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Tendências de reorganização da economia mundial: suas implicações para a política tecnológica dos NICs (países de industrialização recente) da América Latina

ARTIGO

Tendências de reorganização da economia mundial: suas implicações para a política tecnológica dos NICs (países de industrialização recente) da América Latina

Henrique Rattner

Professor titular no Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

1. CRESCIMENTO E EXPANSÃO DA ECONOMIA INTERNACIONAL

O Centro de Estudos sobre Corporações Transnacionais da Organização das Nações Unidas levantou, no início da década de 80, aproximadamente 100 mil filiais de empresas transnacionais espalhadas pelo mundo, 34 mil de origem norte-americana, 20 mil britânicas e outras ligadas a redes complexas de grupos e conglomerados alemães, japoneses, franceses etc.

Somente as filiais dos conglomerados norte-americanos representavam investimentos no valor de US$200 bilhões, empregando mais de cinco milhões de pessoas e realizando um valor de produção duas vezes e meia superior ao total das exportações anuais oriundas dos EUA.

Refletindo o grau de concentração do capital, verifica-se que 190 empresas norte-americanas controlavam mais de 75% dos investimentos externos, enquanto 165 corporações britânicas controlavam mais de 80% dos investimentos no exterior e, na República Federal da Alemanha (RFA), apenas 82 empresas detinham o controle de mais de 70% dos investimentos realizados no estrangeiro.

Essa expansão em escala global processou-se nos últimos 30 anos simultaneamente com o crescimento do comércio internacional, estimulado e impulsionado por uma série de acordos e instituições multilaterais. Apesar de restrições ocasionais e temporárias impostas nos anos 60 e 70 pela França, Itália e Grã-Bretanha, sob forma de controle de importações e das operações de câmbio, ou nos NICs em função dos pontos de estrangulamento em seus planos de desenvolvimento, a maioria das nações do mundo capitalista apostava firmemente no multilateralismo e na redução, até uma posterior eliminação, das restrições, afetando o comércio e as finanças internacionais.

Ao mesmo tempo, os conglomerados transnacionais instalaram suas redes de filiais nos países mais promissores do Terceiro Mundo, procurando aproveitar os baixos custos de matéria-prima e de mão-de-obra, a ausência de quaisquer normas e regulamentos visando à proteção do meio ambiente e eventuais subsídios ou incentivos proporcionados pelos governos ansiosos para atrair investimentos estrangeiros.

Outros, a partir de um planejamento estratégico a longo prazo, dimensionaram e projetaram os mercados potenciais, com poder aquisitivo crescente das classes médias urbanas, em face de políticas protecionistas e tarifárias, visando a limitar as importações. De fato, em vários setores da produção industrial, alimentos industrializados, medicamentos, perfumarias etc, os governos dos NICs insistem e pressionam para uma completa substituição das importações, tornando cada vez mais difícil a entrada de muitos produtos de consumo fabricados no exterior. Outro motivo que dificulta crescentemente as exportações de bens de consumo leves é seu baixo valor com relação ao peso, o que torna pouco rentáveis suas trocas internacionais, tendo em vista os elevados custos de transporte.

Diante desse quadro, é de se prever maiores dificuldades dos exportadores norte-americanos para o Brasil, Argentina, México etc. e que as remessas de lucros e royalties também se tornarão mais duvidosas à medida que se agrava o endividamento externo desses países. Ademais, a contínua elevação do dólar nos mercados cambiais aumenta os custos dos produtos importados, forçando sua substituição por congêneres nacionais.

1.1 As estratégias de negócios em face dos desafios

As reações das empresas e conglomerados transnacionais frente às medidas protecionistas e às restrições de ordem política às suas atividades que surgem nos países do Terceiro Mundo, mormente nos NICs, podem ser classificadas em pelo menos duas categorias: as medidas visando efeitos de curto e médio prazos e os planos e projetos a longo prazo, baseados em cenário de fechamento progressivo dos mercados, mantendo, todavia, o controle das inovações tecnológicas. A prevalecer a tendência generalizada de estabelecer barreiras protecionistas - uma das conseqüências da própria recessão e crise do sistema econômico - a lógica dos negócios, ao procurar contorná-las - impele as empresas e conglomerados a investir em fábricas e instalações produtivas nos países e regiões onde já existe um potencial de mercado significativo para seus produtos e serviços. Paradoxalmente, os movimentos e pressões de frações de capital para defender seus mercados através de barreiras protecionistas intensificam e aceleram a tendencia à internacionalização da produção. Contudo, enquanto anteriormente essa internacionalização obedecia a imperativos de redução de custos, levando as empresas a instalar-se em países cujo custo da mão-de-obra era baixo, as crescentes barreiras ao livre comércio e as vantagens das novas tecnologias de produção e comunicação (automação, telecomunicações etc.) tornavam-se decisivas para a localização estratégica das plantas.

O enfraquecimento gradual do comércio multilateral tem afetado profundamente a estratégia de investimentos, bem como a organização e a hierarquia administrativa internas das empresas e conglomerados transnacionais. Alguns atribuem aos seus executivos superiores tarefas ligadas ao planejamento estratégico, procurando identificar tendências da política econômica e industrial que possam ter impacto - positivo ou negativo - sobre os negócios. Outros criam funções específicas de monitoração dos fatores não-econômicos que possam afetar as condições de operação das empresas, em um mercado mundial cada vez menos multilateral. Algumas corporações planejam a criação de divisões "internacionais", comandadas por especialistas com conhecimentos profundos dos países de determinadas regiões e que deveriam orientar e aconselhar as diversas divisões de produtos de cada conglomerado.

As reações mais contraditórias, contudo, verificam-se nas diretrizes de investimentos das corporações transnacionais. Ao lado de casos de desinvestimento no Terceiro Mundo, ocorre também o repatriamento de capitais e sua imobilização em plantas modernas, automatizadas, contando com incentivos fiscais-tributários dos respectivos governos. Por outro lado, existe um movimento de exportação de capitais e seu investimento em plantas de produção nos países considerados mercados importantes, porém sujeitos ao alastramento de medidas protecionistas.

Assim, somente nos últimos dois anos (1983-84), uma centena de empresas transnacionais sediadas nos EUA anunciava novos empreendimentos no Japão, com recursos próprios ou em joint-ventures, sem falar das diversas formas de cooperação e participação existentes entre empresas norte-americanas e européias, tais como ATT e Olivetti; ATT e Philips; Ericsson e Honeywell; Plessey e Burroughs; ou associações entre empresas européias e japonesas - British Leyland e Honda: Siemens e Fujitsu; Alfa Romeo e Nissan etc.

Os dirigentes e porta-vozes refletem em seus pronunciamentos a confusão e os paradoxos do mundo de negócios. Se, por um lado, multiplicam-se os projetos de joint-ventures no campo de P & D a nível nacional, sendo justificados por um discurso ultranacionalista, por outro, tenta-se explicar as associações com empresas de outros países como única estratégia de sobrevivência. A formação de lobbies visando à consecução de medidas protecionistas, tarifas, reserva de mercado etc. não impede as empresas transnacionais de criar "plataformas de exportação" e associar-se a empresas estrangeiras, a partir da percepção da concorrência a nível global, onde cada empresa ou conglomerado enfrenta os outros. É a luta por um mercado que deve ser suficientemente amplo para compensar e manter elevados os investimentos em P & D.

2. AS TRANSFORMAÇÕES DO COMÉRCIO E DO MERCADO MUNDIAL

Os desequilíbrios do comércio mundial, agravados pela dívida externa da maioria dos países, criam tensões e ameaçam subverter a estabilidade social e política de muitas nações, sobretudo as do Terceiro Mundo. Mesmo nos países que tradicionalmente têm proclamado a necessidade e as vantagens de um sistema comercial e financeiro multilateral, os clamores e as pressões para adotar medidas de proteção, tarifas ou sobretaxas tornam-se mais agressivos por parte dos empresários, dos sindicatos e no seio do próprio governo. Essas tendências, na medida em que perdurarem nos próximos anos - e os diagnósticos e perspectivas parecem confirmá-las -, colocam novos desafios para os administradores de empresas, mormente daquelas que investiram capitais volumosos em plantas, escritórios e sucursais, dentro de uma estratégia de internacionalização da produção, do comércio e das finanças. Para essas empresas ou conglomerados, o enfraquecimento das transações multilaterais criou novos e sérios desafios exigindo respostas e estratégias, em termos de planejamento da produção, do desenvolvimento tecnológico e das transações comerciais em escala global.

Diante da impossibilidade de continuar no "livre comércio", as empresas e os governos sofrem fortes pressões para encontrarem alternativas às relações multilaterais que se tornam cada vez menos viáveis. Por outro lado, os anos 60 e 70 trouxeram, na onda de industrialização dos NICs, a invasão dos mercados norte-americanos, e da Europa Ocidental por produtos industriais - calçados, roupas, aços, componentes e peças de todos os tipos - fabricados no Terceiro Mundo e no Japão.

Em conseqüência das decisões e dos conflitos criados a partir da competição, em mercados de concorrência imperfeita, as contradições econômicas refletem-se e repercutem nas relações políticas entre os países. Assim, o Japão vê-se envolvido em problemas cada vez mais sérios para colocar seus produtos tanto nos países do Mercado Comum Europeu (MCE) quanto nos EUA, que, por sua vez, tentam encontrar meios de resistir à invasão de seu mercado por produtos manufaturados originários do Extremo Oriente (Coréia do Sul, Formosa, Hong-Kong, Japão) e da América Latina. Paradoxalmente, as medidas protecionistas teriam efeitos desastrosos nos NICs, cuja insolvência decretaria também a falência e o desmoronamento do sistema financeiro nos países centrais.

As implicações dessa situação para as empresas nacionais, geralmente de pequeno ou médio porte, nos NICs, são múltiplas: costumava-se programar as atividades empresariais a partir do mercado nacional, cujo crescimento constituiria a base da expansão posterior no exterior. Esta visão linear da trajetória das empresas, criadas em pequena dimensão, para crescer e expandir-se até alcançar o status de uma grande organização complexa, não se aplica às condições de mercado de concorrência imperfeita, sobretudo nos setores de tecnologia de ponta. As empresas que pretendem desenvolver produtos e/ou processos intensivos em pesquisa e desenvolvimento enfrentam problemas desde o início e, conseqüentemente, programam suas atividades em função do mercado e da concorrência internacionais. Embora as pequenas e médias empresas possam ter papel fundamental no lançamento de inovações tecnológicas, com o amadurecimento destas e sua difusão diminuem ou desaparecem os lucros extraordinários, impedindo a continuidade do esforço de P & D em grande escala, bem como a expansão da produção e das vendas. Nesta situação, os conglomerados e as grandes empresas passam a investir pesadamente, adquirindo inclusive o controle de pequenas ou médias firmas, num movimento cíclico de concentração e centralização de capitais.

A onda de nacionalismo tecnológico alastrou-se nos últimos anos por todos os países industrializados, levando o Estado a apoiar, direta ou indiretamente, indústrias nacionais, pressionado pela necessidade de exportar e obter divisas, por um lado, e de manter o nível de emprego, por outro.

Apesar dos compromissos assumidos com o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) no final da década de 40, tanto os países desenvolvidos quanto, com muito mais razão, aqueles em desenvolvimento procuram contornar ou abandonar o sistema de comércio multilateral, recorrendo a toda uma gama de meios e instrumentos para proteger as indústrias nacionais. Essas medidas de apoio direto ou implícito às empresas nacionais abrangem desde cotas de importação para diversas categorias de produtos (no Japão), subsídios diretos a empresas de construção e obras públicas que participem em concorrências públicas internacionais (RFA), tarifas alfandegárias seletivas para equipamentos microeletrônicos na Grã-Bretanha, e sobretaxas gravando importações de aço, calçados, automóveis e produtos têxteis, nos EUA. Tentando fortalecer a competitividade das empresas japonesas de computação, o Ministério de Indústrias e de Comércio Internacional (MITI) propôs recentemente uma legislação que exige o licenciamento obrigatório, por firmas japonesas, de todo o software importado dos países capitalistas ocidentais.

Concomitantemente, também os NICs perceberam sua condição inferiorizada no comércio multilateral em geral controlado por conglomerados transnacionais baseados nos países centrais e procuram escapar das duras imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI), recorrendo em certos casos a trocas bilaterais (barter trade), forçando os eventuais vendedores a comprar valor equivalente em produtos domésticos. Quando determinadas indústrias são consideradas de importância estratégica (informática, aeronáutica e equipamentos bélicos) os governos intervêm abertamente, proporcionando o capital e apoiam uma política agressiva de exportação ou criam a "reserva de mercado" para proteger a indústria nacional da concorrência estrangeira (p. ex., o caso dos microcomputadores no Brasil).

Além dos objetivos declarados de assegurar às empresas nacionais um mercado de dimensões econômicas e, portanto, rentável, bem como do eventual acesso a mercados externos através da intermediação de trading companies, transparece claramente a preocupação dos governos dos NICs em acelerar a transformação do seu aparelho produtivo, no sentido de aumentar a parcela de valor agregado gerado no país.

No início de 1985, a crise comercial entre os EUA e o Japão agravou-se a ponto de o Congresso norte-americano ameaçar erigir barreiras à entrada de produtos japoneses. Apontando para um déficit na balança comercial com o Japão do US$37 bilhões, somente em 1984, as autoridades norte-americanas exigem a abertura do mercado japonês aos produtos médicos e farmacêuticos, de eletrônica e de telecomunicações, além de cortes em impostos e remoção de tarifas e outras barreiras ao livre comércio.

Por outro lado, o déficit dos EUA no comércio de produtos eletrônicos chegou a US$10 bilhões em 1984, prevendo-se que ultrapasse os US$12 bilhões em 1985. Segundo os analistas, o problema básico reside na perda de liderança das empresas norte-americanas de alta tecnologia. Estas empresas, embora invistam elevadas quantias em P & D, não são mais capazes de traduzir sua tecnologia em produtos competitivos, recorrendo a produtores localizados no exterior para adquirir peças e componentes eletrônicos. Esta situação representa uma ameaça latente para a indústria eletrônica norte-americana, que emprega quase três milhões de trabalhadores. A continuar essa tendência, boa parte das empresas norte-americanas transformar-se-á em montadoras ou distribuidoras dos fabricantes externos.

A mesma apreensão se verifica nos EUA com relação ao avanço dos NICs, cuja procura desesperada de compradores nos países de moeda forte tem alterado o perfil dos mercados de produtos manufaturados. Aço brasileiro está sendo empregado nas construções norte-americanas, enquanto calçados brasileiros são vendidos em praticamente todos os supermercados. Os frangos congelados brasileiros competem com os norte-americanos nos mercados do Oriente Médio e no Japão, e os tecidos de confecções e malharias brasileiras disputam com os oriundos do Extremo Oriente e de outros países da América Latina as preferências dos consumidores yankees e europeus. Nos últimos anos, a lista de produtos brasileiros importados tem aumentado. Além dos tradicionais café e açúcar, também suco de laranja concentrado e congelados, artigos de couro e uma série de produtos siderúrgicos dos mais variados e de boa qualidade.

Apesar de toda a retórica sobre o "livre comércio", as autoridades norte-americanas recorrem a medidas que variam desde consultas e sugestões, até a imposição de cotas e tarifas protecionistas, a fim de impedir a inundação do mercado norte-americano com produtos importados, os quais provocam, inevitavelmente, o fechamento de plantas e o desemprego de dezenas de milhares de trabalhadores.

As empresas e os conglomerados transnacionais, por sua vez, desenvolvem estratégias e diretrizes para enfrentar os desafios das barreiras ao livre comércio, percebidas realisticamente como tendência persistente nos próximos anos. Assim, tendo o endividamento externo dos principais NICs (Argentina, Brasil e México, entre outros) dificultado e reduzido as importações desses países, levando-os a exigir de seus fornecedores compras equivalentes de produtos de exportação, as empresas transnacionais (ETN) criaram suas próprias trading companies que aceitam mercadorias em pagamento de produtos exportados. Essas mercadorias passam a ser comercializadas em quaisquer mercados, à condição que proporcionem lucros.

Os principais bancos norte-americanos que operam em escala e mercados financeiros internacionais instalam tradings para determinados países e regiões cuja dívida externa permite prever os percalços e dificuldades mesmo para o pagamento regular dos juros. O rápido alastramento dessa forma de intercâmbio - estima-se que, em 1985, um terço do comércio mundial estaria se processando por formas completamente fora das normas estipuladas pelo GATT - indica que apesar da oposição dos países centrais e dos organismos internacionais (BM, FMI, OCDE etc.) um número cada vez maior de países, especialmente do Terceiro Mundo, recorrerá ao barter trade para pagar suas importações essenciais. A aceitação e o engajamento ativo das ETN no intercâmbio direto de mercadorias e serviços significa o reconhecimento de uma situação fatual, exigindo atitudes pragmáticas e não doutrinárias, a fim de manter o acesso a mercados de grande potencial.

3. OS NICs NA CONJUNTURA ATUAL

A crise generalizada do sistema econômico capitalista manifesta-se de forma particularmente grave nos países de industrialização recente, às voltas com problemas de difícil equacionamento e solução.

Após décadas de intenso esforço de industrialização substitutiva de importações, entremeadas de crises conjunturais e estruturais, os NICs sofreram mais profundamente os efeitos da recessão e da redução das atividades produtivas nos países desenvolvidos, seus principais mercados, tanto para matérias-primas, quanto para produtos manufaturados. A queda dos níveis do comércio internacional, aliada aos elevados pagamentos efetuados a título de juros sobre empréstimos e financiamentos, comprimem ainda mais a capacidade de importar e, assim, o volume da produção industrial dos NICs. A queda do nível da produção industrial acompanhada de um desemprego crescente, além de provocar uma redução da massa de salários pagos e reduzir a demanda por bens de consumo, também repercutiu negativamente nos setores de bens de produção e intermediários. Os custos sociais e até os monetários dessa paralisação parcial de um parque industrial construído a duras penas e com base no endividamento das respectivas nações certamente não foram calculados. Da mesma forma, a contabilidade nacional oficial simplesmente omite ou ignora em suas compilações os custos da ociosidade do equipamento e da mão-de-obra.

Ao subemprego crônico e latente, agravado por uma taxa de crescimento demográfico de 2,5% ao ano, vêm-se juntando centenas de milhares de desempregados da indústria de transformação, setor mais dinâmico da economia. O desemprego e o conseqüente afastamento de dezenas de milhares de técnicos e operários qualificados de seus lugares de trabalho resulta em perda de "memória tecnológica" desses mesmos, com enormes prejuízos para o país.

Por outro lado, o crescente ônus das dívidas externas e interna impede, na prática, qualquer esforço de saneamento monetário-financeiro, e dessa forma, a retomada do crescimento econômico. Pressionados pelos credores externos e, com mais eficiência, pelo FMI, os NICs têm procurado honrar pelo menos parte de seus compromissos - o pagamento dos juros - esforçando-se para exportar, mesmo a custos sociais proibitivos. Em outras palavras, as desvalorizações permanentes da moeda nacional, mais o valor dos subsídios e incentivos à exportação, embora tenham produzido um superávit na balança comercial, resultaram em elevação da taxa de inflação, com efeito de empobrecimento das grandes massas de assalariados e, ao mesmo tempo, em descapitalização da economia nacional, que se tornou pela primeira vez em sua história exportadora de capitais.

A opção pela exportação como eventual saída da crise parece de pouca viabilidade por várias razões: a onda de protecionismo que se alastra por todos os países - em desenvolvimento e desenvolvidos - tende a tornar cada vez mais difícil a colocação de produtos nos mercados de moeda forte. Tentando superar as barreiras e sobretaxas impostas pelos governos dos países centrais, mormente os EUA, que absorvem aproximadamente um terço das exportações brasileiras, torna-se necessário desvalorizar a moeda nacional a intervalos mais curtos (a partir de abril 1985, as desvalorizações têm sido diárias, de acordo com a previsão da correção monetária mensal), enquanto persistem os incentivos e prêmios à exportação, os quais, além de fatores inflacionários, transferem renda para os industriais exportadores.

Por outro lado, esboçou-se já há alguns anos, e progride rapidamente, uma mudança nos investimentos industriais que levará inexoravelmente à perda das vantagens comparativas dos NICs. A maior parte dos investimentos realizados por ETN nas últimas décadas em NICs obedeceram a uma estratégia de minimização de custos, tendo em vista a escalada dos salários nos países centrais e o crescente clamor da opinião pública contra a deterioração do meio ambiente. Fugindo dessas restrições, as ETN descobriram verdadeiros "paraísos" (Irã, Coréia do Sul, Brasil etc), onde os salários foram sistematicamente comprimidos e as organizações sindicais silenciadas pela repressão policial, enquanto os respectivos governos consentiram nas explorações depredadoras e poluentes de recursos materiais e humanos sob a alegação de que assim contribuiriam para a eliminação da pobreza...

A recessão dos últimos anos estancou o fluxo de capitais e de investimentos de risco para os NICs porque simplesmente não haverá vantagem em aumentar um potencial produtivo, sem perspectiva de ampliar os mercados. Concomitantemente, intensificou-se a difusão de novas tecnologias baseadas na microeletrônica. A introdução de máquinas-ferramenta de comando numérico (MFCN), de computer aided design/computer aided manufacturing (CAD/CAM), de robôs e de processos automatizados - todos obviamente poupadores de mão-de-obra - possibilitou e, de fato, induziu a volta de investimentos em plantas industriais de setores considerados perdidos e transferidos para os NICs, devido à sua alta intensidade de mão-de-obra (tecidos e confecções, calçados, aço etc), nas regiões mais atrasadas dos EUA, onde também são receptores de incentivos fiscais-tributários. Ao tentar competir com os produtos de plantas automatizadas ou fabricados com tecnologia de ponta, os industriais dos NICs amargurados constatam sua inferioridade: apesar de possuírem máquinas e equipamentos relativamente novos, recém-adquiridos e ainda não-amortizados, estes fazem parte da geração tecnológica eletromecânica anterior à atual e, portanto, obsoleta. A nova tecnologia à base da microeletrônica é indiscutivelmente superior, em termos de produtividade (redução significativa do tempo "morto" das máquinas), de precisão e qualidade dos produtos e, sobretudo, de flexibilidade dos equipamentos.

Como e onde obter os aportes de capital necessários para modernizar as plantas e acompanhar o progresso técnico e suas inovações?

Os altos custos financeiros, aliados à queda da demanda e, portanto, do volume de produção, têm corroído os lucros das empresas, muitas das quais lutam para sobreviver nesta conjuntura desfavorável. Os financiamentos e empréstimos do poder público, outrora concedidos à mão larga e a taxas de juros negativas, estancaram com o endividamento interno galopante que obriga, inclusive por exigência do FMI, à contração da base monetária e impõe restrições de toda espécie a novos financiamentos. Restaria, então, o recurso ao capital estrangeiro, a alienação dos ativos, com a conseqüente desnacionalização de uma parcela significativa do parque industrial. Contudo, até essas ofertas bastante atrativas não devem alterar substancialmente a estratégia de acumulação e de investimentos traçada pelas ETN e conglomerados que operam em escala global. Dentro de seus planos de reorganização e de realocação de suas plantas industriais, uma parcela destas certamente permanecerá nos NICs. Todavia, a insegurança quanto ao futuro dessas economias, associadas à instabilidade política e aos riscos dela decorrentes, tende a induzir uma retração do grande capital, mantendo apenas seus atuais investimentos em estabelecimentos produtivos, enquanto procura exercer sua dominação através de investimentos pesados em P & D na matriz e, em seguida, do controle da transferência de tecnologia, a preços administrados, aos NICs.

A expansão ininterrupta dos conglomerados e empresas transnacionais introduziu profundas modificações na divisão internacional do trabalho, o que afetou também o processo de industrialização nos NICs. A industrialização por substituição das importações tinha alterado a divisão de trabalho tradicional entre os países desenvolvidos e os produtores de matérias-primas e alimentos, favorecendo o acesso, ainda que limitado, destes últimos aos mercados de produtos manufaturados, mediante o fornecimento de bens de consumo mão-de-obra intensivos (produtos têxteis, calçados, máquinas, móveis, artigos de couro etc.). A base tecnológica dessas indústrias é constituída basicamente por máquinas e equipamentos eletromecânicos e processos de trabalho semicontínuos.

A crescente tecnificação da produção, impulsionada por inovações produzidas em centros e laboratórios de P & D controlados pelas empresas transnacionais, ameaça a sobrevivência de empresas formadas nos NICs, trabalhando com tecnologia que se torna rapidamente obsoleta, embora ainda não tenha sido amortizada e as dívidas contraídas para sua aquisição continuem a onerar o balanço de pagamentos.

As novas tecnologias baseadas em equipamentos microeletrônicos alteram a composição orgânica do capital, eliminando empregos que exigem qualificações convencionais.

O desemprego que se instalou nos países desenvolvidos, a partir dos últimos anos da década de 70, seria apenas um fenômeno transitório, a ser rapidamente superado, à medida que se expande o novo ciclo de crescimento de longa duração.

Indubitavelmente, a intensidade e a amplitude de difusão de mudanças tecnológicas devem ser consideradas fatores fundamentais tanto na geração de novos empregos, quanto para o problema de desemprego, conforme se verifica a partir da análise das tendências a longo prazo da distribuição setorial do emprego nos países industrializados, nas últimas três décadas. Em todos os países centrais ocorreu uma queda contínua do emprego no setor primário - agricultura e extração mineral - e um aumento de emprego no setor terciário ou de serviços. A queda do nível de emprego nas atividades agrícolas e extrativas não impediu o crescimento da produção, baseada em técnicas mais capital-intensivas. Assim, o fenômeno do "crescimento sem emprego" é observado nos países capitalistas maduros muito antes do advento da tecnologia microeletrônica.

É contudo, no setor secundário, da indústria de transformação, que as tendências e padrões de reorganização parecem mais complexos e, portanto, sujeitos à polêmica. Alguns ramos apresentam declínio acentuado do nível de emprego (p. exemplo: têxtil), enquanto outros se expandem (química, máquinas etc.), mas, a partir de 1973, praticamente todos experimentaram queda do nível de emprego. Ademais, mudanças cada vez mais significativas vão ocorrendo na localização das indústrias, a partir da nova estratégia de expansão dos conglomerados em escala global. Essas mudanças, associadas às dos custos relativos dos fatores de produção e às tecnológicas, afetam profundamente os produtos e os processos de produção.

Paradoxalmente, o declínio do emprego industrial nos países centrais estavam acompanhado de um crescimento muito rápido nos NICs, notadamente Brasil, México, Formosa, Coréia do Sul, entre outros que conseguiram aumentar significativamente suas exportações de produtos industriais complexos, de maior valor adicionado.

Seria possível manter esses ganhos a médio ou longo prazo, conquistados com base nas vantagens comparativas dos NICs, sobretudo a do baixo custo da mão-de-obra e, freqüentemente, também da matéria-prima?

As tendências protecionistas, por um lado, e as políticas neomercantilistas - o Estado apoiando diretrizes agressivas para elevar as exportações em praticamente todos os países, os industrializados e os NICs - levam-nos a prever dificuldades que se farão sentir, por exemplo, no comércio externo brasileiro decorrentes da excessiva alta do dólar americano no mercado internacional: do término do crédito-prêmio de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), da eliminação dos incentivos creditícios e do aumento das medidas protecionistas nos países importadores, especialmente os EUA e o Mercado Comum Europeu (MCE). Ademais, esfriaram as perspectivas de retomada de crescimento nos EUA e dos principais países da OCDE, dos quais a economia brasileira depende para conseguir um superávit em sua balança comercial, com o qual deve cobrir o pagamento de juros de sua dívida externa.

Importa ressaltar, todavia, que além dessas mudanças conjunturais, há outro favor de natureza estrutural que afeta mais profundamente as tendências de crescimento e emprego do setor secundário. Inovações tecnológicas têm o efeito não só de racionalizar a produção, mas também de proporcionar à empresa inovadora uma posição privilegiada no seu mercado, garantindo lucros extraordinários. As pressões da concorrência nos mercados induzem à busca de inovações, cada vez mais capital-intensivas, substituindo a mão-de-obra por equipamentos mecânicos, elétricos ou eletrônicos. Ocorre que as novas tecnologias baseadas na microeletrônica, além de oferecer ampla variedade de novos produtos, representam também mudanças poupadoras de energia, matéria-prima e mão-de-obra que fatalmente serão introduzidas nos estabelecimentos das indústrias tradicionais, tais como têxtil, mecânica, gráfica e outras. Nos países de industrialização recente, atingidos pelo desemprego em conseqüência da mecanização da agricultura cujos produtos são crescentemente orientados para a exportação, a queda das taxas do crescimento econômico reduzindo a demanda por bens manufaturados é agravada pela pressão dos mercados externos, no sentido de racionalizar a produção, mediante equipamentos e processos microeletrônicos.

Os impactos, em termos de competitividade e capacidade de gerar empregos, serão diferenciados, segundo áreas e ramos distintos: nas indústrias tradicionais, tais como calçados, roupas, aço e automóveis, a racionalização é imposta pela necessidade de competir e manter posições nos mercados externos, em termos de custos e preços. Na indústria de bens de capital, a introdução de robôs, MFCN, CAD/CAM etc. obedecerá aos ditames da competitividade em termos de qualidade, precisão e maior flexibilidade dos produtos e equipamentos.

Finalmente, nas indústrias de tecnologia de ponta (semicondutores, computadores etc.) que colocam nos mercados ampla gama de novos produtos, todos muito competitivos em seu conteúdo tecnológico, os impactos serão diferentes no que concerne à geração de emprego e de desemprego. Isto porque a inovação tecnológica tem efeitos indutores de criação e de eliminação de emprego que podem ocorrer em áreas geográficas distintas. É neste fenômeno que reside a razão da crescente intervenção dos governos de países industrializados e dos NICs na política e na gestão de pesquisas e desenvolvimento. Essa tendência em direção a um "nacionalismo tecnológico" está-se alastrando, tanto nos países industrializados quanto nos de industrialização tardia (os NICs). Em ambos, os governos não apenas apoiam e patrocinam pesquisas de empresas que atuem em mercados globais, como também oferecem incentivos, subsídios e financiamento direto àquelas que desenvolvem novas tecnologias e assim contribuem para aumentar o nível de emprego e das exportações.

As formas de apoio variam desde a proteção de mercado e incentivos à exportação, até o lançamento de joint-ventures, com a participação do governo e de empresas privadas em programas de P & D e de exportação. Pressionados pelos problemas de desemprego e de desequilíbrios no balanço de pagamentos, e receando as conseqüências da instabilidade social e política, os governos procuram proteger as indústrias nacionais contra concorrentes baseados no exterior, enquanto incentivam a conquista de mercados externos. Obviamente, essas políticas contraditórias tendem a aumentar as tensões e os conflitos, projetando a rivalidade e a competição entre empresas para o cenário internacional.

Nesta luta generalizada por mercados, num mundo finito e incapaz de abrigar e permitir um desenvolvimento harmonioso a dezenas de novos estados dominados por governos nacionalistas que praticam políticas neomercantilistas, os elos mais fracos e vulneráveis - os NICs - sofrem os impactos mais duros.

4. ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A POLÍTICA TECNOLÓGICA NOS NICs LATINO-AMERICANOS

A introdução e difusão de novas tecnologias e sua incorporação e assimilação pelas empresas que operam em economias industrializadas não se realizam mediante processos contínuos e regulares. Ao contrário, mudanças tecnológicas e sua difusão se configuram como processos irregulares e descontínuos no tempo, no espaço e pelos diferentes ramos da atividade econômica. A distinção entre ramos dinâmicos e tradicionais reflete a maior ou menor intensidade de inovações e de seus efeitos multiplicadores. As inovações não surgem isoladamente, mas em conjunto (clusters) de mudanças que contribuem fortemente para o crescimento econômico, induzindo investimentos, gerando empregos e estimulando a demanda de bens de capital, produtos intermediários e finais, com efeitos retroalimentadores e multiplicadores para todo o sistema. Decorridos alguns anos, todavia, os impactos das novas tecnologias enfraquecem à medida que estas amadurecem. Com a elevação da intensidade de capital e das economias de escala, verifica-se uma acentuada padronização dos produtos. Os três efeitos combinados tendem a reduzir a geração de empregos por unidade de capital investido, enquanto diminui a lucratividade dos investimentos, ao longo do processo de difusão.

Entretanto, para melhor configurar a dinâmica do processo de inovação, convém distinguir entre inovações primárias e secundárias, representando as primeiras mudanças profundas da tecnologia convencional utilizada, enquanto as segundas são caracterizadas por alterações relativamente pequenas dos produtos e/ou processos, visando ao aumento da produtividade ou à melhoria da qualidade dos produtos. Nos ramos mais dinâmicos, operando com tecnologia de ponta e dominados por oligopólios que controlam o processo de inovação mediante investimentos maciços em P & D, as mudanças tecnológicas de tipo breakthrough são caracterizadas pela liderança no ramo de poucas grandes empresas, envolvidas em atividades que recebem apoio e estímulo do governo, como por exemplo, contratos para o setor de defesa. Dado o elevado custo de P & D visando substituir máquinas e equipamentos tornados obsoletos, as empresas líderes de seus respectivos ramos tentarão postergar até onde for possível a inovação tecnológica, procurando antes amortizar os investimentos realizados na base técnica convencional.

Somente com a generalização da tecnologia utilizada e sua adoção pela maioria das firmas concorrentes no ramo - e a conseqüente redução dos lucros - haverá estímulo e incentivos para as empresas líderes financiarem novos projetos de P & D, assumindo os riscos e incertezas a eles inerentes.

Atividades de P & D sistemáticas tornam-se, portanto, condição sine qua non da sobrevivência de empresas que ocupam posição de liderança em mercados oligopolistas. Essas atividades estão sendo realizadas em centros e laboratórios localizados nas grandes empresas ou em instituições por elas mantidas e financiadas, enquanto as pequenas empresas não conseguem reunir condições mínimas para financiar atividades internas de P & D e carecem também da capacidade de analisar, avaliar e selecionar dentre as diferentes opções tecnológicas.

Nessas condições, o recurso à tecnologia importada parece perfeitamente "racional" do ponto de vista dos empresários que procuram maximizar o retorno sobre seus investimentos com um mínimo de risco, embora esse procedimento possa estar em flagrante contradição com os objetivos e planos do governo de gerar mais empregos e de reduzir o déficit do balanço de pagamentos.

Por outro lado, deve-se examinar criticamente a viabilidade de adaptações de tecnologias importadas, a fim de atender às necessidades e expectativas da população, no que se refere à criação de empregos e à absorção e assimilação de tecnologias modernas, assegurando maior autonomia ao país.

Prevendo-se dificuldades e problemas crescentes na transferência de tecnologia, por suas implicações na concorrência e luta pelos mercados, caberia ao estado assegurar, mediante política tecnológica explícita, vantagens e benefícios aos empresários, a fim de induzi-los à adoção de um comportamento tecnológico mais racional do ponto de vista da sociedade.

Por outro lado, a elevação da taxa de inovações na área de microeletrônica reduz o ciclo de vida dos produtos, exigindo das empresas a mobilização permanente de recursos vultosos para aumentar as atividades de P & D.1 1 . As empresas produtoras de equipamentos mecânicos para escritórios destinam de 1 a 2% de seu faturamento a P & D, enquanto os produtores dos equipamentos microeletrônicos investem de 6 a 10% de seu faturamento nas atividades de pesquisa e desenvolvimento. Os mercados para essas tecnologias tendem a ser, necessariamente, globais em suas dimensões, pois somente uma demanda a nível mundial é capaz de amortizar os elevados gastos em pesquisa e desenvolvimento dos novos produtos. Quanto maiores os investimentos nas inovações tecnológicas e mais amplos os mercados das empresas líderes, mais altas as barreiras à "entrada" de empresas concorrentes, pois estas deverão investir somas idênticas em P & D, sem dispor dos mercados que possam recompensar esses gastos. No caso de atraso, ou de fracasso comercial da inovação (ver, por exemplo, o caso do Concorde), a empresa não só perde os investimentos realizados, mas corre também sérios riscos de insolvência.

Os governos dos países industrializados, conscientes de que está em jogo a sobrevivência de sua indústria e, portanto, a estabilidade social e política das respectivas sociedades, patrocinam diretamente as empresas que atuam em mercados globais, embora as formas de apoio variem de um país para outro. Enquanto nos EUA, o Departamento de Defesa financia, diretamente ou na forma de joint-ventures com as empresas, as pesquisas tecnológicas, no MCE um fundo especial incentiva projetos de joint-ventures entre empresas de vários países-membros (por exemplo, o projeto Airbus, o acelerador de alta voltagem para as pesquisas em física do plasma, as pesquisas na área de fusão nuclear etc). No Japão, o sucesso da penetração e expansão nos mercados asiático e norte americano das empresas nipônicas deve-se em boa parte ao apoio eficiente e permanente do Ministério de Indústria e de Comércio Exterior.

O acirramento da concorrência nos mercados globais e a conseqüente corrida atrás de inovações (ver, por exemplo, o caso do chip de 256 Kbites) tem levado à associação, sob forma de consórcios de P & D, grandes empresas, tanto nos EUA, quanto no MCE. Assim, empresas que normalmente são concorrentes num mesmo mercado criam institutos de pesquisa, geralmente na proximidade de universidades ou institutos tecnológicos (MIT, Caltec, entre outros) financiados por cotas de participação, concordando contratualmente em repartir também os resultados desses esforços conjugados.

A justificativa adotada e divulgada publicamente, tentando antecipar-se a uma eventual ação na justiça contra uma tendência à monopolização, é a defesa do interesse nacional, contra a concorrência estrangeira (US Incorporated contra Japan Incorporated). Entretanto, associações semelhantes têm surgido ultimamente entre empresas norte-americanas e européias, européias e japonesas e até norte-americanas e japonesas, deixando bastante explícita a priorização dos interesses do grande capital, em sua marcha para a acumulação e expansão em escala mundial.

Quais as perspectivas que se oferecem às empresas de pequena ou média dimensão, nos seus respectivos mercados nacionais, crescentemente invadidos e dominados pelas empresas e conglomerados transnacionais? E quais as diretrizes e políticas, em matéria de desenvolvimento tecnológico, que devem adotar os países de industrialização recente, diante da constelação de forças e as tendências ao isolamento e protecionismo das economias do mundo capitalista, por um lado, e dos esforços em direção à transnacionalização dos mercados e dos negócios por parte das ETN, por outro?

As considerações que seguem, de natureza essencialmente especulativa e prospectiva, partem de premissas explícitas ou subjacentes aos modelos analíticos, tanto os convencionais, quanto os críticos e que mereceriam uma discussão mais aprofundada, ainda que inexeqüível neste artigo.

Referimo-nos, basicamente, à visão linear e mecanicista que considera o desenvolvimento como conseqüência direta e inelutável do crescimento econômico que, por sua vez, teria como fator dinâmico e mola mestra a inovação tecnológica.

Admitindo-se o esgotamento da capacidade tecnológica instalada em gerar aumentos de produtividade significativos e, assim, lucros extraordinários, formula-se a hipótese do advento de um novo ciclo de expansão econômica, de longa duração (conforme a teoria de Kondratief) baseado na emergência de novas tecnologias - microeletrônica, biotecnologia, raio laser, holografia, fibras ópticas, robôs, automação e fontes energéticas alternativas - que devem assegurar uma era de prosperidade e bem-estar inédita na história da humanidade.

Novamente, não se pretende aqui polemizar com esse ponto de vista no mínimo ingênuo que atribui precedência e peso de fator causal à lógica técnica, contra a lógica social e política. Por outro lado, é possível inferir de inúmeras evidencias empíricas que, se os homens acreditam em algo imaginário e irreal e se comportam e agem de acordo com essas crenças, estas terão efeitos e conseqüências concretas e reais para suas vidas individuais e coletiva. Constitui fato concreto a transnacionalização da economia mundial, sob o comando de conglomerados que dispõem de enormes ativos líquidos e controlam as inovações tecnológicas, o que lhes assegura uma capacidade de acumulação e crescimento muito superior ao das economias em desenvolvimento. Ademais, o uso da tecnologia de origem nos países altamente industrializados, por seu alto custo e não-transferencia do know-how, tende a perpetuar a situação de dependência, tomando inviável o desenvolvimento com maior autonomia decisória dos países da América Latina.

O primeiro passo em direção a um desenvolvimento endógeno da capacidade tecnológica dos países latino-americanos seria a criação de mecanismos de intercambio científico-tecnológico mais eficientes entre suas universidades e institutos de pesquisa e desenvolvimento industrial. A exemplo dos países europeus, associados no MCE, poder-se-ia criar institutos de pesquisa plurinacionais, onde técnicos e cientistas possam colaborar em benefício de seus países. Tais institutos, financiados com verbas nacionais e internacionais, funcionariam nas diversas áreas de P & D, multiplicando os recursos disponíveis em cada país individualmente e atendendo a suas necessidades mediante projetos integrados de produção de energia (hidrelétrica ou alternativas), meteorologia, medicamentos, pesquisa agropecuária e equipamentos e máquinas de todos os tipos (notável a este respeito é o projeto Latinequip, recém-inaugurado, congregando três instituições financeiras - argentina, brasileira e mexicana. Ele visa ao financiamento de vendas de máquinas e equipamentos desses três países). A fraqueza tecnológica relativa, mesmo dos principais países da América Latina, em um cenário de fim de século caracterizado por um reordenamento da economia mundial com base em subsistemas regionais controlados pelos conglomerados transnacionais requer uma associação mais estreita dos países latino-americanos, organizando seu próprio espaço, com maior peso e potencial de participação no sistema internacional. Os institutos integrados de pesquisa e desenvolvimento constituíram apenas um primeiro passo na busca de meios e caminhos para aumentar o poder de negociação junto aos bancos credores, norte-americanos e europeus, dos países latino-americanos, procurando também garantir e, paulatinamente, expandir as trocas comerciais entre eles, mediante acordos bilaterais e intra-regionais. Os institutos integrados de P & D servirão não apenas à conquista de certa autonomia tecnológica frente às potências centrais, mas poderão também desenvolver e difundir novos padrões de organização e desenvolvimento para a produção de conhecimentos científico-tecnológicos a serem aplicados internamente, em cada um dos países associados, e adaptados a suas particularidades culturais e históricas.

Constituída a estrutura produtiva dos países latino-americanos basicamente de pequenas e médias empresas, incapazes de concorrer isoladamente em mercados de sofisticação tecnológica crescente, onde até uma estratégia defensiva e imitadora das empresas se torna onerosa demais, as tarefas de induzir e fomentar mudanças tecnológicas, mesmo apenas secundárias, exigem criação de núcleos ou centros tecnológicos consorciados, com base regional, e orientados para as demandas e necessidades específicas, de acordo com o perfil econômico da região.

Os núcleos ou centros encarregar-se-ão, numa primeira fase do monitoramento, do avanço tecnológico da área, da coleta e armazenamento sistemáticos de informações técnicas e comerciais e de sua difusão para as empresas associadas. Numa segunda fase, passariam a proporcionar assistência técnica, jurídica e administrativa aos associados. Numa terceira, se ocupariam da normalização e melhoria de qualidade dos produtos, levando eventualmente à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e de processos de trabalho mais eficientes.

Baseados nas universidades e operando em estreita cooperação com seus programas de pesquisa e treinamento de recursos humanos, os núcleos ou centros tecnológicos, além das tarefas enumeradas, poderiam organizar e manter bancos de dados especializados e orientados para as necessidades e o perfil técnico-econômico da região. Poderiam também difundir informações sobre inovações originárias nos países industrializados; a situação e as tendências dos mercados, as mudanças nas políticas cambial e comercial etc. às quais a pequena empresa, individualmente, não tem acesso.

Tal associação das empresas com as universidades proporcionaria dupla vantagem: a vinculação com o setor produtivo criaria possibilidades de testar e aplicar os conhecimentos gerados e a atualização permanente dos quadros da universidade. Para os setores produtivos significaria o acesso a informações, assistência técnica e apoio administrativo em projetos de expansão, inovação e diversificação da produção, bem como maiores oportunidades de formação, treinamento e reciclagem de seu pessoal.

Contudo, as possibilidades concretas de uma interação construtiva entre as universidades e as pequenas empresas visando a sua reorganização e à adequação aos requisitos da tecnologia moderna e mais eficiente dependerão, em última análise, da política econômica e industrial, da estrutura dos mercados e das características das empresas que neles concorrem e da vontade política das sociedades latino-americanas.

Diante da perspectiva de uma nova ordem econômica internacional, tecnicamente viabilizada pelo uso em grande escala das tecnologias emergentes e politicamente controlada pelos conglomerados transnacionais, os países da América Latina só terão algum peso e influência quando associados e atuando de acordo com um projeto comum e integrado.

Bem entendido, não advogamos nem o isolamento aliás, inviável no mundo atual - nem a necessidade de igualar-se aos conglomerados na corrida atrás de inovações cada vez mais caras e sofisticadas. A própria sobrevivência com soberania, no mundo moderno, exige o acesso à tecnologia, ao conhecimento, à informação, sem necessariamente copiá-los e aplicá-los indistintamente. Todavia, para poder decidir sobre políticas e diretrizes econômicas, volume e escalas de produção e a conseqüente organização do espaço, bem como para participar ativamente das transações e decisões internacionais, o domínio das tecnologias de ponta parece indispensável. A magnitude do desafio está por exigir um projeto político alternativo e propostas operacionais que superem a rotina tradicional.

BIBLIOGRAFIA

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  • 1
    . As empresas produtoras de equipamentos mecânicos para escritórios destinam de 1 a 2% de seu faturamento a P & D, enquanto os produtores dos equipamentos microeletrônicos investem de 6 a 10% de seu faturamento nas atividades de pesquisa e desenvolvimento.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1985
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