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SALGADO, Fiscais e meirinhos

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Sérgio Amad Costa

Professor no Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo. Autor de livros e vários trabalhos na área de sociologia e política

Salgado, Graça, coord. Fiscais e meirinhos - a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Pró-Memória/ Instituto Nacional do Livro, 1985, 452 p.

Conhecer a administração pública brasileira durante os 300 anos de colonização pelos quais passamos significa identificar a formação da cultura brasileira, no sentido mais amplo da palavra, e, também, verificar as origens do próprio Estado nacional. A equipe de pesquisa do Arquivo Nacional, desde 1981, vem reconstituindo o sistema administrativo brasileiro nos períodos colonial, monárquico e republicano, visando organizar o seu acervo documental e propiciar, aos estudiosos, meios para resgatar o desenvolvimento do processo histórico brasileiro.

O livro Fiscais e meirinhos - a administração no Brasil colonial, coordenado por Graça Salgado, lançado pela Nova Fronteira/Pró-Memória e Instituto Nacional do Livro, com 452 páginas, é o primeiro resultado desse empreendimento da equipe de pesquisa do Convênio Ministério da Justiça/Arquivo Nacional/Fundação Getúlio Vargas.

O volume, à primeira vista, parece ser destinado apenas a especialistas da historiografia colonial brasileira. Porém, com uma leitura mais atenta, nota-se ser um trabalho também acessível a um público mais amplo, principalmente pela forma como está organizado.

De início são apresentados textos de Carmen L. de Azevedo, Edgar Pêcego, Paulo F. Vianna, Regina Hippolito, Zélia M. Barreto, que versam sobre as áreas fundamentais da administração pública no período colonial: Governo, responsável direto pela implementação e controle da política metropolitana para a Colônia, principalmente no seu ramo administrativo. Fazenda, encarregada da fiscalização e da arrecadação tributária sobre as atividades econômicas, bem como da gerência dos negócios financeiros do Estado. Justiça, que tratava do cumprimento da lei e da aplicação da ordem interna e da proteção contra a concorrência externa. Igreja, que geria os assuntos eclesiásticos e zelava pelos aspectos morais da sociedade.

A relação sistemática de cargos e órgãos, assim como a cronologia político-administrativa, foram elaborados na segunda parte do trabalho, possibilitando ao leitor uma visão da complexa hierarquia da administração colonial, tanto no seu aspecto temporal, quanto na sua distribuição geográfica. Tal hierarquia dos órgãos e dos cargos abrange, no volume, todos os níveis administrativos do Brasil colonial, desde o governo-geral, passando pela capitania e chegando até o município.

Há, também, uma série de organogramas, disposta em anexo no livro, que demonstra claramente as determinações formais da estrutura político-administrativa do período colonial brasileiro. Evidentemente que para elaborar organogramas referentes ao período estudado, vários problemas surgem para o pesquisador, decorrentes da própria lógica da organização da época, Os autores revelam alguns entraves manifestados durante a efetivação do trabalho, como, por exemplo, cargos com dupla autoridade, jurisdições pouco delimitadas e hierarquias obscuras. "Buscamos traçar uma representação gráfica ideal dentro dos padrões atuais de hierarquia e vínculos administrativos, embora tendo sempre presente o hiato entre a nossa racionalidade gráfica moderna e a da época."

Em um estudo sobre a administração do Brasil colônia, sem dúvida alguma o ponto básico a ser investigado é a ordem jurídico-institucional que manteve o Estado absolutista português durante todo o período de colonização na América. À medida que se compreende o corpo de leis vigente em uma determinada realidade, percebe-se seu aspecto condicionante e condicionado da mesma realidade, possibilitando captar tanto a forma de organização do poder, quanto a matriz básica da estrutura encarregada de administrá-la.

Assim, a Colônia, observam os autores, como extensão da ordem jurídico-institucional metropolitana, submetia-se à mesma lógica dos padrões administrativos peculiares ao Estado absolutista. Entretanto, o Brasil possuía sua realidade específica. E, desta forma, um vasto elenco de leis especiais foi elaborado para regular os interesses da metrópole na Colônia. Dentre essas, destacam-se o grande número de regimentos, destinados a instruir os funcionários em suas respectivas áreas de atuação, bem como determinar as atribuições, as obrigações e a jurisdição dos diversos cargos e órgãos incumbidos de gerir a administração colonial; os alvarás, limitados à duração de um ano; os vários tipos de cartas-régias, sesmarias, forais, patentes e provisões - com diversas finalidades e determinações especiais para regular vários campos de administração; e os decretos e as leis, Dentre esses vários diplomas legais, os autores deram ênfase aos regimentos, por considerá-los os mais importantes atos definidores da condução jurídico-administrativa dos negócios coloniais, permitindo traçar a estrutura da hierarquia funcional e as distintas jurisdições.

Outro fator importante, que a nosso ver deve ser mencionado neste trabalho, diz respeito aos vários cortes cronológicos feitos no período enfocado. No livro foi seguida a periodização tradicional de nossa historiografia, apresentando cinco fases distintas que compreendem os anos de 1530 a 1808. Assim, os vários temas que a obra analisa são investigados dentro de uma periodização marcada pelas profundas alterações políticas que se verificaram em 300 anos de história brasileira, vinculadas a acontecimentos metropolitanos e a questões próprias da Colônia. Ou seja, as modificações administrativas que aqui se processavam refletem o quadro político da relação de poder entre Portugal e Brasil naquela época. Tais alterações - e o livro apresenta-as minuciosamente - manifestavam-se por intermédio dos vários diplomas legais, alternando o sistema de cargos e órgãos em que estava estruturado o aparelho administrativo colonial.

Fiscais e meirinhos - A administração no Brasil colonial é um trabalho que possibilita ao leitor verificar aspectos gerais e particulares da estrutura burocrática colonial até o ano de 1808, apresentando uma pesquisa pormenorizada e profunda sobre o exercício do poder da coroa lusitana, no Brasil, mediante os vários instrumentos e canais aqui institucionalizados, desde 1530.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1985
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