Acessibilidade / Reportar erro

Marketing e empresa: uma nova era para o marketing de bens de consumo?

INFORME TRIMESTRAL

Marketing e empresa: uma nova era para o marketing de bens de consumo?

Juracy G. Parente

Transformações extremamente profundas vêm ocorrendo no marketing de produtos alimentícios nos EUA, nos últimos cinco anos, com o desenvolvimento do "varejo não-sofisticado". Essas transformações foram analisadas detalhadamente em excelente e extenso artigo publicado na Business Week, edição de 23 de março de 1981. Vejamos o que vem ocorrendo nos EUA, já que alguns dos fatores que vêm provocando essas transformações começam agora a serem introduzidos no Brasil.

1. AUMENTO DO PODER DOS VAREJISTAS

Até há alguns anos, o mercado norte-americano de produtos alimentícios e de consumo doméstico vinha sendo dominado pelos fabricantes, os quais, dispondo de grandes orçamentos de propaganda e milhões de informações sobre o mercado, conseguiam persuadir a colocação de seus produtos nas prateleiras dós supermercados. Os varejistas de alimentos, tendo aperfeiçoado novas formas de varejo não-sofisticado, através dos supermercados de descontos e dos produtos genéricos, estão apresentando sua primeira ameaça ao marketing das marcas nacionais e conseguindo atingir uma maior dose de controle de seu próprio destino. Não é de se estranhar que essas duas inovações sejam invenções européias, já que, diferentes de seus colegas americanos, os varejistas europeus vêm tradicionalmente exercendo um maior domínio no negócio de alimentos.

Foi o grupo alemão Albrecht que inaugurou o primeiro supermercado de desconto ("Aldi") nos EUA há cinco anos, no meio oeste americano. Estocando apenas uma marca e tamanho por classe de produto, conseguindo reduzir a sua variedade a 500 itens, acabando com o empacotamento, precificação, recebimento de cheques no caixa, e até mesmo enliminando as onerosas seções de perecíveis, mas, em contrapartida, oferecendo uma redução de 20% nos preços, a loja Aldi representou um enorme contraste com os supermercados tradicionais. A reação do consumidor americano foi entusiástica e o conceito do supermercado de desconto com sortimento limitado foi rapidamente imitado pelas empresas americanas, com lojas do tipo "Aldi" ou apresentando variações com linhas de produtos mais extensas, mas sempre com a filosofia da loja despojada. Estima-se que atualmente existam cerca de 1.800 dessas lojas nos EUA.

Os "produtos genéricos" consistem no outro elemento dó varejo não-sofisticado. Desenvolvido também pelo varejo europeu (lançado há cerca de cinco anos pelo Carrefour, na França), os produtos genéricos são produtos sem marca, exclusivos de uma rede varejista. Diferente dos produtos de marca própria que, em geral, imitam as marcas nacionais, os produtos genéricos consistem em novos desenvolvimentos de produtos de qualidade aceitável, mas que possam ter preços cerca de 30% mais baixos que os das marcas nacionais, pois utilizam '. embalagens mais econômicas, recebem menor processamento e são fabricados com ingredientes mais baratos.

Atualmente, esses produtos são encontrados na metade dos supermercados americanos e suas vendas chegam, em algumas redes, a obter a expressiva participação de 15%.

Os fabricantes americanos vêm acompanhando esses desenvolvimentos com justificada apreensão. A redução drástica do número de marcas comercializadas pelas lojas de sortimento limitado significa que muitas marcas não estarão presentes em um crescente segmento do varejo americano. Por outro lado, o desenvolvimento dos produtos genéricos vem ocasionar uma redução da fatia de mercado das marcas nacionais. Com volumes de vendas reduzidos, e crescente ociosidade na capacidade de produção, muitos fabricantes, mesmo os líderes de mercado, começam a contragosto vendo-se forçados a fabricarem produtos genéricos para assegurarem a sua sobrevivência.

As ameaças provocadas pelo desenvolvimento do varejo não-sofisticado são entretanto ainda mais marcantes. Ê que as lojas de sortimento limitado estão demonstrando que os consumidores estão perdendo suas lealdades à marca e tornando-se crescentemente sensíveis a preço. Esta constatação está levando supermercados tradicionais a considerarem uma substancial redução de variedade de marcas e opções de tipos e tamanhos.

2. REAÇÕES DOS FABRICANTES

Com a finalidade básica de assegurar que suas marcas não estejam entre aquelas descartadas pelas cadeias varejistas os fabricantes americanos começam a desenvolver reformulações em suas estratégias mercadológicas.

Reconhecendo a crescente sensibilidade do consumidor ao fator preço, os fabricantes vêm aumentando consideravelmente os descontos oferecidos ao consumidor, principalmente na forma de cupons. Assim é que as empresas modificaram a composição de seu marketing mix, de 50% propaganda e 50% promoção, para 40% propaganda e 60% promoção (principalmente promoção de preço).

Outras empresas procuram, entretanto, soluções estratégicas mais de longo prazo. Nos últimos dois anos, por exemplo, a Colgate concentrou sua propaganda nas suas 11 melhores marcas e reduziu ou eliminou drasticamente os gastos em propaganda das marcas mais fracas. Tentando utilizar a seu favor a sensibilidade-preço do consumidor, a Colgate agrupou seus produtos mais fracos, chamando-os de Colgate value brands (marcas de valor Colgate). Essas marcas deixaram de ser anunciadas, mas são vendidas com preços cerca de 20% mais baixos que os de seus concorrentes.

Considerando que o segmento de consumidores sensíveis à qualidade ainda continua a existir, a Union Carbide, por exemplo, decidiu atender às diferentes preferências de diferentes segmentos. Além de produzir sacos de lixo genéricos de qualidade-padrão (sacos de lixo de apenas uma dobra), para os consumidores sensíveis a preço, realizou intensa campanha para promover o seu novo produto de qualidade superior (um saco de lixo com três dobras) para o segmento sensível à qualidade.

3. PERSPECTIVAS NO BRASIL

Os varejistas brasileiros, atentos às novas tendências dos Estados Unidos e Europa, já iniciaram o transplante e a adaptação para o Brasil, não só dos "supermercados de desconto" como também dos "produtos genéricos". Dois aspectos que caracterizam a atual conjuntura econômica brasileira fazem com que o conceito do varejo não-sofisticado encontre solo fértil para florescer com excepcional vigor.

O primeiro consiste na fase de retração de demanda que o mercado consumidor brasileiro vem atravessando. Essa retração vem sendo provocada não só por políticas salariais de redistribuição de renda, que penalizando os aumentos salariais da classe média reduzem seu poder de compra, como também por uma diminuição do ritmo da atividade econômica, que vem ocasionando elevados índices de desemprego. Experimentando uma real queda em seu poder de compra, os consumidores sentem-se estimulados a desenvolverem uma atitude de "economizar", tomando-se assim crescentemente sensíveis aos apelos de preços baixos.

A inflação é o segundo aspecto que vem afetando o comportamento de compra do consumidor brasileiro. Sua importância não se deve apenas aos altos índices inflacionários, mas principalmente porque as grandes elevações de preço não ocorrem regular e constantemente em todos os produtos, mas sim em proporções e freqüências diferentes de produto para produto e de marca para marca. Assim é que uma certa marca de produto, ao ter seus preços reajustados antes de seus concorrentes, pode passar, de um mês para outro, da mais barata para a mais cara de sua classe de produto. O consumidor, já acostumado aos freqüentes e desconcertantes aumentos de preço, começa a habituar-se a rever e reconstruir seu mapa de preferência na decisão de cada nova compra. Sua fidelidade às marcas vem diminuindo, já que a posição relativa de preços de uma marca em relação aos seus concorrentes encontra-se em permanente mudança.

Os fabricantes brasileiros já detectaram essa mudança nos hábitos de compra do consumidor brasileiro, isto é, no aumento da sensibilidade-preço e na diminuição da lealdade à marca. Assim é que se observa uma crescente atenção às promoções com ênfase em descontos em preço (como por exemplo: "pague 2 leve 3"), assim como uma maior preocupação na área da pesquisa mercadológica em realizar experimentos para avaliar a elasticidade-preço da demanda.

Se, por um lado, o desenvolvimento do varejo não-sofisticado representa uma ameaça às marcas já estabelecidas no mercado, oferece também uma promissora oportunidade para o desenvolvimento da pequena e média empresa brasileira. Muitas empresas de pequeno e médio porte, que antes eram incapazes de enfrentar os vultosos esforços de marketing dos grandes fabricantes de marcas nacionais, poderio agora, sem incorrer em intensos esforços mercadológicos, ter melhores chances de crescimento, ao receberem grandes encomendas e firmarem contratos de produção de "produtos genéricos" ou de marca própria, para as grandes redes varejistas existentes no Brasil.

Como seus colegas do hemisfério Norte, os dirigentes de marketing dos fabricantes brasileiros precisam exercitar intensamente sua criatividade e inteligência, para enfrentarem e se adaptarem às novas condições de mercado, caracterizado pelo enfraquecimento da fidelidade dos consumidores às marcas e pelo aumento do poder dos varejistas na determinação do comportamento do mercado.

  • * A maior parte das informações contidas nesse comentário foram retiradas do artigo No-frills food - new power for the supermarket. Business Week, p. 56-61, 23 Mar. 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1981
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br