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As empresas estatais brasileiras e o desenvolvimento tecnológico nacional

ARTIGO

As empresas estatais brasileiras e o desenvolvimento tecnológico nacional* * Trabalho apresentado no Congresso Internacional sobre Problemas de Gestion de las Empresas Públicas en América Latina, realizado em Caracas, Venezuela, de 10 a 12 de novembro de 1983.

Henrique Rattner

Professor titular na EAESP/FGV e na FEA/USP

1. INTRODUÇÃO

As recentes polêmicas sobre as empresas estatais, seguidas de pressões no sentido de sua privatização, revelam uma situação paradoxal: embora operando com grandes unidades altamente centralizadas e beneficiadas por economias de escala e fácil acesso a recursos financeiros internos e externos, as empresas estatais não seriam eficientes, de acordo com os índices econômico-financeiros e as normas contábeis. Além da ineficiência que tende a desequilibrar suas finanças, as empresas estatais constituiriam focos de corrupção e de nepotismo que realimentariam seu desempenho negativo.

Para compreender sua manutenção e expansão contínua, a ponto de representarem atualmente 2/3 da economia nacional, não basta analisá-las com os conceitos e parâmetros da microeconomia, comparando seu desempenho com o de empresas privadas. Um estudo mais profundo das empresas estatais as conceberia como parte integrante de uma estrutura de poder, cujos portadores representam um conjunto de interesses e aspirações caracterizado por lealdades grupais e valores distintos, e que se transformaram nessas últimas décadas no centro do poder real do país, controlado e dirigido pelos militares.

Para entender o funcionamento das empresas estatais em suas dimensões econômicas e políticas, não bastam os modelos e as analogias derivadas da microeconomia ou da teoria geral da administração, que são mais descritivas do que explicitivas, apontando para as aparências mais do que para a essência do fenômeno.

A natureza e as características ambivalentes e contraditórias da empresa estatal vista ora como unidade econômica, ora como parte integrante da estrutura do poder, torna-se mais explícita à luz de um quadro de referências teórico que a situe num contexto histórico-estrutural mais amplo.

Numa sociedade de desenvolvimento capitalista tardio, cuja economia internacionalizada é altamente concentrada, a necessidade de investimentos em setores de baixo retorno e de longa maturação torna a formação e atuação de empresas estatais condição sine qua non do próprio funcionamento do sistema. A dinâmica do crescimento econômico e a posição privilegiada que as empresas estatais ocupam na estrutura do poder impulsionam sua expansão e lhes garantem uma autonomia decisória acima da disciplina burocrática e política comum, constituindo-se em verdadeiros feudos ou estados dentro do Estado.

Neste trabalho, procura-se analisar a natureza e o comportamento ambivalente das empresas estatais sob o prisma da política tecnológica.

Partindo da premissa segundo a qual o objetivo da política tecnológica dos países em desenvolvimento seria, por um lado, obter o mais eficaz controle sobre as importações indiscriminadas de tecnologia e, por outro, o fortalecimento da capacidade de decisão autônoma sobre o technology mix, ou seja, a composição do mesmo em termos de tecnologia doméstica e importada, este trabalho procura descrever e analisar o comportamento tecnológico das empresas estatais brasileiras. Para este objetivo, é conveniente adotar-se a distinção entre a política tecnológica "explícita" e "implícita", sendo que a primeira abrange todas as medidas, leis e diretrizes adotadas pelo governo com o intuito de exercer um impacto sobre a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos no país. A segunda categoria refere-se àquelas medidas, planos e diretrizes, decorrentes da política de desenvolvimento econômico e industrial, com efeitos profundos - positivos ou negativos sobre o desenvolvimento da capacidade tecnológica autônoma do país.

Verifica-se, à luz de informações estatísticas, o peso e a importância crescentes das empresas estatais na economia brasileira, o que lhes confere uma influência ímpar no desenvolvimento tecnológico do país. Sendo assim, infere-se sobre a necessidade de analisar o posicionamento e as atitudes efetivamente tomadas pelos dirigentes dessas empresas, quando confrontados com os problemas do desenvolvimento tecnológico nacional.

Contudo, as decisões tecnológicas, tais como a seleção dos processos de produção e dos correspondentes equipamentos e máquinas, bem como a preferência por bens e serviços locais ou a contratação de organizações de consultoria nacionais, não podem ser analisadas isoladamente de seu contexto sócio-político. Em outras palavras, as decisões tecnológicas devem ser referidas e relacionadas a um conjunto de fatores e diretrizes da política econômica, os quais determinam em grande parte as opções tecnológicas.

Em cada etapa do crescimento econômico-industrial das últimas décadas, é possível identificar necessidades e demandas tecnológicas diferentes, atendidas, seja pela importação de tecnologia, seja pela geração e difusão de conhecimento técnico de origem nacional.

Na primeira etapa de industrialização a demanda por tecnologia não é explícita, mas está implícita na demanda por bens de capital e pessoal técnico de certa qualificação, prontamente atendida pela importação de bens de capital e pela incorporação de mão-de-obra imigrante mais qualificada. Para empreendimentos de tecnologia mais sofisticada, na falta de recursos internos para sua execução, recorre-se ao exterior, em busca de recursos financeiros, de bens de capital e de mão-de-obra qualificada. Posteriormente, para substituir os bens de capital importados por nacionais, as empresas recorrem a contratos com firmas estrangeiras, procurando obter projetos e serviços de engenharia, para solucionar problemas específicos e para proporcionar assistência técnica às unidades produtivas.

Na segunda fase de industrialização, a política de "resposta" leva a incrementar o fluxo de tecnologia estrangeira, mediante contratos de todos os tipos com empresas estrangeiras, contrariamente a uma política de maior autonomia, que exige a promoção da produção doméstica dos conhecimentos técnicos e sua incorporação e assimilação ao sistema produtivo.

A hipótese levantada neste trabalho afirma a inconsistência entre as políticas explícita e a implícita praticadas pelo poder público e as empresas estatais no período crucial de crescimento econômico acelerado, nas últimas duas décadas.

Traduzindo essa incoerência para a esfera política, dir-se-ia que o poder e a influência dos grupos de interesse, que decidem sobre os planos de política econômica e industrial, teriam prevalecido sobre os esforços e aspirações daqueles que tentaram imprimir uma orientação de maior autonomia, não somente à política tecnológica, mas também ao processo de desenvolvimento em geral.

Entretanto, os motivos deste fracasso e desencontro de políticas governamentais não devem ser procurados em falhas de planejamento (no sentido técnico) ou dos recursos humanos, mas são decorrentes de um conjunto de fatores estruturais, que limitam e condicionam as alternativas tecnológicas, tanto para as empresas estatais quanto ao nível da política governamental.

A industrialização nos países latino-americanos realizou-se tardiamente, numa época de acumulação de capital em escala mundial, com profundos impactos na divisão internacional de trabalho e na configuração interna dos respectivos mercados, de produção e de consumo, que se tornam predominantemente oligopólicos e oligopsônicos. Em conseqüência, a "entrada" nesses mercados mediante "inovações tecnológicas" torna-se, além de empreendimento de custos iniciais elevados, atividade de grande incerteza e de risco quanto aos objetivos pretendidos, ensejando aos seus protagonistas a adoção de um comportamento tecnológico "imitativo" ou "tradicional", não conduzindo, portanto, a uma maior autonomia tecnológica nacional.

Um dos problemas mais destacados em estudos e debates sobre política tecnológica refere-se ao fato de as empresas nos países latino-americanos - tanto as nacionais, privadas e estatais, quanto as estrangeiras - recorrerem a soluções técnicas intensivas em capital, perpetuando e agravando destarte o problema crônico de subemprego.

Entretanto, o argumento a ser desenvolvido a seguir procura explicar essa "falha" ou comportamento "anti-social" dessas empresas, a partir de uma série de condições estruturais dos respectivos mercados, determinantes das escolhas tecnológicas contrárias ao que seria desejável de um ponto de vista de política social, ou seja, maximização do nível de emprego, melhor distribuição da renda e maior bem-estar social.

Para ter êxito, uma política tecnológica deve estar estreitamente vinculada e integrada à política econômica, e somente à medida que esta assegurasse aos empresários vantagens e benefícios compensadores, seria possível induzi-los a optarem por um comportamento tecnológico mais racional, do ponto de vista da sociedade.

2. O ESTADO E AS EMPRESAS ESTATAIS

Caberiam aqui algumas observações sumárias sobre o papel do Estado neste processo específico e no conjunto das controvérsias a respeito do desenvolvimento. À luz da realidade histórica atual e passada, seria ingênua e mistificadora a definição do poder estatal como representante dos interesses coletivos da nação. Da mesma forma, sua caracterização como comitê executivo da classe dominante peca pela simplificação excessiva. A situação concreta é bem mais complexa, dado o fato de haver vários grupos disputando o poder, cada um com sua visão peculiar da situação e com projetos diferentes. Governar ou exercer o poder, nessas circunstâncias, significa estabelecer prioridades, compor e distribuir privilégios e vantagens, conseguindo, todavia, legitimar as decisões aos olhos da maioria. Dir-se-ia que o poder é legítimo quando seus detentores forem capazes de mobilizar, em função de seus ideais e propostas, outros grupos e camadas sociais. Este tem sido, aparentemente, o caso da ideologia e da política de desenvolvimento econômico difundidas nestas últimas décadas nos países latino-americanos, inclusive no Brasil.

De fato, o sucesso da política desenvolvimentista, avaliado em função de parâmetros econométricos e estatísticos pouco fidedignos, constitui-se em critério básico, não somente para a organização da própria economia, como também para a subordinação das outras atividades e da esfera política e cultural àquela.

Neste contexto, as funções das empresas estatais têm crescido desde a década de 30, enquanto um poder em ascensão dentro da sociedade e colocando-se acima desta, no sentido de resolver seus conflitos, enquanto ocupam espaços e conquistam autonomia crescente.

As empresas estatais são, provavelmente, a forma mais direta de intervenção do Estado na economia, tomando o lugar do investidor privado. O fato de as empresas estatais controlarem a maior parte dos setores de produção de bens intermediários, tais como aço, petróleo, petroquímicos, geração de energia elétrica, telecomunicações, estradas de ferro, mineração etc, é um fenômeno indicativo das limitações de um pleno desenvolvimento industrial baseado na iniciativa privada num país dependente e periférico.

A produção no Brasil inicialmente se voltava ao suprimento do mercado mundial de matérias-primas, provindas da produção agrícola. Dentro da então existente divisão internacional de trabalho, houve no Brasil uma razoável expansão das atividades correlatas à produção de matérias-primas: transporte, processamento etc. Após a II Guerra Mundial, cria-se maior premência pela industrialização, principalmente diante da incapacidade das economias dos países centrais, desorganizadas pela guerra, de surprir as necessidades brasileiras de produtos industrializados.

A industrialização, ao requerer insumos básicos, tais como energia elétrica, aço, petróleo e derivados, encontrou nos capitalistas brasileiros três tipos de barreiras para a produção destes bens por empresas privadas nacionais: organizacional, tecnológica e financeira. A nível organizacional, o fato de a maior parte dos capitalistas brasileiros advirem dos setores agrícola ou comercial, ou mesmo serem imigrantes saídos da classe trabalhadora e também pela maioria das empresas serem familiares - com pessoal técnico normalmente em número pequeno ou inexistente, geralmente restrito a mestres e alguns operários qualificados - fez com que a experiência organizacional e gerencial destas empresas não contribuísse para a formação e desenvolvimento da indústria de bens intermediários. Ao contrário, dificultou a introdução de meios de produção que, pelo seu necessário vulto, exigem uma organização estabelecida sobre métodos mais rígidos e burocráticos, em grande escala.

Aliado a estas questões, o problema tecnológico se colocou como mais uma barreira a ser vencida. O abismo existente entre os produtores internacionais não foi vencido pelos empresários nacionais que, para obter a requerida tecnologia, teriam que comprá-la fora do país, notadamente através de licenças e associações com o capital externo, o que, pelo desconhecimento do processo adquirido, colocaria em risco a autonomia da empresa. Para a escolha da tecnologia a ser aplicada, um dos obstáculos a serem vencidos consistia na necessidade de um corpo de pessoal técnico, a nível de assessoria, inexistente no país.

Quanto ao aspecto financeiro, os empresários nacionais tinham à sua disposição recursos escassos relativamente as necessidades do setor intermediário, onde as empresas necessitam imobilizar grandes montantes de capital por longos períodos. Por operarem numa escala relativamente pequena, que gera uma acumulação de capital de pequenas proporções, apesar dos altos lucros, preferiam o investimento em setores outros que não o intermediário, com retorno a um prazo mais curto.

Por outro lado, o capital estrangeiro, com exceção do setor energético, não tinha interesse, na época do maior desenvolvimento industrial, em abrir subsidiárias no país. As pequenas dimensões do mercado nacional ocasionavam um retorno extremamente lento, comparado aos investimentos realizados na Europa, no pós-guerra, onde já havia a mão-de-obra especializada, exigindo um investimento significativamente menor.

Diante desse quadro, o Estado chamou a si as tarefas da produção de bens de capital, lançando-se cada vez mais a fundo na intervenção na economia, de modo a suprir a indústria com bens produzidos no país. É significativo o fato de que em 1976 existiam 573 empresas estatais, das quais 483 não-financeiras enquanto em 1983 este número tinha subido para 683 estatais dentre as quais 571 não-financeiras. Suas dimensões atingem tal porte que as não-financeiras chegam a representar mais da metade da parte real da economia brasileira, enquanto as financeiras têm em suas mãos mais de 50% do patrimônio de todos os bancos e instituições financeiras do país.

Das empresas estatais não-financeiras, 187, pertencendo à União, são controladas pelo governo federal, 268 são de propriedade estadual e 116 pertencem aos municípios.

Essas empresas, que em termos relativos representam apenas um vigésimo das quase 10 mil maiores empresas listadas em Quem é quem na economia brasileira, pesam desproporcionalmente nos valores contábeis e no emprego: elas açambarcam metade do total do patrimônio líquido, um quarto da receita e do lucro e um quinto da força de trabalho.

A presença das empresas estatais é expressiva nos setores de mineração (63,8% do patrimônio líquido, 57% do faturamento e 63% dos empregados); metalurgia (66,9% do patrimônio líquido, 55% do faturamento e 52,5% da mão-de-obra), detido por 13 e nove empresas respectivamente; química e petroquímica (5,4% das empresas do subsetor detêm 23,1% do patrimônio líquido, 14,4% do faturamento e 12,7% da mão-de-obra); petróleo (refinação e distribuição), onde o predomínio das duas estatais é absoluto; transporte e armazenagem e serviços públicos (99% do faturamento e 98,7% do pessoal ocupado).

3. POLITICA ECONÔMICA E POLÍTICA TECNOLÓGICA

Ao discutir e analisar as políticas praticadas e o comportamento tecnológico manifestado pelo Estado e as empresas estatais brasileiras, convém fazer a distinção entre:

1. Política tecnológica explícita, tal como manifesta em documentos e pronunciamentos oficiais, implicando um certo grau de normatização do comportamento tecnológico das empresas e dos órgãos do poder público. A política tecnológica explícita é expressa pela criação de uma infra-estrutura visando à geração e/ou adaptação de tecnologias. A nível institucional, surgem órgãos como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, Ministérios e Secretarias Estaduais, Centros de Pesquisa e Desenvolvimento etc. Ademais, as atividades desses órgãos são caracterizadas pela elaboração de planos e programas setoriais e regionais de desenvolvimento científico e tecnológico, acompanhados por esquemas elaborados de alocação e distribuição de recursos financeiros.

2. A política tecnológica implícita refere-se aos efeitos produzidos por planos, programas e diretrizes que não pertencem às atividades e funções científico-tecnológicas. São geralmente conseqüências de diretrizes e decisões tomadas em outras esferas da vida sócio-política (na economia, nas áreas de educação e cultura, relações e comércio exteriores etc), com profundo impacto, porém, sobre o comportamento tecnológico das empresas.

Conforme afirmamos, a intervenção do Estado na orientação do processo de desenvolvimento industrial, por um lado, e na formulação da política científico-tecnológica, por outro, não se tem caracterizado pela coerência e convergência de objetivos e de mecanismos operacionais.

Quanto à orientação do processo de industrialização e à formulação de diretrizes que influem na configuração da estrutura industrial brasileira, o Estado proporcionou amplo apoio à indústria, sem definir, todavia, a direção deste crescimento mediante o estabelecimento de prioridades. No Brasil, em virtude do grau de complexidade e diversificação de suas indústrias, tem-se notado esforços de estimular certos ramos, tais como o de bens de capital e de petroquímica, nesta última década.

Uma outra dimensão da política tecnológica do Estado se refere a medidas de promoção ou de controle da atividade industrial, visando ao fortalecimento da capacidade tecnológica autônoma. Nota-se que o Brasil empregava medidas promocionais, visando a incentivar, de maneira indiscriminada, todas as empresas industriais, inclusive as estrangeiras. É verdade que certas medidas de controle foram implantadas, embora com graus de rigor e formalismo variados, nas áreas de registro dos investimentos estrangeiros, de controle de remessa de divisas, e de registro de contratos para a transferência de tecnologia. Entretanto, essas medidas de controle tiveram pouco ou nenhum impacto, em face da política de promoções e incentivos indiscriminados, abrindo as portas ao capital estrangeiro de forma ampla e sem restrições.

Um outro aspecto refere-se à forma de intervenção estatal na execução das políticas de industrialização, variando desde uma atitude relativamente passiva, com orientação indicativa às empresas privadas, até a participação direta do Estado em atividades produtivas em setores-chave, substituindo ou complementando a iniciativa privada. No Brasil, o Estado assumia a produção de insumos industriais básicos (aço, petróleo, energia etc), bem como de outros serviços indispensáveis para o êxito dos programas de industrialização, tendo o Estado se tornado a fonte principal de formação do capital bruto, em praticamente todos os ramos de infra-estrutura industrial. Outra forma de intervenção foi caracterizada por um certo grau de planejamento, geralmente mais indicativo de metas e intenções do que de caráter impositivo. Assim, por exemplo, os planos de desenvolvimento brasileiros representam mais a compilação de projetos de investimentos dos diversos ministérios e empresas estatais do que um plano integrado de desenvolvimento. Embora, no Brasil, o Estado intervenha na regulamentação das atividades industriais, mediante medidas legislativas e controles executados por órgãos governamentais, as principais iniciativas se originam nas empresas privadas, que gozam, além de incentivos fiscais-tributários, de financiamentos- e créditos de uma rede de bancos de desenvolvimento oficiais. Todavia, a falta de critérios seletivos para determinar prioridades enfraquece a atuação dos organismos estatais, abrindo espaço inclusive para a prática de corrupção e desperdício de recursos públicos. Finalmente, quanto à coerência entre as políticas industriais e de ciência e tecnologia, verifica-se uma discrepância acentuada. A medida que se analisam os planos de desenvolvimento e a parte correspondente às políticas científico-tecnológicas, verificam-se oscilações repetidas entre "diretrizes de resposta" às necessidades surgidas do crescimento industrial, e "diretrizes de reorientação", que procuram introduzir modificações nos padrões de expansão industrial, em consonância com os objetivos de um desenvolvimento social e político mais harmonioso.

A primeira orientação é caracterizada por medidas e diretrizes que visam atender os requisitos tecnológicos da indústria, mediante a aceleração da incorporação e a difusão de tecnologias, sem preocupação maior com a origem da mesma. A política de "reorientação", por outro lado, abrange medidas que visam a redução do uso de tecnologias importadas e o fomento e estímulos à expansão da capacidade local, com o objetivo de criar, adaptar e assimilar conhecimentos técnicos.

A falta de seletividade na aplicação de medidas promocionais, e os conseqüentes benefícios proporcionados, sobretudo às grandes empresas - inclusive estrangeiras - levam claramente à inferência de que as duas políticas, tanto na formulação quanto na sua execução, foram incoerentes e aparentemente incompatíveis.

Com o aumento da participação do capital estrangeiro na estrutura industrial e a conseqüente elevação de remessas de divisas ao exterior, seja a título de lucros ou de royalties, surgem, no início da década de 70, leis e instituições cuja função precípua é orientar e fiscalizar os investimentos estrangeiros e a transferência de tecnologia.1 1 No Brasil, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI (Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970) e, um ano depois, uma nova Lei (nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971) instituiu o Código de Propriedade Industrial, ambos de profundos efeitos sobre a sistemática de registro de contratos de transferência de tecnologia.

Neste contexto cabe, também, analisar criticamente a política tecnológica do próprio Estado, quando atua como empresário em ramos dinâmicos da indústria de transformação. Ao proceder à escolha de tecnologia "apropriada", cria-se um conflito potencial entre os objetivos da política econômica mais geral, visando altas taxas de crescimento do PNB versus a maximização do emprego; ou, ainda, a maximização do retorno sobre o investimento versus a maximização do bem-estar social. As empresas estatais nos ramos de siderurgia, petroquímica, transporte, energia, telecomunicações etc, dificilmente escolherão uma tecnologia "ineficiente", ou seja, uma combinação de fatores que, por unidade de capital investido, leve a um nível de produção inferior, embora atenda à necessidade de criar mais empregos. Ademais, para as grandes unidades produtivas nos ramos dinâmicos, as escalas ótimas de produção são calcadas em experiências e situações de mercado de países desenvolvidos, pesquisadas e implantadas pelas empresas líderes. Da mesma forma pela qual no mercado interno as empresas menores são obrigadas a seguir os padrões tecnológicos dos oligopólios líderes do ramo, assim também, no mercado internacional, os conglomerados transnacionais dominam e controlam o progresso técnico de seus respectivos ramos. Dentro dessa estrutura oligopólica dos mercados, reforçada pelos mecanismos de crédito e financiamento internacionais e pelas normas de licitações e concorrências públicas impostas, torna-se praticamente impossível à empresa individual, mesmo sendo de propriedade estatal, escolher tecnologia nova, pouco ou não experimentada, portanto de alto risco para os resultados econômico-financeiros e a própria sobrevivência da empresa.

4. PESQUISA E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGIGO NAS EMPRESAS ESTATAIS

As atividades de P&D dentro do território nacional exercem um papel importante na consecução do desenvolvimento econômico autônomo, por constituírem-se em elemento central do sistema científico-tecnológico, contribuindo também no processo de acumulação de capital, mediante inovações geradas a partir das pesquisas.

Entretanto, nas pouquíssimas empresas estatais que instalaram e operam centros de P&D (nos setores de petróleo, aço e eletricidade) verifica-se que as atividades estão orientadas predominantemente para proporcionar apoio e/ou assistência técnica, com pouca criatividade decorrente de pesquisas. A maior parcela dos recursos materiais, financeiros e humanos alocados nos centros de P&D é dirigida para atender as necessidades de eficiência dos sistemas produtivo e comercial, com escassos incentivos e oportunidades de realizar inovações. As prioridades do pessoal dos centros de pesquisa e desenvolvimento se concentram no fornecimento de "serviços técnicos" aos setores operacionais, enquanto atividades de pesquisa básica e aplicada, que exigem instalações e equipamentos complexos e pessoal altamente qualificado, durante períodos mais longos, com maiores riscos, são relegados como tarefas de importância secundária.

Vários fatores podem ser responsabilizados por esta posição subordinada dos centros de P&D dentro das empresas estatais. A posição quase monopolista da empresa estatal, com uma demanda assegurada para seus produtos e serviços, bem como o acesso relativamente fácil aos financiamentos de capital e tecnologia, sem os riscos e a demora inerentes ao desenvolvimento tecnológico autônomo. No caso das indústrias petroquímicas, onde predomina o modelo tripartite (uma associação entre o capital nacional - privado e estatal - e o estrangeiro, entrando este último geralmente como supridor da tecnologia), a pesquisa é praticamente inexistente. Assim, os centros de P&D pouco contribuem para a redução das importações de tecnologia, embora possam exercer influência positiva sobre a produtividade e a eficiência da empresa, mediante pequenas melhorias e inovações incrementais. Em termos da estrutura organizacional, esta orientação se manifesta no relativo isolamento da unidade de P&D dos outros departamentos, especialmente do de engenharia de projetos, que funciona normalmente como elemento de ligação entre as áreas de pesquisa e de produção industrial.

Um exemplo ímpar de organização e execução de atividades de P&D numa empresa estatal é representado pelo Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), estruturado em quatro divisões (Refinação, Química, Petroquímica e Polímeros, e Exploração e Produção).

Os primeiros trabalhos de pesquisa foram orientados para a obtenção de informações sobre as características dos insumos utilizados em diversos processos produtivos, a fim de fortalecer o poder de barganha da empresa nas compras e nas negociações com os potenciais vendedores. Outra área de pesquisa estava estreitamente ligada à solução dos problemas que surgiram nas operações das refinarias, especialmente dos catalisadores e das unidades de craqueamento. A maior parte dos projetos de pesquisa - geralmente aplicada - visa a maior eficiência dos processos de produção rotineiros. A duração relativamente mais curta dessas pesquisas, seu baixo risco e custos menores, tendem a relegar a procura de soluções criativas capazes de substituir processos e equipamentos importados. Projetos desta natureza, que exigiriam eventualmente a construção de unidades-piloto e, portanto, investimentos maciços durante períodos mais prolongados, não figuram como prioritários na programação da empresa.

À orientação pragmática e imediatista das atividades de P&D da maior empresa brasileira decorre da posição que ela ocupa na estrutura de poder e na política econômica global do país, que também facilitam seu acesso a recursos financeiros externos. A crise do petróleo fortaleceu ainda mais a tendência de se procurar obter, no prazo mais curto possível, a redução da dependência externa no fornecimento de combustível líquido, a fim de reduzir a pressão sobre o balanço de pagamentos.

Por outro lado, em todas as organizações que operam em grande escala, com sistemas complexos e altamente burocratizados, a motivação geral não encoraja atividades inovadoras, de resultados incertos e, portanto, de grande risco para a lucratividade da empresa. Acrescenta-se a atuação contraditória e ambivalente do próprio poder público, ora formulando planos nacionais de desenvolvimento científico-tecnológico, ora fixando metas econômicas a curto prazo, cuja consecução invalida ou enfraquece os esforços de criação de uma tecnologia autônoma.

5. O "PODER DE COMPRA" DAS EMPRESAS ESTATAIS

O uso do poder de compra estatal pode ser considerado como um dos instrumentos mais eficazes - junto com a programação e o financiamento industrial - para a promoção de demanda por atividades de P&D locais.

No Brasil, como em todos os países latino-americanos, os orçamentos públicos, da administração direta e das empresas estatais, constituem uma parcela muito significativa do consumo e dos investimentos totais, mormente nos setores em que o Estado atua como agente-produtor, tal como nas indústrias de base.

Em conseqüência, as políticas governamentais podem estabelecer diretrizes que favoreçam o desenvolvimento do potencial nacional de C&T. Ao adquirirem bens e serviços, as empresas e repartições públicas podem dar preferência a produtos que incorporem parcelas maiores de tecnologia e de insumos locais, exigindo também o aperfeiçoamento contínuo da qualidade dos produtos e serviços comprados no país.

Tal política implicaria que empresas e entidades estatais estivessem dispostas a incorrer, possivelmente, em custos mais elevados; a tolerar prazos mais longos de entrega e, eventualmente, níveis de qualidade mais baixos, pelo menos na fase de "aprendizagem" dos fornecedores locais.

Embora tal orientação e conduta por parte das empresas e entidades públicas sejam teoricamente possíveis, na prática são raros os casos de utilização do poder de compra estatal para o fomento de C&T nacionais.

A empresa estatal, quando utilizada como instrumento da política industrial e tecnológica pelo governo, pode fortalecer o setor de máquinas e equipamentos instalado no país, mediante seu potencial de compras devidamente orientado e administrado. Neste caso, são formulados requisitos de índices de nacionalização progressiva; acordos de participação com transferência efetiva da tecnologia; formação de consórcios de fornecedores; além de exigências de qualidade, preço e prazos de entrega dos produtos e serviços comprados. O rigor com que são formulados e observados esses requisitos em licitações e concorrências públicas pode criar barreiras intransponíveis à entrada de novos fornecedores, principalmente nacionais, de bens de capital e de equipamentos, sobretudo quando a empresa estatal considera o nível de segurança muito elevado para aceitar ofertas de fabricantes não tradicionais. Nestes casos, a multiplicidade e a natureza das garantias exigidas são de tal ordem que invalidam a capacidade de competir do produto nacional, abrindo espaço para a importação das máquinas e equipamentos.

A concessão de créditos por bancos ou agências internacionais reduz bastante a liberdade de ação das empresas tomadoras do empréstimo ou do financiamento, os quais são geralmente vinculados à execução de determinadas diretrizes e políticas econômicas do governo. Ademais, dadas as condições às quais os créditos vêm amarrados pelos bancos, os fornecedores estrangeiros de bens e serviços encontrar-se-ão em posição mais favorável do que os fabricantes nacionais nas concorrências públicas. Da mesma forma, por esta e mais outras razões, a tecnologia estrangeira será preferida à nacional, sobretudo em acordos de financiamento bilateral, com créditos vinculados. Quanto mais dependente a empresa estatal ou privada - de recursos estrangeiros, mais forte sua inclinação para comprar no exterior ou de filiais de empresas transnacionais estabelecidas no país.

No entanto, apesar do poder sobre a vida e morte da indústria nacional de bens de capital, as empresas estatais relativamente pouco têm feito para consolidar este setor vital para o desenvolvimento tecnológico autônomo do país.

As pressões externas à sua administração e pressões internas dos diversos grupos de interesse que nelas se abrigam, entremeadas com exigências de eficiência gerencial e de produtividade, interagem e se contrapõem nos momentos em que as decisões devem ser tomadas.

Desse modo, a empresa estatal depende do governo no que tange aos seus planos e programas de investimentos; depende da liquidez dos mercados interno e externo para a concretização desses planos; de diretrizes governamentais em face de problemas do balanço de pagamentos (supplier's credit, vinculado à aquisição de equipamentos de determinados fornecedores) e outras medidas decorrentes das políticas monetária e creditícia internas.

Nesse contexto, as decisões tecnológicas tomadas pela empresa estatal refletem freqüentemente a preocupação com problemas imediatos ou de curto prazo, enquanto uma política tecnológica exige períodos de longa maturação.

A procura de minimizar os riscos e a falta de confiança na potencialidade das empresas nacionais levam-na a contratar engenheiros e projetistas estrangeiros para colaborarem em todas as etapas de planejamento, encomendas e montagem dos equipamentos. Ademais, serão formulados prazos de entrega, especificações e exigências desnecessárias ao tipo de produto licitado ou, ainda, serão escolhidas alternativas tecnológicas pouco "apropriadas" do ponto de vista da economia nacional.

Na execução de qualquer projeto surgem dificuldades financeiras, o que obriga seus responsáveis a considerar os custos operacionais da tecnologia e dos equipamentos escolhidos. Tecnologias mão-de-obra intensivas, geralmente associadas com equipamentos nacionais, resultam normalmente em custos operacionais mais baixos, compensando assim os custos financeiros eventualmente mais elevados, em função da escassez de recursos no mercado interno. Outro fator de peso nos custos das operações é' representado pelo superdimensionamento das plantas, devido à importação de tecnologias produzidas em função das escalas de produção e consumo nos países desenvolvidos.

A indivisibilidade de certos equipamentos levará ao funcionamento da unidade produtiva com capacidade ociosa, aumentando os custos unitários e baixando a lucratividade e o potencial de capitalização da empresa.

Outro instrumento da política industrial com impacto potencial na estrutura e funcionamento das empresas é representado pelos mecanismos de financiamento industrial.

Nos países da América Latina, dada a debilidade relativa das empresas nacionais e as dificuldades que enfrentam para financiar sua própria expansão, as entidades financeiras estatais tornaram-se fonte principal de recursos para suprir capital a longo prazo e, geralmente, a taxas negativas, para a indústria. Esse fato poderia servir para orientar o comportamento tecnológico das empresas mediante a formulação de normas e requisitos referentes à seleção de tecnologia; importação de tecnologia mediante contratos de licenças, e realização de atividades de P&D. As entidades financeiras estatais podem, também, criar linhas de créditos especiais para empresas de engenharia, para o desenvolvimento e experimentação de novos produtos e processos, bem como para financiar diretamente as atividades de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico.

A variedade e amplitude de critérios tecnológicos possíveis de serem introduzidos no processo de avaliação de projetos e seu financiamento industrial podem converter-se num dos instrumentos mais eficazes para a promoção da demanda por conhecimento de C&T locais.

Um passo importante no caminho da racionalização do comportamento tecnológico das empresas estatais foi dado com a criação da Comissão Coordenadora dos Núcleos de Articulação com a Indústria (CCNAI) em 1975, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada diretamente à Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan).

A oferta tecnológica existente pode não chegar ao parque produtivo, seja por falta de integração entre os agentes do processo, seja pela insegurança de mercado por parte da empresa que utilizaria a tecnologia.

Cabendo às empresas estatais aproximadamente 70% das compras de bens de capital no país e diante de um quadro em que mais de 30% das compras no exterior representavam bens de capitais, em 1975 o governo federal criou os núcleos de articulação com a indústria (NAI) sobre quem recai a tarefa da articulação entre as estatais demandantes de produtos e serviços e as empresas nacionais fabricantes de bens de capital, as firmas de engenharia consultiva e as instituições de pesquisa e desenvolvimento.

Suas atividades incluem a orientação e articulação das entidades e empresas nas relações com as organizações nacionais de fabricação de bens de capital e com as de consultoria, a manutenção dos produtores nacionais de bens de capital contínua e antecipadamente informados a respeito das características e quantidades de equipamentos a serem demandados pelos programas de investimento das empresas ligadas aos NAI, a procura de uma maior participação das empresas nacionais de consultoria nos projetos de engenharia, informando-as quanto às possibilidades técnicas dos fabricantes nacionais, bem como o fornecimento de subsídios para a orientação dos centros de pesquisas nacionais e para a constituição de uma fase de negociação visando a obtenção da tecnologia estrangeira em condições mais favoráveis.

Em 1981 já se contava com mais de 100 NAIs instalados nas diferentes empresas estatais produtoras de bens e serviços e em suas respectivas holdings, entre as quais a Petrobrás, Petroquisa, Companhia Vale do Rio Doce, Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), Usinas Siderúrgicas da Bahia, (Usiba), o Metrô do Rio, Siderbrás, Companhia de Ferro e Aço de Vitória etc.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS - O CARÁTER AMBIVALENTE DAS EMPRESAS ESTATAIS

A análise do desempenho tecnológico das empresas estatais revela o.papel secundário de P&D autônomos na sua estratégia empresarial, sobretudo quando comparado com o fluxo de know-how e equipamentos comprados no exterior. Por outro lado, o estudo das atividades de pesquisa e desenvolvimento e do comportamento tecnológico em geral das empresas estatais, nos padrões e diretrizes da política econômica nacional, revela a natureza ambivalente das empresas estatais, ora concebidas como unidades produtivas movidas por uma racionalidade microeconômica, e ora encaradas como instrumentos poderosos da política governamental. Em sua qualidade de produtores de insumos básicos, ocupando uma posição quase monopolista e/ou monopsônica em seus respectivos mercados, as empresas estatais podem constituir-se em instrumentos extremamente eficazes para a política tecnológica e para a expansão e integração do setor industrial. Por outro lado, a busca de eficiência e de rentabilidade nos moldes do setor privado cria tensões com as decisões de caráter político, elaboradas dentro de uma perspectiva de médio e longo prazos.

Esta ambivalência da empresa estatal, ora encarada e administrada como instrumento da política econômica, ora seguindo diretrizes empresariais microeconômicas, manifesta-se também a nível da política de preços. No seu papel de instrumento de política econômica, a empresa estatal deve suprir os insumos e serviços básicos para outros setores produtivos a preços baixos, geralmente subsidiados. A exigência de níveis de rentabilidade elevados, a fim de poder financiar com recursos próprios os planos de expansão ou de inovação tecnológica, por outro lado, se torna contraditória e incompatível com a primeira função.

A estratégia global adotada pela empresa estatal, em maior ou menor consonância com os objetivos da política econômica, será decisiva para sua contribuição a uma relativa autonomia tecnológica nacional, inclusive para o papel e o desempenho do centro de pesquisa e desenvolvimento, eventualmente atuando no seio da organização estatal.

O impacto do comportamento tecnológico das empresas estatais pode ser fundamental para o êxito da política tecnológica nacional, à medida que elas, fomentando e desenvolvendo atividades de P&D próprias, também optem por uma política de compras de bens de capital e de contratação de serviços de engenharia e consultoria nacionais.

Os padrões de financiamento impostos ás empresas estatais, refletindo a orientação geral da política econômica, terão um peso muito grande nas decisões atinentes a atividades tecnológicas. Quanto mais dependentes de recursos externos geralmente vinculados a supplier's credit, menor será sua capacidade de negociar os insumos tecnológicos e de proporcionar apoio à indústria de bens de capital nacional. Por outro lado, a busca de uma rentabilidade a curto prazo dificilmente é compatível com objetivos coletivos e perspectivas de desenvolvimento a longo prazo.

Esta contradição se manifesta em diversos níveis e sob diferentes formas. Em sua função produtiva, a empresa estatal é pressionada para alcançar índices de produtividade e de eficiência que permitam auferir lucros e, assim, financiar sua própria expansão. Como instrumento de jogo político, ela sofre todo tipo de pressões, ora de facções internas que disputam o controle da organização entre si, ora de grupos externos que agitam a bandeira da "privatização". Nesse embate e entrechoque de interesses, o econômico acaba subordinado ao político, ou seja, à manutenção e expansão da parcela do poder detido, mesmo que fosse em detrimento da produtividade e eficiência de suas operações.

A aparente impotência da sociedade civil de impor padrões de racionalidade econômica às empresas estatais decorre do fato de estas estarem sendo dirigidas por homens e grupos dos mais poderosos do país. A criação de uma secretaria ou órgão fiscalizador subordinado à Seplan, cujos técnicos se situam hierarquicamente em escalões inferiores ao poder pessoal dos dirigentes das empresas estatais, não teve resultados positivos.

A solução deste dilema encontrar-se-á na recomposição dos grupos e alianças dominantes na estrutura social e política, os quais tenderiam a adotar um comportamento econômico e decisões tecnológicas mais coerentes e efetivamente integradas à política de desenvolvimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • *
    Trabalho apresentado no Congresso Internacional sobre Problemas de Gestion de las Empresas Públicas en América Latina, realizado em Caracas, Venezuela, de 10 a 12 de novembro de 1983.
  • 1
    No Brasil, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI (Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970) e, um ano depois, uma nova Lei (nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971) instituiu o Código de Propriedade Industrial, ambos de profundos efeitos sobre a sistemática de registro de contratos de transferência de tecnologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1984
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