as BPD como organizações exóticas, mas apenas como um atalho.

5.2.1.1 Raízes históricas do personalismo

A importância dada às relações pessoais nas sociedades latino-americanas8 8 Não podemos utilizar aqui a clássica dicotomia primário-secundário das relações sociais, uma vez que este conceito deveria se diferenciar, intrinsecamente, das relações valorizadas extrinsecamente. Como defenderemos adiante, esta separação nítida não é possível nas sociedades em desenvolvimento, e não é generalizada nas sociedades ocidentais. causa estranheza até mesmo ao observador menos atento. Os laços educacionais, ocupacionais e organizacionais são carentes de força e de prestígio como auxiliadores de interação social. Em outras palavras, quem se conhece é de muito mais importância nestas sociedades do que o que se faz, onde se trabalha ou que qualificações se possui. Ao contrário, a família e os laços pessoais nas sociedades industrializadas ocidentais são considerados como instituições de valor pouco mais que pessoal, com as atividades instrumentais sendo ativadas e legitimadas por laços impessoais fundamentados em padrões profissionais e educacionais.9 9 É interessante observarmos que os grupos minoritários, como os negros e as mulheres, raras vezes concordam com essa perspectiva...

É fácil compreender como tais contrastes puderam levar muitos autores a afirmar que a burocracia, da forma como é definida em termos weberianos, era uma instituição ocidental peculiar que não se aplicava perfeitamente a outras partes do mundo. No entanto, ainda sustentamos que, de acordo com nossa tese original, as diferenças entre burocracias ocidentais e não-ocidentais são de grau mais do que de tipo, e que os mecanismos que controlam o comportamento são essencialmente os mesmos. Tentaremos argumentar, em especial, que o personalismo, da forma como é definido aqui: a) é mais uma forma de interação relativa à classe do que uma forma de interação cultural geral, e que, b) quando penetra em um sistema organizacional, afeta as estratégias de sobrevivência individuais de preferência ao grau de racionalidade ou modernidade individual.10 10 Consideraremos o efeito total de tais estratégias para a organização, como um todo, como um subproduto distinto de processos de estratégias individuais que podem vir a ser preservadores ou destruidores do sistema, não a priori, mas de acordo com a estrutura de oportunidades da forma como a analisaremos. Consideraremos o efeito total de tais estratégias para a organização como um todo, como um subproduto distinto de processos de estratégias individuais que podem vir a ser preservadores ou destruidores do sistema, não a priori, mas de acordo com a estrutura de oportunidades da forma como o analisaremos.

Uma das poucas conseqüências da Revolução Industrial nos países ocidentais sobre a qual quase todos parecem concordar é o surgimento da classe média como uma nova categoria social. Este fenômeno tem sido analisado de diversas maneiras, mas o paradigma geral que a maioria dos autores segue é a transformação de um tipo de sociedade comunal baseada na agricultura (Gemeinschaft) na sociedade despersonalizada e urbanizada baseada na indústria (Gesellschaft). A partir deste momento, foram formulados dois postulados adicionais que têm sido questionados desde então: em primeiro lugar, que um processo linear de desenvolvimento da Gemeinschaft para a Gesellschaft poderia ser generalizado em todos os níveis da sociedade ocidental, e, em segundo lugar, que as sociedades em desenvolvimento iriam seguir o mesmo padrão algum dia.

O questionamento do primeiro postulado surgiu da descoberta de que os valores impessoais e universalistas não foram encontrados nas sociedades ocidentais, quer abaixo, quer acima da vasta classe média, com a mesma intensidade de dedicação. A orientação pessoal de relações sociais na classe trabalhadora destas sociedades tem sido há muito reconhecida e considerada algo patológica. Demorou mais tempo para o reconhecimento de um padrão semelhante na classe alta, embora com conseqüências bem diferentes. Na classe alta, as famílias não são nucleares, conseguem-se cargos importantes por intermédio de ligações baseadas em amizade e parentesco, empréstimo mútuo de dinheiro a nível pessoal e troca de informações importantes nos contextos informais, tais como campos de golfe e vestiários.

Sem irmos tão longe a ponto de apresentarmos uma imagem de integração total da classe alta, poderíamos dizer que é bem mais fácil para seus membros se conhecerem e se comunicarem entre si do que com a classe média imensa, amorfa e geograficamente mais dispersa.11 11 Pode-se defender a hipótese de que as classes altas são tão ou mais móveis que as classes médias, porém, em seu caso, as distâncias não possuem a mesma importância. Elas não apresentam a mesma barreira às freqüentes interações face a face, pois distância significa mais dinheiro do que tempo. Além disso, as classes altas não estão dispersas por toda a extensão de um país como as classes médias, pois tendem a se concentrar nas grandes metrópoles. Portanto, as relações adquirem um caráter pessoal bem mais direto, não em virtude de alguma propensão subcultural peculiar, mas simplesmente em virtude do fato de que as circunstâncias sociais tornam possível a um grupo relativamente pequeno interagir de forma frontal.

Sem dúvida, esta descrição de diferenças entre a qualidade de relações sociais em classes diferentes deixa muitas questões em aberto, as quais não podem ser resolvidas neste instante. Nosso limitado objetivo é indicar um fator institucional geral que possa ter contribuído para o caráter geral das relações sociais nas organizações e que tenha recebido pouca atenção nos estudos sociológicos, em virtude da importância discreta que dá à classe média. Portanto, pedimos ao leitor que aceite esta premissa, isto é, que as pessoas da classe alta têm mais oportunidades de se avaliarem mutuamente de um ponto de vista pessoal do que a da classe média.12 12 Além dos canais informais de interação, os altos postos que os membros das classes altas geralmente ocupam nas organizações lhes permitem interagir com pessoas de nível alto em posições semelhantes as suas em outras organizações mais do que seria possível para os participantes de nível médio. Caso haja mais explicações para a existência desse fator que não simplesmente o tamanho, não é do alcance da presente argumentação.

O que pode acontecer somente nos ápices da estrutura social da sociedade como a norte-americana, e, portanto, passar quase despercebidamente, pode igualmente ser aplicado na elite das sociedades não-ocidentais, a não ser pelo fato de que, neste caso, não exista qualquer incentivo para que a classe média incipiente contrarie tal padrão, mas bastante para competir com ele. No contexto da miséria urbana e rural em massa, as elites são mais cultural e politicamente dominantes que nas sociedades ocidentais. A classe média, por outro lado, representa uma proporção tão pequena do espectro social que logo é absorvida pela elite. Esse processo de absorção é facilitado pelo fato de que, na América Latina, pertencer à elite é mais uma função de sorte política repentina (e muitas vezes de curta existência) do que de educação ou berço, de forma que a oposição costumeira que se faz entre a classe média nova e a velha não funciona na maioria dos casos.13 13 No caso do México, por exemplo, a velha aristocracia rural foi virtualmente destruída pela revolução, ao passo que a nova classe alta é constituída por aqueles que estiveram associados intimamente com a família revolucionária ou pela nova elite industrial nascente. O que uma revolução social conseguiu no México foi obtido por meio de processos econômicos mais lentos no resto do Terceiro Mundo, onde as economias mudaram de um esquema de substituição de exportação para importação. Isto, por sua vez, deu origem a uma nova elite social e relegou as velhas famílias da aristocracia rural a um segundo plano.

Como conseqüência da estrutura de classe as simétrica peculiar à maioria dos países em desenvolvimento, algumas das características que encontramos confinadas a um dado meio social nos países industrializados assumem um aspecto mais dominante e são mais difundidas por meio de toda a estrutura social. Portanto, quanto mais oligárquico for um dado país, maior será a probabilidade de se encontrarem formas personalizadas de interação, mesmo nos contextos aparentemente mais impessoais, como as burocracias.

Qualquer pessoa que tenha vivido em uma das diversas imensas cidades tentaculares da América Latina sentiu-se aturdida com a qualidade quase provinciana da vida social da elite cultural. Os membros desta classe freqüentemente se chocam uns com os outros em restaurantes, clubes, festas e galerias de arte. Estudam nas mesmas escolas, moram nas mesmas áreas residenciais isoladas, freqüentam as mesmas universidades norte-americanas ou européias, vão aos mesmos clubes e gravitam em redor das mesmas burocracias. Esta organização social estilo Gemeinschaft, além do caráter altamente politizado da vida social destes países, sempre traz importantes implicações para os processos de recrutamento dentro das organizações e dos processos de promoção dentro e entre organizações. Isto também implica na marginalização e na impotência política dos mais pobres, independentemente da postura demagógica que qualquer governo venha a demonstrar.

5.2.1.2 Politização

O impacto do governo nos países em desenvolvimento é bem maior do que nos países industrializados. Por um lado, o governo é o principal motor das políticas econômicas, e, como tal, controla uma imensidade de recursos. Portanto, o governo age como um ímã sobre a maioria das carreiras individuais, pois retém as melhores promessas de realização social e mobilidade. Por outro lado, o histórico da instabilidade política na maioria destes países impediu a institucionalização do governo como uma função especializada distinta, de forma que a demarcação entre as áreas políticas e não-políticas é muito frágil. Defenderemos a idéia de que estes dois fatores contribuem para a proeminência do governo como fonte de promoção social e a politização de relações sociais nas organizações.

Na esfera econômica, os países parcialmente desenvolvidos são caracterizados pelos consideráveis esforços governamentais quanto à necessidade de planejamento extensivo. O governo constitui, em muitos aspectos, o principal motor do progresso econômico. Há uma série de razões para que isto aconteça. Em primeiro lugar, uma base estrita de economias e investimentos privados torna prioritário para o governo agir visando objetivos de melhorias infra-estruturais, tais como transportes e comunicações. Normalmente, estes setores necessitam de investimentos de grande porte e a longo prazo, que a iniciativa privada não pode ou não tenciona fazer. Como poderemos observar na próxima parte do ensaio, isto traz importantes conseqüências para o ambiente das burocracias industriais, não apenas no sentido de que afeta seu desempenho, mas também porque as relaciona diretamente ao processo político.

Paralelamente a estas considerações, existem os fenômenos concretos de dependência externa, tais como déficit crônico do balanço de pagamento, dívidas externas imensas, altas pressões inflacionárias e outras conseqüências das relações internacionais, como o muito discutido problema das necessidades de venda de recursos naturais a preços baixos e da compra de mercadorias estrangeiras a preços exorbitantemente altos.

Contudo, não é suficiente sublinharmos o papel crucial do governo relativo aos esforços no sentido do crescimento econômico a fim de demonstrar a importância dos domínios políticos nos países em desenvolvimento. É igualmente importante levarmos em consideração as formas de dominância política que funcionam em tais países. A política econômica e os outros programas de ação não são ditados por uma burocracia impessoal recrutada com base no talento e no treinamento, mas por uma elite governante que pretende permanecer no poder, e na qual, portanto, a lealdade ao sistema vigente é muitas vezes mais importante que a competência. Conseqüentemente, os padrões de personalismo são mais reforçados. Além disso, esta situação cria uma atmosfera de arbitrariedade onde regras e regulamentos são utilizados para ir ao encontro dos interesses pessoais dos homens que detêm o poder, antes que constituindo um conjunto de padrões negociados em comum acordo e impostos imparcialmente.

O fato de uma elite governante reter o poder sobre uma massa bastante provinciana acarreta muitos problemas, como atestam os estudiosos do governo. Portanto, há apenas um efeito em particular relevante a esta discussão, ou seja, a dominância do setor político sobre a maioria das outras esferas da vida social. Em virtude da frágil institucionalização política, sente-se a falta de uma distinção efetiva entre o sistema político e outras áreas de atividade, tais como os setores econômico e organizacional, seja empresa privada ou burocracia pública. Por outro lado, a sociedade deve funcionar de alguma forma. Portanto, torna-se prioritário para o homem de negócios ou funcionário público empenhar-se nas negociações políticas extensivas com o governo, a fim de garantir a sobrevivência de sua organização, de uma maneira pela qual os canais existentes não podem ser úteis. Procedendo-se, assim, o âmbito de suas ações pode ser constituído pelo que a Gesellschaft em andamento estipula, embora a estratégia de implantação de seus objetivos seja controlada pelos princípios da Gemeinschaft. Em termos concretos, isto significa que as estruturas da Gesellschaft, tais como comércio, indústria e ciência, que supostamente rompem com os moldes tradicionais e levam a graus mais altos de individualismo, impersonalidade, consenso acerca de tomadas de decisão racionais e outros mecanismos para regular os interesses grupais, são postas em dúvida por padrões de comportamento que se baseiam em elementos da Gemeinschaft, tais como parentesco, regionalismo e amizade.

A argumentação anterior demonstra o alto grau de interdependência entre os padrões de personalismo e os de politização nas sociedades não-ocidentais. Neste tipo de ambiente, os membros das organizações não são, de modo geral, guiados por um ideal de serviço para com a organização que os emprega. Antes, eles consideram sua lealdade intimamente relacionada com as sortes e azares de seus superiores, com quem interagem de maneira informal. Nepotismo e patronato são somente conseqüências naturais deste padrão básico de comportamento que, em qualquer situação concreta, define a dimensão política de ação social como soberana.

Além disso, a pressão no sentido de criação de emprego a qualquer preço debilita ainda mais a importância relativa da autopromoção ou dos desempenhos relativos a tarefa. Em nome da estabilidade social e política, as organizações públicas freqüentemente desempenham o importante papel de centros de emprego. Jovens recém-formados, saindo das repletas universidades estatais com mais prática em engajamento político do que competência em seus ramos, necessitam de oportunidades para trabalhar, isto é, de se integrarem à elite dos privilegiados. Uma vez que há muitos a serem absorvidos pelo jogo caótico da oferta e da procura, o governo tem que fornecer tais oportunidades. Desde que o objetivo primordial é mitigar a insatisfação potencial de preferência a resolver problemas técnicos, o teor do serviço tem pouco a ver com o desempenho da função. Além do mais, a grande quantidade de pessoas que não possuem nenhuma qualificação em especial e que não desempenham nenhuma tarefa essencial representam considerável sobrecarga nas despesas administrativas; daí a burocracia excessiva que, por sua vez, proporciona mais oportunidades de emprego.

Com o intuito de melhor colocarmos nossos pontos de vista, cometemos até agora alguns exageros relativos a determinados contrastes entre as sociedades em desenvolvimento e as assim chamadas sociedades desenvolvidas, embora desde o início tenhamos afirmado que não estabeleceríamos quaisquer diferenças entre as duas. Como reconciliar esta aparente contradição? A resposta está no fato de que toda sociedade pode ser considerada como uma mistura de características da Gemeinschaft e da Gesellschaft, distribuídas em diferentes setores institucionais, onde a dominância relativa de uma ou de outra afeta o comportamento organizacional e a produção destes setores. Além disso, é importante termos em mente que tal concepção não implica quaisquer julgamentos de valor no sentido de quais ingredientes possam ser mais desejáveis. Também não pressupõe quaisquer processos de desenvolvimento por meio dos quais a sociedade caminhe lentamente dos padrões dominantes da Gemeinschaft para os da Gesellschaft. Esta concepção procura salientar a idéia de que os mesmos mecanismos estão funcionando em ambos os tipos de sociedade, de forma que surgirão os mesmos tipos de comportamento das disposições estruturais semelhantes.

5.2.2 Ambientes organizacionais

As fundamentações históricas de grande alcance são úteis para o estabelecimento de um padrão dominante em uma dada sociedade, mas são impotentes para responder pelas variações internas que se processam no mesmo contexto histórico. As diferenças patentes nos países em desenvolvimento entre comportamento organizacional em organizações industriais privadas e em organizações de serviço público frustram imediatamente qualquer explicação geral. Apesar de muitas limitações, as burocracias industriais, por um lado, parecem se aproximar do modelo respeitável de comportamento organizacional em que as pessoas executam seus serviços, obedecem a ordens e produzem algo que podem vender (com uma pequena ajuda das barreiras alfandegárias). As organizações de serviços públicos, por outro lado, oferecem uma imagem de desconcertante confusão, causada por ineficiência e corrupção generalizada (estamos, evidentemente, falando do ponto de vista convencional do utilizador de serviços organizacionais; para os participantes destas organizações, o sistema é notavelmente eficiente, tendo em vista a mensuração da razão de trabalho real sobre pagamentos). O contraste pode ser um pouco exagerado, pois sabemos que as organizações industriais nesses países produzem mercadorias caras e de baixa qualidade. Porém, em última análise, produzem algo, ainda que seja apenas Coca-Cola.14 14 Além disso, seria interessante salientarmos que não há um motivo a priori para que uma organização que não preste serviços eficientemente aos seus clientes de jure deva ser considerada menos eficiente ou racional do que uma organização que preste bons serviços. A primeira pode ter orientado sua racionalidade no sentido de servir outros tipos de clientes, como seus membros ou membros de outras organizações selecionadas. As metas oficiais são, por conseguinte, um tanto irrelevantes no julgamento da racionalidade ou da eficiência de uma organização.

Uma vez que não há quaisquer diferenças sociologicamente relevantes, claras e sistemáticas no recrutamento de nenhuma das duas espécies de organizações, o mais promissor terreno para a explicação de tão nítidas diferenças parecem ser os ambientes. Deveremos identificar, portanto, entre os ambientes de duas amplas categorias de organizações, por um lado a organização de serviço público, que abrange desde um hospital público até o Ministério de Obras Públicas, e, por outro lado, as burocracias industriais privadas, a fim de tipificar as espécies de ambientes que encontrarão em um país em desenvolvimento. Isto não quer dizer que não reconhecemos a existência de burocracias industriais públicas ou organizações de serviço privadas. Queremos apenas estabelecer um contraste.

5.2.2.1 O ambiente das burocracias de serviço públicas

Além de ser um elemento de dominância, por motivos já especificados anteriormente, o governo dos países em desenvolvimento também é relativamente independente de controle por outras esferas institucionais, assim como relativamente monolítico (não importa quão estruturalmente complexo), devendo ao alto grau de centralização na elaboração de programas de ação.

Por independente queremos dizer que os mecanismos de controles e balanços estão geralmente ausentes e são de participação política fraca. Isto acontece não tanto porque as massas populares sejam incultas ou apáticas, mas porque os canais efetivos de expressão política, tais como partidos e eleições, geralmente não existem de jure ou de facto.15 15 Houve quem argumentasse que a situação das democracias ocidentais não é drasticamente diferente à medida que os mecanismos democráticos também são muito frágeis e não constituem medidas efetivas de controle do comportamento do governo. Nos casos em que alguns setores tenham alcançado um nível de organização ou franqueza ameaçador para o estado (como os sindicatos, por exemplo), a solução adotada pode ser, como no caso do México, a cooptação. Por outro lado, a repressão e o extermínio parecem ser a política mais comum.

As instituições governamentais, portanto, desfrutam de um ambiente bastante resguardado, do ponto de vista político nacional, à medida que quase nunca têm que legitimar suas atividades (a não ser em vagos slogans) ou pedir orientação do eleitorado. A ausência generalizada de uma imprensa livre acaba por completar a imagem de uma burocracia governante que controla imensos recursos (relativamente falando) e os manipula ao seu bel-prazer.

Contudo, não se pode dizer que o governo não sofre pressões, mesmo que seja virtualmente imune ao controle político interno. O desemprego, as migrações em massa de camponeses na miséria em direção às cidades, o crescimento demográfico galopante e a crescente dívida externa constituem sérias pressões, não importa o quão insensível possa ser um regime. Além disso, a participação de organizações internacionais que controlam recursos importantes e a dependência de mercados externos também impõem fortes pressões para que os governos se empenhem em enormes programas de desenvolvimento, sendo que alguns dos quais trazem importantes contribuições para o bem-estar de porções consideráveis da população, ainda que seja principalmente um efeito em pequenas doses. Portanto, devemos considerar tais fatores como barreiras estruturais que contribuirão para persuadir as burocracias públicas a produzirem pelo menos um mínimo de serviços a fim de se minorarem os problemas mais urgentes. Pois, apesar de tudo, as massas famintas não podem ser postas à prova eternamente, alimentadas por nada mais que promessas demagógicas e bodes expiatórias ideológicos. Assim, deve haver algum alívio na pressão para manter acesas as esperanças.

Entretanto, apesar desses fatores repressores, muito do usual comportamento burocrático aparentemente patológico que pode ser observado na maioria das burocracias de serviço público nos países em desenvolvimento não é causado por nenhum estranho tipo de câncer que as corrói ou por incompetência individual, mas por uma independência excessiva de controles institucionais externos no seu ambiente imediato. Esta tendência geral é agravada em termos de América Latina pelo fato de que o único setor social que poderia exercer alguma pressão de compensação - a classe alta - ou desfruta de meios privilegiados de obter serviços (por intermédio de amigos, da família ou simplesmente de subornos) ou não necessita deles absolutamente. Assim, a classe alta não apenas manda seus filhos para escolas particulares, se interna em hospitais particulares ou dirige carros particulares, como em qualquer outro país, mas também se utiliza de organizações distribuidoras de correspondência particulares, instala geradores elétricos em suas casas e escritórios (em virtude dos numerosos cortes de energia), constrói imensas caixas de água em suas casas e contrata guarda-costas para protegerem a si e a sua propriedade. Portanto, os únicos setores sociais que dependem totalmente de serviços públicos são as grandes massas, tanto politicamente impotentes como economicamente carentes.

5.2.2.2 O ambiente das burocracias industriais privadas

Os dois problemas principais que as burocracias industriais privadas têm que enfrentar em seu ambiente imediato são as forças do mercado e o governo.16 16 É importante observarmos que não incluímos a mudança tecnológica como um elemento importante, uma vez que não há praticamente nenhuma que seja originada internamente. Portanto, a tecnologia é parte do mercado e uma das fontes primárias de dependência dos países industrializados. A relação entre o setor governamental e os interesses industriais privados pode ser descrita como uma espécie de relacionamento amor-ódio, à medida que o governo protege os últimos eliminando de seu ambiente a ameaça mais séria a sua sobrevivência, mas, outrossim, tenta controlá-los por meio da política econômica, colocando-os numa posição em que têm que negociar individualmente de forma constante pelas vantagens que a lei supostamente lhes confere.

Uma das principais tarefas do governo é proporcionar iniciativas suficientes para os investimentos privados nas áreas que considera estratégicas para o desenvolvimento. Nos casos de certas condições que retardam o progresso, o governo agirá como um empresário, caso outras soluções fracassem. Esta atividade é de bastante importância para o desempenho de burocracias industriais. A própria tentativa de criar e diversificar atividades industriais não leva em conta as forças de um mercado livre operando em escala maior. A ênfase está na criação, não necessariamente na boa criação. Assim, se fosse permitida uma competição em qualquer nível, muitas empresas industriais seriam eliminadas, uma possibilidade que é tanto política quanto economicamente inaceitável.

Um imperativo especialmente urgente é a cada vez mais crescente necessidade de emprego, devida à pressão demográfica progressiva. Considerações de eficiência ou maximização de lucros são de importância secundária para o governo, que, portanto, encoraja quase todos os tipos de investimentos. A necessidade de cargos públicos é particularmente premente, uma vez que a maioria da população tem pouca escolaridade formal, pré-requisito indispensável para o estabelecimento de indústrias modernas. Portanto, a aplicação de tecnologias de nível mais baixo é uma necessidade.

Quanto as suas relações com outros países, uma nação parcialmente desenvolvida precisa se proteger contra a feroz competição no mercado mundial, principalmente no caso das indústrias mais novas, por meio de tarifas altas, licenças especiais de importação ou outras manipulações fiscais. Naturalmente, essa condição exerce influência direta sobre os critérios de desempenho. As organizações não reagem - quase por natureza - às exigências internas de modernização da produção ou de melhoria da qualidade do produto, mas reagem, em resposta às pressões institucionais e externas. A questão básica, então, a ser feita, é: por que qualquer firma industrial que desfruta de total proteção governamental deveria tomar qualquer atitude para levantar os padrões de eficiência.

A existência de mercados internos pequenos e a falta de competição dão origem a uma posição monopolista da indústria. A escassez de produtores e produtos não mantém os incentivos visando melhores controles de qualidade. Ao contrário, a ausência de ênfase inovadora constante desaquece o aumento do crescimento industrial. Isto se torna imediatamente compreensível pelo fato de que a ênfase é dada, em primeiro lugar, à criação de indústrias, ao invés de haver especulação sobre quais tipos de indústrias seriam mais benéficas para o país, ou como poderiam se tornar mais eficientes ou competitivas.

5.2.2.3 Comparação entre os dois tipos de ambientes

Comparando com os ambientes organizacionais na maioria das sociedades industrializadas ocidentais (da forma como foram descritas na bibliografia), podemos qualificar os dois tipos de ambientes acima descritos como singularmente seguros. As burocracias industriais, de um lado, desfrutam de mercados cativos e muito poucas restrições de preços, de forma que as ineficiências internas podem ser passadas adiante ao consumidor. As burocracias de serviço público, por outro lado, recebem apoio constante - se bem que por vezes escassos - do setor governamental, sem maiores problemas, de forma que as ineficiências internas são igualmente endereçadas ao consumidor.

No entanto, permanecem em ambos os tipos de ambientes fontes de incerteza que não podem ser eliminadas por meio de sanções administrativas, ou seja, processos ameaçadores de mudança social na sociedade adjacente. Isto significa que tanto o ambiente organizacional como os serviços públicos e industriais estão imersos na composição estrutural da sociedade. A gama básica de relações de classe, diferenciais de renda, oportunidade educacional, mobilidade social e uma série de componentes afins de dinâmica social e organização são responsáveis pela estruturação dos parâmetros de ação concretos (ambiente) para as burocracias tanto governamentais como privadas.

Onde quer as burocracias públicas tenham que enfrentar cruamente os desagradáveis fatos de desemprego crescente e empobrecimento, como já foi mencionado anteriormente, as burocracias industriais têm que enfrentar conseqüências indiretas de tais processos, ou seja, o fato de que seu crescimento futuro está limitado pelo crescimento potencial de seus mercados. Nos países onde a política de substituição de importação está apenas em seu estágio inicial, é provável que tais interesses não apareçam em um primeiro plano muito cedo. Mas nos países onde o processo de industrialização é mais maduro (na maioria das vezes os países maiores), o crescimento recente tem sido obtido com base na diferenciação de produto, antes que na expansão do mercado de linhas estabelecidas. A causa disto é que a produção industrial, em muitos setores, alcançou, ou quase alcançou, o nível em que a procura interna está satisfeita e sem condições de abrir mercados de exportação.

Fundamentados no que conhecemos sobre pressões inovadoras, deveríamos considerar tais fatores como uma fonte potencial de mudança interna nas burocracias industriais.17 17 Isto também pode contribuir para uma agravação da concentração industrial, uma vez que as grandes firmas são as mais prováveis de perceber mais depressa as pichações nas paredes e proceder às reformas internas necessárias, ao passo que as firmas pequenas mais conservadoras desapareceriam com tais mudanças. Mas ainda há outro aspecto em que o ambiente de burocracias industriais pode ser considerado menos seguro do que os das burocracias públicas. Apesar de todos os amparos artificiais de que desfrutam, nunca podem esperar obter o tipo de influência monopolista sobre o consumidor que as burocracias de serviço público têm sobre o público. De modo geral, os bens industriais são mais substituíveis e dispensáveis do que os serviços públicos, tais como saúde e educação. Além disso, apesar de concentração industrial geralmente alta, existe alguma espécie de competição interna entre firmas, principalmente nos países industrialmente mais desenvolvidos (México, Brasil e Argentina).

Um terceiro elemento que distingue as burocracias industriais das públicas se relaciona com a percepção, antes que com a natureza intrínseca de seus respectivos ambientes. Como já foi salientado anteriormente, os problemas sociais que giram em torno das burocracias de serviços públicos são bastante sérios, mas o pessoal político encarregado de percebê-los e de elaborar programas para resolvê-los sofre de rotatividade crônica e, conseqüentemente, de amnésia crônica: um período regular de seis horas, como é o caso do México, e mudanças espasmódicas freqüentes na maioria dos outros países latino-americanos. Esta situação afeta seriamente a perspectiva de tempo que qualquer oficial público espera razoavelmente obter. As burocracias industriais, por outro lado (isto é, as privadas), gozam de horizontes de planejamento maiores, mesmo que não se utilizem sempre das vantagens que isto oferece e que não sofram rotatividade constante em seu pessoal.

Portanto, podemos concluir que, em virtude da natureza de seus respectivos ambientes, as burocracias industriais são mais dependentes de desempenhos de tarefa apropriados para sua sobrevivência do que as organizações de serviço público. Dado o maior poder de clientes sobre estas organizações, a competência técnica tem melhor oportunidade de ver sua importância reconhecida, enquanto que se torna mais um obstáculo do que um recurso nas organizações que exploram seu ambiente ao mesmo tempo que produzem apenas um mínimo em troca.18 18 Este mínimo, entretanto, pode ser aumentado por meio de subornos, o que vem a demonstrar que, em dados contextos, a corrupção é uma solução, antes que um problema.

Esta conclusão experimental pode ser ainda mais reforçada se considerarmos, de um lado, os casos divergentes das burocracias industriais públicas, e de outro, as organizações de serviço privadas semi-socializadas. A experiência no primeiro tipo de organização na América Latina tem mostrado famigerada ineficiência e incapacidade de trazer quaisquer lucros, mesmo dentro da estrutura de tarifas protecionistas e políticas fiscais.19 19 Não estamos pensando em empresas públicas que normalmente perdem dinheiro, como transportes públicos ou eletricidade, mas em uma vasta gama de empresas industriais públicas que podem ser encontradas em todos os setores.

Quanto às organizações privadas que gozam de uma série, quase-cativa, de consumidores, como, por exemplo, firmas seguradoras ou organizações de saúde contratadas por empresas de grande porte ou por bancos para os seus empregados, estas parecem mostrar a mesma falta de capacidade de resposta para a sua clientela que caracteriza seus correlativos públicos. Isto vem reforçar o postulado de que é o ambiente, mais que a natureza das tarefas, que determina a ênfase relativa sobre desempenhos quanto à tarefa nas organizações.

5.2.3 Articulações individuais, sociais e mobilidade de carreira

Nesta parte do ensaio estaremos interessados em apresentar um esboço dos efeitos que as formas institucionalizadas de interação descritas nas duas partes anteriores têm sobre as estratégias individuais de sobrevivência e autopromoção nas organizações latino-americanas. Além disso, estamos interessados em mostrar que o comportamento burocrático em tais contextos é previsível quanto aos mesmos princípios gerais como nas sociedades industrializadas, embora empiricamente apresente nítidas diferenças.

Na bibliografia de sociologia ocupacional, os determinantes de promoção de carreira nas sociedades industrializadas têm sido geralmente analisados em termos de conceitos estruturais estáticos designativos de colocação social, como profissão do pai, instrução da mãe, educação formal etc. É inegável que a colocação social afeta a realização de carreira em qualquer contexto social. Todavia, tais indicadores deixam grandes espaços em branco que podem ser preenchidos apenas por tipos mais dinâmicos de análises, de pertinência individual a uma circulação nos tipos de grupos sociais, que possam vir a afetar a mobilidade vertical e/ou horizontal de alguém. Este tipo de pesquisa, contudo, é inibido pelo viés metodológico, fortemente policiado, de que a mobilidade pode ser explicada por propriedades estruturais que são prontamente mensuráveis por técnicas de survey e pelas dificuldades práticas de testar rigorosamente as aproximações alternativas.

Ao contrário, a importância de relações pessoais para a mobilidade de carreira individual nos países em desenvolvimento é não só reconhecida, mas amplamente comentada como sendo uma característica exótica de tais sociedades, da mesma forma que utilizada para explicar muitos de seus problemas ao seguir o verdadeiro caminho da modernização. Retornando à nossa asserção de que uma observação mais atenta das sociedades em desenvolvimento pode lançar luz sobre problemas sem solução nas sociedades industrializadas, tentaremos caracterizar estas relações e considerá-las como a teia mais tênue que forma a base de qualquer realidade de classe, institucional ou organizacional, reconhecendo apenas uma diferença de ênfase sobre seu impacto nos países industrializados e semi-industrializados.

A natureza peculiar e a importância de relações interpessoais peculiares dos países em desenvolvimento foram observadas anteriormente por antropólogos e cientistas políticos, que as especificaram como pertencentes ao modelo patrão-cliente (Boissevain, 1966, 1974; Cotler, 1970; Foster, 1967). Este foi descrito na maioria das vezes, em contextos rurais, como uma relação quase feudal em que o camponês isolado e indefeso troca, com o homem forte local (cacique), lealdade, obediência, serviço e deferência social, por assistência, proteção e relações sociais com o mundo exterior, prolongando, desta maneira, a ética social do hoje extinto sistema de hacienda.

A relação patrão-cliente foi descrita por (Foster, 1967) como o modelo de contrato diádico. Este postula uma estrutura informal que subjaz a todos os laços institucionais que as pessoas em interação podem possuir. Os homens se associam por contrato, isto é, a relação existe somente durante o tempo em que os indivíduos em interação a reconhecem como conveniente para outros fins. Seu conteúdo e sua duração são determinados pela quantidade e pela qualidade de obrigações que cada um dos agentes deve ao outro. Dessa forma, lidamos essencialmente com uma relação recíproca de obrigações e expectativas. Em segundo lugar, a relação contratual é fundamental diádica. Leva pares de agentes à interação, ao invés de grupos. Transmite uma configuração bastante simples de dar e receber.

"Cada pessoa é o centro de sua rede particular e única de laços contratuais, uma rede cuja justaposição a outras redes possui pouca ou nenhuma importância funcional. Isto é, os laços que unem A e B de forma nenhuma o ligam ao parceiro C de B". (Foster, 1967, p. 215).

A continuidade da relação é simplesmente uma função das recompensas que cada um dos indivíduos unidos por contrato recebe pela manutenção desta. Assim, os elos de troca estão totalmente sujeitos ao juízo individual e ignoram qualquer laço formal baseado em papéis institucionais. Quando o contrato é dissolvido por qualquer um dos indivíduos interagentes, os laços institucionais mantidos simultaneamente perderão sua importância. Apesar do fato de dois agentes poderem viver no mesmo contexto organizacional e, portanto, estarem sujeitos a padrões formalizados de interação, a descontinuidade ou desaparecimento de laços contratuais tornam a relação formalizada sem efeito.

Nesta altura, uma boa pergunta a ser feita é como tais relações podem existir em um contexto burocrático onde as regras formais devem proporcionar um pouco de proteção contra arbitrariedades (Crozier, 1968). A pronta resposta é que, em muitos contextos institucionais, elas simplesmente não existem. Como já salientamos anteriormente, a aplicação imparcial de regras é atípica das estruturas institucionais oligárquicas autoritárias onde o poder pesa mais que a legitimidade. As burocracias não são exceção a outros planos institucionais, não importa quão racionalizadas possam parecer no papel. Em tais contextos, o participante individual tenta compensar a incerteza básica de sua posição comprando seguro sob a forma de alianças múltiplas com agentes que possuem melhores acessos do que ele às fontes de segurança e recompensa no sistema burocrático.

Seria interessante traçarmos agora um paralelo entre a arbitrariedade e a incerteza que caracterizam os burocratas da América Latina contemporânea e o preconceito e a agressão que vêm afligindo sistematicamente os imigrantes e as minorias raciais nos EUA. Para tais pessoas, de qualquer maneira, o célebre "sistema de valor institucionalizado" norte-americano não obteve êxito, de forma que a elas foram negados, como ainda o são, tratamento e oportunidades iguais.

O desenvolvimento de formas altamente oligárquicas e personalizadas de organização política, ou seja, patrimoniais, em termos weberianos, no seio destas minorias pode ser considerado como uma reação para a posição fundamentalmente insegura a que as instituições oficiais reduzem seus membros. Nessas condições, a arraia miúda tem que depender de sua própria liderança, que é, amiúde, rígida e exploradora de caráter, mas que lhes fornece alguns benefícios marginais que as instituições externas lhes negarão. Se este padrão tem sido especialmente marcante entre os imigrantes italianos, isto acontece simplesmente pelo fato de que conta com precedentes históricos acentuados em seu país de origem: não é absolutamente uma exclusividade só sua.

Outrossim, o desenvolvimento do movimento trabalhista na maioria das sociedades tem se verificado principalmente contra as instituições oficiais e as regras aprovadas no jogo. Valeria a pena especularmos se a assim chamada lei de ferro da oligarquia nos sindicatos e em alguns partidos políticos não está relacionada de alguma forma com os tipos de formas personalizadas de poder que surgem no contexto da insegurança institucional, antes que unicamente com a dinâmica organizacional interna, como colocou Michels.

Outros exemplos de tais padrões de comportamento provavelmente se insinuariam no contexto dos países industrializados, contanto que se admitisse que os dispositivos de poder piramidais personalizados não são frutos de quaisquer peculiaridades culturais, mas sim respostas específicas a dadas premissas ambientais e institucionais. É importante salientar que tais dispositivos impõem estratégias de conduta que as reforça, obrigando o participante individual que tenciona permanecer no mundo dos negócios a procurar segurança profissional nos laços e intercâmbios pessoais, além da, ou ao invés da qualidade de seus desempenhos de tarefa.

6. EXAME DO CASO MÉXICO

No princípio deste artigo, dissemos que as diferenças no comportamento organizacional entre sociedades desenvolvidas e parcialmente desenvolvidas eram mais de grau de que de tipo. Sugerimos que tais diferenças poderiam ser explicadas em uma única estrutura teórica, ao invés de serem tratadas como casos divergentes e exóticos de problemas já resolvidos. Para atingir esse objetivo, sugerimos que qualquer organização deveria ser considerada como parte integrante da sociedade da qual o homem, como membro tanto da organização como da sociedade, constitui o nexo de ligação. Quando nos detemos para analisar o caso do México como um exemplo que ilustre nossas idéias, devemos admitir que os dados empíricos que consubstanciariam nossas estipulações conceituais não serão fáceis de achar, uma vez que não há suficientes provas concretas disponíveis. Principalmente quanto às organizações industriais, praticamente não há nenhum estudo empírico relevante. Portanto, teremos que restringir nossa argumentação essencialmente às burocracias governamentais, as quais foram estudadas de forma um pouco mais profunda nos trabalhos atuais. De qualquer modo, não consideramos necessário apresentar um quadro completo a fim de cumprirmos nossas promessas. Se pudermos apresentar apanhados da realidade mexicana enquanto pertinentes a compreensões básicas de nossa estrutura, estaremos satisfeiros.

6.1. Antecedentes históricos e fatores institucionais

Partindo de uma perspectiva histórica, o México pertence ao grupo das velhas nações-estado. Após longa e penosa guerra, ganhou sua independência do jugo colonial espanhol já em 1821. Parkes define esse período de transição afirmando que "o que deveria ter sido uma guerra de independência nacional foi durante dez anos algo mais amargo e de significado mais profundo: uma guerra de classes". (Parkes, 1969, p. 144). Quando o derramamento de sangue, associado à ruína econômica e à revolta social, finalmente cessou, o meio de século seguinte foi testemunha de uma longa e caótica luta pela integração nacional e contra a agressão estrangeira. Uma guerra civil, intervenções estrangeiras e um conflito armado devastador com os EUA, no qual o México perdeu cerca de metade de seu território, pouco fizeram para favorecer o surgimento desta nova nação. Não foi senão em 1876 que o México entrou em uma longa era de estabilidade política e de desenvolvimento, embora este período fosse também marcado por retrocesso social. Durante 36 anos, o país foi governado por uma ditadura clássica que finalmente sucumbiu à primeira grande revolução do século XX (alguns anos antes da revolução bolchevique). Novamente, mexicanos em luta contra mexicanos, como já havia acontecido tantas vezes no passado. Quatorze anos de batalhas sangrentas, intrigas e assassinatos dividiram o país, antes que uma aliança revolucionária pudesse consolidar seu poder sobre a nação e iniciasse a tarefa de reconstrução. Desde então, o México tornou-se um dos estados mais estáveis, não apenas da América Latina, mas de todo o mundo.

Baseando-se nesse breve esboço que cobre mais de 150 anos de história mexicana, concentrar-nos-emos em poucos, mais importantes acontecimentos históricos a fim de mostrar seu impacto em fatores institucionais e ambientais como influências repressoras sobre o comportamento e a estrutura organizacional nesta sociedade. Também teceremos observações sobre o que denominamos anteriormente estruturas de oportunidades analisando algumas das instituições que governam os padrões de interação organizacional.

O passado colonial mexicano foi determinado pelos princípios centralistas e autoritários do absolutista Castile. O poder, tanto em termos econômicos como políticos, estava representado na pessoa do rei, e, subseqüentemente, no poder executivo de sua Nova Espanha, o vice-rei, que governava conjuntamente com o Conselho das índias. Embora o México iniciasse sua independência com a criação de uma monarquia, este império teve pouca duração. O exemplo dado pelos EUA provou ser muito auspicioso para o México não dar uma oportunidade para a experiência republicana. Durante todo o desenrolar do século XIX, a política gravitou em torno do cisma ideológico entre facções conservadoras e liberais na elite governante. Os governos mexicanos desapareciam quase no mesmo instante em que surgiam.20 20 Um índice das conseqüências práticas de tais disposições políticas frouxas pode ser o fato de que o tempo de posse médio dos governos era de nove meses entre 1823 e 1855 (Cumberland, 1968. p. 141-2). Em suma, o México independente era caracterizado por extrema instabilidade política.

Esta busca de solução do problema da ordem precisa ser compreendida dentro do contexto social do México independente que herdou um sistema social de enorme complexidade. A desigualdade e a discriminação foram os ingredientes fundamentais de uma sociedade altamente estratificada no ápice da qual uma diminuta minoria retinha todas as posições, econômicas e políticas, estratégicas. A independência pouco fez para mudar a situação das classes mais baixas, enquanto o status elitista do alto clero, dos grandes proprietários e dos empresários comerciais permanecia virtualmente intocado. O isolamento da elite em relação às massas tornou a política um interesse de pequenos círculos, ou, como já determinados conceitualmente, uma questão de Gemeinschaft. Esta situação conferia importância suprema às ações de indivíduos; os mexicanos seguiam homens, não ideias. Desta forma, surgiu uma organização política bastante peculiar.

Os padrões institucionalizados da política no México pré-revolucionário tornaram-se conhecidos como caudillismo, uma forma particularmente mexicana de governo oligárquico. Suas raízes remontam à época colonial, embora tenha se tornado mais importante posteriormente. Com a obtenção da independência, a barreira contra o surgimento de poder político local foi efetivamente removida. Os chefes políticos locais, os caciques, geralmente juntavam suas forças às do caudillo da região, freqüentemente um rico hacendado (grande proprietário) ou um comandante militar poderoso. Como um disputador nacional pelo poder, este caudillo se associava a um cacique na base de contratos pessoais caracterizados por uma interação de dominância-subordinação do tipo patrão-cliente tradicional. O surgimento de tais facções políticas foi totalmente relacionado ao indivíduo por intermédio de laços pessoais com seus comandados temporários, os hombres de confianza. Uma vez que a liderança estava na pessoa antes que no posto, a morte ou a perda de poder de um caudillo na maioria das vezes significava a dissolução de seu grupo associativo. Sob tais condições, a liderança política mexicana poderia ser considerada como uma sucessão de caudillos personalizando a disposição básica de governo oligárquico. Os exemplos são inúmeros; vão desde o indestrutível Santa Rosa (que se levantou e caiu 10 vezes) ao herói patriótico Benito Juárez e o vilão nacional Porfirio Diaz. Todos eles representaram esta peculiar organização Gemeinschaft do setor político. Enquanto esse mecanismo acarretava mudanças relativamente freqüentes no exercício do poder, teve pouco impacto sobre a estrutura social da sociedade mexicana. Quando um caudillo permanecia no poder durante muito tempo, como foi o caso de Porfírio Díaz; o problema latente do poder pessoal surgia em toda sua plenitude.

A ditadura de Diaz, que durou de 1876 a 1911, desenvolveu-se, por volta do início do século, em um sistema imóvel e incrustado. Nessa época, a estrutura de classe mexicana estava reduzida essencialmente a uma simples dicotomia de "os que têm" e "os que não têm". Enquanto a primeira categoria incluia uma oligarquia governante de elites rurais e comerciais aliadas a um número substancial de estrangeiros, a última constituía a enorme massa de campesinato e trabalho, subsistindo sob as condições mais indignas de pobreza. Como observa Cosío Villegas, a erupção final da "Revolução Mexicana foi na verdade a revolta dos muitos pobres contra os poucos ricos" (Cosío Villegas, 1964, p. 13). Esta distribuição estática efetivamente impediu qualquer tipo de trânsito das camadas superiores da sociedade para as inferiores. Era um sistema levado a uma estagnação que cada vez mais se apoiava na repressão para preservar o status quo.

Com a deflagração da Revolução Mexicana, que desalojou a estátua de Porfírio de seu pedestal de barro, a constelação básica de classe e poder foi modificada, mas não seu mecanismo. Tal particularidade requer mais explicações. Bastante curiosamente, uma das metas prioritárias da Revolução Mexicana de 1910 era expressa pelo anseio de não-reeleição. Todas as facções rivais acalentavam sinceramente essa aspiração. Quando a violência revolucionária diminuiu substancialmente em 1917, a "procura de um governo efetivo" foi bastante influenciada por exemplos históricos anteriores. O problema fundamental era como impedir que a situação se revertesse aos abusos do passado com a implantação de uma série de dispositivos estruturais despersonalizados.

Quando a Aliança do Norte surgiu finalmente como a facção vitoriosa, defrontou-se com a necessidade de restabelecer a lei e a ordem. Os caudillos mais importantes, os generais revolucionários Plutarco Elias Calles e Alvaro Obregón, tomaram para si esta tarefa, criando uma rede informal composta dos líderes suficientemente importantes para constituir uma ameaça à ainda frágil república nova. Em troca de lealdade e obediência, Calles e Obregon, como chefes de estado, prometeram legitimar suas reivindicações de recompensas pessoais, uma negociação quid pro quo muito simples. Entretanto, a natureza intrínseca dessa relação permanecia muito personalista e, com efeito, constituía uma reedição disfarçada do antigo sistema de caudillos. Por isso, o problema fundamental dos anos seguintes foi encontrar uma fórmula que auxiliasse a institucionalização de tais padrões de domínio político sem provocar uma repetição do trauma que tinha se seguido à revolução. Abstratamente falando, a questão fundamental era reconciliar os padrões da Gemeinschaft e da Gesellschaft quebrando periodicamente o governo oligárquico por meio da renovação de suas fileiras, tornando, desta forma, a dinâmica da relação patrão-cliente transparente e previsível. Isto foi conseguido com a adoção de dois novos dispositivos: um partido oficial e um período presidencial fixo de seis anos, ou seja, o sexenio.

Quando, em 1929, foi fundado o Partido Nacional Revolucionário (PNR), este logo se mostrou eficaz como instrumento eleitoral, como organizador de grupos de interesse múltiplo e como legitimador, das hierarquias do novo poder. De um lado, atendia satisfatoriamente ao anseio de não-reeleição, enquanto que, de outro, monopolizava a continuidade do poder. A nenhum homem público eleito, desde o presidente da república até um deputado regional, seria permitido permanecer no cargo mais que um período de seis anos. No México pós-revolucionário, todos os planos concebidos, todos os projetos empreendidos e todas as disposições realizadas se tornaram assim sujeitas a períodos de seis anos, correspondentes aos períodos presidenciais.

Para concluir este breve panorama, é evidente que o padrão-Gemeinschaft de formação do grupo informal reunido ao redor dos indivíduos proeminentes tem raízes profundas e complexas na sociedade mexicana. A bibliografia da história pós-revolucionária mexicana é bem explícita nesse ponto, apresentando uma surpreendente concordância de opinião entre os autores. Brandenburg propôs-se a discutir a família revolucionária a fim de salientar a natureza oligárquica básica do domínio político no México. Essa proposta sublinha seu interesse em descrever a facção governante dominante em termos de relações recíprocas íntimas (Brandenburg, 1970). Padgett, por outro lado, prefere o rótulo aliança revolucionária, localizando laços um pouco menos íntimos entre seus membros, mas enfatizando as causas do oportunismo político (Padgett, 1966).

Neste contexto histórico, a necessidade de não-reeleição e sua personificação institucional, o sexenio, transformaram até certo ponto a natureza das relações patrão-cliente, tornando seu término mais previsível. Em virtude da necessidade constitucional de que um presidente mexicano não deve suceder a si próprio, este é incapaz de continuar a apoiar eternamente os homens que o ajudaram a subir ao poder. Após o término de seu período, ele não pode mais oferecer aos seus patrocinadores as recompensas necessárias. Em outras palavras, a instituição do sexenio, longe de eliminar a realidade da Gemeinschaft, emprestou-lhe um novo significado em um contexto moderno. Portanto, devemos considerá-lo como um fator institucional restringente no qual funcionarão os padrões dominantes de comportamento burocrático. Como veremos adiante, isto se aplica tanto à esfera pública quanto à privada.

6.1.1 O ambiente de organizações no México

Em nossa tentativa de considerar as organizações e seu comportamento como um autêntico produto da sociedade, isolamos algumas noções históricas que deram origem ao desenvolvimento de certos fatores institucionais. Como procuramos ressaltar em nosso modelo, contudo, o comportamento organizacional também é delineado pelos ambientes peculiares com que as organizações têm que se relacionar. Nesta parte do artigo tentaremos fornecer alguma evidência adicional que torne o elo conceitual sociedade-organização mais plausível.

Nossa primeira tarefa será descrever algumas facetas mais óbvias dos ambientes organizacionais do México. A tarefa se complica com o fato de que o governo não apenas constitui um parâmetro delimitador no qual as organizações privadas devem agir, mas também se intromete ativamente nos negócios. Por isso, nos defrontamos com um duplo papel de governo: o de empresário ativo e o de regulador de comportamento organizacional. Além disso, não é fácil encontrar dados de confiança a respeito da composição da estrutura de classe e outras áreas que podem descrever com alguma exatidão os contornos de uma sociedade. Por isso, a maioria dos dados que apresentamos servirão apenas para ilustrar o tipo de análise que temos em mente.

A burocracia pública mexicana personifica as aspirações desenvolventes do governo como o principal motor de mudança econômica e social. A complexidade relativa à tarefa deste esquema pode ser avaliada simplesmente por meio de seu enorme aparato. Numerosas agências, institutos, departamentos, comitês semi-autônomos, corporações estatais e ministérios compõem um conglomerado administrativo encarregado das mais diversas tarefas, desde a proteção de indústrias nascentes à operação real de facilidades de transporte, do controle de transações financeiras à administração de empresas comerciais específicas, da operação de serviços de saúde completos à consolidação de importantes projetos educacionais. Uma recente compilação de 1973 acusa um total de 912 organizações públicas (Revista de las Revistas, dez., 1973).

Baseado nas condições gerais de desenvolvimento, esse contexto organizacional heterogêneo proporciona a estrutura na qual a atividade econômica pode se desenvolver, com o governo ditando as regras. Desde os anos do impulso econômico durante a Segunda Guerra Mundial, a relativa independência do estado foi demonstrada em várias oportunidades pela sua política econômica (Reynolds, 1970). Com uma imensa gama de instrumentos à sua disposição, as organizações públicas intervieram em quase todos os setores da economia, sendo assim capazes de estabelecer as condições exigidas pelas necessidades do programa de ação. Mais especificamente, essas ações iam da nacionalização de indústrias-chave, como as petroquímicas e as de eletricidade, ao ingresso em novos negócios, como é o caso da indústria de aço, ou ao procedimento de políticas fiscais específicas, como impor preços-teto em certos setores da economia.

Em termos mais gerais, o governo mexicano "empregou o mecanismo de mercado como o principal processo para a distribuição de recursos, mas exerceu forte influência sobre ele pelas novas regras econômicas do jogo, como a proteção de indústrias progressistas, isenções de taxa e promoção ativa de indústrias de exportação, assim como licenciamento de importação discriminatório" (DeFlores, 1968, p. 391). Em suma, as instituições do governo dominavam a esfera econômica da sociedade, estabelecendo regras e mantendo os resultados sob controle.

Para que esta perspectiva um tanto geral adquira significado relevante em nossa argumentação, torna-se necessário estabelecer certas distinções importantes. As políticas governamentais no México pós-revolucionário não foram sempre uniformes, mas fizeram uso indiscriminado dos instrumentos econômicos disponíveis, colocando diferentes ênfases sobre as metas de progresso econômico e social. A observação de que cada administração nova subiu ao poder com suas próprias prioridades a respeito de qual deveria ser o melhor caminho rumo ao desenvolvimento deu origem à assim chamada teoria pendular que caracteriza as diferentes administrações por uma orientação esquerda-direita. Conforme Needler, a história moderna mexicana se inicia com o regime direitista de Ortiz Rubio (1930-1932), que foi substituído pela administração mais moderada de Rodríguez (1932-1934). O governo subseqüente de Cárdenas (1934-1940) provou ser extremamente esquerdista. Os regimes posteriores também podem ser classificados nesta série contínua, cada regime se dirigindo para a esquerda ou para a direita também em termos de orientações de programas de ação diferentes (Needler, 1971, p. 46-9).

Como exemplo deste movimento pendular, o dilema fundamental para qualquer administração mexicana entre ou aumentar a produção ou fomentar a justiça social seria provavelmente decidido de maneira diferente em dois sexenios sucessivos. Se o aumento de produção recebesse maior atenção no primeiro sexenio, então seria de se esperar que uma maior aproximação a uma distribuição de riqueza mais justa ocorresse no seguinte. Se em uma circunstância o governo oferece as melhores oportunidades para os negócios, pode alterar completamente seus programas de ação a favor do trabalho em outra. Exemplificando esse fenômeno, a tabela 1 nos mostra alguns aspectos das mudanças na orientação política governamental básica, além de nos apresentar uma idéia de certas constantes. Uma das mudanças mais radicais ocorreu durante as administrações sucessivas de Avila Camacho e Alemán. Observando as despesas governamentais reais, percebe-se que os investimentos econômicos tiveram um impulso de mais de 10%, enquanto que os investimentos nas áreas sociais diminuíram. As despesas administrativas mantiveram-se quase inalteradas. Por outro lado, uma nova consulta da lista de despesas sociais reais exemplifica muito bem o que se quer dizer por teoria pendular. Começando com a administração de Cardenas, que se caracterizou por uma nova alta nas despesas sociais, a participação do último decresceu nos regimes seguintes de Avila Camacho e Alemán, sendo que no governo deste último se registrou uma queda total. Houve então um retorno do pêndulo com a administração de Ruiz Cortines, alcançando uma nova alta de 19,2% durante o mandato de Lopez Mateos. Alterações correspondentes podem ser observadas nas despesas econômicas e administrativas.

Podem ser identificadas também algumas constantes. Durante o período de impulso econômico de 1935-1964, as despesas econômicas reais feitas pelo governo ultrapassaram substancialmente em uma média de 7%, os gastos projetados. Enquanto isso, as despesas reais e projetadas para fins administrativos permaneceram relativamente inalteradas. Esses números indicam bastante claramente as preferências visando à industrialização, com o desenvolvimento social relegado a um segundo plano (terceiro, na verdade, se levarmos em conta as despesas administrativas). Além disso, quando comparamos o valor absoluto das despesas sociais em relação aos outros gastos, verificamos que constituem aproximadamente a metade destes últimos considerados individualmente. De forma geral, pode-se dizer que os dados da tabela 1 refletem a grande lacuna existente entre a retórica oficial acerca da igualdade social e as escolhas reais visando ao desenvolvimento econômico.

Esses padrões de políticas de despesas governamentais encontram-se refletidos na sociedade como um todo. Desde 1940, as políticas governamentais de desenvolvimento foram alteradas para favorecer as novas elites agroindustriais, antecipadamente não-afiliadas ao PRI (Partido Revolucionário Institucional). No exato momento em que os setores trabalhistas e agrários da sociedade mexicana viviam seus melhores dias durante o mandato do esquerdista Cardenas, a estratégia de desenvolvimento modificou-se drasticamente. Os números de produção começaram a ultrapassar os progressos na justiça social. A atividade dos sindicatos estreitamente vigiada diminuiu o ritmo da reforma agrária e reduziu a participação relativa na renda dos estratos inferiores de renda equivalentes a 60% da população mexicana. Um pequeno grupo de renda média era capaz de obter ganhos materiais relativamente altos, enquanto a maioria permanecia em níveis quase estáticos de subsistência. A conclusão de Hansen a respeito dessa situação é que "um governo, no qual as necessidades de trabalho organizado e dos campesinos mexicanos eram EFETIVAMENTE (a ênfase é nossa) representadas não poderia ter nem planejado nem implementado a estratégia de desenvolvimento que tem caracterizado o recente crescimento econômico do México (desde 1940)". Hansen ainda coloca que, "comparativamente, a maioria dos demais países latino-americanos geralmente tem se esforçado mais em todas as áreas, exceto quanto à redistribuição de terras" (Hansen, 1971, p. 107). Por isso, durante mais de 30 anos, uma pequena elite de interesses agrários, industriais e, em menor escala, militares, assim como um diminuto número de profissionais liberais, mantiveram (não cabe ser discutido aqui como) a estabilidade interna necessária para o desenvolvimento econômico, controlando a população como um todo.

Uma resposta à pergunta a respeito de como tal estrutura social estática poderia desenvolver-se pode ser encontrada na complicada relação entre organizações de serviços públicos e padrões de organização política da população. Há indícios o bastante para confirmar a impotência política virtual das massas populares sobre o aparato da burocracia pública. O partido oficial do governo, o PRI, controla efetivamente, integra e, quando necessário, mobiliza a sociedade como um todo, principalmente os trabalhadores e os camponeses. Em virtude de o potencial destes últimos necessitar de uma parte maior dos benefícios que propiciam desenvolvimento, o PRI age como um eficiente instrumento de controle sobre a orientação de votos e a canalização da insatisfação popular.

Para todos os fins práticos, isto é, portanto, um aparato governamental que acompanha de perto todos os vários estratos da sociedade, cooptando aqueles que poderiam influenciar o programa de ação. O partido do governo periodicamente faz campanhas para conquistar novos correligionários. Em julho de 1967, o PRI esperava conseguir um total de sete a oito membros registrados. Isto significaria que cerca de 50% de todos os eleitores elegíveis seriam membros do partido (Furtak, 1969, p. 340). Mesmo que esses números sejam altos demais para refletir a real composição do partido; ainda assim indicam que uma grande parte da população, de uma forma ou de outra, deve ser computada como membros formalmente organizados. Quanto de controle é verdadeiramente exercido em um nível individual é evidentemente outro problema. De qualquer forma, o que estamos querendo demonstrar é que a maioria da população mexicana é realmente excluída da formulação de reivindicações às organizações de serviços públicos, ou, em outras palavras, não constitui um eleitorado ativo.

Em nosso contexto específico, isso significa que o comportamento das grandes organizações de serviços públicos pode ser efetivamente escondido da inspeção por parte de seus usuários. Sua influência é limitada a uma pequena minoria (que também administra sua estrutura), antes que dirigida para o eleitorado que em princípio se propusera a servir. Com base apenas no tamanho físico, ou seja, o pequeno círculo a que as organizações de serviços públicos respondem, é plausível, portanto, encontrarmos padrões de interação organizacional e comportamento individual governados pelos princípios da Gemeinschaft, impelidos e reforçados naturalmente por fatores institucionais externos, como já tentamos demonstrar nas partes anteriores deste artigo.

Além dos processos de controle político das massas, os fatos puramente econômicos da distribuição de renda demonstram que a maioria da população mexicana está efetivamente excluída dos benefícios das políticas de desenvolvimento industrial, em nome do qual estão sendo na verdade sacrificados. Uma consulta aos padrões de distribuição de renda (tabela 2) revela poucas mudanças no decurso dos anos, exceção feita aos estratos mais altos, cuja quota caiu substancialmente no período de 1950 a 1963. Em 1968, por exemplo, 80% da população controlava apenas cerca de 43% da renda nacional. Hansen coloca o problema de maneira ainda mais taxativa: "no início de 1960, estimou-se que dois terços a três quartos da população mexicana não tinham acesso ao mercado de muitos produtos modernos" (Hansen, 1971, p. 216-7). Embora haja dúvidas sobre se o mercado demonstrou ser ou não suficientemente flexível, permanece o fato de uma porção razoável da população estar realmente afastada dele.21 21 As implicações para as organizações industriais no setor privado são evidentes: restrições ao tamanho do mercado resultam em restrições iguais ao tamanho da organização e deseconomias de escala. Embora tal situação devesse intensificar o comportamento competitivo e inovador, seu aparecimento é efetivamente inibido pela proteção alfandegária.

De acordo com os parâmetros gerais das políticas de desenvolvimento, o governo e as condições sociopolíticas da sociedade proporcionam a estrutura na qual deve funcionar o setor privado, tirando bom proveito das amplas oportunidades oferecidas pelo estado que substitui os investimentos necessários e proporciona atividades econômicas complementares. O importante é observarmos a primazia do governo sobre os interesses privados, sendo que este também dita as regras.

Em termos de ambientes organizacionais, esta relação simbiótica resultou na criação de ambientes seguros tanto para os setores públicos como privados. Visto que o governo goza de uma autonomia de ação quase ilimitada no planejamento do desenvolvimento industrial, as organizações privadas podem contar com sua proteção. Vernon relata alguns dos aspectos mais concretos dessa situação. Embora algo ultrapassado, o panorama que ele traça pode ser considerado válido mesmo atualmente. Durante a campanha presidencial de Alemán em 1946, os interesses comerciais abordaram o governo solicitando medidas protecionistas que iam da garantia de aquisições mínimas por parte das agências estatais à restrição de determinadas competições ou até mesmo à proibição irrestrita ao estabelecimento de novas facilidades de produção (Vernon, 1965, p. 162). Em suma, o empresário mexicano poderia sempre contar com um mercado doméstico protegido com pouca ou nenhuma interferência da competição internacional, e ainda contando com todo o apoio do governo.

Esta relação íntima entre os negócios e o governo é ainda mais reforçada e institucionalizada pela forma especial de organização das firmas industriais. Legalmente, qualquer firma, exceto a menor, deve pertencer a uma das duas câmaras federais, à Federação da Indústria do México (Concamin) ou à Federação das Câmaras Nacionais do Comércio (Concanaco). Embora não pertençam oficialmente ao governo, são constantemente consultadas em questões de decisões de política econômica. Como constata Hansen:

"... a interação entre as várias câmaras de comércio e o governo é atualmente institucionalizada e contínua. As câmaras freqüentemente exprimem suas necessidades sob a forma de uma legislação proposta; nas outras ocasiões submetem emendas à legislação em estudo a convite do governo. Seus deputados agora ocupam vários lugares nas comissões reguladoras e consultivas do setor público e em uma série de outras entidades governamentais". (Hansen, 1971, p. 108). (Os grifos são nossos.)

Quanto a uma terceira organização, a Câmara Nacional da Indústria (CNT), a relação entre o governo e o setor privado é ainda mais direta. Seus membros são recrutados principalmente das fileiras das empresas estabelecidas mais recentemente (as que necessitam mais de proteção). Nessa câmara, encontraram uma plataforma comum que advoga contatos íntimos e contínuos com os organismos estatais oficiais. Hansen resume muito bem a negociação de programas de ação:

Este novo grupo de industriais, "mais que as firmas existentes anteriormente, precisava de proteção alfandegária, incentivos fiscais e assistência financiada pelo governo. Em troca de tal apoio, endossavam as políticas governamentais de reforma agrária e de bem-estar social, assim como a sindicalização da mão-de-obra mexicana". (Hansen, 1971, p. 109). (Os grifos são nossos.)

Baseando-nos nesta evidência, podemos tentar uma explicação de como os padrões de cooperação íntima entre os setores públicos e privados se reforçam mutuamente. De um lado, a compatibilidade entre estes dois setores é favorecida pelas condições gerais de desenvolvimento, pois o governo fixa a estrutura geral na qual o setor privado pode desenvolver suas atividades. De outro lado, o estado depende do setor privado, caso queira implementar eficazmente seu programa de industrialização.

Sob tais condições simbióticas, a estrutura e o comportamento organizacionais, tanto no setor industrial como no governamental, deveriam assumir formas peculiares. Por exemplo, com o governo controlando cerca de 90% de todas as licenças de importação, a adequação do produto torna-se menos importante para o empresário particular do que suas relações com o Ministério da Indústria e do Comércio, uma vez que este pode auxiliá-lo a ultrapassar certas barreiras legais. Este é um aspecto muito importante do problema, pois demonstra a tendência das organizações industriais privadas de dar mais satisfações aos programas de ação oficiais do que para os seus próprios imperativos, tais como mercado, diversificação de produtos, ou pesquisa e desenvolvimento.

No caso especial de R&D, outros fatores peculiares aos países em desenvolvimento são responsáveis pela procura empreendida pelo mundo dos negócios em busca de cooperação governamental íntima. Em um país onde os produtos novos quase sempre encontram mercados cativos ou, em outras palavras, onde os homens de negócios desfrutam de uma posição quase monopolista, são poucas as razões para incentivar as atividades R&D, haver vigoroso empenho no sentido de um mercado intensivo ou, de forma geral, melhorar a qualidade dos produtos. Se uma empresa introduz no mercado um novo produto, o governo sempre o protegerá, mesmo nos casos em que o produto já seja obsoleto. Por isso, o sucesso de um homem de negócios depende mais da manutenção de boas relações com as agências governamentais que controlam os dispositivos gerais da atividade econômica do que das condições mercadológicas objetivas. Em condições de escassez generalizada, o problema da eficiência não se apresenta sério o bastante para ser levado em consideração. Mesmo em um país como o México, que já possui uma estrutura de mercado, diversificada e ampla, a competição é predominantemente orientada no sentido da obtenção de vantagens competitivas sobre os rivais das instituições governamentais, antes que pela obtenção de fregueses, pelo simples fato de ser melhor. Em outras palavras, o quanto uma firma pode ser boa nas vendas é bem menos significativo do que quão boa ela é mantendo relações amigáveis com o governo.22 22 O que foi descrito aqui como a situação geral do México também pode ser encontrado em determinados setores da economia norte-americana. Por exemplo, para grandes fornecedores do governo em equipamento militar, geralmente é, no mínimo, igualmente importante saber bem quais os senadores certos do Comitê para gastos militares e oferecer as melhores peças disponíveis. As conseqüências da proteção em excesso, de um lado, e o sexenio, isto é, as reviravoltas periódicas no governo devidas ao remanejamento de pessoal, de outro, concorrem para incentivar o comportamento conservador das firmas industriais. A política organizacional inclinar-se-á para a autocontenção que permite maior autonomia de decisão, ao mesmo tempo que minimiza possíveis efeitos adversos do ambiente imediato, como a mudança administrativa. Quanto à relação direta entre governo e negócios privados, os padrões emergentes serão marcados pela conveniência da Gemeinschaft, simplesmente porque os meios institucionalizados são mais lentos e mais incertos, dadas as constantes alterações nos programas de ação gerais.

6.1.2 Articulações sociais e mobilidade profissional: o problema do comportamento organizacional

Admitimos a possibilidade de que a compreensão do comportamento nas organizações dentro ou fora dos limites geográficos provém de duas fontes: fatores histórico-institucionais e ambiente imediato. Baseando-nos em tudo o que já foi dito até o presente instante, repetiremos agora nossa pergunta inicial: por que as organizações de países como o México não funcionam adequadamente, apesar de sua gama de produtos e funções ter sido planejada detalhadamente, e sua estrutura organizacional projetada para corresponder às tarefas da maneira mais racional (no sentido weberiano) possível? Uma resposta já sugerida seria a de que as organizações são realmente muito eficientes, mas não no sentido convencional da palavra. A razão, como salientamos, encontra-se na tensão-Gemeinschaft que afeta a associação dos desempenhos relativos à tarefa com os relativos a poder. O resultado final concreto desse processo é que as grandes organizações de serviço público em países como o México estão muitas vezes mais próximas de serem associações de benefício recíproco (de seus membros) do que organizações de bem-estar público nos termos da tipologia Blau & Scott.

Outra explicação estaria nas conseqüências trazidas por articulações grupais peculiares ao México, uma vez que são tanto formadas como dissolvidas pelos mecanismos institucionais pós-revolucionários. Cada período de seis anos, o Primer Jefe (o presidente), ao mesmo tempo chefe do estado e de sua ampla super-camarilla, tem que abandonar o cargo, para que em seguida a burocracia burocrática dê início a um completo remanejamento de pessoal. Essa alteração burocrática obedece a determinados padrões. A relação patrão-cliente, personifica nas camarillas, opera de cima para baixo e não vice-versa. O Primer Jefe cerca-se de homens fortes políticos e econômicos, que possuem suas próprias camarillas. Em cada um desses grupos, outras pessoas de cargos inferiores se tornam, em algum momento, líderes de grupos de apoio ainda menores. Portanto, nos deparamos com uma corrente de relações de dependência desde o alto até as camadas inferiores. É evidente, então, que quando o líder deixa seu cargo, todos os seus sectários também têm que o fazer. Considerando-se que cada um dos sectários foi chefe de uma camarilla sua, ocorre que a maior parte dos escalões inferiores também tem que sair. O seguinte exemplo concreto ajudará a compreensão do problema:

"Reposição do Gabinete: um Secretário novo traz com ele seu próprio grupo de leais sectários, pois o secretário, tanto quanto o presidente, depende de absoluta lealdade. Tenho notado que quando o secretário da Agricultura se muda para o das Relações Exteriores, todos os empregados - às vezes até o porteiro - vão com ele." (Tannebaum, 1963. p. 253.)

Por outro lado, é importante considerarmos que a perda de posição de um líder implica imediatamente na possível (embora não infalível) dissolução da relação contratual com seus sectários. Quais são os efeitos sobre o funcionamento burocrático? De acordo com a lógica que estamos seguindo, isto significa caos - do tipo que levou muitos observadores das burocracias latino-americanas a associarem a burocracia com patologia. Mas é justamente em virtude da qualidade de serviços prestada aos consumidores ser de importância secundária, pelo menos nos casos de burocracias de serviços públicos, que comportamentos organizacionais tais como formalidade burocrática, tortuguismo (greve branca), transposição de responsabilidade, rigidez, inflexibilidade, excesso de discrição e má vontade na tomada de decisões devem ser interpretados como uma função de personalização e de coerência grupal e não sob uma perspectiva convencional de racionalidade organizacional. Visto de um ângulo sociológico mais amplo, este comportamento organizacional deve ser, mais uma vez, considerado como um reflexo dos fatores institucionais dominantes, neste caso, a tensão-Gemeinschaft.

Se abandonarmos a perspectiva de racionalidade global para focalizarmos a racionalidade individual, as conseqüências comportamentais desse período de seis anos se torna compreensível. Em primeiro lugar, isto implica uma rápida rotatividade burocrática, mesmo dentro do mesmo sexenio, o que torna os projetos de longo prazo uma impossibilidade virtual. Os recursos disponíveis para qualquer organização devem ser gastos imediatamente, uma vez que há a certeza de que outras pessoas com prioridades diferentes logo assumirão seu lugar. Esse sistema de mudança constante possui a propriedade latente de lembrar a todos que o status burocrático de cada um é frágil e sujeito a ser revogado a qualquer momento. Naturalmente, isto acarreta padrões comportamentais que podem entrar em conflito com os requisitos necessários para a execução de tarefas técnicas complexas. Além disso, este sistema acentua atitudes conservadoras e não confiantes.

Conseqüentemente, há pouca inclinação no sentido de se correrem riscos quando das tomadas de decisão, pois um erro quase certamente significaria a perda do cargo burocrático. Nos níveis mais baixos do governo, por exemplo, esta situação deu origem ao que se tem chamado de plazismo: "principalmente em termos locais, a rotatividade rápida dos cargos, a escassez de recursos, a relutância de correr riscos e as ambições pessoais não moderadas pela necessidade de concorrer a eleições combinam para produzir um número excessivo de projetos públicos de pouca importância para o desenvolvimento" (Fagen & Tuohy, 1972. p. 29). Por isso, os gastos públicos são realizados de maneira visível e politicamente conveniente, geralmente compreendendo projetos de interesse público que não fazem mal a ninguém, como um grande Zócalo, um novo parque ou uma imponente glorieta (praça). Como ainda afirmam Fagen & Tuohy, tais projetos "podem ser realizados em um prazo relativamente curto e aumentar exclusivamente o capital 'reputacional' do beneficiado ... eles são para todos, e desta forma não necessitam tomar decisões difíceis acerca de quais setores ou projetos deveriam receber parcos recursos" (Fagen & Tuohy, 1972 p. 29).

Até agora, tais padrões não diferem drasticamente de quaisquer outros encontrados nos EUA. Um candidato para o colégio eleitoral prometerá tudo, menos escolher o caminho de conflito político mínimo quando eleito. No entanto, esta identidade de padrões comportamentais é apenas superficial. No México, os servidores públicos não são fiéis à sua clientela de jure, mas àqueles que guardam poder sobre seu sucesso ou fracasso do seu cargo. A decisão e o comportamento burocráticos seguem padrões planejados para engrandecer as carreiras de uma maneira piramidal, de tal forma que as fileiras inferiores lucram indiretamente com a ascensão do chefe, em pequenas doses. Contanto que obedeçam às regras, estarão indiretamente promovendo suas carreiras. Em tais condições, qualquer problema técnico, no sentido mais puro da palavra, realmente constitui uma questão política a ser resolvida por meio de considerações pessoais. A competência técnica pode ajudar, mas nunca é o requisito básico.23 23 A distinção entre os desempenhos relativos à tarefa e os relativos ao poder (que já esboçamos) pode parecer corresponder à distinção entre técnicos e políticos. No entanto, embora faça sentido pressupor um conflito latente entre o conhecimento do técnico em discordância com as reivindicações de primazia do político, esta distinção possui pouco valor conceitual no caso do México, precisamente pelo fato de o limite entre a administração e a simples política ser indefinido. A autoridade proveniente da competência técnica e de habilidades específicas foi considerada por muitos estudiosos como estando em conflito com a necessidade de controle enraizada no posto político e na lealdade. Esta concepção foi utilizada a fim de explicar a ineficiência e o desperdício encontrados nos países parcialmente desenvolvidos. A solução proposta foi a de simplesmente treinar mais técnicos a fim de solapar o poder dos políticos. Como estamos tentando demonstrar, esta perspectiva ignora a natureza real da sociedade, isto para não mencionarmos as forças objetivas que estão trabalhando para forçar os técnicos a se transformarem em políticos para poderem sobreviver em qualquer organização.

Traduzidas em padrões de comportamento específicos, estas condições básicas definem um bom burocrata, ou, melhor, um burocrata eficiente, alguém que age de acordo com os desejos e necessidades de seu(s) patrão(ões) sem nunca incomodá-los, principalmente quando um determinado problema esperando solução lhe é encaminhado. Espera-se que ele liquide com o problema, sem perturbar seus superiores. Estes têm que dedicar seu tempo a coisas mais importantes (não obstante sua sobrevivência política) do que se preocupar com as necessidades técnicas de seus postos burocráticos. Isto significa que apenas as fileiras médias e, às vezes, inferiores concordariam em tomar importantes decisões que não apenas afetam seu ambiente específico (departamento ou repartição), mas muitas vezes as diretrizes gerais de toda a organização. Somente em poucas exceções, os escalões superiores tomarão decisões que não as relativas a um programa de ação geral e não-polêmico, tais como aprovar autonomia política, programas de bem-estar etc.

Estes padrões comportamentais são repetidos infinitamente em diferentes contextos burocráticos. No caso das fileiras intermediárias, há duas razões para seus participantes deverem tomar cuidado para não se expor em demasia. Em primeiro lugar, seu patrão pode cair em desagrado, e todos aqueles a ele intimamente ligados serão identificados com ele e quase que certamente compartilharão do mesmo fim. Em segundo lugar, qualquer decisão importante, por definição, é polêmica e, portanto, conflitante. Levando em consideração a tácita premissa de que o burocrata intermediário não deve deixar que nada de embaraçoso seja de conhecimento público, e conseqüentemente envolva seu patrão, é, portanto, evidente que ele adiará decisões importantes até o último momento possível, ou tentará evitá-las completamente. Como colocam Fagen & Tuohy: "O bom administrador é, acima de tudo, um gerente de responsabilidades delegadas hierarquicamente e um manipulador do ambiente público, e não um servidor público responsável ou responsivo" (Fagen & Tuohy, 1972. p. 27).

Esta situação básica de responsabilidades frouxamente definidas ainda possui outras implicações. Como já dissemos, enquanto de um lado a carreira de um burocrata depende de sua ligação com um fiador, de outro lado ele é bastante consciente de que poderá perder seus ganhos no momento em que seu líder cair em desgraça. Por isso, a resolução de problemas pelos burocratas inferiores a ele significa, em última análise, o alongamento de sua própria trajetória. No entanto, o sucesso de seus atos depende totalmente de critérios arbitrários, pois seu efeito depende, por sua vez, dos interesses pretendidos por seu superior. Isto na verdade significa que o comportamento dos escalões superiores e inferiores seguem rumos paralelos, ao invés de serem dependentes uns dos outros. O chefe, e ao mesmo tempo dirigente de uma camarilla, persegue suas metas de politicagem com todas suas exigências apropriadas, enquanto seus sectários nas fileiras burocráticas cuidam das funções e requisitos que seu superior deveria executar.

A primazia política do comportamento burocrático apresenta outros problemas que têm sido descritos em termos de uma conduta de coro musical. O tempo de duração algo limitado da permanência no posto, juntamente com os interesses pessoais do funcionário público tornam a rotação burocrática um componente integrante de mudança organizacional. Os extremos a que isso pode levar no caso do México podem ser identificados na seguinte citação:

"Alguns anos atrás, perguntei a um amigo do México, hoje uma personalidade célebre: onde você estará na próxima vez que eu vier ao México? Todas as vezes que eu visito este país você se encontra em uma posição diferente. Uma vez, você estava chefiando o cartório de registro de terras no Bureau de Recenseamento, depois estava na Administração Nacional de Estradas de Ferro; mais tarde, você era encontrado na repartição de impostos do Tesouro, e ainda depois passou a ocupar um cargo superior no Ministério da Educação Pública. Onde você estará da próxima vez que eu voltar?" Estávamos andando. De repente, ele parou e falou bem sério: "Estarei ou no Gabinete ou na prisão, e qualquer um dos dois será totalmente acidental." (Tannenbaum, 1963. p. 252).

A conseqüência prática desse tipo de situação é que não pode ser de interesse de um burocrata estar muito intimamente identificado com um determinado líder; mas ele também não pode se permitir ser qualificado com um sectário neutro. Esta situação paradoxal necessita de manobras e mudanças extensivas por parte do burocrata a fim de garantir suficiente segurança para si próprio. Normalmente isso consiste em fazer uma grande quantidade de planos de contingência em caso de mudanças abruptas. Realmente, o administrador precisa apelar para o que Riggs chama de gastos estratégicos, como dar festas suntuosas, vestir roupas elegantes e empenhar-se em uma série de outras atividades que garantam a constante atenção de seus superiores. Mas isso também impõe dificuldades substanciais para a capacidade individual de "ser politicamente flexível", como exemplifica a seguinte citação:

"Enquanto Mr. X era diretor de crédito, ele jogava squash toda semana com Mr. Y. Depois que ele deixou seu posto como diretor de crédito, acabaram-se as partidas de squash. Certo dia, então o ex-diretor de crédito encontrou com seu ex-parceiro de squash e perguntou-lhe o que acontecera com suas partidas. O outro respondeu: "Oh! eu ainda jogo golfe todas as semanas com o diretor de crédito." (Purcell & Purcell, 1977.)

Naturalmente, tais condições freqüentemente levam à não-resolução de problemas, isto é, transferem-nos indefinidamente para a "lista de espera". Quase por definição, então, tais características administrativas supostamente boas, como inovação, iniciativa e responsabilidade não são apenas não-recompensadas, mas também ativamente desencorajadas, pois podem potencialmente romper a regular e descendente (de cima para baixo) organização de burocracia e seu funcionamento informal. As pessoas com tais qualidades são consideradas potencialmente ingênuas, aliás, muito propriamente, considerando-se o contexto social. Vista, portanto, a burocracia sob este ângulo, suas tarefas, funções e metas parecem mais uma questão personalizada cujas estruturas foram adaptadas às idiossincrasias de seus membros humanos, do que uma resposta-padrão a determinados problemas.

Em termos de produções organizacionais, esta situação pode implicar mais alguns aspectos. Quando consideramos as burocracias governamentais como organizações técnicas empenhadas em solucionar problemas de maneira competente e eficiente, há uma necessidade básica para o pessoal experiente. Afinal, o governo, mesmo em países como o México, está fazendo alguma coisa. No entanto, mesmo se existisse uma grande gama de burocratas cultos, experientes e competentes (que não é o caso do México, onde são escassos), isto causaria pouca influência sobre a burocracia, considerada como um sistema de resoluções de problemas puramente técnicos. O primeiro obstáculo, como já foi mencionado anteriormente, é o limitado período de duração de permanência no cargo. Assim, qualquer posição burocrática acima dos cargos tipo auxiliar de escritório é essencialmente política, dada a estrutura institucional geral que apresentamos. A competência individual e o treinamento profissional constituem, portanto, claro auxílio à politicagem privada (grilla)

Em tais condições, se é para a burocracia funcionar pelo menos com o mínimo de recursos, torna-se necessário estabelecer laços ainda mais personalizados entre as chefias burocráticas. Isto é, em virtude da ausência de perícia burocrática e níveis baixos de formalização efetiva, a necessidade de absoluta confiança representa o requisito básico para que uma burocracia venha a funcionar. Encontramos a personificação estrutural deste requisito nos hombres de confianza. Este estrato peculiar de burocratas é inteiramente dedicado ao seu superior (chefe de um grupo fechado) que recompensa generosamente sua lealdade com comissões materiais ou políticas, o que caracteriza a relação como uma disposição recíproca e contratual (Grindle, 1977). Ao mesmo tempo, esta solução (se é que se possa dar-lhe este nome) garante obediência absoluta à hierarquia. Neste (limitado) sentido, a burocracia pode alcançar altos níveis de eficiência.

Uma importante peça comprobatória de que a importância técnica relativa das tarefas desempenhadas por uma burocracia pública não afeta basicamente estes padrões é fornecida pelo estudo de Greenberg do Ministério Mexicano de Recursos Hidráulicos (Greenberg, 1970). Esta burocracia governamental representa uma das instituições públicas mais bem orientadas tecnicamente, mas ainda assim sua força política dentro do sistema de administração pública mexicana é mínima.24 24 Tanto assim que após a reforma administrativa de 1977 foi relegada a um plano subordinado a um Ministério, tanto poderoso como altamente politizado, o da Agricultura e Pecuária.

Dada sua gama algo parcamente definida de competência técnica, como construir usinas hidrelétricas e sistemas de irrigação, esta organização deveria supostamente se parecer com organizações industriais. Em sua análise, contudo, Greenberg caracteriza esta burocracia mexicana como sendo tanto politizada como partidária. Ele segue basicamente o modelo riggsiano de sociedade prismática, segundo o qual a orientação de burocracia é aquela em que a aquisição de poder controla as questões de implemento de decisões governamentais. Uma vez que o problema do poder se encontra relacionado com o indivíduo, em virtude da natureza personalista da interação, a consideração de lealdades para com seus iguais e seus amigos, em vez de para com a organização, é básica. No Ministério de Recursos Hidráulicos, portanto, a questão do sucesso segue os mesmos padrões que temos repetido até agora.

Quanto ao problema do recrutamento, as especificações técnicas para a administração desse ministério tornam imperativa a admissão de candidatos com um conhecimento mínimo indispensável de engenharia. Mas além desta ampla exigência geral para o pessoal tecnicamente treinado, o processo de seleção logo se torna bastante personalista, obedecendo aos padrões informais de relacionamentos sociais e conveniência política. Como conclui Greenberg:

"O Ministério pede conhecimento técnico na grande maioria de seus cargos de confiança, e este fator é básico no recrutamento de pessoal. Ao mesmo tempo, o pessoal técnico é selecionado do grupo de engenheiros que estão politicamente protegidos em dada época (...) No nível de posições específicas, além disso, o processo de seleção se torna altamente pessoal. É neste momento que 'quem se conhece' se torna mais importante do que 'o que se sabe'."

Greenberg ainda nos informa mais alguns aspectos do recrutamento, como, por exemplo, a utilização de cartas de recomendação de políticos dos altos escalões. Tais práticas são possíveis porque qualquer teste de competência técnica cabe aos funcionários selecionadores.

Em suma, o homem de organização na sociedade mexicana é, em primeiro lugar, um homem social, como atestam suas associações de grupo particulares. Como tentamos argumentar, as exigências organizacionais constituem variáveis dependentes desta disposição básica. Assim, os problemas não são abordados e solucionados em si mesmos, mas da maneira como um superior hierárquico quer que eles sejam. O aspecto de input do comportamento organizacional, além disso, é basicamente estruturado por influência que nenhuma organização, não importa quão perfeitamente planejada, pode pretender controlar. Realmente, a existência de uma organização é definida por seus membros, e não vice-versa.

Os exemplos que apresentamos na última parte deste artigo foram escolhidos não apenas para ilustrar algumas dimensões concretas de nossa estrutura conceitual, mas também em virtude de suas características aparentemente patológicas que poderiam ser explicadas como desviantes ou exóticas em relação ao ponto de vista convencional de análise organizacional. Foi exatamente nosso propósito demonstrar que tais características, quer se refiram ao recrutamento burocrático, a certas funções produtivas ou à dinâmica de grupo interna, encontram suas raízes no contexto adjacente de história e sociedade. Esse elo pode ter sido reconhecido na bibliografia sociológica, inclusive na da sociologia das organizações, mas suas implicações teóricas não foram descritas. No contexto da política social, se estes fatores forem julgados serem indesejáveis e perniciosos ao funcionamento eficiente da burocracia (supondo-se que se saiba definir eficiência), então se torna impossível defender a hipótese de que aquilo de que se necessita nos países em desenvolvimento são programas de ajuda técnica que implantem boas práticas burocráticas entre os nativos ignorantes. Contanto que nada se modifique no sistema social e econômico adjacente, tais esforços podem ser nada mais que tristes, ilusórias e, acima de tudo, custosas simulações que proporcionam gordas taxas de consulta às firmas ocidentais e uma frente progressiva conveniente atrás da qual podem ser lucrativamente disputados jogos políticos para a organização receptora.

7. CONCLUSÃO

A primeira razão que nos levou a escrever este trabalho foi a incapacidade de diversas linhas de teoria da organização, atualmente, acumuladas, oferecerem explicações satisfatórias acerca do comportamento organizacional nos países em desenvolvimento. Como procuramos argumentar, todas as vezes que uma tentativa genuína de explicar o comportamento burocrático em tais países foi feita, ela se baseou fora das estruturas teóricas reservadas para as respeitáveis burocracias ocidentais e geralmente consistiam em fatores tirados de um saco de gatos, como cultura e subdesenvolvimento. Não importa quão obscuramente técnica tenha sido a linguagem de tais trabalhos; eles não ultrapassaram a marca de nos informar, em última análise, que as burocracias dos países em desenvolvimento não funcionam do mesmo modo que as das sociedades ocidentais, porque, de uma forma ou de outra, são diferentes.

Assim, essa real incapacidade de paradigmas estabelecidos para explicarem o comportamento aparentemente desviante de burocracias não-ocidentais inspirou mais um problema, bem mais grave, ou seja, se estes paradigmas estabelecidos alguma vez chegaram realmente a explicar o comportamento burocrático nesses países industrializados, função para a qual teriam sido supostamente confeccionados. Na verdade, descobrimos que estes paradigmas produziram alguns modelos de comportamento, mas que estes estranhamente entravam em conflito com a realidade como a conhecemos. Defendemos a hipótese de que a razão residia no fato de esses não serem modelos provenientes da observação direta do comportamento, mas do comportamento inferido das construções teóricas em que os indivíduos não desempenhavam nenhuma parte teoricamente central, mas apenas previsões falsas, à medida que suas necessidades emocionais interferiam na exatidão de tais modelos.

Temos agora que provar nossa hipótese de que os modelos vigentes têm sido pouco mais que confortáveis mitos, e que uma observação mais atenta das burocracias não-ocidentais pode nos esclarecer consideravelmente a respeito da maneira como homens realmente agem, tanto em burocracias ocidentais como nas não-ocidentais. A fim de encontrarmos uma chave comum para ambos os tipos de sociedades, argumentamos que havia a necessidade de mudarmos as premissas analíticas básicas nas quais se apoiam a maioria das análises organizacionais, isto é, que o ponto de partida deveria ser o indivíduo, com toda a parafernália histórica, cultural e pessoal que ele recolhe de sua experiência social, dentro e fora da organização, e utiliza para sobreviver e prosperar dentro dela com base nas compensações monetárias porventura disponíveis. Conseqüentemente, as organizações podem ser analisadas tanto quanto as construções sociais mais permeáveis e os agentes individuais nelas existentes se tornem refletores e ativadores de importantes mecanismos sociais.

Qual, então, seria a vantagem especial que reivindicamos para os países em desenvolvimento sobre as sociedades industrializadas ocidentais a fim de identificarmos esse plano analítico de sociedade-na-organização? Em nossa opinião, principalmente sua simplicidade. Nestes países, a condição de todo-poderoso do estado e a nítida divisão entre elites e não-elites bem simplificam muito a tarefa de inferir a influência do ambiente sócio-histórico sobre as estratégias individuais e o papel das articulações sociais individuais nos processos de mobilidade. Não há áreas de ação social claramente diferentes e analiticamente separáveis em tais países, pois são institucional e organizacionalmente dispersas. Em tais condições, as expectativas se encontram com a realidade muito mais facilmente do que em sistemas altamente diferenciados e complexos, como os encontrados nos EUA, onde todos ingenuamente esperam que todas as organizações funcionem como o Bell System. Quando confrontados com provas contrárias de outras áreas, como sistemas de serviços de educação ou saúde, que são baseados em estruturas de interesse e poder inteiramente diferentes, ao invés de abandonarem seus preciosos mitos, os observadores desapontados sentem-se propensos a atribuir o fracasso à incapacidade técnica facilmente remediada com mais fundos e mais treinamento. Assim, em sociedades como a norte-americana, a organização desviante (departamentos de polícia, prisões, hospitais) são tão prováveis de serem varridas para debaixo do tapete como atípicas como as burocracias nos países em desenvolvimento, e dispensadas com o diagnóstico simplista de que não funcionam devidamente porque precisam de mais e melhores inputs. A algaravia teórica, portanto, acontece tanto dentro da mesma sociedade como entre diferentes sociedades.

Neste trabalho, propusemo-nos precisamente a escolher tais organizações doentes como as mais produtivas para investigação, o que torna as BPD mais promissoras que as outras. Entretanto, a utilização do termo doente não deveria ser compreendida como relacionada de alguma forma com a noção de racionalidade da maneira como afirmamos repetidas vezes que as burocracias aparentemente patológicas podem ser na verdade bastante racionais. Ao descrevê-las como doentes, estamos na verdade fazendo uma declaração de desaprovação moral, colocando-nos do lado político dos impotentes e enganados consumidores de serviços, ao mesmo tempo que reconhecendo que o sistema possui sua própria terrível racionalidade.

De um ponto de vista teórico, as organizações saudáveis, isto é, as que ostentam coerência entre metas, participantes, beneficiários e defensores são tão interessantes quanto as doentes. Para o cientista social, portanto, escolher a última é fazer uma escolha não-intelectual e escolher forças reveladoras na sociedade que ele (ou ela) julga indesejável ou destrutiva. Como estudiosos moralmente engajados, portanto, escolhemos denunciar o que acreditamos estar errado com determinados tipos de organizações, de forma a impedir (tanto quanto nosso humilde status político permita) que os ladinos políticos de nossas sociedades reforcem o status quo afirmando que mais fundos e mais treinamento resolverão os problemas da ineficiência burocrática.

Portanto, os argumentos que apresentamos neste trabalho não deveriam ser compreendidos como uma tentativa mascarada de justificar secretamente os problemas de funcionamento das burocracias. Como um fenômeno generalizado nos países em desenvolvimento, isto nos proporciona o triste espetáculo de sociedades autodestruidoras em que o egoísmo míope das pessoas condena todo o sistema à estagnação e à mudança regressiva.

Mas limitarmo-nos a tal julgamento revelaria uma perspectiva excessivamente estreita, isto é, que as organizações devem, de uma forma ou de outra, ser instrumento de progresso, quando, na verdade, não podem ser nem melhores nem piores do que a sociedade que as cerca. Entretanto, nos reservamos o direito de julgar sociedades inteiras como injustas e estropiadas, ao mesmo tempo que consideramos as burocracias como simples reflexos de tais condições gerais. Culpar as burocracias exclusivamente por males sociais generalizados seria não ultrapassar a opção de um bode expiatório sociológico mal-escolhido.

Bem distantes de considerações morais, julgamos que a perspectiva aqui apresentada, além das desafiadoras metodologias tradicionais, oferece uma nova visão das coisas. Por exemplo, não podemos mais nos satisfazer em assinalar que um dado comportamento é ou não é conducente à sobrevivência organizacional, sem que logo se manifeste o problema da sobrevivência para quem e a custa de quem. Com estes problemas, a dimensão política da sociologia organizacional não pode mais ser ignorada, e podemos enfim atentar para a grave crítica por parte dos marxistas de que qualquer perspectiva sociológica que não consegue preencher a lacuna existente entre os fatos empíricos concretos e forças históricas mais fortes é, na melhor das hipóteses, um exercício inútil e, na melhor, uma aceitação tácita do status quo.

Isto significa que os mecanismos internos das organizações, assim como suas trocas com seus ambientes, devem ser enquadrados perfeitamente no contexto sócio-histórico de dadas estruturas de classe. Vista sob tal perspectiva, a sociologia organizacional não é mais uma especialidade isolada que pode ser escolhida arbitrariamente de uma lista de compras heterogênea, como as encontradas em textos introdutórios, Ao invés disso, ela se torna o palco para os processos sociais vitais e o indispensável elo para compreendê-los.

No entanto, não queremos abandonar o palco apenas diagnosticando que há algo errado com a teoria da organização ou que houve um juízo falso básico na aproximação do assunto de pesquisa. Também gostaríamos de propor algumas idéias gerais no sentido de que rumos seguir a partir deste instante.

Em grande parte, pensamos que o desenvolvimento característico das diversas disciplinas relacionadas com a organização em todas suas múltiplas facetas foi responsável pela relativa incapacidade de explicar os assim chamados casos desviantes. A incansável perseguição do empírico, sem um progresso concomitante na elaboração teórica, provocou o surgimento de várias subdisciplinas dentro de uma mesma área de interesse, que acabou por tornar cada vez mais difícil reconciliar resultados dispares do mesmo tópico. Em termos mais leigos, tornou-se difícil enxergar a floresta porque havia muitas árvores (pesquisa empírica) atrapalhando a visão. Por isso, necessita-se de um reagrupamento da teoria da organização, principalmente no que tange a sua aliança com a teoria social geral.

De que maneira a perspectiva que apresentamos aqui corrige esta dispersão conceitual? Embora nosso papel tenha sido mais de remexer a sujeira do que propriamente construir, fizemos primeiramente uma tentativa de mesclar os fatores históricos, estruturais e situacionais (estratégias individuais), que eram geralmente separados na maior parte das análises organizacionais. Em segundo lugar, fizemos uma tentativa de reconciliar a estrutura com uma visão da realidade orientada pela ação. Não há dúvidas de que deixamos muitas lacunas conceituais e ambigüidades no processo, o que deveria ser acusado impiedosamente (esperamos) por críticos futuros. Qualquer que venha a ser nosso destino em suas mãos, esperamos, de uma forma ou de outra, ter convencido os mais céticos de que há algo fundamentalmente errado com os meios sociológicos existentes de analisar organizações, de forma que eles não serão tão severos a ponto de apontar impropriedades nas alternativas propostas.

O que nos encorajou em nosso impulso iconoclasta foi a percepção de que não estamos sozinhos na tarefa de denunciar as formas tradicionais de análise organizacional. Embora não possamos afirmar que nos apoiamos em grandes cérebros, pelo menos alguns sociólogos conservadores já jogaram as primeiras pedras (como não poderia deixar de ser, uma vez, que provavelmente seriam mais ouvidos que estudiosos mais periféricos). Assim, já ouvimos falar que a maior parte das características da estrutura organizacional não são tecnicamente necessárias, mas apenas instrumentos míticos planejados para escorar a legitimidade (Meyer, 1977), que as organizações são utilizadas por determinados grupos de interesse (Alford, 1975; Perrow, 1977) e que estes formam diversos padrões de organização emprestados da sociedade antes que de manuais de organização (Zald & Berger, 1978).

De modo geral, tais perspectivas parecem estar "recuperando o elemento humano", como pretendíamos, além de restaurar o elo entre organização, sociedade e história que os velhos mestres europeus nos transmitiram como uma unidade simbiótica inseparável, e que nós tão descuidadamente dividimos.

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  • *
    Tradução do original em inglês por Nelson Pujol Yamamoto e revisão técnica por Nilza Vieira M. do Prado.
  • 1
    À parte quaisquer sutilezas de definição, os termos burocracia e organização serão utilizados alternadamente neste ensaio como referência aos esforços coletivos de caráter permanente.
  • 2
    Não é produtivo argumentarmos que mecanismos de supervisão e controle impedem que isso aconteça, pois isso seria afirmar que apenas os participantes inferiores são atraídos pelo desvio, quando, na verdade, os participantes superiores têm muito mais a ganhar com isso e muito mais recursos à sua disposição para passarem despercebidos.
  • 3
    Talvez valha a pena mencionarmos um outro aspecto: a ênfase especial dada à experiência japonesa - o único caso de um país em desenvolvimento não-ocidental que conseguiu o feito de ser admitido no clube fechado dos países industrializados, ocidentalizados e, portanto, modernizados.
  • 4
    Por exemplo, os benefícios sociais de diminuir o índice de natalidade da índia de 1,6 para 1,2 podem ser enormes, mas não suficientemente visíveis ou socialmente valorizados, e há muito chão a percorrer entre a ativação de um programa de ação e os seus resultados.
  • 5
    Além disso, expedir cartas de motorista desvalorizaria as oportunidades de suborno de que seus subordinados poderiam tirar vantagem, surpreendendo motoristas sem carta na estrada, e, conseqüentemente, lhe valeria a inimizade deles mais que seu respeito. Criar-lhes oportunidades econômicas por meio de não expedição de cartas de motorista, portanto, constitui um recurso político adcional à disposição do chefe, que ele utiliza para conseguir obediência de seus subordinados de maneira mais eficiente do que por meio de regras e regulamentos repressores. A população perde, mais isso não tem importância. Visto sob este prisma, o processo não é, portanto, tão imbecil como afirmou erroneamente Stinchcombe (Stinchcombe, 1974. p. 10, sic), mas altamente racional.
  • 6
    Tais condições existem em muitos países em desenvolvimento onde os sindicatos adquiriram poder substancial em troca de sua cooperação com o governo. Este também parece ser o caso em muitas sociedades ocidentais, pelo menos em se tratando de servidores públicos.
  • 7
    Conseqüentemente, esta perspectiva histórica também repudia a utilização das assim chamadas explicações históricas, que aproximam de maneira mecânica os padrões de comportamento de séculos atrás dos processos contemporâneos graças às
    tradições prolongadas, século após século, como resíduos sociais dos tempos de outrora, miraculosamente deixadas intactas pelos processos de mudança social. Um exemplo desse tipo de interpretação é a corrupção na América Latina, decorrente das práticas da Coroa Espanhola em suas colônias; um outro exemplo é a instabilidade marital nas famílias negras dos EUA, decorrente da escravidão. Ambos os argumentos são inconsistentes quando confrontados com dados empíricos comparativos de sociedades com antecedentes históricos radicalmente diferentes. A corrupção vigora em sociedades que não tiveram importantes precedentes históricos e o matriarcado é uma característica da classe pobre urbana, desde o início da Revolução Industrial, mesmo sem escravidão.
  • 8
    Não podemos utilizar aqui a clássica dicotomia primário-secundário das relações sociais, uma vez que este conceito deveria se diferenciar, intrinsecamente, das relações valorizadas extrinsecamente. Como defenderemos adiante, esta separação nítida não é possível nas sociedades em desenvolvimento, e não é generalizada nas sociedades ocidentais.
  • 9
    É interessante observarmos que os grupos minoritários, como os negros e as mulheres, raras vezes concordam com essa perspectiva...
  • 10
    Consideraremos o efeito total de tais estratégias para a organização, como um todo, como um subproduto distinto de processos de estratégias individuais que podem vir a ser preservadores ou destruidores do sistema, não
    a priori, mas de acordo com a estrutura de oportunidades da forma como a analisaremos.
  • 11
    Pode-se defender a hipótese de que as classes altas são tão ou mais móveis que as classes médias, porém, em seu caso, as distâncias não possuem a mesma importância. Elas não apresentam a mesma barreira às freqüentes interações face a face, pois distância significa mais dinheiro do que tempo. Além disso, as classes altas não estão dispersas por toda a extensão de um país como as classes médias, pois tendem a se concentrar nas grandes metrópoles.
  • 12
    Além dos canais informais de interação, os altos postos que os membros das classes altas geralmente ocupam nas organizações lhes permitem interagir com pessoas de nível alto em posições semelhantes as suas em outras organizações mais do que seria possível para os participantes de nível médio.
  • 13
    No caso do México, por exemplo, a velha aristocracia rural foi virtualmente destruída pela revolução, ao passo que a nova classe alta é constituída por aqueles que estiveram associados intimamente com a
    família revolucionária ou pela nova elite industrial nascente. O que uma revolução social conseguiu no México foi obtido por meio de processos econômicos mais lentos no resto do Terceiro Mundo, onde as economias mudaram de um esquema de substituição de exportação para importação. Isto, por sua vez, deu origem a uma nova elite social e relegou as velhas famílias da aristocracia rural a um segundo plano.
  • 14
    Além disso, seria interessante salientarmos que não há um motivo
    a priori para que uma organização que não preste serviços eficientemente aos seus clientes
    de jure deva ser considerada menos eficiente ou racional do que uma organização que preste bons serviços. A primeira pode ter orientado sua racionalidade no sentido de servir outros tipos de clientes, como seus membros ou membros de outras organizações selecionadas. As metas oficiais são, por conseguinte, um tanto irrelevantes no julgamento da racionalidade ou da eficiência de uma organização.
  • 15
    Houve quem argumentasse que a situação das democracias ocidentais não é drasticamente diferente à medida que os mecanismos democráticos também são muito frágeis e não constituem medidas efetivas de controle do comportamento do governo.
  • 16
    É importante observarmos que não incluímos a mudança tecnológica como um elemento importante, uma vez que não há praticamente nenhuma que seja originada internamente. Portanto, a tecnologia é parte do mercado e uma das fontes primárias de dependência dos países industrializados.
  • 17
    Isto também pode contribuir para uma agravação da concentração industrial, uma vez que as grandes firmas são as mais prováveis de perceber mais depressa as pichações nas paredes e proceder às reformas internas necessárias, ao passo que as firmas pequenas mais conservadoras desapareceriam com tais mudanças.
  • 18
    Este mínimo, entretanto, pode ser aumentado por meio de subornos, o que vem a demonstrar que, em dados contextos, a corrupção é uma solução, antes que um problema.
  • 19
    Não estamos pensando em empresas públicas que
    normalmente perdem dinheiro, como transportes públicos ou eletricidade, mas em uma vasta gama de empresas industriais públicas que podem ser encontradas em todos os setores.
  • 20
    Um índice das conseqüências práticas de tais disposições políticas frouxas pode ser o fato de que o tempo de posse médio dos governos era de nove meses entre 1823 e 1855 (Cumberland, 1968. p. 141-2).
  • 21
    As implicações para as organizações industriais no setor privado são evidentes: restrições ao tamanho do mercado resultam em restrições iguais ao tamanho da organização e deseconomias de escala. Embora tal situação devesse intensificar o comportamento competitivo e inovador, seu aparecimento é efetivamente inibido pela proteção alfandegária.
  • 22
    O que foi descrito aqui como a situação geral do México também pode ser encontrado em determinados setores da economia norte-americana. Por exemplo, para grandes fornecedores do governo em equipamento militar, geralmente é, no mínimo, igualmente importante saber bem quais os senadores
    certos do Comitê para gastos militares e oferecer as
    melhores peças disponíveis.
  • 23
    A distinção entre os desempenhos relativos à tarefa e os relativos ao poder (que já esboçamos) pode parecer corresponder à distinção entre
    técnicos e
    políticos. No entanto, embora faça sentido pressupor um conflito latente entre o conhecimento do
    técnico em discordância com as reivindicações de primazia do
    político, esta distinção possui pouco valor conceitual no caso do México, precisamente pelo fato de o limite entre a administração e a simples política ser indefinido. A autoridade proveniente da competência técnica e de habilidades específicas foi considerada por muitos estudiosos como estando em conflito com a necessidade de controle enraizada no posto político e na lealdade. Esta concepção foi utilizada a fim de
    explicar a ineficiência e o desperdício encontrados nos países parcialmente desenvolvidos. A solução proposta foi a de simplesmente treinar mais técnicos a fim de solapar o poder dos políticos. Como estamos tentando demonstrar, esta perspectiva ignora a natureza real da sociedade, isto para não mencionarmos as forças objetivas que estão trabalhando para forçar os
    técnicos a se transformarem em
    políticos para poderem sobreviver em qualquer organização.
  • 24
    Tanto assim que após a
    reforma administrativa de 1977 foi relegada a um plano subordinado a um Ministério, tanto poderoso como altamente politizado, o da Agricultura e Pecuária.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1979
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