VI TEMA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Avaliação de empresas públicas nos países em desenvolvimento: a perspectiva social* * Versão revisada de trabalho apresentado anteriormente ao International Center for Public Enterprises in Developing Countries, Ljubljana, Iugoslávia.
Paulo Roberto Motta
1. A DIMENSÃO PÚBLICA, BEM-ESTAR SOCIAL E EQÜIDADE
O problema central, na avaliação das empresas públicas, decorre da própria dificuldade em definir-se a natureza propriamente dita de uma empresa desse tipo. A boa avaliação exige o bom conhecimento da natureza da entidade a ser avaliada. Controvérsias e ambigüidades sobre a definição das empresas públicas existem ainda, apesar de esforços substanciais para a clarificação e a articulação de maior compreensão e uniformidade, relativamente ao conceito de empresas públicas.1 1 Ver Fernandes, Praxy & Sicherl, Pavle, org. Seeking the personality of public enterprise - an enquiry into the concept, definition, and classification of public enterprises. Ljubljana, ICPE, 1981. Este livro apresenta textos e o relatório final de uma reunião de especialistas sobre conceitos e definições de empresas públicas, convocada pelo Centro Internacional de Empresas Públicas e realizada em Tânger, Marrocos, em dezembro de 1980. Além disso, a pluralidade de terminologia para indicar praticamente a mesma entidade, combinada com as diferenças nacionais, ajuda a criar mais confusão e maiores disparidades na definição da natureza das empresas públicas. Mesmo a denominação empresa pública significa, para um grande número de nações em desenvolvimento, uma terminologia fabricada, para estabelecer uniformidade internacional sobre aquilo que tais países chamam de empresas governamentais, empresas estatais, paraestatais, e assim por diante. Nesses países, ser estatal, ou paraestatal, já significa que a empresa tem uma analogia com o Estado, ou situa-se ao lado dele, para atender a determinadas funções de caráter público; inclui, portanto, o papel social do Estado moderno. Desse modo, o comprometimento com uma dimensão pública ou social pode ser deduzido de qualquer um desses termos, público ou estatal. O conceito e a dimensão da empresa têm caráter menos controverso, mas a maneira pela qual a qualificação pública afeta ou deveria afetar a empresa estabelece as maiores controvérsias e dificuldades na avaliação.
O caráter público envolve um comprometimento com amplos valores sociais, além das responsabilidades sociais normais, que as sociedades modernas impuseram a todas as organizações sociais, incluindo as empresas públicas. Portanto, a dimensão pública precisa ser vista, sobretudo, no contexo maior da sociedade como um todo e, em segundo lugar, na perspectiva das responsabilidades sociais, a nível da empresa.
Em seu sentido mais amplo, público refere-se à capacidade e às obrigações que a empresa tem quanto a contribuir para o bem-estar social e para a eqüidade social. Bem-estar social quer dizer a satisfação de aspirações básicas de uma sociedade especifica, de acordo com suas próprias percepções e juízos de valor. Constitui, portanto, um conceito com limitações culturais, muito difícil de estimar numa escala transnacional, em termos do montante de bens e serviços à disposição da população. O bem-estar social depende do valor e da utilidade de bens e serviços para uma população específica. Eqüidade social significa a articulação, a agregação, o processamento de todos os interesses sociais, com uma justa possibilidade de que tais interesses estejam refletidos nas decisões distributivas.
2. RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS PÚBLICAS
A operacionalização da dimensão pública, ao nível da empresa, tem sido atingida, em geral, através do conceito de responsabilidade social, que significa que a operação de uma empresa deveria visar não apenas á tradicional produção de bens e serviços, mas também ao atendimento de interesses sociais. A responsabilidade social significa, também, uma mudança, na visão tradicional da administração da empresa. As mudanças abrangidas pelo conceito de responsabilidade social estio apresentadas no quadro 1,2 2 As premissas sobre responsabilidade social da empresa, na perspectiva da teoria administrativa contemporânea, encontram-se em Motta, Paulo Roberto. Visão contemporânea da teoria administrativa. Revista de Administração Pública, 13 (1), jan/mar. 1979. Em um sentido moderno, a empresa deveria assumir um compromisso social com a qualidade e a continuidade da produção, mas igualmente uma responsabilidade social pela eliminação dos efeitos colaterais de sua ação.
Contudo, o fato de ser pública toma uma empresa mais comprometida com valores sociais desejáveis, tais como saúde, emprego e ar puro. Da mesma forma, valores de participação na gerência mudaram a perspectiva de que os objetivos e resultados da empresa, ou as decisões de integração e distribuição, constituíam assuntos de interesse exclusivo dos administradores, cujo poder era legitimado pela estrutura de propriedade (estatal ou privada). Além disso, a qualidade de vida dos empregados passou a ser uma preocupação moderna. Os valores pressupostos, na área das relações humanas, predominantemente, incluíam o bem-estar dos trabalhadores numa direta relação com o ambiente de trabalho. Intervalos, períodos de descanso, limitação de horas de trabalho, café, treinamento, instalações agradáveis e outros fatores foram introduzidos como incentivos para garantia de maior satisfação no emprego e de maior produtividade. No entanto, novas demandas estendem as responsabilidades sociais á ação social fora da empresa, para focalizá-la na vida particular dos empregados e em seus períodos de lazer. Tempo livre, refeições, educação e treinamento fora das horas de trabalho, clubes de recreio, locais de férias, e assim por diante, são exemplos de áreas de influência da empresa na vida dos empregados, influência exercida totalmente fora das horas normais em que trabalham para a companhia. Em alguns casos, esse tipo de responsabilidade social pode e tem sido estendido também ao campo do seguro social, da saúde e da ajuda financeira, numa suplementação dos sistemas normais, privados ou públicos, existentes em cada país.
A responsabilidade social, mesmo quando operacionalizada ao nível da empresa, tem a ver com valores sociais mais amplos de bem-estar e de eqüidade. Uma companhia socialmente responsável é uma organização socialmente sensível a interesses, valores e demandas públicas. Conseqüentemente, dimensões de responsabilidade social não podem ser definidas apenas a nrVel empresarial. Uma empresa pública, como subsistema de um sistema social maior, não deveria agir contra o sistema, e os valores sociais, gerados do interesse público exterior à companhia, deveriam representar, para ela, o primeiro objeto de atenção. O fato de ser publica faz uma diferença, em relação a outras organizações sociais. Embora todas as organizações devessem ser socialmente responsáveis em relação aos objetivos da sociedade, uma organização pública tem uma responsabilidade fundamental de justiça, na articulação e agregação de interesses exteriores. O planejamento empresarial, numa empresa privada comum, pode estabelecer prioridades para a concentração de recursos visando apenas alguns segmentos da população, capazes de garantir alta rentabilidade ou retribuição aos esforços da empresa. Sendo uma empresa pública, fica difícil a não-consideração da eqüidade nas ações de articulação, agregação e distribuição, o que tornaria não apenas o planejamento empresarial uma tarefa mais complexa, mas levaria também à idéia de que uma ineficiência intrínseca pode ser uma característica das instituições públicas. Os limites da eficiência, porém, serão ainda mais amplamente discutidos neste trabalho. No entanto, quando se examina responsabilidades sociais e a dimensão pública dessas empresas, mesmo que se chegue a um acordo sobre aquilo que constitui responsabilidade social e sobre os níveis de sistema em que se deve operacionazá-la, ainda resta uma pergunta mais controversa para ser respondida: "Valores de quem"? Como identificar aquilo que constitui bem-estar social e eqüidade em diferentes sociedades? A avaliação é, em si mesma, um julgamento de valor sobre o desempenho, em face de alguma estrutura conceituai de referência (conjunto de valores). Os valores que orientam as pessoas são os valores propostos para a avaliação.
3. VISÃO SISTÊMICA DOS VALORES SOCIAIS: "VALORES DE QUEM?"
A questão da identidade daqueles a que se referem valores e preferências gera controvérsias sobre interesse público e escolha pública, sobre como definir valores de bem-estar social.
A controvérsia prende-se a duas correntes de pensamento. A primeira é, essencialmente, uma perspectiva positiva, que encara o bem-estar social e as preferências da comunidade como um efeito natural, ou um somatório de preferências individuais. A segunda é, essencialmente, uma perspectiva normativa, que vê o bem-estar social e as preferências da comunidade como sendo definidos por um conjunto de valores, previamente escolhido por algum critério normativo de bem público.
A primeira perspectiva3 3 Esta corrente de pensamento compreende autores influenciados pela economia clássica liberal monetarista, assim como pelo liberalismo clássico, em filosofia social e política. Uma vez que o livre comportamento individual constitui a base do inter-relacionamento social, propõe-se uma abordagem empírica ou positiva, na formulação daquilo que constitui, em termos sociais, o certo ou o errado. A literatura contemporânea sobre esta corrente inclui, entre outros, autores como James M. Buchanam, Gordon Tullock, Richard A. Musgrave, Anthony Downs, J.C. Harsanyi, John A. Rawls, J A. Schumpeter e, também, sobre monetarismo liberal, Milton Friedman. Do ponto de vista metodológico, o empirismo é uma dimensão importante, razão pela qual estudos positivos de opinião pública, mecanismos de votação e eleições tornam-se questão central entre os cientistas políticos interessados neste modelo. enfatiza a capacidade do indivíduo, em razão de seu comportamento racional, que o leva a fazer opções sócio-econômicas racionais. A maximização do bem-estar social deveria ocorrer como uma efetiva agregação de preferências individuais. O indivíduo é a base do sistema social e econômico, e a formação da escolha pública deveria ser o produto do comportamento racional do indivíduo. Social e politicamente, a liberdade de ação de uma pessoa, vis-à-vis a outra, acarretará a desejada acomodação social e produzirá os valores comuns socialmente partilhados. Do ponto de vista econômico, nessa perspectiva, uma pessoa pode promover a maximização de seu consumo e bem-estar, sem minimizar o bem-estar das outras. Um natural equilíbrio econômico produzir-se-á, se as iniciativas e motivações individuais forem livremente permitidas. Conseqüentemente, descobrir aquilo que significa bem-estar social é simplesmente uma questão de desenvolver mecanismos de identificação de preferências individuais e de agregar essas preferências numa política social alternativa. Assim, o bem-estar social é um conceito derivado da realidade, e a política social deriva sua legitimidade de uma perspectiva positivista do mundo. Mas, seja como for, essa perspectiva tem atrás de si alguns valores sociais, como liberdade, a nível individual. Portanto, o individualismo constitui a base da ação, e o empirismo é o mecanismo básico para a identificação de valores sociais.
A segunda perspectiva4 4 Esta corrente de pensamento compreende autores da economia estruturalista e, em filosofia social e política, no Estado provedor do bem-estar social. Do ponto de vista metodológico, o domínio das idéias e dos ideais prevalece, na definição do certo e do errado, em termos sociais. A literatura contemporânei sobre esta corrente inclui, entre outros, autores como Kenneth Arrow, B. Barry, William J. Baumol, Paul A. Samuelson, Amartya K. Sen, D. Mueller e F. StihveU. Em ciência social e política, a maior parte da literatura sobre o Estado social se enquadraria nesta corrente. Do ponto de vista metodológico, menor importância seria dada aos estudos sobre opinião pública ou sobre mecanismos eleitorais, para identificação de preferências individuais. toma como ponto de partida os valores da comunidade e alguns critérios normativos padronizados, para definir o bem-estar social. O bem-estar social deveria constituir o atendimento de determinados valores sociais, definidos, a nível da comunidade, e traduzindo aquilo que vem a ser o bem público. As definições daquilo que é certo ou errado, ou do bem público, não podem ser estabelecidas exclusivamente como sendo uma soma de preferências individuais, mas têm que se basear em valores adotados pela comunidade, analisados organicamente. A premissa do comportamento racional do indivíduo e de sua liberdade de maximização da utilidade é rejeitada com o fundamento de que o comportamento individual já é largamente condicionado pelos valores da estrutura sócio-econômica existente. Social e politicamente, a agregação das preferências individuais resultaria no favorecimento de valores dos grupos dominantes, em razão da desigual distribuição dos recursos políticos e econômicos. Do ponto de vista econômico, a maximização do bem-estar individual não produzirá equilíbrio, mas distorções maiores. Já que, presumidamente, uma pessoa não pode aumentar seu próprio bem-estar sem reduzir o de outras, a maximização individual do próprio bem-estar seria continuamente obtida a expensas dos outros, principalmente dos pobres e des¬ privilegiados. Em conseqüência, o bem-estar social deveria ser um conceito derivado dos valores usualmente sustentados pel? comunidade, e de critérios normativos sobre a natureza humana, que não podem ser deduzidos apenas pela observação. Aquilo que a sociedade e o bemestar social deveriam ser não se baseia numa legitimidade positiva, mas numa orientação normativa de valor previamente definida.
Não obstante isso, a realidade não é tão radical a ponto de caber nesses modelos. Por exemplo, por um lado, a agregação das preferências individuais pode ajudar a produzir o bem público. Já que os indivíduos são diferentes e que suas necessidades são diferentes, a satisfação dessas necessidades depende de uma adequada distribuição da desigualdade, o que só pode ocorrer através de justa consideração das preferências individuais. Por outro lado, as escolhas públicas através de critérios normativos podem ajudar na obtenção de maior eqüidade nas decisões distributivas, porque um conjunto de necessidades básicas pode ser garantido a todos, independentemente de padrão social, num dado momento do tempo.
As restrições sociais têm lugar, necessariamente, para garantir determinadas ações, dirigidas para o bem público, mas a política social não deveria dirigir todas as ações, de maneira tal que viesse a minimizar as escolhas individuais. As opções coletivas beneficiam desigualmente as pessoas, já que algumas delas recebem benefícios acima, ou abaixo, de suas necessidades ou expectativas.
Uma vez que os indivíduos podem ser considerados como maximizadores de utilidade e poder, são muito facilmente capazes de perder o rumo do bem público, justificando o bem-estar da comunidade à base de seu próprio consumo e bem-estar. Igualmente, as escolhas sociais são uma questão de informação, e os indivíduos não dispõem de todas as informações para poderem fazer escolhas racionais.
Em termos práticos, quanto mais nos inclinamos no sentido de um modelo, mais vamos contra o propósito real da consecução de bem-estar e justiça sociais. Se aceitamos a idéia de que é preciso definir, previamente, um conjunto comum de valores sociais, além de quaisquer outras considerações individuais, então pelo menos grande parte das decisões sociais terá que ser feita a nível do sistema social. Quanto às escolhas sociais, subsistemas sociais, como uma empresa pública, terão de ter certas limitações em planejamento e operações, a fim de que haja garantia de bem-estar e eqüidade socialmente concebidos.
Todavia, os dois tipos de raciocínio têm ulteriores implicações para a avaliação das empresas públicas. Aquilo que se presume sobre o que é o bem-estar social, e como deveria ser definido, influi sobre o peso que se dá á lucratividade financeira, como fator de complementação ou de oposição de responsabilidades sociais. O quadro 2 mostra as diferenças entre os dois modelos, com as implicações subsistêmicas. De fato, a premissa de comportamento e valores racionais, originada por mútuos ajustamentos individuais, conduz á maior autonomia nos níveis inferiores, com a produção de lucros e com a decisão sobre o uso dos mesmos constituindo condições para melhor consecução de bem-estar e justiça sociais. Por outro lado, a premissa dos critérios normativos de valores padronizados para orientação de subsistemas e da ação individual toma os lucros e as decisões tomadas nos níveis inferiores questão de menor importância na garantia do bem-estar social.
4. VISÃO SUBSISTÊMICA DOS VALORES SOCIAIS: PRÓPRIO DA EMPRESA
Uma empresa pública, sendo uma organização complexa, tem uma cultura específica, que diferencia essa organização das outras. O conjunto de crenças, hábitos, valores, relacionamentos, alocação de poder, conhecimentos, tecnologia, atitudes e comportamento que formam a organização existe entre limites que constituem um sistema, dotado de mecanismos de auto-preservação. Conseqüentemente, uma organização desenvolve valores próprios, que podem não estar em harmonia ou concordância com os valores da comunidade que a cerca.
Socialmente, o processo de produção não é neutro. Dirigentes e empregados têm seus próprios valores e interesses, que se refletem no processo decisório da empresa. Não há competência neutra em administração. O processo de socialização, tanto externo quanto interno, isto é, as experiências da vida fora e dentro da organização, como antecedentes sócio-econômicos e experiência das empresas, modela os valores individuais e determina as atitudes e o comportamento das pessoas. Por exemplo, interesses pessoais, refletidos na exigência de maiores salários, satisfação no trabalho, auto-atualização, maior influência no processo decisório, poder, prestígio, regularidade da renda, menor pressão do trabalho constituem tipos de fatores que afetam o sistema de valor das empresas e a maximização do lucro.
Muito embora um subsistema social, como uma empresa pública, não possa opor-se constantemente ao mais amplo sistema social, é ilusório admitir que existe concordância de valores entre subsistema e sistema. Nenhum subsistema social reflete, exatamente, os valores do sistema maior: a estrutura social de uma empresa não reflete a estrutura social exterior.
São várias as explicações sobre como se produzem e prevalecem os valores dos subsistemas, na política empresarial, e dependem dos modelos conceituais que se tenha sobre o processo decisório da organização. A importância desses modelos conceituais, na análise e avaliação das empresas públicas, foi assinalada no estudo de El Mir,5 5 Ver El Mir, Ali. On the evaluation of public enterprise performance. Trabalho apresentado ao Seminário sobre Avaliação de Empresas Públicas, Ljubljana, nov. 1981. Modelos conceituais de organização como formulação de política pública têm sido cada vez mais usados para explicação de decisões empresariais. A utilização desses modelos teve origem nas obras de Simon, Herbert. Teoria das organizações. Trad. Rio de Janeiro, FGV, 1967; Dye, Thomas. Understanding public policy. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1972; Allison, Graham T. Essence of decision. Boston, Little Brown, 1971, e, mais recentemente, MacRae, Duncan & Wilde, James. Policy analysis for public decisions. Belmond, Duxbury Press, 1979; e Dunn, William. Public policy analysis. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1981. baseado na teoria organizacional. O quadro 3 mostra uma aplicação de tais modelos, naquilo em que influenciam a articulação de valores sociais, no contexto dos subsistemas organizacionais.
Todos os modelos explicativos possibilitam a orientação de valor em função de diversos fatores: valores de elite, acordo entre preferências conflitantes e limites estruturais e cognitivos da racionalidade. Mesmo que alguém encontre explicação racional para a política de uma empresa, em termos de custo/benefício, os valores do impacto da política podem diferir daqueles que orientaram ó processo de sua formulação. A explicação racional dessa formulação, dentro da organização, é encontrada na resposta á seguinte pergunta: "Quem valoriza o que e por quê?"6 6 Valores contraditórios de formulação e impacto da política pública em Rivlin, Alice. Systematic thinking for social action. Washington, D.C., Brookings, 1971; e, também Dunn, William., op. cit. Os valores explícitos e implícitos de uma política específica, porém, podem diferir dos valores do povo e dos clientes que recebem o impacto da política. Para explicar o impacto de uma política específica, é preciso que se pergunte: "Quem recebe o que e por quê?"7 7 Id. ibid. O exemplo seguinte pode clarificar a possível contradição entre formulação racional da política pública e o impacto da mesma política sobre a comunidade. Suponha-se uma empresa pública, operando no ramo dos telefones, e que deseja promover o desenvolvimento de sistemas de comunicação numa determinada região do país. A nova política seria a da expansão dos serviços da empresa até essa região, instalando-se, lá, nova rede telefônica. A empresa anuncia, publicamente, sua intenção e começa a elaborar um plano, com a finalidade de atingir a meta desejada. Prepara-se, então, um plano qüinqüenal, debatido e aceito pelos dirigentes da empresa. Devido à limitação natural de recursos, a região foi dividida em cinco sub-regiões (A, B, C, D e E) e, fazendo-se um escalonamento de acordo com a densidade populacional, a sub-região A mostrou ser a mais populosa, enquanto iE era a de menor população. Os serviços telefônicos, em face dos planos de investimento, seriam prestados, primeiro, á sub-região A e, nos quatro anos consecutivos, às demais sub-regiões. No quinto ano, quando a sub-região E recebesse os serviços telefônicos, o plano estaria completo.
Se tentarmos explicar a política dessa empresa de acordo com uma perspectiva racional, a tarefa será simples. Quem valoriza o que e por qué? A empresa pública dá valor à densidade populacional porque, dessa maneira, maior número de pessoas conseguirá, mais cedo, os serviços telefônicos. De fato, a racionalidade da companhia visou, simplesmente, beneficiar mais gente o mais cedo possível, e uma estratégia baseada em tempo e densidade de população serviria a esse propósito.
Todavia, como foi anteriormente mencionado, a racionalidade de uma decisão técnica e social, a nível de subsistema, mesmo que claramente aceita por planejadores e gerentes com fundamentos racionais, não conduz, necessariamente, à aceitação fora da empresa. As pessoas tendem a ser pragmáticas, ao avaliar uma política social e econômica. O apoio e aprovação que dão a uma política dependem, largamente, do benefício que dela podem retirar. Além disso, o impacto da política sobre as pessoas é, em geral, desigual, por causa das expectativas desiguais e da distribuição desigual de recursos sociais, econômicos e políticos.
Assim, se examinarmos o impacto da política da companhia telefônica sobre o povo, ou sobre os cuentes em potencial, é possível observar as discrepâncias nas percepções racionais. As pessoas vivendo nas sub-regiões A e B concederiam apoio natural ao plano, porque seriam beneficiárias dos serviços telefônicos numa perspectiva de curto prazo. Provavelmente, considerariam o plano da empresa muito "racional" e correspondente ao interesse da comunidade. Habitantes das sub-regiões D e E não gostariam do plano, porque os mesmos benefícios distribuídos aos outros só as alcançariam num prazo de cinco anos. Clientes potenciais das sub-regiões D e E poderiam, mesmo, entender que apolítica da companhia, favorecendo as sub-regiões A e B, só ocorria porque políticos, funcionários governamentais e grupos de pressão dessas áreas seriam mais fortes e mais poderosos. Em conseqüência, uma política social racional adotada numa organização tem efeitos sociais racionais externos que irão produzir novas demandas à organização. Mesmo nas explicações racionais, podem ser detectadas discrepâncias entre as percepções sociais de uma empresa e as percepções sociais da comunidade exterior.
Prosseguindo na exploração do exemplo da companhia telefônica, é possível apresentar-se o argumento de que parte da resistência e da desaprovação frente à política da empresa é devida, sobretudo, à dimensão pública dessa organização. As empresas públicas, por sua natureza, têm que enfrentar a questão da justiça, na articulação, agregação, processamento e alocação de valores à sociedade. Se a mesma política tivesse sido apresentada por uma empresa privada, outra justificativa, baseada na lucratividade e no retomo do investimento, poderia ter sido acoplada à razão da densidade populacional. A lucratividade e o retomo dos investimentos são motivos que o público aceita melhor no planejamento das empresas particulares. Muito embora justificativas de ordem financeira sejam, igualmente, básicas para a operação da empresa pública, o fato de ser ela pública gera expectativas adicionais nos clientes em perspectiva. O não-recebimento de um serviço, porque uma pessoa mora numa área considerada não-lucrativa, pode ser um argumento mais difícil de aceitar pela pessoa interessada, se esse argumento parte de uma empresa pública. De fato, muitas dessas empresas tiveram origem, através de processos de nacionalização ou de estatização quando conflitos de política do tipo descrito passaram a constituir problemas.
O planejamento tem, sobre as pessoas, impacto desigual. Planejar significa definir prioridades e concentrar recursos, o que, em essência, é uma forma desigual de tratar interesses. Além disso, recursos políticos, econômicos e sociais são distribuídos desigualmente na sociedade, o que também explica a desigualdade do impacto da política. Portanto, existe uma discrepância intrínseca e inevitável na agregação e na alocação de valor entre a empresa e a comunidade exterior.
Outros exemplos de discordâncias de valor podem ser encontrados quando o interesse dos trabalhadores em reduzir o risco social do emprego, ou em lutar por maiores salários, ou mesmo quando o interesse dos gerentes pelo prestígio conduzem uma empresa pública a concentrar investimentos em áreas mais lucrativas, ainda que de baixa prioridade social. Tal política atende ao propósito de manutenção dos interesses sociais internos, assim como da coalizão daqueles que ocupam posições de poder, sem levar em consideração outros valores sociais externos. Igualmente, o desejo de expandir-se e de sobreviver leva uma empresa a empregar esforços em publicidade e promoções em tomo daquilo que julga bom, alterando, em conseqüência, alguns valores e expectativas da comunidade. Embora essas ações possam refletir uma harmonia, às vezes significam apenas ajustamentos temporários de valor, ou uma concordância setorial, ou de segmento, que não estão em sintonia com os valores sociais mantidos pela comunidade. Mesmo que se aceite a existência de harmonia entre a comunidade e a empresa, em termos de promoções especiais, isso não significa que maior justiça social e níveis mais elevados de bemestar social tenham sido alcançados. As discussões sobre o assunto trariam de novo a controvérsia já mencionada sobre a origem dos conceitos de bem-estar social e de bem público, baseados na positiva agregação de preferências individuais ou num conjunto normativo estrutural de valores comunitários.
Exemplos adicionais de incongruência podem ser também encontrados na explicação de valores implícitos na política da empresa, de acordo com a perspectiva organizacional e sistêmica. Em princípio, os limites cognitivos da racionalidade afetam a opção empresarial. Todas as empresas têm limites à sua estrutura sócio-técnica, relativos ao número de alternativas que podem identificar e implementar. As organizações têm limites em seus conhecimentos e no montante e espécie de informações que são capazes de processar. Assim, a compreensão que uma empresa tem da realidade social é apenas uma parte da realidade total, altamente limitada pelo seu próprio sistema interno de valor. Conseqüentemente, os valores sociais do sistema organizacional podem não coincidir, nem com mais amplas prioridades sociais, nem com percepções acumuladas, oriundas de diferentes subsistemas sociais.
Em suma, já que a neutralidade gerencial ou harmonia com os valores do ambiente não constituem fatores garantidos, as decisões sobre o bem-estar e eqüidade sociais não deveriam ser tomadas, implementadas ou condicionadas exclusivamente pela ação empresarial.
5. A DIMENSÃO EMPRESARIAL: LIMITAÇÕES INTRÍNSECAS DA RENTABILIDADE FINANCEIRA COMO INDICADOR DE EFICIÊNCIA
A rentabilidade financeira pode ser vista como importante critério para mensuração do desempenho da empresa pública, com base na dimensão empresarial, sendo comumente adotada como indicador de eficiência, uma vez que a diferença positiva entre esforços e resultados reflete a capacidade da empresa para gerar excedentes e, conseqüentemente, para garantir-se existência auto-suficiente. A rentabilidade ou lucratividade é, de modo geral, considerada uma prova de eficiência, assim como os prejuízos refletem ineficiência.
No entanto, a rentabilidade financeira apresenta alguns perigos, como indicador. Embora seja comumente aceita em situações em que prevalece uma boa distribuição de renda e boa competição de mercado, essa lucratividade tem algumas limitações, além daquelas que se aplicam às próprias empresas particulares, basicamente originadas no ambiente das nações em desenvolvimento, de acordo com três fatores: a) imperfeições de mercado mais profundas e distribuição de renda mais deficiente; b) política de fixação e controle de preços; c) monopólios.
A referência às imperfeições do mercado é feição comum da teoria microeconômica e aplica-se tanto a empresas públicas quanto a particulares, e serão consideradas posteriormente neste trabalho, na análise das contradições gerais e os conflitos de valor inerentes às sociedades de transição. Assim, a análise será agora concentrada nos itens b e c, que são os de maior importância para a avaliação das empresas públicas nas nações em desenvolvimento.
5.1 Politica de fixação e controle de preços
A política de fixação e o controle dos preços constituem fatores de maior importância, na avaliação das empresas públicas, especialmente nos países em desenvolvimento, onde tais entidades operam sob outras restrições de preço, geradas externamente. Conseqüentemente, a avaliação a nível da empresa terá de considerar as políticas exteriores, a nível do governo, que possam favorecer, ou não, a sua rentabilidade. Com relação a isso, é necessário considerar dois casos específicos: underpricing (preços deficientes) e overpricing (preços excessivos).
5.1.1 Efeitos do underpricing sobre a avaliação
O underpricing significa uma imposição do governo à empresa, para que o preço de seu produto seja inferior ao respectivo valor de mercado. Geralmente, isso ocorre a fim de estabelecer preços favoráveis para produtos considerados essenciais, ou politicamente sensíveis. Além disso, pode ser usado para promover produtos específicos, considerados socialmente desejáveis, mas não essenciais.
Quando esse recurso é usado, a diferença entre o valor de mercado e o preço real cobrado pela empresa pode ficar acima ou abaixo dos custos acarretados pela produção. Assim sendo, as medidas de avaliação terão que levar em conta dois casos:
a) os preços ficam acima dos custos, mas abaixo dos valores do mercado - a política do governo, assim orientada, pode ter efeitos importantes sobre a lucratividade, porque a capacidade da empresa para gerar excedentes financeiros pode ficar bastante reduzida. Baixa lucratividade, baixos retornos de investimentos, baixa capacidade de auto-suficiência econômica podem não refletir má administração, mas simplesmente resultar de más condições operacionais, impostas à empresa;
b) os preços são fixados abaixo dos custos - a política do governo assim orientada afeta a lucratividade, porque visa a impor prejuízos financeiros à empresa, colocando sua sobrevivência na dependência direta do governo. Nesse sentido, é imperativa a concessão de subsidios, e estes são justificados em termos de política social, para favorecer a contribuição da empresa pública para o bem-estar social. A lucratividade financeira será prejudicada, porque os investimentos serão feitos sempre sob a presunção de um prejuízo, ou de um retomo negativo.
5.1.2 Efeitos do overpricing sobre a avaliação
Os preços fixados acima do valor real do mercado alteram a lucratividade da empresa e esse tipo de fixação ocorre quando o governo deseja reduzir o consumo de certos produtos. Os preços sobem em razão de taxas especiais, ou por terem sua fixação baseada em moeda estrangeira. Dependendo do produto e das circunstâncias, preços mais elevados podem exercer influência positiva ou negativa sobre a lucratividade da empresa e, em alguns casos, podem significar uma política dirigida para a geração de maiores recursos para novos investimentos, na mesma empresa ou em outras.
Preços que sejam artificialmente elevados podem estimular a ineficiência. Ê razoável admitir-se que empresas que têm seus esforços grandemente recompensados acabem se tomando descuidadas, em questões relacionadas com a eficiência, uma vez que processos produtivos ineficientes podem ser, muito facilmente, acobertados pelos grandes lucros obtidos pela empresa.
Por outro lado, há casos em que preços artificialmente elevados causam acentuadas reduções no consmo, o que, por sua vez, tem reflexos negativos sobre a lucratividade da empresa. Nesses casos, também, a eficiência pode ser reduzida em termos de outros indicadores físicos, como, por exemplo, a capacidade de utilização.
5.1.3 Subsídio cruzado: a perspectiva sistêmica entre underpricing e overpricing
A rentabilidade financeira da empresa pública pode ser analisada a nível empresarial ou de produto. Por diferentes razões, o governo ou a própria empresa pública podem decidir operar a um nível geral de lucratividade, embora alguns de seus produtos, ou serviços, gerem déficits. Assim., os ganhos oriundos de uma determinada área, ou produto, podem compensar prejuízos de outras. Nesses casos, se for promovida uma avaliação com base numa área, ou produto específico, a mesma pode, por exemplo, apresentar déficits, enquanto em outra, altos lucros. Vários motivos justificam a subvenção cruzada, em especial:
a) razoes sociais, tais como orientações de eqüidade," com o objetivo de garantir o mesmo preço para diferentes clientes, apesar de diferenças entre custos médios e custos marginais mais altos;
b) razões contábeis, em situações em que não é desejável, ou possível, ou excessivamente complexo, determinar diferenças de custo, sendo estabelecido um preço uniforme, para garantir o nível de receita desejado;
c) razões comerciais, quando produtos ou serviços específicos precisam ser socialmente promovidos ou protegidos de competição.
O subsídio cruzado pode afetar a rentabilidade, porque a capacidade de perdas é limitada a nível empresarial, o que significa que, com o tempo, menores taxas de retomo estarão sempre presentes.
5.2 Monopólios
Devido à tendência das empresas públicas, em países em desenvolvimento, de operarem como monopólios, deveria ser dada especial atenção aos processos e normas de avaliação. Em condições competitivas, o planejamento estratégico da empresa enfrenta naturais restrições de mercado, que precisam ser superadas por uma constante preocupação com o custo e com o consumidor. A eficiência toma-se um caminho natural para a sobrevivência. Em condições monopolísticas, as restrições de mercado são mais fracas e o perigo de se considerar o consumidor como coisa certa pode causar ineficiência, com produtos e serviços de pior qualidade sendo oferecidos a custos mais elevados e, conseqüentemente, a preços mais caros. Portanto, nas condições monopolísticas, a lucratividade financeira pode esconder a ineficiência, a expensas do consumidor, e acabar sendo um mau indicador de eficiência. Quanto maior o poder monopolístico, maior a oportunidade de melhorar os resultados comerciais, à custa da conveniência do cliente. Assim, quanto maior esse poder e quanto maior o número de monopólios existentes num país, os critérios de avaliação deveriam combinar mais com os padrões fixos e comparativos de avaliação, no julgamento da lucratividade financeira das empresas públicas.
As limitações da rentabilidade como indicador de eficiência, como foi mostrado, são devidas, sobretudo, âs condições operacionais exteriores à empresa, que tomam as variações de rentabilidade difíceis de serem explicadas apenas em termos de ações de gerenciamento interno. Nas empresas públicas, as imposições governamentais quanto a novos produtos e serviços, sem uma adequada compensação pelos seus esforços, são responsáveis pela maior parte dos casos de variações positivas e negativas na rentabilidade. As empresas públicas, em muitos países em desenvolvimento, são, primordialmente, responsáveis por setores econômicos de grandes investimentos, de longa maturação e de baixo retomo. Por conseguinte, as expectativas quanto à existência de empresas públicas altamente lucrativas podem não ser concretizadas em grande numero de casos, o que não significa porém, que tais empresas não estejam contribuindo para o bem-estar social do país.
A relação entre rentabilidade financeira e bem-estar social será discutida mais amplamente neste trabalho. Porém, nesta parte, foi feita uma tentativa de mostrar a limitação da rentabilidade financeira e sua possível relação com o bem-estar e eqüidade social, conforme resumido no quadro 4.
6. LUCRATIVIDADE FINANCEIRA VERSUS RESPONSABILIDADE SOCIAL: ARGUMENTOS E CONTRA-ARGUMENTOS
As proposições apresentadas (ver esboço no quadro 5) têm mostrado que, embora as empresas públicas tenham suas próprias responsabilidades sociais, por serem organizações sociais, a maior parte de sua dimensão social é inerente ao status de que se revestem como organizações públicas. Nesse sentido, a avaliação social dessas empresas públicas tem de começar do lado de fora: é necessário levar em consideração as dimensões sociais que levaram á sua criação e que ainda, justificam sua existência.
Aplicando-se apenas a perspectiva dos subsistemas, isto é, a visão social a nível da empresa, uma grande parte da controvérsia em tomo da avaliação de suas dimensões sociais dissipar-se-á. Os conflitos entre as duas dimensões - empresa e público - seriam bastante reduzidos, chegando quase à mesma questão de quando se faz o julgamento das responsabilidades sociais de uma empresa privada. Todavia, a premissa aqui levantada é que a dimensão pública abrange uma visão sistêmica mais ampla da responsabilidade social.
A intenção é analisar a rentabilidade financeira e sua relação com a responsabilidade social, da perspectiva do contexto social maior. A controvérsia em tomo da relação positiva, ou inexistente, entre rentabilidade financeira e social, será utilizada como ilustração, numa tentativa de examinar as implicações mais vastas do assunto.
Quando uma análise bidimensional, combinando rentabilidade financeira e responsabilidade social, é empreendida, novo elenco de argumentos conflitantes pode ser encontrado, no que se refere à avaliação das empresas públicas. O ponto central de controvérsia tem sido a forma pela qual a rentabilidade financeira correlaciona-se com a responsabilidade social. Esses fatores possuem uma associação positiva, sendo a lucratividade financeira uma condição necessária para melhor contribuição ao bem-estar social, ou não há associação, ou a associação chega a ser negativa?
Mesmo reconhecendo as limitações da rentabilidade financeira como indicador social, alguns autores têm acentuado a associação positiva entre lucratividade financeira e contribuição da empresa pública para o bem-estar social. Praxy Fernandes refere-se, muito claramente, a esse assunto, quando diz: "A lucratividade financeira das empresas públicas é um fundamento necessário para o atendimento de objetivos sociais."8 8 Fernandes, Praxy. An Approach to performance evaluation of public industrial enterprise. Trabalho apresentado ao Expert Group Meeting on the Changing Role and Function of the Public Industrial Sector in Development, Unido, Viena, out 1981.
Em recente reunião sobre Sistemas de Avaliação de Empresas Públicas,9 9 Referência feita ao Seminário mencionado na nota nº 5. a rentabilidade financeira foi também enfatizada como condição para atender metas sociais, inclusive para países de economia planificada que não têm a lucratividade como principal indicador do desempenho da empresa.
Todavia, Praxy Fernandes aprofundou a proposição, dando ao argumento a justificativa básica de que a rentabilidade financeira, a nível empresarial, é uma condição necessária para o atendimento de objetivos sociais. A argumentação de Praxy baseia-se em cinco premissas:10 10 Fernandes, Praxy. Promise and performance: a search for a credible system of evaluating the efficiency of public entreprises. Monografia. ICPE, 1981.
1) a criação de empresas públicas pelo governo implica a aceitação da dimensão empresarial, significando objetivos e contabilidade comerciais baseados em lucros e perdas; 2) o próprio processo decisório sobre investimentos, nessas empresas, pressupõe analise de viabilidade e de custo/benefício, com as necessárias considerações e estimativas de retornos prováveis do investimento, incluindo rentabilidade; 3) os formuladores de políticas e líderes políticos estão dando ênfase cada vez maior à rentabilidade financeira das empresas públicas, pelo fato de que grandes prejuízos dessas empresas são cobertos pelo orçamento estatal; 4) os prejuízos das empresas públicas significam que os clientes não estão pagando os custos dos bens e serviços que estão recebendo e que, portanto, outros contribuintes estão arcando com as despesas, desviando-se os recursos disponíveis para investimentos; 5) a rentabilidade da empresa pública tem importância social, porque leva a uma questão de fundamental importância social, que é a mobilização de recursos.
Como exemplos dessa argumentação, são lembradas as empresas financeiramente bem-sucedidas, que são exatamente aquelas capazes de assumir maiores responsabilidades sociais. Ao contrário, empresas com grandes prejuízos financeiros têm exagerada dependência do orçamento estatal, baixo moral e menores possibilidades de desincumbir-se de responsabilidades sociais.
0 núcleo do argumento é que, na realidade, a rentabilidade é uma base necessária para o atendimento da responsabilidade social, porque a geração de recursos excedentes e a existência de dinheiro são uma precondição para que possam financiar programas sociais.
A proposição tem coerência e validade na medida em que se admite que a dimensão empresarial não se choca, de maneira alguma, com a dimensão pública. Na realidade, poderia ela ser reformulada num enunciado normativo, como, por exemplo: quanto mais bem-sucedida for uma empresa pública em sua dimensão social, mais o será em sua dimensão pública. Em todas as premissas de Fernandes, por exemplo, existe um valor implícito quanto à dimensão empresarial constituir um fator socialmente aceitável e que deveria ser estimulado. Da forma pela qual a proposição é apresentada, não se pode ver um grande desacordo entre os fatores econômicos comumente aceitos, tais como: a mobilização de recursos, a expectativa de excedentes, a auto-suficiência e a existência de recursos para despesas de caráter social.
Todavia, os pontos mais controvertidos, na proposição enunciada, podem decorrer dos pressupostos de valor explícitos e implícitos nela. E, aqui, três situações inter-relacionadas merecem atenção: 1) a filosofia socioeconómica; 2) a aquisição de renda pela empresa pública; 3) o conceito admitido de empresa pública.
6.1 A filosofia sócio-econômica
A aceitação da filosofia econômica liberal de Milton Friedman - expressa em sua frase clássica, citada por Fernandes, "não existe isso que se chama de almoço grátis" - significa que ambos os processos, de aquisição e alocação de renda, por uma empresa pública, serão baseados numa preferência individual centralizada na pessoa do cliente da empresa. Ninguém nega essa afirmação - "não existe o almoço grátis" - ou, na linguagem comum, a "boca livre", porque há sempre alguém que tem de pagar a conta. Mas a controvérsia surge, nos propósitos distributivos da empresa pública, relativamente àquela que deverá pagar a despesa, ou sobre se haverá casos em que a conta deverá ser dividida com alguém mais. As principais controvérsias , nessa matéria, já foram mencionadas neste trabalho, no que concerne às correntes de pensamento sobre formação de valor para escolha pública. Se aceitarmos que o ônus deve cair exclusivamente sobre o cliente, estaremos admitindo que as preferências individuais constituem a única base da escolha pública e que não deve haver subsídios. O jogo livre entre diferentes atores provocará um equilíbrio, em que se alcançara o bem-estar e a justiça socialmente desejáveis. Subsídios trariam distorção a esse jogo livre, limitando as preferências individuais e reduzindo a capacidade das pessoas para agirem de acordo com suas motivações sociais e econômicas.
Por outro lado, a corrente normativa de pensamento argumentará que a cobrança de custos integrais de todos os clientes irá maximizar o bem-estar apenas daqueles que possam pagar. Igualmente, não se fará distinção entre o interesse individual na maximização de seu bemestar social e a consecução de valores sociais mais amplos, mantidos pela comunidade. Imperfeições de comercialização, distribuição desigual da riqueza e diferentes motivações individuais em relação a poder e maximização da renda seriam razões que justificariam subsídios para garantia de justiça social mais ampla. Portanto, em qualquer hipótese, os subsídios, e não a maximização do lucro, constituiriam justificativa para que fossem atingidos melhores níveis de bem-estar social.
6.2 A aquisição de renda
A existência de dinheiro não constitui indicador de que ocorra, ou venha a ocorrer, uma contribuição para o bem-estar social. A contribuição da empresa pública para o bem-estar depende não só da forma de alocação do excedente financeiro, mas também do processo utilizado para a aquisição da receita ou para a geração do excedente.
O processo da despesa envolve a questão da escolha pública, já mencionada. A hipótese de Fernandes, sobre estudos governamentais de viabilidade, presume uma decisão social racional, no momento exato da criação da empresa pública, ou da decisão sobre investimentos. Assim, o retomo financeiro sobre os investimentos é apenas uma conseqüência sócio-econômica de uma decisão tomada pelo governo e socialmente aceita. A coerência do argumento, nesta hipótese, existe na medida em que uma decisão sócio-econômica, anteriormente aceita, encara o retomo financeiro como uma meta socialmente relevante para a empresa pública em questão.
A generalização do argumento, no entanto, pode ocultar importantes questões sociais, principalmente no que se refere a problemas gerenciais de aquisição da renda. "Bom governo" ou "boa decisão de investimento" constituem apenas variáveis contingentes, na relação entre a geração do excedente financeiro e a contribuição das empresas para o bem-estar social.
Contudo, não só a natureza do governo, mas também da estrutura sócio-econômica e da atividade empresarial são condições importantes para validação da proposição enunciada. Como se discutirá aqui, esses três fatores constituem variáveis antecedentes na relação excedente/contribuição social, o que significa que o excedente é apenas uma variável interferente, que pode ou não favorecer o bem-estar.
6.2.1 A natureza da estrutura sócio-econômica
Nas nações em desenvolvimento, em razão do impacto provocado pela modernização, são acentuadas as distorções na distribuição da renda e as dificuldades de acesso ao poder e aos bens necessários. Novos valores são introduzidos e, durante um longo período, a existência de valores modernos e tradicionais constituirá importante característica dessas sociedades em transição. A coexistência desses valores produzirá discrepâncias nas características formais e reais da sociedade. Uma vez que os aspectos formais, como estruturas e atitudes, são mais facilmente modernizados, passarão a exibir uma fachada de modernidade que contrastará com os comportamentos ainda tradicionais. Estruturas sociais, econômicas e gerenciais formalmente modernas estarão em dissonância com práticas reais de caráter social, econômico e gerencial. Atitudes ou predisposição formais e modernas, com vistas à ação, não se harmonizarão com as condutas individuais. Nesse tipo de ambiente as escolhas individuais serão altamente limitadas, não apenas em razão da má distribuição da renda, mas também por causa da inconsistência de valor inerente às sociedades tradicionais. Uma acomodação social razoavelmente livre, por meio de livres opções individuais e de livres regras de mercado, será coisa de ocorrência impossível. Por conseguinte, em termos sociais, serão necessários alguns critérios normativos de escolhas coletivas, a fim de garantir a relevância social e eqüidade, na política pública. Em termos econômicos, subsídios, transferências, controle de preços, investimentos governamentais em empresas públicas, sem expectativa de retornos financeiros, terão de existir como mecanismos de correção de distorções e para assegurar maior eqüidade no acesso a bens e serviços.
6.2.2 A natureza do governo
Tentar maximizar bem-estar social, através da maximização dos lucros empresariais, não garante que prioridades sociais-e maior bem-estar sejam alcançados. Por um lado, já foi discutido e admitido que decisões, a nível da empresa, nem sempre refletirão relevância social, mas simplesmente preferências da estrutura sócio-econômica da empresa. Por outro lado, decisões tomadas a nível de governo, por exemplo, podem impor a redução ou eliminação da rentabilidade financeira, para garantir bemestar e justiça sociais. Lucros reduzidos, ou inexistentes, significariam, então, maior rentabilidade social.
A obtenção de lucros financeiros pode ser um mecanismo para chegar à rentabilidade social, mas não é o único. Assim, a rentabilidade financeira, a nível empresarial, não é condição necessária, nem suficiente, para se alcançar eqüidade social. A rentabilidade social é um produto do tipo de decisão tomada para a aquisição e a distribuição da renda. O objetivo da política social do governo pode ser apenas o de garantir melhor igualdade no consumo e, assim, em algumas empresas, será preciso que inexistam, lucros ou mesmo que haja prejuízos, para se conseguir essa eqüidade. O requisito generalizado de maximização de lucros viria opor-se à política social do governo, e aqui um contra-argumento, gerado também na discussão clássica da escolha pública, já mencionado, traria à tona a relação entre o bem-estar social e o nível de consumo. Se aceitarmos a tese de que bem-estar e justiça sociais são mais uma função do poder de compra e não de níveis e tipos de consumo, então a maximização do lucro, a nível empresarial, seria mais facilmente aceitável como sendo positivamente associada com o bemestar social.
A questão de consumo e lucros é, em geral, acentuada nas economias de planejamento central, onde as empresas públicas devem atender a metas obrigatórias, fixadas pelo governo. Como foi salientado por Alec Nove: "Uma vez que os preços não refletem demandas, ou escassez relativa, ou valores de uso, não existe conexão entre lucratividade e a necessidade dos usuários."11 11 Nove, Alec. Public enterprises: performance evaluation. Trabalho apresentado no seminário mencionado na nota nº 5. Nessas economias, partindo de uma perspectiva de nível macro, os lucros, a nível micro, podem significar menor contribuição para o bem-estar social, pois podem indicar apenas que os salários foram mantidos baixos e, em conseqüência, baixo é o nível desse bem-estar. Esta afirmação é feita em razão da premissa implícita da maioria das economias centralmente planejadas, de que a decisão distributiva, em termos de bem-estar e de eqüidade, é algo inerente ao sistema. Por essa razão, em tais economias, o poder de compra do salário é também usado, num estágio ulterior, para explicar o bem-estar social.
6.2.3 A natureza da atividade
As empresas públicas, nos países em desenvolvimento, operam em ampla variedade de setores, desde indústrias básicas, serviços de utilidade pública, bens de consumo, até operações comerciais de pequena escala. A maximização de lucro, ou a geração do excedente financeiro, tanto pode ter influência negativa como positiva sobre a rentabilidade social, dependendo de diferentes setores econômicos. Nas empresas industriais e comerciais competitivas, que lidam sobretudo com bens de consumo, a maximização do lucro pode ser encarada como um objetivo aceito, um razoável indicador de eficiência, e um bom mecanismo para geração de fundos para novos investimentos e para atendimento de outros objetivos sociais. Não obstante, nessas áreas de indústrias básicas e de serviços de utilidade pública, a maximização do lucro pode contrariar os objetivos sociais, por causa de distorções da estrutura sódo-econômica, presentes em situações de subdesenvolvimento. Nas indústrias básicas, as opções de investimentos em setores mais vantajosos podem não refletir sempre as prioridades sociais do país, quanto â expansão do emprego, independência econômica ou menor dependência de moeda estrangeira. Nos serviços de utilidade pública, por exemplo, o problema da rentabilidade social toma-se fundamental. Uma vez que a distribuição da renda é desigual, e que o poder de compra é altamente desproporcionado, a venda ou fornecimento de serviços essenciais aos mais pobres pode transformar-se num mau negócio. Se pretendermos a maximização do lucro, então a empresa pode limitar sua ação somente às pessoas de renda mais alta, já que essas seriam as possuidoras de recursos para comprar os serviços da empresa. Ainda que isso pudesse ser interpretado como um meio de geração de renda para fornecimento posterior de serviços aos pobres, significaria, também, injustiça social. Satisfazer os ricos primeiro, com a finalidade de obter os recursos financeiros necessários para fornecer serviços aos mais pobres, significaria que, socialmente, os ricos teriam prioridade sobre os mais pobres.
6.3 O conceito de empresa pública
No caso da relação entre a rentabilidade financeira e o exercício da responsabilidade social, grande parte da controvérsia vista decorre do ainda controvertido conceito-chave de empresa pública.
Praxy Fernandes, o mais vigoroso defensor da associação positiva entre lucratividade financeira e responsabilidade social, aceita, implícita e explicitamente, em diversos de seus argumentos, um conceito de empresa pública expresso na reunião de Tânger.12 12 Ver relatório da reunião de Tanger, mencionada na nota nº 1. Nessa reunião, foi desenvolvido um conceito de empresa pública baseado em objetivos e em propósitos organizacionais. Uma empresa pública existe para produzir bens e serviços, de preço fixado através de um sistema de contas comerciais em termos de lucros e perdas. Os chamados serviços públicos e a infra-estrutura econômica ficam explicitamente desvinculados, naquilo que deveria ser uma empresa pública. Nessa perspectiva, os argumentos de Fernandes adquirem plena força e coerência.
Mas, na prática, aquilo que deveria ser uma empresa pública e o que se deseja, em matéria de organização governamental, ainda não se combinaram com a realidade da maior parte das nações em desenvolvimento. As empresas públicas existem como entidades diferentes, de diferentes naturezas, numa pluralidade de formas legais, para diversos propósitos. A grande realização do encontro de Tânger foi produzir uma boa definição conceituai de empresa pública. Mas, comparado o conceito com o que, de fato, é considerado como empresa pública nos países em desenvolvimento, esse tipo de empresa pode ser apenas uma elaboração intelectual, uma boa construção conceituai, em busca de uma entidade real, que possa servir como instrumento analítico para comparações transnacionais. Enfatiza-se esse argumento para chamar atenção para o fato de que, não apenas ao analisar a proposição de Fernandes, mas em muitas outras situações, a maior parte das controvérsias sobre a avaliação da empresa pública oculta, essencialmente, um conflito conceituai sobre a natureza dessas entidades. Os estudos escritos sobre essa avaliação mantêm uma coerência interna e uma harmonia, se entendidos no cenário nacional em que estão sendo produzidos. Contudo, tentativas de comparação geram a controvérsia sobre a própria natureza da entidade que está sendo estudada e, talvez, a única característica comum que se pode deduzir desses estudos é a de que todos os autores estão tratando de uma entidade nâo-privada. As empresas públicas diferem de um país para outro, tanto quanto seus governos e suas organizações sociais. Se isolarmos a infra-estrutura e os serviços de utilidade pública, grande parte da análise e da literatura sobre a empresa pública, na América Latina, não irá referir-se, de acordo com a definição de Tânger, a esse tipo de empresa, mas a outra coisa diferente. Por conseguinte, no estágio presente, a avaliação das empresas públicas deveria considerar, desde o primeiro momento, não apenas a definição conceituai, implícita ou explícita na análise, mas também o propósito da entidade em si mesma. Por exemplo, ao se tomar como certo que o abastecimento de água deve ser provido pelo governo e deve ser financeiramente coberto por taxas, o que se faz é apenas exprimir um desejo de que esse tipo de serviço não seja atendido por uma empresa pública. Mas, em muitos países em desenvolvimento, há serviços de água administrados por empresas públicas. Da mesma forma, em alguns casos, o financiamento internacional de sistemas de abastecimento de água só é concedido quando os governos criam empresas públicas para esse propósito.
Muito embora as controvérsias possam ser articuladas em todos os casos, o ponto a acentuar aqui é que, nas comparações de âmbito nacional, a generalidade ou a especificidade do conceito de empresa pública pode distorcer a avaliação da entidade local.
Portanto, os esforços, como os que foram promovidos em Tânger, deveriam ser estimulados e, em ocorrendo, deveriam considerar, em profundidade, os níveis de comparabilidade do conceito de empresa pública. Mas, a esta altura, se a definição de Tânger tem aceitação geral, grande parte da controvérsia analítica sobre avaliação deveria estar dissipada. Mas, ainda, se a definição é aceita para propósitos normativos, deveria causar mudanças radicais na operacionalização da idéia de empresa pública, nas nações em desenvolvimento. Isso resultará em excelente ponto de partida para vantajosas mudanças.
7. OBSERVAÇÕES FINAIS
Levando em consideração os principais pressupostos examinados neste trabalho sobre responsabilidade social, perguntas adicionais podem ser feitas sobre como se deverá proceder, quanto à avaliação das empresas públicas. Se a responsabilidade social tem dois níveis de análise, um criado pela dimensão pública e outro pela dimensão de organização social de todas as empresas, quais deveriam ser as áreas essenciais, as normas, e quais os níveis de decisão, para a avaliação social das empresas públicas?
Ao lidar-se com a dimensão pública, a premissa básica é de que a responsabilidade social da empresa pública tem de ser definida fora da própria empresa e, a esse respeito, outras deduções podem ser feitas:
1. Não se pode esperar que uma empresa pública seja totalmente sensível, do ponto de vista social, isto é, capaz de eficazmente contribuir para o bem-estar e a justiça sociais, se essa empresa opera no contexto de um sistema sóào-econômico e político que não considere o bem-estar social e a justiça social como uma dimensão importante da política pública.
2. Uma vez que a dimensão pública de uma empresa envolve responsabilidade mais ampla perante a sociedade, em circunstância alguma pode o governo negligenciar as dimensões sociais no planejamento, no controle e na avaliação da empresa pública.
3. As empresas públicas nunca devem ser deixadas em condições de decidirem, sozinhas, questões ligadas às responsabilidades sociais mais amplas que têm perante o sistema.
4. As normas de planejamento gerencial e de avaliação, no contexto de uma empresa pública, devem levar em consideração, desde o começo, as metas sociais e as expectativas definidas pelo governo.
5. O reconhecimento das responsabilidades sociais da empresa pública não significa restrições posteriores quanto a seu planejamento gerencial e a suas operações. As empresas podem e devem manter a respectiva liberdade funcional, para atingir seus objetivos. A eficácia da administração pode ser aperfeiçoada, se as metas sociais são bem definidas nas primeiras fases do processo de planejamento.
6. As interfaces entre a política social do governo e o planejamento da empresa pública devem ser mais bem exploradas e mais bem estudadas, sobretudo considerando-se situações que permitam maior Uberdade de ação à empresa. Estudos comparativos entre sistemas, tais como "sistema de envelope", canadense, o "contrato de empresa", francês, e o sistema iugoslavo de relacionamento entre as "empresas" e as "comunidades de interesse" devem ser explorados. E possível que desses estudos resultem boas estruturas de referência analíticas e proposições normativas, para a relação entre a empresa e a política social do governo.
7. As normas de avaliação devem considerar as expectativas sociais, num contexto social específico, anaUsando ao longo do tempo, com um variado conjunto de indicadores. As tentativas de comparações eficazes, de âmbito nacional, somente devem ser promovidas, em cada país, através de melhor clarificação da empresa e dos conceitos sociais. Desse maneira, dever-se-á enfatizar uma abordagem positiva, em lugar de um enfoque normativo, no estágio atual dos estudos comparativos. A geração de bons estudos de caso é o primeiro passo, que deverá ser acompanhado, imediatamente, por comparações de âmbito nacional. O esforço de articulação de indicadores sociais para a avahação da empresa púbUca será mais eficaz, exato e proveitoso, quando se promovam bons estudos comparativos de amplitude nacional.
Ao tratar-se da dimensão empresarial, de uma perspectiva social, admitiu-se que a responsabilidade social das empresas púbUcas não deve ultrapassar os limites das obrigações sociais impostas a todas as empresas e a outras organizações sociais. Admitiu-se, também, que as organizações desenvolvem um sistema próprio de valor social, que talvez não se harmonize com os valores sociais do sistema social mais amplo. Outras deduções podem ser tiradas, a esse respeito:
1. As obrigações sociais, comuns a todas as empresas, devem ser exigidas e avaliadas da mesma forma para todas as organizações, num contexto social específico.
2. As empresas públicas devem ser livres para decidir quanto à sua contribuição social além do nível comum esperado, de acordo com suas próprias características, sua lucratividade e as expectativas da comunidade.
3. Uma vez que pode haver diferenças culturais entre sistemas e subsistemas, as normas de avaliação devem considerar sempre a harmonia social entre a formação da política social, a nível da empresa, e seu impacto sobre os sistemas sociais mais amplo.
4. Já que não existe neutralidade gerencial, devem ser exigidos comprometimentos sociais dos dirigentes da empresa pública, no desempenho de suas tarefas. A avaliação social não pode ser promovida na base da competência neutra e, assim, os valores utilizados para definir critérios de avaliação devem ser expressos com clareza.
5. As responsabilidades sociais a nível organizacional são também culturalmente limitadas por contextos sociais específicos. As comparações transnacionais devem, igualmente, ser baseadas e, abordagens empíricas, para compreensão e explicação das dimensões culturais. Não se deve recomendar tipos de indicadores sociais, a menos que estudos comparativos sejam previamente realizados. As implicações de aspectos culturais na administração da empresa pública devem ser melhor compreendidas, antes que se possa definir boas normas de avaliação social. A cultura constitui um importante fator administrativo, que precisa ser mais seriamente estudado, para ser continuamente usado como fascinante categoria residual, quando faltam outras dimensões explicativas. Não se trata de negar os valores culturais, mas de se tentar compreender melhor sua relação com a administração da empresa.
- 1 Ver Fernandes, Praxy & Sicherl, Pavle, org. Seeking the personality of public enterprise - an enquiry into the concept, definition, and classification of public enterprises. Ljubljana, ICPE, 1981.
- 5 Ver El Mir, Ali. On the evaluation of public enterprise performance. Trabalho apresentado ao Seminário sobre Avaliação de Empresas Públicas, Ljubljana, nov. 1981. Modelos conceituais de organização como formulação de política pública têm sido cada vez mais usados para explicação de decisões empresariais. A utilização desses modelos teve origem nas obras de Simon, Herbert. Teoria das organizações. Trad. Rio de Janeiro, FGV, 1967;
- Dye, Thomas. Understanding public policy. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1972;
- Allison, Graham T. Essence of decision. Boston, Little Brown, 1971,
- e, mais recentemente, MacRae, Duncan & Wilde, James. Policy analysis for public decisions. Belmond, Duxbury Press, 1979; e Dunn,
- William. Public policy analysis. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1981.
- 8 Fernandes, Praxy. An Approach to performance evaluation of public industrial enterprise. Trabalho apresentado ao Expert Group Meeting on the Changing Role and Function of the Public Industrial Sector in Development, Unido, Viena, out 1981.
- 10 Fernandes, Praxy. Promise and performance: a search for a credible system of evaluating the efficiency of public entreprises. Monografia. ICPE, 1981.
- 11 Nove, Alec. Public enterprises: performance evaluation. Trabalho apresentado no seminário mencionado na nota nş 5.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Dez 1984