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Energia e empresa: os dilemas da conservação de energia

INFORME TRIMESTRAL

Energia e empresa: os dilemas da conservação de energia

Pierre Jacques Ehrlich

Com o aumento do custo da energia, os países industrializados empreenderam análises da economicidade da conservação. De fato, os resultados foram animadores, pois os investimentos em conservação mostraram-se altamente rentáveis. Três aspectos principais devem ser salientados:

a) Nos países altamente industrializados, energia equaciona-se com petróleo. Estando os outros recursos energéticos no limite da sua capacidade, há muito que o consumo energético marginal se reflete inteiramente em petróleo. Com o esgotamento dos recursos hídricos, a geração de energia elétrica depende essencialmente de petróleo; com o atual perfil de ocupação do solo, concentração e localização de atividades, problemas ambientais, o uso de carvão fica limitado e a principal fonte de energia para fins térmicos é o petróleo. Poucos são os felizardos que podem contar com o gás natural e assim mesmo em disponibilidade limitada.

Vemos, pois, que na literatura internacional, ao se ler conservação ou substituição de energia, pode-se trocar a palavra energia por petróleo.

b) Os investimentos em conservação e substituição de energia apresentam rendimentos rapidamente decrescentes. Após a eliminação dos desperdícios mais óbvios, seguem recuperações relativamente fáceis e, a seguir, percebe- se que transformar perdas energéticas difusas no espaço e no tempo em focos concentrados de energia (o necessário para fins práticos) é difícil e custoso.

Está-se presentemente sentindo as limitações de conservação e os maiores esforços concentram-se nos processos de substituição.

c) Toda análise de economicidade baseia-se em valores relativos. Na maioria dos casos, o custo da energia é ainda muito pequeno para, em termos econômicos, a nível de empresa, ser um item prioritário.

Os custos do capital são muito mais importantes (tanto diretamente como pelas suas conseqüências indiretas) e sua recente ascensão ofuscou bastante o problema energético. Evidentemente, o aumento de custos de capital desestimulou os investimentos que visam a redução de custos variáveis como os de energia e de diversos outros recursos.

Dentro desse panorama internacional compreende-se a problemática brasileira e os dilemas que afligem os empresários a nível microeconômico.

No caso do Brasil, não é possível equacionar energia com petróleo. De fato, a existência de recursos hídricos não explorados e uma certa divisão (apesar de haver bastante superposição) entre os usos de energia elétrica e energia de origem fóssil nos conduz a análises setoriais relativamente independentes. Mesmo não havendo empecilhos técnicos para o uso de energia elétrica para aquecimento industrial (principalmente, em baixa temperatura), os investimentos necessários em casas de força e equipamentos de controle são uma barreira para o uso térmico da energia elétrica. No tocante aos transportes, as limitações da energia elétrica são sobejamente conhecidas.

Deparamo-nos, pois, com o panorama do país mais preocupado com o custo da dívida externa do que com a importação de petróleo; mais preocupado na substituição do petróleo (vide Proálcool, metanol etc.) do que na conservação de energia; muito preocupado (o que faz sentido no caso nacional, mas seria anacrônico nos países altamente industrializados) com a diminuição da demanda por energia elétrica.

No tocante à energia, não é, pois, objetivo reduzir o consumo de energia como um todo. Muito pelo contrário, nosso consumo per capita ainda é muito baixo e restringi-lo é considerado anti-desenvolvimentista. Estabelecem-se metas para aumentar o consumo de energia elétrica e programa-se a reabertura dos postos de gasolina nos fins de semana. O desejado é reduzir o consumo do óleo combustível e de óleo diesel.

No intuito de controlar o consumo de óleo combustível e de diesel, pôs-se em ação o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) que, administrando cotas, restringe o consumo. Este procedimento é fruto da nossa tradicional desconfiança no mecanismo de mercado. Atualmente, os prós estão diminuindo e os contras aumentando, de modo que o procedimento deverá ser reavaliado.

A identificação inicial dos maiores consumidores de óleo combustível passíveis de programas de substituição e conservação - cimento, papel, celulose, cerâmica - imprimiu uma diretriz aos primeiros esforços. As condições para o sucesso são: a) viabilidade técnica; b) atividade industrial altamente concentrada; c) grande participação do óleo nos custos; d) boa receptividade e colaboração dos empresários. Estas condições foram encontradas com sucesso, principalmente no caso da indústria de cimento.

Daqui por diante, a situação fica mais difícil. Os centros de decisão (os empresários) são em número muito maior, mais espalhados, e já não reúnem comunalidades tão marcantes. O processo decisório recai num modelo de mercado, onde, em vez de impor soluções aos empresários, é preciso criar condições para que eles identifiquem a importância da sua própria economia de combustível.

Para o processo decisório a nível de empresa, identificamos três aspectos: a) técnico; b) econômico; c) estratégico.

a) Num projeto de conservação ou de substituição de vetor energético é preciso explorar as diversas soluções tecnicamente viáveis.

Apesar de as empresas de porte médio e muitas das pequenas terem um corpo técnico bastante sofisticado, capaz de elaborar projetos, de calcular o conteúdo energético de cada produto etc, não se pode pedir a técnicos habituados a uma rotina de produção que se sintam confortáveis na exploração de soluções muito inovadoras.

Projetos desta natureza necessitam de consultoria externa. É preciso analisar soluções específicas para cada empresa. Medidas de caráter geral são demasiadamente óbvias para já não terem sido implementadas. Para atingir as microempresas, seria altamente desejável a colaboração de um corpo de engenheiros financiados por órgãos de classe ou do governo de modo a exercerem seus serviços sem ônus para as microempresas.

b) A nível econômico, deparamo-nos com o fato de a energia ainda ser um dos insumos mais baratos. Entre um projeto de investimento para expansão de atividade e outro de conservação de energia, a análise de rentabilidade aponta para o primeiro.

No tocante às alternativas para o óleo, observamos que o carvão é (para as aplicações nas quais ainda não foi feita a substituição) tecnicamente inviável. É impossível para uma indústria, baseada em energia mais limpa, adaptar-se ao carvão. A recomendação do carvão corresponde à sugestão de se plantar hortas em apartamentos para diminuir os custos da alimentação. Para quem vive em apartamentos, o processo é irreversível. A energia elétrica exige investimentos excessivos em casas de força e outras instalações. O gás é acessível a poucos, e sua atual condição de subsidiado não pode ser considerada estável a longo prazo.

Um aumento no preço do óleo dificilmente estimularia sua substituição. Em termos econômicos, certamente estimularia a conservação se não houvesse conflito com o problema estratégico.

c) Para o empresário, o problema estratégico acaba sendo o elemento-chave.

A política do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) de estabelecer quotas e cortar as quotas estimula o desperdício no presente, de modo a criar folgas para absorver cortes futuros ou necessidades oriundas de planos de expansão. Mesmo agora, quando muitas empresas têm capacidade ociosa, não convém diminuir o consumo aparente do óleo para não perder quota. Algumas empresas optam pelo desperdício proposital, enquanto outras enveredam pelo mais perigoso caminho da venda no "mercado paralelo".

Para o futuro, as metas de conservação apontam para medidas financeiras do tipo capital a juros baixos para projetos específicos ou depreciação acelerada para equipamentos que cortem o consumo de óleo. Medidas que venham a aliviar os custos de investimento para a opção elétrica acopladas a uma baixa na tarifa trariam benefícios de garantia de suprimento para os empresários e de melhor uso de nossa fonte energética abundante, versátil e limpa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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