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Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

José Carlos Garcia Durand

Binzer, Ina von. Os meus romanos - alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. 135p.

A oligarquia rural brasileira ao fim do império teve preceptores para suas proles; certamente para cá não vieram mestres de vulto, cujo ofício em solar alheio servisse de sustento para reflexões profundas, como muito filósofo de renome a serviço de nobrezas européias. Mas vieram muitas moças ensinar francês, inglês, alemão, alguma humanidade e muita etiqueta.

Ina foi uma delas. Nasceu em 1856 e tinha, portanto, 25 anos quando aportou no Brasil em 1881, em busca de trabalho que lhe permitisse viver o fascínio dos trópicos sem os riscos extremos do europeu errante. E cá ficou até 1884, sem outro canal para escoar suas impressões e emoções a não ser a correspondência que mantinha com sua amiga Grete, condiscípula que deixara na Alemanha. Para lá voltou, casou, lecionou e escreveu.

Por meio de cartas quase diárias, ia pondo sua amiga a par da vida doméstica nas grandes fazendas, alinhavando vivamente o dia-a-dia da luta em transmitir o abe do alemão aos rebentos de uma oligarquia para a qual o francês era o que havia de mais fino. Por isso (e por outras tantas coisas), seu trabalho pedagógico não era lá de se levar muito a sério, o que de certo facilitou em muito a disposição bem-humorada com que procurou viver e narrar suas experiências.

A quem serve essa coleção de cartas bem-escritas e bem-traduzidas? O catalogador da obra na fonte a remete à história da "vida social e costumes" de São Paulo e Rio de Janeiro, o que não diz muito. Mas nela o arquiteto, por exemplo, poderá encontrar subsídios acerca do uso do espaço no casarão da fazenda da época e dos materiais e técnicas empregados na construção da senzala. Para o sociólogo das classes dirigentes, existem observações de valia a respeito dos vínculos intrafamiliares e das relações entre senhor e escravo que não estão nas crônicas legadas pelos dominantes por passarem como evidentes ou insignificantes.

A irreverência de Ina, ao relatar a verborreia dos bacharéis que conheceu, serve bem para relativizar a imagem de saber profundo e de fervor cívico transmitida na celebração da Academia de Direito de São Paulo. Nesse tópico, o educador, ainda embasbacado com a excelência da cultura das "elites" de antanho, também poderá rever seu encantamento injustificado, nessa conjuntura atual em que tanto se critica a "queda de nível" de nossas escolas. O historiador econômico preocupado com a transição para o trabalho assalariado é contemplado com a reconstrução da polêmica que, na casa-grande, se travava quanto ao futuro do Brasil sem o escravo negro. Não que nossa educadora se abalance a análises profundas, mas simplesmente porque, como diz a Grete, "esse é quase o único assunto de todas as conversas, e desse jeito a mais simples das almas torna-se socióloga e política" (p. 103). Quem se interessou pelo filme Lição de amor poderá conferi-lo por esse documento que, se acaso não lhe serviu de referência primeira, poderia plenamente ter preenchido a função. E quem não estiver a fim de nada disso, poderá ao menos comprazer-se com uma leitura agradável e provocante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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