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O comportamento político do dirigente de empresa estatal na formulação de estratégias

VI TEMA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O comportamento político do dirigente de empresa estatal na formulação de estratégias

Roberto Costa FachinI; Luiz Carlos Moreira da SilvaII

IPPGA/UFRS

IIPPGA/UFRS

INTRODUÇÃO

Há abundância de citações de estudiosos e executivos, apontando a ambigüidade da ação da empresa estatal, ao mesmo tempo voltada para objetivos especificamente empresariais e ligada a objetivos de política governamental.

Abranches (1980) coloca a questão adequadamente:

"Uma das questões recorrentes, nos debates em torno do papel da empresa estatal em economia de mercado, refere-se à ambigüidade inerente à sua ação, que caracteriza um comportamento oscilante entre sua face estatal - que a leva a realizar objetivos políticos e de natureza macroeconômica -e sua face empresarial - que privilegia interesses particulares que se poderia considerar microeconômicos. Por certo, esta ambigüidade é fonte, por vezes, de importantes contradições entre interesses mais gerais, vinculados ao papel do Estado em apoio à acumulação de capital na órbita privada e os interesses particulares das empresas do Estado, muitas vezes obrigadas a apresentar resultados avaliados com base em critérios de eficiência e rentabilidade próprios à empresa privada."

O dirigente de empresa estatal enfrenta, assim, essa ambigüidade, essa pressão entre as tendências de sua face balho de Zif (1981). Mais antiga na literatura, é a preocupação com o que se habituou denominar de "o conflito entre autonomia e controle" (Hanson, 1959; Ramanadham, 1959; Sherwood, 1964), embora o tema continue gerando publicações (Abranches, 1980; Fachin, 1981; Motta, 1982).

Entender o processo de formulação de estratégias, numa empresa estatal, tendo em mente o comportamento de seus dirigentes e sua possível orientação e pressões sofridas, em termos de políticas governamentais conflitantes com o interesse específico da empresa, foi objetivo do estudo que desenvolvemos. Para tal, foi tomada uma organização de processamento de dados estatal, com características competitivas dentro da área do Estado, tendo que competir, de certa forma, com outros centros de processamento de dados, também de propriedade do governo. Três decisões foram estudadas: uma decisão de interiorização, uma decisão de diversificação e uma decisão de implantação de um sistema de banco de dados centralizado e processamento distribuído (DR/DC). Neste trabalho, descreveremos apenas o terceiro caso mencionado, analisando-o e tirando ilações acerca do comportamento político dos dirigentes do processo decisório em si.

2. A FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS E DIFERENTES ABORDAGENS

2.1 A formulação de estratégias e o aparecimento de abordagens politicas

Quinn (1977, p. 31) definiu que a formulação de metas estratégicas, para uma organização, é uma arte delicada, que requer uma "sutil e equilibrada combinação de visão, espírito empresarial e habilidade política". Estatui, ainda, que "quem compreender esses processos poderá melhor contribuir para a constituição de metas eficazes, e quem desejar introduzir mudanças importantes nas organizações deverá certamente entendê-los, bem como seus fundamentos lógicos e implicações. Ignorá-los é arriscar-se a pagar caro". A perspectiva política, no estudo do processo estratégico, é uma linha de trabalho que tem ganho um número crescente de adeptos. Insatisfeitos com a abordagem racional-analítica, que, eventualmente, pode assegurar a elaboração de bons planos, mas que não garantem sua aceitação, a abordagem política - ou seja, a ação empreendida por um ator contra outros atores, em determinada situação, para assegurar a obtenção de seus próprios objetivos - ganha proeminência e, definitivamente, começa a entrar nas habilidades que se deve desenvolver no dirigente, no gerente.

Autores como Ansoff (1965), Andrews (1980), Hofer & Schendel (1978), Ackoff (1970), Steiner & Mi¬ ner (1977) representam a abordagem racional/analítica, ou tradicional, que enfatiza os aspectos normativos, prescritivos, racionais do processo decisório, ou da formulação de estratégias organizacionais. Os pressupostos em que se baseiam os modelos racionais normativos - identificação da presente estratégia, análise do ambiente, identificação de recursos e descompassos, geração e avaliação de estratégias alternativas, escolha e implementação (Andrews, 1971) - têm sido questionados, em termos de sua real ocorrência. O papel que os fatores comportamentais e políticos desempenham na formulação da estratégia organizacional, embora ainda pouco estudados, já apresentam um volume e qualidade palpáveis. Ao nível do governo, autores como Lindblom (1969) e Allison (1971) mostram a face não lógica, não racional, da decisão governamental. Ao nível dos estabelecimentos educacionais, March & Olsen (1976) e, ao nível das firmas industriais, Bower (1970) são exemplos de abordagens que evidenciam a dinâmica das interações entre indivíduos e unidades organizacionais, enquanto tentam influenciar decisões estratégicas.

A influência de Allison (1971), em seu estudo sobre a crise da colocação.dos mísseis russos em Cuba, é visível em Mazzolini (1979), que analisou o comportamento estratégico de empresas estatais nos mercados internacionais.

2.2 Diferentes modelos de análise do processo decisório estratégico

"Organizações são entidades políticas, ou seja, coalizões de interesses e demandas, de dentro e de fora da organização" (Mintzberg, 1978; na mesma linha, Thompson, 1967; Allison, 1971; Mazzolini, 1979). O processo decisório, ou o processo organizacional (Allison, 1971), revela a competição entre diferentes coalizões, lutando por atenção organizacional, recursos organizacionais, influência nas decisões estratégicas, constituindo-se em conflitos que jamais se resolvem em definitivo (Cyert & March, 1963). A abordagem normativa, tradicional, apropriada, talvez, para o conteúdo estratégico das decisões", subestima o processo organizacional em termos de aspectos políticos e de poder, na própria definição desse conteúdo estratégico.

Narayanan & Fahey (1982) tentam, a exemplo de Mintzberg et alii (1976), definir uma estrutura para o processo de formulação estratégica, apontando duas grandes etapas - gestação e resolução - que indicam o caráter emergente do processo.

Os estágios da etapa de gestação seriam:

Ativação - que ocorre quando o indivíduo se torna consciente do assunto, ou preocupação, ou problema. Um desempenho insatisfatório, uma oportunidade no ambiente, uma necessidade humana pessoal podem ativar algum indivíduo na organização.

Mobilização - que consiste na elevação do assunto ou problema, da consciência individual para o nível organizacional; o sentido desse estágio é de que ações organizacionais são esforços coletivos e a capacidade de definir e impor, ou implementar, uma solução estratégica, assenta-se sobre um único indivíduo ou subunidade; assim, o indivíduo se mobiliza em torno de outros interessados potenciais, resultando no surgimento de um reconhecimento coletivo da pertinência do assunto ou problema: a atividade principal é troca de informações.

3. Coalescência - que consiste na efetivação de coalizações; as coalizações surgem à medida que uma coletividade reconhece a inevitabilidade de uma ação para resolver um assunto, ou problema estratégico: a ação requer esforço de integração e de estabelecimento de .alianças transitórias entre indivíduos (coalizões).

Na etapa de resolução, outro grupo de estágios se efetiva:

1. Encontro - que consiste na interação de cada coalização com outras entidades organizacionais; é o momento em que se começa a sustentar as alternativas estratégicas preferidas, e começa a acontecer a negociação bilateral entre grupos e não intragrupos como no estágio anterior de formação das coalizações.

2. Decisão - que consiste, propriamente, na deliberação; é nesse estágio que os encontros, embates, conflitos se dirigem para uma zona de consenso e dissidências claras, em que as posições cristalizam-se, as ramificações e implicações políticas das alternativas começam a ser entendidas; o processo vai ocorrer dentro da estrutura de poder existente e, provavelmente, as deliberações revestirse-ão de uma aparência racional, nas zonas de consenso e mecanismos de compromisso, e acomodação, nas zonas de divergência ou dissidência: os resultados podem ser variados, como comprometimento com uma ação, transferência, hão decisão, transformação ou outros.

Os estudos de Allison (1971), já anteriormente referidos, ao invés de propor uma estrutura para descrever o processo estratégico, apresentam modelos alternativos à abordagem tradicional de análise.

O Modelo do Ator Racional (ou tradicional) - modelo I - é aquele em que os acontecimentos são concebidos como ações escolhidas pelos atores; as escolhas acontecem após cálculos que visam a maximizar os meios para atingir objetivos estratégicos; movimentos são explicados como escolhas racionais de um único ator (a nação, a organização, o grupo); as ações são resultantes dos objetivos, da geração de alternativas, da análise das conseqüências e, finalmente, da valorização e escolha; em suma, o modelo requer um processo de solução de problema.

A primeira alternativa é o Modelo do Processo Organizacional - modelo II - em que se questiona a existência de um único ator e vê-se a organização como um conjunto de suborganizações, frouxamente ligadas umas às outras; há, conseqüentemente, diferentes atores organizacionais, os problemas organizacionais são fracionados em estreitos conjuntos, em que cada organização, ou grupo, atua em quase-independência, determinando a fixação de procedimentos operacionais padronizados, normas pelas quais as coisas são realizadas, programas de ação que são rotinizados, para que seja possível a coordenação de atores distintos e independentes ou quase-independentes; em conseqüência, o comportamento de cada uma das organizações ou, numa visão mais global, do governo (eis que Allison trata de decisão dentro da órbita de governo de um país) é produto determinado, primeiramente, por tais rotinas; em suma, o modelo aponta para a necessidade de identificação das organizações, relevantes ao problema em exame, e para a verificação dos padrões de comportamento organizacional do qual as ações emergem.

A segunda alternativa é o Modelo de Política Organizacional (política burocrática, nas palavras de Allison) modelo III - em que se admite que as ações não são nem escolhas autônomas de atores individuais, ou determinadas por procedimentos de rotina, mas, sim, resultados de vários jogos de poder e barganha, sobrepostos, entre atores arranjados hierarquicamente no governo; os homens dividem poder e diferem no que julgam que deva ser feito: o que o governo (ou organização) faz é, às vezes, resultado do triunfo de um grupo, comprometido com determinado curso de ação, sobre outros grupos comprometidos com outro determinado curso de ação. Freqüentemente, o produto dos esforços de diferentes direções resulta em caminhos distintos do que o grupo pretendia; o que move as peças do tabuleiro não são, simplesmente, as razões que apoiam determinado curso de ação (modelo I), nem as rotinas da organização que produzem uma alternativa (modelo II), mas, sim, o poder e a habilidade dos proponentes das ações e oponentes das ações em questão; em suma, o modelo dirige o olhar do analista para a identificação dos jogos de poder e dos jogadores (atores), revelando os acordos, desvendando os compromissos.

Mazzolini (1979), na mesma linha de análise, apóiase nos modelos cunhados por Allison, para buscar o modo como a propriedade do Estado, de empresas estatais competitivas, afetava o comportamento estratégico em mercados internacionais. Ao invés de um estudo de caso, em profundidade, como fez Allison, utilizou-se de entrevistas (mais de 300), num período de três anos, em nove países do Mercado Comum Europeu. Entre suas conclusões, estão as de descoberta de uma clara distinção entre ações que são familiares para os grupos organizacionais e aquelas que são realizadas pela primeira vez; assim, quando uma nova estratégia é perseguida, as unidades operacionais atuam de acordo com os padrões de comportamento com os quais estão familiarizadas, ocorrendo discrepâncias entre plano e ação. A perspectiva política também não escapa à análise de Mazzolini, que, ao analisar 25 propostas de investimento no exterior, demonstra que, apesar de 73% dos gerentes serem a favor das mesmas, políticos, na proporção de 83%, funcionários influentes (75%) e pessoas em geral ou organizações externas (77%) estivessem a elas se opondo, resulta que, após negociações, barganhas, jogos, 15 desses casos foram, efetivamente, vencidos pelos opositores à ida ao exterior.

É na dimensão da estrutura do processo estratégico e dos elementos trazidos pelos diferentes modelos apresentados que se pretendeu analisar o processo estratégico, dentro da empresa de processamentos de dados a que se fez referência no início do trabalho.

3. OCASO

3.1 A empresa

Trata-se de uma companhia de processamento de dados de um dos estados do país - daqui por diante referida como Copede - que resultou da transformação de um centro de processamento de dados em sociedade de economia mista. A constituição da Copede dá-se em época em que o governo do estado declarava sua intenção de eliminar, dos órgãos da administração estadual, os elementos de irracionalidade em que viviam envolvidos, adotando uma abordagem de "estado-empresa". O instrumento legal de sua criação gerou, de certa forma, um monopólio, pois vedou a qualquer outro órgão da administração direta ou indireta - exceção feita a três outras instituições, que já possuíam seus CPDs - a aquisição, ou locação, de equipamentos, ou mesmo a contratação de serviços daquela natureza. Ao mesmo tempo, pela dinámica organizacional decorrente, criou uma certa condição de competitividade, pois, ao passo que possuía um certo monopólio legal, tinha, como seus concorrentes imediatos, três outros centros de processamento de dados do estado e deveria manter uma qualidade de serviço tal que evitasse qualquer outra pressão que diminuísse seu potencial de negociação na esfera estadual.

Em 1980, a Copede tinha uma capacidade de memória principal superior a 5.800 kilobytes, de memória secundária 5.800 megabytes, 136 terminais instalados, tendo ainda uma capacidade de impressão de mais 12 mil linhas por minuto. Seu faturamento previsto para 1981 era de CrS 1,6 bilhão, sendo 51% do faturamento provindo da administração direta, e o restante da administração indireta. Seu elenco de serviços atingia mais de 35 serviços (produtos), entre os implantados e os em implantação. Seus resultados têm revelado sucesso na manutenção de duas políticas: a) manter um crescimento real significativo, acima de 10% ao ano; b) operar com preços "competitivos", procurando transferir para os clientes os ganhos de produtividade obtidos.

Tem havido uma certa estabilidade administrativa na Copede. Em 10 anos de vida, teve apenas dois diretorespresidentes, sendo, o primeiro, ex-diretor do centro de processamento de dados que deu origem â Copede, e o segundo, ex-diretor técnico da própria Copede.

A administração da empresa, definida pelo seu estatuto, consiste em uma Assembléia de Acionistas, um Conselho de Administração e a Diretoria Executiva. O Conselho de Administração, composto por sete membros eleitos, em assembléia geral, dentre os acionistas, é presidido pelo diretor-presidente, que é eleito, juntamente com o diretor comercial e o diretor técnico, na mesma Assembléia de Acionistas, podendo ser acionista ou não. O mandato da diretoria é de dois anos, podendo ser reeleita. A estrutura atual da Copede é do tipo matricial, compondo-se, além da diretoria e assessoria, dos departamentos funcionais e de duas gerências - a de produto e a de clientes.

A empresa detém um capital social superior a CrS 500 milhões, distribuídos entre o estado (54%) e oito empresas estatais (46%). Seu corpo de servidores monta a 700, dos quais 75%, aproximadamente, são técnicos, e o restante funcionários administrativos.

3.2 A decisão

Em meados do ano de 1981, o diretor-presidente (na gestão anterior era o diretor técnico), juntamente com os outros diretores e dois gerentes técnicos, numa seqüência de reuniões e num curto espaço de tempo, decidiram pela adoção da tecnologia DB/DC (banco de dados centralizado e processamento distribuído). A decisão culminava uma longa trajetória, cujas primeiras discussões e ações efetivas datam do início da década de 70, e cuja pressão última, que terminou por desencadear o processo final de decisão, resultou do ingresso do Estado no apoio à implantação de indústrias de computadores.

No início da década de 70, técnicos da Çopede já tinham começado a tentar alguns trabalhos na linha de DB/DC, mas não tiveram êxito. Em 1976, o diretor-presidente e o diretor técnico (que veio a ser o diretor-presidente em 1981) realizaram viagem aos EUA e voltaram impressionados com as condições, já existentes, para uso da tecnologia de teleprocessamento. O diretor técnico, em seu retorno, começou a preocupar-se com o assunto, estudioso que era dos temas ligados ao processamento de dados e, em 1976-77, embora não fosse muito claro para ninguém ("galo cantou, mas não sei onde", disse um dos gerentes entrevistados), começaram a acontecer alguns fatos: implanta-se o primeiro sistema em banco de dados num cliente; o primeiro sistema on-line para outro cliente, este já em 1978. Eram os primeiros trabalhos obtidos, a partir da volta de um dos técnicos, recém-retornado de mestrado em processamento de dados, incumbido de implantar banco de dados. No final de 1978, a empresa contrata técnico com experiência em aplicação de sistema DB/DC em outra organização.

Em 1979, os gerentes da Copede, especialmente os das áreas técnicas, começaram a perceber que teriam de mudar suas mentalidades, abandonando os sistemas tradicionais. A Copede já diversificara seu equipamento, passando a ser usuária do equipamento Y, enquanto já utilizava o equipamento X desde sua criação. Já se admitia, na época, o que era, praticamente, uma norma informal, que novas aplicações deveriam ser em termos de DB/DC e, se não o fossem, deveriam ser muito bem justificadas.

Nota-se, desse rápido histórico, que o assunto vinha sendo discutido, informalmente, fermentando, por muito tempo.

O desencadear da fase recente, que resultou na deliberação mencionada no início, ocorreu, no entanto, com a pressão de empresários de minicomputadores sobre o estado e sobre a Copede.

O governo estadual havia-se proposto a incentivar a instalação, na região, de indústrias de minicomputadores. Além de participar no capital de duas das indústrias instaladas, o Estado seria, ainda, um dos maiores compradores. O papel esperado da Copede era o de comprar e vender minicomputadores para as instituições do estado, uma missão totalmente nova entre as missões tradicionais atribuídas à Copede. Já em 1979, a Copede inseria, entre suas diretrizes para o ano (veja-se o documento básico de planejamento para 1979), as de "participar no esforço que o governo do estado faz para expandir a indústria de equipamentos eletrônicos da região" e "apoiar as iniciativas que visam o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos de processamento de dados", que eram objetivos potencialmente conflitáveis com outros, essencialmente empresariais, como "trabalhar com uma taxa anual de crescimento real não inferior a 20%" e "colocar à disposição dos usuários soluções apoiadas nas mais modernas tecnologias existentes na área de processamento de dados".

"Em 1980", diz um dos gerentes entrevistados, "já tínhamos começado a vender os mini que possuíamos e estávamos meio perdidos entre comprar, vender ou nada disso".

Diversas questões começavam a perturbar os dirigentes da Copede. O que aconteceria com a Copede, se instalasse minis em todos os usuários, como pretendia a diretriz governamental? E a resposta perturbadora chegava: grande parte do serviço em batch (processamento de lotes), que a Copede prestava, passaria a ser realizado pelos próprios chentes em seus minis. E, com a estrutura de custos que a Copede possuía, era impossível competir em termos de custos. Contudo, havia os minis e a necessidade de vendê-los. Era convicção dos dirigentes de que não poderiam ir contra a iniciativa privada e do governo, que já havia apoiado a instalação das duas empresas, e eram freqüentes as reuniões com o secretário de estado, a que a Copede era vinculada, e com empresários, pressionando a Copede a comprar. Aos poucos, o problema começa a ser definido, ou o caminho para o dilema enfrentado. Não havia intenção de brigar com os minis, o que implicava que não se iria brigar com o governo. Não podendo concorrer com os minis, devido a sua estrutura de custos, resultava que a Copede teria que deixar de trabalhar com as partes menos nobres do processamento de dados (entrada, conferência, preparação) e passar, cada vez mais, a atuar em desenvolvimento e manutenção de sistemas, treinamento, banco de dados, on-line. Era indispensável ter um serviço que compensasse os custos e os preços cobrados, procurando atuar junto à atividade-fim do sistema-cliente, o que era coerente com o objetivo da Copede, que, segundo um dos gerentes, não era lucro, e sim a prestação de mais serviços para o Estado.

O caminho, pois, era a Copede se concentrar em grandes sistemas que interessassem mais ao estado. A necessidade de definir uma tecnologia, que não permitisse concorrência do próprio cliente, a aliava a tendências já observadas em direção ao DR/DC: as experiências acumuladas, o estágio de hardware que já permitia operar com DB/DC, ou seja, havia condições materiais para tanto. A opção por DB/DC exigia uma infra-estrutura que, praticamente, só a Copede tinha condições de criar, e manter no estado.

A opção, assim, de orientar a Copede para produtos DB/DC para o mercado atingiu uma série de aspectos favoráveis: a) a Copede estaria se distinguindo dos demais CPDs, acompanhando a evolução tecnológica (no momento, a tendência da tecnologia era descentralizar, se tornar mais simples ao nível do usuário). Quando se tem on-line, pode-se colocar à disposição do usuário linguagens mais sofisticadas, que facilitam seu uso; b) no mercado, parecia haver receptividade para DB/DC. Segundo o gerente de mercado, "isso era uma idéia em desenvolvimento no mercado: será mais fácil para o usuário aprender e aceitar do que aqui dentro da Copede" (grifamos); no setor privado, uma empresa de processamento já estava atuando nessa área. Além disso, há a empresa Y, que convida o pessoal para seu Centro de Treinamento e vende DB/DC: "se não nos antecipássemos, haveria uma pressão grande sobre a Codepe, mais tarde".

Outras alternativas foram levantadas, mas não foram seriamente consideradas: a) a primeira era ter uma empresa pequena para minicomputadores; b) outra era a comercialização (que já se tinha), com a especialização de um grupo em mini e microcomputadores; c) formas alternativas de DB/DC (time-sharing, por exemplo) foram consideradas inviáveis.

O caminho amadurecera para a decisão do diretorpresidente, seus diretores e dois gerentes técnicos, em meados de 1981; nao houve nem um documento, um estudo específico; houve, sim, uma junção de fatos/ ações que foram desenvolvidos. E a solução, visível há muito tempo, era DB/DC.

"Vamos competir contra os mini e impressoras com os nossos terminais e vamos provar que o nosso terminal é melhor que os minis; temos a vantagem de oferecer uma complementariedade para o CPD do cliente", afirma um gerente, após a decisão.

Uma nova etapa, no encaminhamento da decisão, surgia agora: como convencer o secretário, os empresários, o governo, enfim, que "nós não estávamos comprando, estávamos vendendo os minis que tínhamos e ainda assim estávamos apoiando as empresas?", dizia um dos diretores.

O diretor-presidente tomou a si o encargo de, através de contatos pessoais, convencer o secretário, e as outras pessoas da área política do estado, de que esse era o caminho. Foi ao Conselho de Processamento de Dados do estado, órgão que formula as políticas estaduais para a área e que ele próprio preside e, juntamente com um gerente da área técnica, submeteram uma proposta, que foi aprovada. Ficou estabelecida, então, uma política livre de compra para os minicomputadores nacionais, mas, por outro lado, com exceção dos atuais CPDs, nenhuma instituição governamental poderá adquirir grandes computadores.

Internamente, a decisão de adotar DB/DC foi incorporada ao processo de planejamento da Codepe: foram realizadas leituras individuais, estudos, políticas, seminários, visitas às congêneres, discussão com a diretoria, reuniões com grupos de gerentes, discussões e decisões com o comité de planejamento, que envolve as pessoas-chave da organização. Foram também realizadas várias reuniões com o diretor-presidente técnico, em que cada gerente colocava o que pensava da decisão e como estava, no momento, o seu setor, ou área, e que conseqüências acarretaria a decisão para o setor ou área. Buscou-se estabelecer um processo tal que tornasse a idéia de DB/DC a driving force da organização, como a definiu o diretor-presidente, que a retirou da obra de Tregoe e Zimmerman, Top management strategy -What it is and how to make it work. Para Tregoe e Zimmerman, a driving force é um aspecto-chave no pensamento estratégico, pois, a cada momento, é em torno de uma, e apenas uma, das áreas estratégicas que devem girar todas as considerações, idéias, ações e opções estratégicas. O estabelecimento de DB/DC, via processo de planejamento, como a driving force da Copede, permeou o processo estratégico, voltado à implementação, a tal ponto que quem resistiu à idéia perdeu poder dentro da Copede.

A participação do pessoal da Copede deu-se em vários níveis: no início, o pessoal técnico participou mais do que o de mercado. Para alguns técnicos, devido ao fato de que sempre há alguém que está estudando as tecnologias mais avançadas, não havia dificuldades: "A gente estava bem informado nessa área", dizia um deles. "O que há, no fundo, são tendências, na realidade, uma série de decisões; e, agora, a idéia é mais de viabilidade de mercado, divulgação, comercialização para algo que já vinha sendo desenvolvido", afirmava um gerente.

Para outros, a diretoria' havia lançado uma idéia sem explicações maiores. Houve pouca informação. "O pessoal sentia que havia sido importante a decisão", comentou um dos entrevistadores. De fato, a reação forte veio daqueles que trabalhavam em áreas em que se temia perder posição, status. "Surgiu uma série de fantasias que tiveram de ser desfeitas; no início, houve alguma insistência de um certo grupo, mas foi enfiado goela abaixo deles", afirmou um dos entrevistados. Um dos gerentes concluiu esses comentários sobre a implementação da decisão da seguinte forma:

"Na época, tão havia certeza, mas agora há uma convicção de que estamos certos. Quando o pessoal viu que isso funcionava (DB/DC), acabou com a resistência."

Outro gerente afirmava: "De um modo geral, não há resistência; todo técnico aceita bem a inovação; todo

o conhecimento adquirido é do técnico e não da empresa. O pessoal até valoriza isso; tem gente que se apaixona por isso (DB/DC)."

Em conclusão, o processo de introdução da tecnologia DB/DC como a driving force da organização está em pleno desenvolvimento. A meta, no momento de efetuarmos o trabalho de campo, era de implantar uma estrutura capaz de administrar mil terminais no estado (600 até março de 1983), o que gera um esforço de desenvolvimento de infra-estrutura e know-how, no qual é necessário mudar a maneira de as pessoas pensarem e agirem. A principal dificuldade apontada reside no apoio operacional; há necessidade de mais gente e de consolidação de uma equipe técnica. Por outro lado, a tecnologia é de ponta, a nível mundial, e permite à Copede captar serviços que, tradicionalmente, não poderia atender, ampliando seu mercado mais em direção das áreas-fins dos clientes.

4. ANÁLISE

Tomando-se as etapas e estágios do processo de formulação estratégica desenvolvidas por Narayanan e Fahey (1982), vemos que, na etapa de gestação, o processo foi longo. Em termos de ativação, que é o primeiro estágio, vimos que a decisão foi amadurecendo progressivamente, primeiro pela constante busca de inovações tecnológicas no campo de processamento de dados. Pela própria inovação, constante no setor, o diretor técnico sentia-se obrigado a acompanhar pari passu, na medida do possível, os desenvolvimentos e tendências tecnológicas. Uma visita aos EUA, juntamente com o diretor-presidente de então, propiciou uma exposição às tecnologias disponíveis e em operação. Não havendo urgência, pressões, foram sendo formadas pessoas (o funcionário com mestrado em processamento de dados) e contratados técnicos (especialista com experiência em implantação de DB/DC). Era um caminho visualizado tecnicamente, mas que aparecia como mais uma opção, testável experimentalmente em casos específicos e de pequena escala. Á consciência do problema, ou da disponibilidade da solução DB/DC para um problema, deu-se quando se tomou visível a problemática de sobrevivência da Copede, pela introdução da indústria de minicomputadores e pela diretriz (ou pressão) governamental em tomo de objetivos a serem perseguidos pela Copede, daquele momento em diante. Vê-se aí, claramente, a problemática da empresa estatal "forçada" a cumprir missões para as quais não há mandato legal, mas que parece enquadrar-se em objetivos mais amplos de uma política de governo. Como atuar política e tecnicamente, ao mesmo tempo? Como preservar a visão empresarial e harmonizá-la com a visão que lhe é emprestada pela sua face estatal?

O estágio de mobilização, quando o assunto eleva-se da consciência individual para o nível organizacional, pode ser enunciado como aquele que desenvolveu uma busca de soluções para a questão imposta à Copede: a de comprar e vender minicomputadores para as unidades do estado. Embora, aparentemente, na cabeça do principal dirigente, atual diretor-presidente e antigo diretor técnico, o assunto estivesse até bem definido, houve um processo de busca de algumas alternativas para, afinal, se concentrar na solução já existente desde o início: a DB/DC. A busca de viabilizar a tecnologia DB/DC, no entanto, só se tornara possível, tecnologicamente, por decisão anteriormente tomada -a de interiorização e a de diversificação de equipamento - não diretamente ligada à DB/DC, mas necessariamente um pré-requisito tecnológico e estrututal que permitiu que a decisão sobre adoção da tecnologia DB/DC como a driving force fosse tomada.

O estágio de coalescência não parece claro nos dados colhidos, ao menos na etapa de gestação. Há indícios de que as coalizações presentes alinhem-se ao redor da pessoa do diretor-presidente (coalização dominante), que é contraposta, mas não com muita força, pela coalização do equipamento X, o mais antigo dos equipamentos disponíveis na Copede, e que sofreu com a introdução do equipamento Y, com mais recursos técnicos e de apoio de manutenção em determinado momento da história (caso sobre diversificação de equipamento). É mais clara, no entanto, a formação de coalizações no momento em que a decisão, tomada ao nível interno, extravasa para elementos externos à organização, sobe ao Conselho de Processamento de Dados do estado e obtém apoio nas organizações que já dispõem de CPD próprio, e atende às organizações sem CPD que se liberam de qualquer exigência burocrática para aquisição de seus minicomputadores. Apoios formais e informais caracterizam a ação política do diretor-presidente, sempre em busca do superior interesse empresarial da organização que preside.

O estágio de encontro, na etapa de resolução, caracteriza-se pelas reuniões com o Conselho Estadual de Processamento de Dados do estado, nas reuniões com o secretário de estado, a que estava afeta a Copede, e nas reuniões com dirigentes políticos não-especificados. Seguiu-se, quase sempre, a busca de apoio nas hierarquias oficiais e nos órgãos especificamente formais de decisão sobre a política do setor, presidido pelo próprio diretor-presidente da Copede. Um dado curioso sobre a ação política, nesse nível, é o de que a autorização, buscada nesses órgãos, não foi, propriamente, a de implementar a referida decisão, mas a de não implementar uma decisão política do governo estadual -a de atribuir à Copede a compra e venda dos minicomputadores às unidades estaduais.

O estágio da decisão pareceu, substancialmente, condicionado pela estrutura de poder existente. O domínio dos conhecimentos tecnológicos, por parte do diretor-presidente, deu-lhe condições de comandar o processo final de deliberação ao nivel da empresa. O nível de complexidade, que envolvia a decisão, talvez não facilitasse um processo político mais intenso, mesmo em uma organização composta por técnicos, em sua imensa maioria (75%).

Abordagens políticas mais sofisticadas deram-se mais ao nível da implementação, na área interna da empresa, e a nível da viabilização externa da decisão (secretário, CEPD, políticos), numa etapa ainda anterior à implementação.

4.2 Análise segundo os modelos de Allison

A análise das decisões descritas a partir dos paradigmas desenvolvidos por Allison e, mais tarde, por Mazzolini permite destacar alguns aspectos relevantes, para a compreensão do processo de formulação de estratégias em empresas estatais. A problemática da empresa estatal aparece de forma transparente em algumas das questões levantadas.

4.2.1 A racionalidade da criação e do funcionamento da Copede

Uma importante questão a ser examinada nas decisões das empresas estatais, e que se apoia nos pressupostos do Modelo do Ator Racional de Allison, refere-se aos objetivos e metas das organizações, que devem buscar e estabelecer coerência entre seus fins e seus meios. Nesse sentido, quais seriam os fins buscados pela Copede? Quais seriam as relações entre tais fins e as estratégias adotadas (decisões, escolhas)?

Nos considerandos, que justificam a criação da empresa, o relator apontava:

a) a necessidade de a política estadual adequar-se à política nacional de processamento de dados, que preconizava a racionalização dos investimentos governamentais no setor e a elevação da produtividade na utilização dos equipamentos;

b)a multiplicação de centros de processamento de dados do estado, o que contrariava os princípios de racionalidade na utilização de equipamentos e recursos humanos preconizada pela reforma adirúnistrativa;

c) o volume e a complexidade de determinados serviços que requeriam a utilização de sistemas de grande porte;

d) o fato de que estava sendo adquirido, pelo estado, um sistema com grande capacidade de processamento e de expansão para atendimento das necessidades de processamento local e remoto do estado;

e) a racional utilização do novo sistema, que liberaria recursos para investimentos em setores de alta relevância econômica e social.

Com base nessa justificativa, o governo proíbe a aquisição ou locação de equipamentos, bem como a contratação de serviços de processamento de dados para toda a administração direta e indireta do Estado, com exceção daqueles centros já existentes, sendo prerrogativa da Copede atender ás organizações não atendidas pelos CPDs já instalados. Os planos de expansão da Copede e dos demais deveriam ser submetidos a uma coordenação da reforma administrativa.

A política governamental visava a controlar os investimentos na área, procurando limitar a criação e expansão de centros de processamento de dados, reproduzindo, assim, uma política do governo federal.

Imbuída de seu papel empresarial, a Copede, desde sua fundação, tem perseguido e mantido, entre outros, como seu objetivo importante, atingir e manter um crescimento real significativo, acima de 20%.

O faturamento da Copede cresceu 7500% no período de 1973 a 1981, em termos reais, e, no período de 1973 a 1980, o quadro geral de funcionários passou de 160 para 750 empregados. No mesmo período, sua capacidade de memória cresceu, aproximadamente, 10 vezes (tanto a principal, como a secundária) e a capacidade de impressão passou de 2.200 linhas por minuto para 12300 linhas por minuto (cresceu seis vezes). O lucro líquido têm-se mantido abaixo de 10% sobre o patrimônio líquido, nos últimos anos (4 anos).

Nesse mesmo período, houve seis transferéncas do Estado (geralmente a título de capital) para a empresa, totalizando, aproximadamente, Cr$ 15 milhões. A pergunta que se faz é: até que ponto a criação de uma empresa estatal favorece, ou permite, o controle efetivo da expansão dos investimentos públicos? Aparentemente pouco, pois além do controle da política de expansão, pela norma de submeter os planos a determinados órgãos da administração direta e ao controle orçamentário, o Estado estabelece uma política informal de que as empresas devem procurar trabalhar com lucro zero ou quase zero, trabalhando com preços baixos, margens comprimidas. Dessa forma, procura aumentar seu controle sobre os planos de expansão das organizações estatais, pois, pelas necessidades de investimento, essas terão uma conseqüente dependência das transferências de capital do Estado. Há, de fato, uma questão de política de preços de transferência interna do sistema a ser resolvida. A Copede, no período, apresentou índices de preços sempre inferiores aos do IGP. Tal situação ilustra a afirmativa de Abranches (1980), reproduzida logo ao início do presente trabalho.

A necessidade de compatibilização de objetivos e políticas potencialmente conflitantes pode ser visualizada a partir das diretrizes para a Copede, constantes de seu documento básico de planejamento para 1979:

- colocar à disposição dos usuários soluções apoiadas nas mais modernas tecnologias existentes, na área de processamento de dados;

- operar com preços não superiores aos existentes no mercado;

- operar dentro de níveis de produtividade que permi tam a geração dos recursos necessários á manutenção da capacidade de operação da empresa;

- descentralizar, funcional e geograficamente, as atividades de operação de sistemas, mantendo centralizado seu planejamento e desenvolvimento;

- trabalhar com uma taxa anual de crescimento real não inferior a 20%;

- participar do esforço que o governo do estado faz para expandir a indústria de equipamentos eletrônicos da região;

- apoiar as iniciativas que visam ao desenvolvimento da industria nacional de equipamentos de processamento de dados.

Algumas dessas diretrizes são altamente coerentes com as decisões estratégicas estudadas, mas também revelam a internalização, pelo menos ao nível formal, de objetivos, ou diretrizes, potencialmente ambíguas, contraditórias ou conflitantes, como as diretrizes tipicamente empresariais de crescimento e inovação tecnológica, operando com preços de mercado, e a participação e apoio ás políticas governamentais de implantação e desenvolvimento, na região, da indústria eletrônica, criando situações como a aqui relatada sobre a adoção da tecnologia DB/DC.

Os modelos racionais, mesmo que ineficazes na prevenção e resolução de situações conflitantes, ou suficientemente explicativos do que ocorre nos processos decisórios, apresentam grande atratividade para o principal executivo da Copede, atual diretor-presidente (em 1982) e ex-diretor técnico. Todo o discurso de fundamentação de uma idéia tem de ser embasado em formato argumentativo racional, permitindo a internalização, na organização, de conceitos e processos que viabilizem critérios empresariais de eficiência e eficácia.

É visível, no caso narrado, o esforço do diretor-presidente na busca de referenciais teóricos e processos de sistematização das ações administrativas: nota-se um esforço por institucionalizar um sistema de planejamento com diretrizes, normas a longo prazo etc, bem como a tentativa de adoção de conceitos como o de driving force. Algumas premissas do modelo racional parecem ser reforçadas pelos fatos narrados. Assim, a centralidade do processo decisório na pessoa do diretor-presidente, ou de uma coalização armada ao seu redor e suficientemente coesa e forte, pode levar-nos a ver a empresa como um agente monolítico, homogêneo. Por outro lado, o direcionamento da empresa em relação a objetivos definidos, encadeados, hierarquizados, mobilizados de maneira lógica, consistente, de modo a maximizar resultados eficientemente, parece ser consubstanciado na administração da Copede.

Apesar desses reforços, o modelo racional não parece ser suficiente para que se compreenda processos como o descrito na decisão sobre tecnologia DB/DC, especialmente no tocante aos aspectos de implementação da decisão. Algumas premissas e conceitos apresentados por Allison, nos modelos II e III, contribuem para uma melhor interpretação dos processos decisórios da Copede.

4.2.2 As ações como produto do processo organizacional

O conceito de que a organização não é monolítica, mas sim constelação de organizações menores levemente aliadas, comandadas por alguns (ou apenas um) líderes, não é fâo visível ao nível de uma unidade tipo Copede como no governo estadual. Mesmo assim, foram freqüentes, nas entrevistas, as referências às diferenças de tratamento e prioridade dadas a determinadas áreas, como, por exemplo, a de desenvolvimento de mercado. No processo decisório descrito, a participação das áreas administrativas, ou de apoio, sempre foi secundária, reforçando a idéia de fiacionamento do poder e fatoração dos problemas.

Assim, um dos entrevistados fazia referência à sua participação, dizendo que só tinha informações sobre os aspectos de custos e finanças, desconhecendo os aspectos técnicos da decisão. Nos processos decisórios estudados, o papel das atividades ditas de apoio sempre foi secundário, mas de alguma forma buscou-se fatorar o problema; por exemplo, para adotar a tecnologia DB/DC, foi necessário criar um grupo que passasse a estudar a questão específica de desenvolvimento de sistemas para o DB/DC, visto que os métodos e procedimentos típicos de desenvolvimento de sistemas batch não eram adequados para DB/DC. Essa especialização, divisão de poder e responsabilidade, estimula as prioridades e percepções paroquiais.

Com relação aos procedimentos operacionais padronizados, este parecem constituir fatos diferenciados das organizações de processamento de dados, que parecem, constantemente, pressionados por uma necessidade de sistematização (alegadamente por questões de tecnologia, exigências de máquina e segurança das informações e sistemas). Os procedimentos operacionais padronizados ficaram mais visíveis na fase de implementação das decisões do que na elaboração da decisão; nesse momento é que ficou clara a ocorrência de resistências a dificuldades de alteração dos procedimentos existentes.

Outra característica do modelo II de Allison referese á fuga, à incerteza (uncertainty avoidance), e o processo utilizado é o de buscar estabelecer "ambientes negociados", procurando regularizar, ou controlar, as reações de atores, ou organizações, com as quais seja necessário transacionar/negociar. O maior exemplo desse processo é a criação e o controle, pela presidência da Copede, do Conselho Estadual de Processamento de Dados, organismo que, formalmente, define as políticas para o setor, ao nível estadual, e que congrega representantes das demais organizações de processamento.

Duas outras características do processo organizacional foram mais difíceis de visualizar, talvez em função da centralidade do processo sobre o diretor-presidente atual. Primeiro quanto ao comportamento voltado à busca de solução. O processo, como se viu, não indicou uma intensa e sistemática busca de alternativas, como se pressupõe no modelo racional; de fato, houve a imediata identificação de uma alternativa satisfatória, ou viável, condicionada à seqüência do processo. Segundo, quanto à aprendizagem organizacional e à mudança. A organização, provavelmente em função de seu principal executivo, revelou capacidade de aprendizagem, inclusive antecipatória. A decisão sobre DB/DC foi tomada antes de efetivar-se uma ameaça potencial sobre as possibilidades de crescimento e autonomia da Copede.

Se analisarmos a aprendizagem organizacional ocorrida na Copede, utilizando o referencial de Argyris & Schõn (1970 e 1978), veremos que a decisão sobre a adoção da tecnologia DB/DC tem exigido alterações nas variáveis governantes organizacionais. Para Argyris & Schõn, cada indivíduo tem uma teoria em uso, sendo que determinadas variáveis eram predominantes na maioria das teorias em uso dos indivíduos participantes da pesquisa por eles realizada. A aprendizagem de 1º grau (ou single loop learning) ocorre quando os indivíduos alteram estratégias comportamentais, modificam pressupostos, mas evitam alterar aquelas variáveis governantes, ou seja, mantêm sua teoria, mantêm seus programas de ação. Aprendizagem de 2º grau (double loop learning) ocorre quando há reestruturação de políticas, normas, procedimentos organizacionais, alterando a teoria em uso da organização, conseqüentemente sobre as variáveis governantes organizacionais. Os dirigentes da Copede - sejam diretores ou gerentes - têm nova imagem da Copede (uma organização pequena, leve, limpa, centrada em desenvolvimento de tecnologia e sua transferência através de treinamento) e estão mudando as normas de recrutamento, seleção, promoção e a própria metodologia de desenvolvimento, que precisa ser repensada. Não se ambicionam mais taxas de crescimento de 20% ao ano, e o papel da Copede, entendem os dirigentes, deve ser crescentemente mais estratégico, associado às atividades-fim de seus clientes e ao processo decisório do governo do Estado.

Há, no entanto, alguns resquícios de uma aprendizagem de 1? grau enraizada no executivo-chave, que não alteraram sua teoria em uso. Por exemplo: mantêm-se ainda as teorias que negam o surgimento de crítica, ou oposição, ás estratégias e políticas adotadas, um reforço ao comportamento obediente á hierarquia; busca-se ainda a uniformização, até autoritariamente, pela adoção e fixação na idéia de uma driving force, o que pode-se constituir em barreira para novos aprendizados.

4.2.3 Politica organizacional

A decisão sobre a tecnologia DB/DC foi realizada em condições de conflito mais evidente, envolvendo atores de fora da tecnocracia (entendida, aqui, como conjunto de dirigentes técnico-profíssionais do Estado). Empresários, governadores e secretários do Estado e o diretorpresidente da Copede, membros do Conselho Estadual de Processamento de Dados, e pelo menos um técnico da Copede estabeleceram uma espécie de triângulo de interesse em conflito.

O diretor-presidente, com seu técnico, pela posição privilegiada junto ao conselho, conseguiu, formalmente, definir um novo espaço estratégico para a Copede, espaço este que permite a venda direta de equipamentos pelos empresários para as instituições do governo, e mantém, ao mesmo tempo, uma área de atuação para a Copede, gravemente ameaçada pela sua anterior atividade de intermediação nas vendas de minicomputadores para as novas indústrias incentivadas a se instalarem no Estado e pelo tipo de tecnologia e serviço dominante nas suas atividades (baten), potencialmente substituível por minicomputadores.

O que chama a atenção nessas atividades políticas é que se percebe menos negociações ou barganha, no sentido de troca ou permuta de recursos-chave, e mais a realização de acordos buscados, essencialmente, em argumentação e apoio pessoal. Aparentemente, os agentes do sistema do governo atuam como se estivessem isentos das pressões e concessões políticas, derivadas ou definidas em função do eleitorado ou opinião da comunidade. As decisões dos serviços de processamento de dados se dão dentro da burocracia estatal, relativamente distante do público, podendo, conseqüentemente, pautar-se mais por argumentos e racionalidade funcional. No caso, a pressão, externa ao governo, da comunidade foi a exercida pelos empresários, que cobraram uma posição governamental para a instalação das indústrias de equipamentos eletrônicos na região. O problema foi superado pela existência de uma rede de instituições e atores, pelo processo argumentativo do diretor-presidente, que, como afirmou um de seus gerentes, "vendeu a idéia de DB/DC". É possível que, pela natureza da atividade - de processamento de dados - mesmo tendo evoluído muito e, até certo ponto, se popularizado, permaneça ainda, mesmo ao nível do governo, a mesma "aura de mistério e de ignorância" em relação a essa atividade, provocando uma posição de poder, derivado conhecimento e domínio dessa tecnologia, para alguns poucos indivíduos. Nessa circunstância, é compreensível que o processo usual do diretorpresidente seja o da argumentação e que haja poucas pressões para barganhar outros recursos, além de manter os mesmos atores em suas posições, já há mandatos governamentais.

5. CONCLUSÕES

O trabalho que descrevemos e buscamos analisar tentou captar elementos para melhor compreensão do processo de formulação estratégica em uma empresa estatal. De três decisões que foram estudadas, uma apenas foi narrada.

O que parece típico, nesse caso, é que o dirigente principal da empresa esteve sempre imbuído das características empresariais da Copede, mas não esquecia também seu papel de órgão do Estado, pois, constantemente, demonstrava preocupação com o seu papel dentro do quadro das empresas estaduais.

Sua concepção, de uma empresa tecnologicamente avançada, aparece presente em todos os três casos estudados e, especialmente, no caso da adoção da tecnologia DB/DC, descrito. Preocupado com a sistematização de métodos e processos administrativos, com a racionalidade, nem por isso deixou de considerar a sua missão política, ao desvendar caminhos de apoio para sua proposta estratégica para a Copede.

A empresa estava efetivamente sendo ameaçada de um lado, pelos empresários da indústria de minicomputadores, abados com o governo estadual; de outro, pela própria tecnologia utilizada predominantemente (batch) no processamento de dados.

A saída foi rigorosamente técnica, mas o ajustamento às demandas dos empresários e do governo do Estado foi feito dentro de uma postura eminentemente política, estabelecendo estratégias que satisfizessem os diferentes grupos em confronto e não prejudicassem o papel futuro da empresa, em termos de relevância para o Estado, empresa estadual que é, e em termos de desempenho, entidade econômica que também é.

Não será esse o balanço que buscamos?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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