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O papel do planejamento e do controle físico-financeiro na implantação de empreendimentos

ARTIGO

O papel do planejamento e do controle físico-financeiro na implantação de empreendimentos

Ladi Biezus; Flavio Correa Prospero; Antonio J. Oliveira Rocha

Engenheiro civil e mecânico pela Universidade de São Paulo e Faculdade de Engenharia Industrial

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho visa apresentar os conceitos fundamentais e o papel que cabe ao planejamento físico-financeiro no gerenciamento de implantação de empreendimentos.

Através de uma abordagem sistêmica são analisados os principais fatores intervenientes e as relações intrínsecas e extrínsecas existentes do planejamento com os demais fatores; o planejamento é por excelência instrumento decisório para o sucesso da implantação física de um empreendimento, independentemente do porte e da complexidade tecnológica do objeto a ser implantado e visa maximizar o aproveitamento das oportunidades de decisões ao longo da implantação.

2. CONCEITUAÇÃO DO PLANEJAMENTO NO GERENCIAMENTO INTEGRADO

O gerenciamento da implantação de um empreendimento consiste na integração dos fluxos de determinados fatores básicos, integração essa otimizada quanto a um elenco de restrições impostas.

Nessa integração distinguem-se fatores integrandos (os operandos) de cunho conteudístico, e fatores de integração (os operadores) de cunho metodológico.

Os fatores integrandos, de cunho conteudístico, reduzem-se basicamente a quatro, não importa qual seja o empreendimento:

a) projetos;

b) obras de construção e montagem;

c) equipamentos

d) recursos monetários.

Este quarto fator - monetário - é por assim dizer um fator último ao qual todos os demais fatores conteudísticos podem ser reduzidos.

Os fatores de integração, de cunho metodológico, cujo conjunto traduz a função de gerenciamento, são também quatro:

a) fiscalização;

b) coordenação;

c) planejamento;

d) informática.

Aqui, também, o último fator de integração - a informática - pode ser condiderado, por analogia, a moeda de conversão dos três fatores precedentes.

Sob a designação ampla de' 'informática" estão englobados não apenas a' 'matéria'' - as informações - com a qual operam os três outros fatores metodológicos (supervisão, coordenação e planejamento), mas também, e talvez principalmente, o "sistema" de informação, tanto o suporte hardware como o software.

O elenco de restrições em face das quais a integração daqueles fluxos deve ser otimizada, é o seguinte:

a) qualidade;

b) custos;

c) prazos;

d) segurança

e) realização pessoal;

f) respeito à ecologia etc.

Poder-se-ia tentar uma representação gráfica destes conceitos utilizando a notação de Venn-Euler, como representada nas figuras 1, 2 e 3, que mostram o gerenciamento da implantação de um empreendimento.




Nessas figuras, os três primeiros fatores conteudísticos são representados por três círculos secantes entre si, representando respectivamente projetos, obras e equipamentos.

O quarto fator, recursos monetários, é omitido devido a razões de simplicidade de representação gráfica. Se, entretanto, se desejasse representá-lo também, bastaria considerar a imagem no espaço e associar a cada fator uma esfera ao invés de um círculo. Todas as ilações subseqüentes seriam traduzidas no espaço com a mesma analogia da notação no plano.

Estes fluxos de fatores não são absolutamente independentes entre si, quer lógica quer cronologicamente. Esquematicamente a sua integração para gerar um empreendimento pode ser simbolizada pelos três círculos secantes da figura 1.

A regulação do fluxo desses três fatores básicos, responsável portanto pela sua integração, é o que se entende pela função de gerenciamento do empreendimento. Na figura 2, ele é representado pelo círculo sombreado que circunscreve as áreas comuns aos três iniciais.

A área de cada círculo, externa ao círculo do gerenciamento, representa o domínio de atividade própria de cada entidade responsável pela geração do fluxo do respectivo fator. É o domínio da liberdade própria de atuação. Sobre estes domínios não há atuação do gerenciamento. Sem abusar do jogo de palavras, não há ingerência nesses domínios.

As demais áreas de cada círculo que recaem na sombra do círculo que simboliza o gerenciamento estão sujeitas a determinadas regulações que adiante são explicitadas.

A figura 3 se subdivide em três figuras destacando os três domínios do gerenciamento, em função da integração crescente dos três fatores conteudísticos básicos. Esses três domínios são os três fatores metodológicos de integração.

A figura 3.1 simboliza a área de gerenciamento, com atuação direta sobre cada um dos fluxos isoladamente. É o domínio da fiscalização. Tradicionalmente em nosso meio essa função é designada por controle do projeto, supervisão de obras e inspeção de qualidade, respectivamente para cada fator integrado.

A figura 3.2 representa o segundo nível de complexidade: o domínio do gerenciamento que abrange as interfaces dos campos dos fatores básicos dois a dois. Este fator é denominado coordenações.

As interfaces resultantes da integração dos três fluxos não são neutras, mas vivas, e mantêm um intercâmbio entre os dois respectivos campos que demandam uma coordenação muito atuante para o desenvolvimento harmonioso do empreendimento.

Na figura 3.2 estas interfaces são indicadas pelos símbolos:

- OP: interface projeto versus obras;

- EP: interface equipamento versus projeto;

- OE: interface obra (montagem) versus equipamento.

A interface projeto versus obra requer a coordenação do intercâmbio seguinte: num sentido, o fornecimento das informações de projeto (desenhos e especificações), nas prioridades e ritmo consentâneos com o desenvolvimento da obra; de outro lado, o feedback de informações de terreno, de métodos construtivos e de todos os fatos novos revelados pelo avanço das obras, relevantes para o desenvolvimento do projeto.

A interface equipamento versus projeto demanda uma coordenação crucial: de um lado o projeto básico define os parâmetros de processo, com os quais se faz a aquisição dos equipamentos, e reflexivamente as características geométricas e os esforços solicitantes desenvolvidos pelos equipamentos condicionam o desenvolvimento do projeto executivo.

A interface obra versus equipamento por sua vez também requer uma coordenação típica: de um lado, a empreiteira de montagens (a interface com a obra civil é mais pacífica) desenvolvendo os trabalhos dentro de prioridades definidas pela programação geral e das exigências contratuais; de outro lado, o fabricante fazendo a supervisão técnica consentânea com a responsabilidade pelo desempenho dos equipamentos. Há também o fluxo de materiais (aqui genericamente englobados na designação "equipamentos") que se origina no domínio E, os quais são necessários principalmente às instalações e sistema de unidade (domínio 0).

Ao último nível da escala crescente de complexidade, o domínio do gerenciamento que cobre a área comum aos três fatores conteudísticos básicos está representado na figura 3.3. Corresponde ao planejamento e programação geral assim como o acompanhamento como feedback para reprogramação.

O fator "informações", no diagrama proposto, pode ser representado pelas linhas (arcos) que definem as fronteiras dos outros três fatores metodológicos. Esta representação ilustra o aspecto apontado segundo o qual todos os demais fatores metodológicos em última análise se resolvem no fator informações. Significa que os caminhos preferenciais de troca de informações, conforme a figura 4, são entre:


a) a entidade geradora de um fator conteudístico (integrando) e o sistema gerencial;

b) a coordenação da interface com a supervisão de cada fator conteudístico;

c) entre o planejamento e a coordenação de interface.

Não se devem entretanto confundir os fluxos fundamentais de informações requeridas para o gerenciamento com as linhas de fluxo de comando ou de decisão, embora uma abordagem daquelas funções por via dos fluxos fundamentais de informações seja cogitável.

Dentre os fatores metodológicos, "a informação" é de todos o mais crucial pelas razões seguintes:

a) a sua abordagem formal não faz parte da tradição técnica, porque é uma conquista recente para a engenharia;

b) quando desvirtuada a sua finalidade, converte-se nvm dos instrumentos preferenciais para a proliferação da burocracia (quando a informação se converte em sua própria finalidade);

c) a informação "inunda" todos os demais fatores - conteudísticos e metodológicos. Da mesma maneira que o fator "recursos financeiros" permeia os demais fatores conteudísticos, a informação é a "moeda corrente" dos demais fatores metodológicos.

Dessa forma fica representado com clareza o lugar lógico que cabe ao planejamento, dentro de uma concepção de gerenciamento integrado, no cerne do próprio gerenciamento.

Isso permitiria reordenar os fatores de integração, que constituem o gerenciamento, de acordo com a seguinte seqüência:

- informática;

- fiscalização;

- coordenação;

- planejamento.

Assim dispostos, esses fatores estão ordenados na razão crescente do seu poder de integração. O planejamento, como adiante será discutido, é o fator por excelência de integração dos fluxos conteudísticos. Ele concebe o empreendimento como totalidade na sua fase estratégica, analisa-o nos seus integrantes no momento lógico do planejamento básico e reconstitui a síntese no momento do planejamento executivo e dos controles. É, por assim dizer, o alfa e o ômega da função gerenciamento.

O diagrama de Venn-Euler permite alguns passos adiante na ilustração da função do gerenciamento, principalmente nos dois aspectos seguintes: complexidade do empreendimento e ênfase na incidência de cada um dos fatores conteudísticos.

É intuitiva a distinção entre empreendimentos simples e complexos e é evidente também o fato de que a incidência do gerenciamento é tanto mais forte quanto mais complexo é o empreendimento.

A maior ou menor complexidade do empreendimento pode ser ilustrada pela maior ou menor interseção dos círculos representativos de cada um dos fatores, conforme a figura 5.


À medida que aumenta a área de interseção entre os dois círculos, a interdependência entre dois fatores cresce, a interface torna-se mais delicada, a coordenação requerida mais sofisticada; o empreendimento se torna mais complexo e o corolário é evidente: à medida que aumentam as interfaces entre fatores, cresce também a área comum representativa do planejamento. Portanto, a importância do planejamento em um empreendimento cresce na razão direta da sua complexidade.

Subsidiariamente, a figura permite ilustrar um outro aspecto relevante: os fatores de integração, que exprimem as funções básicas do gerenciamento, se configuram de maneira orgânica; isto é, observam um forte grau de interdependência. É fácil verificar pelas figuras que um crescimento na exigência de coordenações implica necessariamente um aumento de atuação do planejamento. Um profundo imbricamento de fatores conteudísticos, no empreendimento extremamente complexo, dramatiza a importância de planejamento, tornando as fiscalizações e, paradoxalmente, as coordenações de importância secundária para o gerenciamento.

A incidência de cada fator conteudístico pode ser ilustrada no diagrama de Venn-Euler pela variação do raio do círculo que representa cada um dos fatores básicos.

A ênfase de cada fator conteudístico pode ser estabelecida pela importância quantitativa (ou pelo custo) do respectivo fator. Outra maneira, mais adequada, de se estabelecer a importância relativa de cada fator conteudístico (operando) é pela exigência gerencial que introduz, ou seja, pela importância do fator metodológico que exige. A exigência gerencial será então uma decorrência, não apenas das quantidades do fator conteudístico a ser gerado, mas do grau de sofisticação com que a sua geração integrada deve ser gerenciada. É evidente que a produção da mesma quantidade de concreto-massa para uma barragem de gravidade requer um empenho gerencial muito menor que a produção da mesma quantidade de concreto para o edifício de um reator atômico.

A figura 6 ilustra um empreendimento no qual a importância dos fatores conteudísticos é bem diferente de um para outro e a complexidade (grau de imbricamento dos fatores) é média.


Se considerarmos o fator maior como sendo as obras e o menor os equipamentos, teremos o caso típico de uma barragem de captação ou de regularização.

A supervisão é obviamente maior nas obras (controle de qualidade e os controles quantitativos) e a interface mais sensível é entre projetos e obras.

Inversamente, se quiséssemos representar, em diagrama, uma ferrovia, partiríamos dos princípios seguintes:

a) preponderância das obras sobre o projeto e os equipamentos;

b) interface equipamentos (via permanente e sinalização) com as obras, extremamente simples;

c) interface projeto versus obra e projeto versus equipamentos, a primeira de média e a segunda de fraca complexidade.

A representação gráfica, conforme a figura 7, demandaria um círculo (obras) de raio bem superior aos dois outros. As interseções entre os círculos do projeto e dos equipamentos assim como das obras com os equipamentos seriam mínimas.


O exemplo retratado na figura 8 ilustra o caso de um empreendimento visando o desenvolvimento de uma nova tecnologia. Nestes casos, geralmente, o fator projetos é preponderante em relação aos equipamentos e este fator, preponderante em relação às obras.


Por essa razão, os círculos representativos dos três fatores decrescem nessa ordem. Recai tipicamente dentro deste caso a implantação da primeira unidade industrial de produção de álcool a partir da madeira, com transferência parcial de tecnologia do exterior.

O mesmo aconteceu com a implantação da primeira unidade industrial de agregado leve obtido pela " sinterização" do lodo digerido, após o tratamento secundário dos esgotos urbanos de São Paulo.

Em ambos os casos, equipamentos tiveram que ser desenvolvidos e a interdependência projeto-equipamentos foi de razoável complexidade, daí o imbricamento maior entre os círculos representativos desses dois fatores.

A mesma figura prestar-se-ia para ilustrar um critério diverso em que a incidência relativa representasse a participação de cada fator na formação do investimento total. Mas essa ilustração tem menos interesse do ponto de vista da representação da relevância do gerenciamento e de cada um dos seus fatores integrandos.

Uma última digressão, teórica, sobre o tema da informática.

A informatização do gerenciamento encontrou, sem dúvida, o seu verdadeiro caminho com o advento dos microcomputadores.

É uma característica marcante do modelo gerencial preconizado nesta monografia o seu caráter descentralizado em relação à empresa gerenciadora contratada. E os equipamentos de grande porte, que até recentemente constituíam o hard disponível, obrigavam à centralização, devido a razões técnicas, econômicas e operacionais. Era inevitável, portanto, ou a utilização restrita do processamento ou a centralização do gerenciamento em torno de um pólo alheio a todos os empreendimentos. Ambas as opções têm inconvenientes, mas seguramente o da centralização da empresa de gerenciamento é o mais grave para cada empreendimento.

Os grandes equipamentos com a mobilização de quadros de pessoal técnico especializado, por sua vez, traziam no bojo a burocratização, uma de cujas feições marcantes consiste em gerar informações exclusivamente para arquivo. Ora, além de um custo inútil, gerar informações ociosas afeta a eficiência do gerenciamento.

É um lugar-comum afirmar-se que o excesso de informações é pelo menos tão pernicioso quanto o seu déficit.

Por outro lado, a geração de pesados arquivos de informações mortas afeta a virilidade do gerenciamento.

A tendência consistirá sempre em ir primeiro buscar no arquivo as soluços para, em seguida, encontrar o problema. O gerenciamento vivo procura extrair das necessidades brutas, em primeiro lugar, a formulação do problema; a solução geralmente decorrerá com naturalidade e não consta, em regra, do arquivo. O arquivo de informações é evidentemente indispensável porque a sua função é a de regulador (buffer) entre as informações, que têm um ritmo para serem geradas, e as mensagens de decisão e comando com seus respectivos feedbacks, que têm um ritmo de demanda diverso daquele.

Nesse contexto, entende-se como mensagem toda informação polarizada por uma finalidade. A excelência, pois, do gerenciamento mede-se pela capacidade que ele demonstra em converter meras informações conteudísticas em mensagens de decisão, ou comando e respectivos controles (feedback de ambas).

3. A CONCEPÇÃO ORGANIZACIONAL

O modelo organizacional fundamenta-se na distribuição das funções gerenciais em duas categorias básicas, segundo a sua natureza: funções decisórias e funções executivas. A distinção entre esses dois conceitos é intuitiva.

Essas funções permeiam todas as atividades gerenciais e a escolha dessa distinção como princípio formador da estrutura organizacional prende-se a uma necessidade típica do nosso contexto técnico e cultural.

Em princípio, as funções decisórias são exercidas pela própria entidade patrocinadora da implantação do empreendimento (proprietária), enquanto as funções executivas podem ser delegadas, na totalidade ou em parte, a uma entidade externa especializada no gerenciamento.

Essa alocação de atribuições permite à empresa patrocinadora, sem renunciar à prerrogativa e à responsabilidade de conduzir o empreendimento, sem arriscar-se a perder ou distorcer a própria identidade no empreendimento, desfrutar de algumas vantagens realmenr te significativas:

a) evitar as mobilizações próprias de pessoal para atividades transitorias e, às vezes, muito diversas de atividade-fim;

b) reduzindo as mobilizações próprias, conter a expansão dos encargos administrativos, sociais, fringe benefitse sobretudo as ociosidades nas fases de "vale" no diagrama das implantações novas e expansões. Para a mesma equipe de direção da empresa, a redução dos quadros dos subordinados significará maior eficiência administrativa no conjunto;

c) criar um mecanismo fértil de gerência pela colocação em confronto de duas forças que se estimulam reciprocamente: o órgão decisorio que cobra desempenho do executivo e inversamente este quecobra decisões daquele;

d) no engajamento de uma entidade externa, presume-se que esses quadros especializados de implantação - que seriam provisórios na entidade promotora - sejam permanentes na entidade contratada e, portanto, experientes, vocacionados e testados para o trabalho em equipe, características que devem conduzir a um rendimento mais elevado;

e) reduzir o conflito entre as políticas relativas a pessoal de operação e pessoal de implantação, quando a empresa que promove o empreendimento novo acha-se também em operação na sua atividade-fim;

f) finalmente, esta estruturação permite dissociar a função decidir, eminentemente ideológica, da função comandar, predominantemente fisiológica. Decidiré comandar pelo mesmo canal conduz a constantes e indesejáveis contaminações da decisão pelos constrangimentos de comandos.

A combinação das vantagens enumeradas deveria necessariamente conduzir a um custo próprio do gerenciamento também mais econômico. Não é inoportuno, porém, assinalar que não deve ser apenas o custo próprio do gerenciamento que deve ser vigiado, mas principalmente o resultado global. Não teria sentido um gerenciamento de pequeno custo próprio que conduzisse a um investimento inflado em relação ao ideal. Mas é evidente que a competência em conter os custos próprios do gerenciamento será um bom indicador quanto à competência em administrar os custos do empreendimento como um todo.

Fundada na dicotomia do decidir versus executar, a estrutura organizacional concebida para o modelo de gerenciamento contratado pressupõe a existência de dois órgãos em confronto: um próprio - dimensionado para tomar todas as decisões de implantação e apto a assegurar a transmissão da identidade da empresa ao empreendimento - e outro, contratado, apto a realizar todas as tarefas executivas da implantação e capacitado a canalizar para o empreendimento as melhores técnicas de gerenciamento.

É o conjunto desses dois órgãos, um próprio e outro contratado, em interação, que constitui o sistema gerencial preconizado, que deverá levar a uma minimização dos custos globais do empreendimento.

Na figura 9 é apresentado o organograma do sistema gerencial adotado pela Sabesp para a implantação das estações de tratamento do Sistema Sanegran em São Paulo. A figura permite visualizar as características mais interessantes do modelo e é apresentada por traduzir um caso concreto de gerenciamento integrado, com a máxima delegação das atividades executivas.


É evidente que a repartição dos contigentes entre pessoal próprio e pessoal da empresa contratada dependerá em primeiro lugar do grau de integração do modelo gerencial. Se todas as atividades gerenciais, na sua função executiva, no domínio de todos os fatores conteudísticos (projetos, obras, suprimentos) forem delegadas, teremos o nível máximo de integração do gerenciamento e, conseqüentemente, a mobilização mínima de pessoal próprio. Inversamente, o pessoal próprio crescerá na razão direta dos fatores gerenciais que forem retidos em cada domínio conteudístico.

O modelo tem a flexibilidade suficiente para se acomodar a situações concretas em que a empresa patrocinadora já disponha de alguns quadros gerenciais - embora não todos - e, por qualquer razão, não cogite desmobilizá-los.

Um segundo fator importante para a determinação da repartição dos contingentes entre pessoal próprio e pessoal contratado reside na capacidade de simplificar as funções decisórias. Os atos gerenciais decisórios são suscetíveis de distribuição em duas categorias fundamentais: decisões rotineiras e decisões inéditas.

Os atos decisórios rotineiros podem ser governados por uma norma apriorística e com isso convertidos em atos executivos, passíveis de serem delegados e controlados por amostragem. Desta forma, o órgão decisório (órgão próprio) atuará por execeção (casos inéditos) e amostra (casos de rotina). Em outras palavras, a decisão a respeito dos fatos inéditos será necessariamente sua, sempre. E a decisão a respeito dos fatos rotineiros será delegada por norma e reverterá a si episodicamente, quando um fato novo, externo ao domínio da rotina, intervier ou aleatoriamente, para amostragem da aderência do desempenho concreto à norma estabelecida.

É interessante observar as principais características macroscópicas do modelo organizacional:

a) a função de interface que o sistema gerencial desempenha entre a empresa patrocinadora e o universo supridor dos fatores conteudísticos;

b) a contribuição genética ao sistema gerencial que cada uma das partes deve fazer: o órgão próprio fazendo a ligação com os órgãos permanentes da empresa, transmite a identidade do empreendimento e o órgão contratado (gerenciadora) transmitindo o know-how específico de implantação (quando a entidade patrocinadora detém apenas know-how de operação do empreendimento implantado);

c) a conciliação a nível da estrutura interna do sistema organizacional entre as necessidades das funções gerenciais (planejar, coordenar, fiscalizar) e a "maneira" de gerar fatores conteudísticos (projetos, obras e suprimentos) de acordo com o modo pelo qual está organizado o universo ambiente;

d) a discriminação da função comandar, representada pelas ligações hierárquicas (em linha cheia na figura), da função decidir, representada pelas ligações funcionais (em linha interrompida na figura).

4. AS ETAPAS LÓGICAS E CRONOLÓGICAS DO PLANEJAMENTO FÍSICO

Os diagramas de Venn-Euler dão uma visão da importância do planejamento como fator metodológico de maior força e eficácia de integração dos fatores conteudísticos na implantação de um empreendimento.

Esses diagramas permitem também visualizar de maneira bem didática a ênfase do planejamento em relação à complexidade do empreendimento e em relação à importância relativa de cada um dos fatores integrandos.

Mas é uma visão estática. O planejamento, entretanto, é um fator dinâmico que, segundo a etapa em que se encontra a implantação do empreendimento, assume características muito especiais.

O fluxograma, embora auto-explicativo, comporta alguns comentários:

1. Um ponto pode parecer paradoxal: o condicionamento do projeto básico pelo plano gerencial. O plano gerencial - enquanto consolidação, de caráter sistêmico, das estratégias fundamentais de implantação - pode afetar o desenho básico do projeto, no interesse da otimização conjunta dos parâmetros que governam a implantação. Em outros termos, o como fazer está em inter-relação com o que fazer, na etapa e tão-somente na etapa do projeto básico e do plano gerencial. É um fato notório o paradoxo observado de que o projeto (enquanto desenho) não deve sofrer alterações básicas após a demarragem e, no entanto, modificações básicas de fato ocorrem.

A razão em si é muito simples: é que o projeto (desenho) não é uma finalidade em si, mas sim o empreendimento funcionando bem. Funcionar bem significa funcionar em condições de otimização conjunta de diversos parâmetros restritivos, como custo, qualidade, prazo, segurança, etc.

A inter-relação plano gerencial versus projeto básico é a tentativa consciente de disciplinar e criar o momento correto para as acomodações de projeto necessárias à otimização conjunta daqueles parâmetros e de reconhecer a igual dignidade de atuação do que e como fazer para o interesse final do empreendimento.

Figura 10


2. A ligação orientada partindo no meio do bloco de uma tarefa significa que a tarefa subseqüente será iniciada antes da conclusão do pojeto do processo. Da mesma forma, o planejamento básico é iniciado bem antes da conclusão do projeto básico.

3. Duas tarefas articuladas entre si com uma dupla ligação em sentidos opostos significam realimentação interna e reprogramação ou revisão de projeto executivo.

É o caso das repercussões do avanço da obra na reprogramação e na revisão do projeto executivo.

As etapas do planejamento são fundamentalmente três: planejamento estratégico, planejamento básico e planejamento executivo.

4.1 O planejamento estratégico

Nesta fase privilegiam-se as grandes decisões envolvendo a estratégia de condução do empreendimento, as regras básicas de contratação e a montagem da estrutura gerencial.

Cada empreendimento possui características e grandezas próprias que configuram uma personalidade, uma identidade. A busca do conhecimento desta identidade e de sua árvore genealógica permite formular um adequado plano gerencial, que será base sólida para a implantação do empreendimento. Aqui são gerados os instrumentos de gerenciamento de forma sistêmica, pois são todos independentes, derivando parcialmente um do outro: são, ao mesmo tempo, parte causa e parte efeito um do outro. Assim, fica claro o caráter de organismo vivo em contrapartida ao de mecanismo dedutivo e frio.

Esta é, portanto, a fase mais criativa do empreendimento, aquela que modela a personalidade do adolescente, amadurecendo o seu crescimento e formando o seu caráter adulto.

Os instrumentos básicos do gerenciamento são:

- o plano gerencial;

- o projeto básico consolidado;

- o planejamento básico;

- o orçamento básico de referência;

- o plano diretor do canteiro e do acampamento;

- o orçamento do gerenciamento.

A figura 11 apresenta o enfoque sistêmico e as relações de interdependência entre os vários instrumentos de gerenciamento.


A metodologia de geração destes instrumentos deve, portanto, considerar que:

- eles devem ser concebidos em conjunto como um organismo vivo, para serem congruentes entre si, sem redundâncias e sem lacunas;

- eles devem ser aperfeiçoados por aproximações sucessivas, como abordagem conjunta, pois o procedimento converge rapidamente, evitando o perfeccionismo;

- eles são contingentes, isto é, imperfeitos, sempre suscetíveis de melhoria, mas a perfeição é um horizonte, não um limiar de partida;

- a abordagem deve ser "personalizada", isto é, desenvolver os instrumentos para o objeto visado e a partir dele. Jamais fazer caber o objeto - sempre inédito no leito de Procusto dos nossos conhecimentos, ainda que vastos;

- a atitude ao conceber os instrumentos deve ser de total docilidade ao objeto e extrair das exigências interiores do mesmo as diretrizes, muito mais que da vaidade da própria ciência acadêmica do técnico;

- a sensibilidade do técnico em gerenciamento é fundamental pois ele deverá criar, fazer escolhas inspiradas em cada rodada de aprimoramento dos instrumenO planejamento básico estabelece a maneira como tos. Não basta, portanto, o preparo teórico acrescido o empreendimento deverá ser conduzido, realizando, do tirocínio; é indispensável a bossa, o dom das visões portanto, a harmonização entre as exigências da lógica globais, unificadoras.

O resultado concreto desta fase é a formulação, portanto, do plano gerencial contendo os instrumentos básicos do gerenciamento.

4.2 O planejamento básico

Este instrumento de gerenciamento engloba as estratégias e metas a nível macroscópico, formulados com vistas à consecução do objetivo global. É, portanto, apriorístico e de caráter construtivista, isto é, indutivo e sintético.

O planejamento básico é de caráter ascendente, isto é, parte das finalidades do empreendimento para alcançar a formulação típica do gerenciador e promotor do empreendimento visando otimizar os parâmetros de prazo, custo, qualidade e segurança.

Nesta fase, definem-se ainda a sistemática de acompanhamento e os parâmetros para controle.

O planejamento básico estabelece a maneira como o empreendimento deverá ser conduzido, realizando, portanto, a harmonização entre as exigências da lógica interna do empreendimento com os condicionamentos externos de universo-ambiente supridor de todos os insumos.

Ele deverá caracterizar macroscopicamente todos os quinhões de contratações previstos, suas prioridades e interdependências.

Fundamentalmente, portanto, ele se constitui de um desmembramento do projeto em seus quinhões lógicos (WBS - work breakdown structure) e de sua articulação num grafo onde figuram as implicações recíprocas. O grafo é cotado na escala do tempo, permitindo-se extrair dele os marcos intermediários que tornem possível situar as contratações de cada quinhão, harmonizar as interdependências e balizar o progresso do empreendimento, a fim de garantir a possibilidade de correções de curso.

O planejamento básico incluirá também:

a) a modalidade de contatação de cada quinhão integrante;

b) a caracterização das ferramentas de apoio, como canteiros comuns a vários quinhões, acampamentos, suprimentos etc;

c) fornecerá também as metas para o planejamento executivo de cada lote, assim como a sistemática uniforme segundo a qual cada contratado deverá desenvolver seu próprio planejamento executivo, a fim de facultar o acompanhamento por parte da gerência.

O planejamento básico é de caráter macroscópico; é, portanto, constituído de um número reduzido de atividades que facultem sempre a sua percepção como um todo orgânico. Como o esqueleto da metodologia da implantação, o planejamento básico deve ter uma estabilidade forte, somente devendo ser remanejado no caso extremo de um defasamento dramático com a realidade do avanço ou na hipótese de mudanças significativas do objeto.

4.3 O planejamento executivo

O planejamento executivo engloba o elenco de medidas básicas necessárias para a implementação das estratégias gerais e para alcançar as metas. Ele é de caráter microscópico, analítico e dedutivo.

O planejamento executivo é, ainda, de caráter descendente, isto é, parte das metas estabelecidas no básico para deduzir as necessidades logísticas do empreendimento, isto é, a mobilização dos recursos. É, portanto, atribuição típica de fornecedores e prestadores de serviços.

Nesta fase é exercido o controle, isto é, o dimensionamento dos desvios para a adoção de medidas corretivas a fim de atingir os objetivos fixados.

O controle é, portanto, estendido aos domínios físico e financeiro encarados simultaneamente; a aferição do curso de ação é fundamental, pois se os desvios forem acima das possibilidades de correção, implicam a revisão do planejamento básico e quiçá do estratégico.

4.4 Os controles

Duas etapas adicionais de controles podem ser aduzidas ao planejamento: controle executivo e controle final do desempenho.

Correspondem ao feedback do planejamento. O controle executivo é o feedback do replanejamento, traduzindo o aprendizado feito no curso da própria implantação e incorporado no próprio empreendimento. O controle final de desempenho representa uma consolidação do aprendizado feito após a conclusão do empreendimento e realimentará o planejamento de outros empreendimentos a serem promovidos pela mesma entidade ou gerenciados pela mesma organização de gerenciamento. Este último constitui o verdadeiro aprendizado, onde mutações técnicas a nível metodológico são suscetíveis de serem explicitadas e assimiladas. Essa etapa, como um balanço final de desempenho, é freqüentemente relegada a uma importância insignificante a nível de empresa - ficando esse aprendizado mais a nível pessoal - ou totalmente desconsiderada. Assim, paradoxalmente, aprende-se muito pouco de um empreendimento para outro, mesmo quando análogo. Ou, o que é também deplorável, os mesmos métodos são repetidos sem espírito crítico, perpetuando receitas e operações meramente servis.

A consolidação do desempenho gerencial na implantação de um empreendimento mereceria ser objeto de uma dinâmica conjunta de cunho crítico entre as forças gerenciais - próprias e contratadas - com o objetivo de extrair o máximo aprendizado dos acertos e dos erros cometidos.

5. O PLANEJAMENTO FINANCEIRO

5.1 Conceituação do planejamento financeiro

É conveniente fazer-se, inicialmente, a introdução de alguns conceitos de cunho interdisciplinar:

- custos estimados;

- custos compromissados;

- custos realizados;

- desembolsos.

Os custos estimados são informações de valores geradas, optativamente, a partir de:

- indicadores de arquivo;

- coletas de preços;

- composições, agregando preços de insumos básicos.

O que caracteriza os custos estimados é o fato de não terem nenhuma garantia formal de sua realização nos valores em que estão expressos. São valores projetados, fundamentados na experiência setorial e no conhecimento do mercado.

Os custos compromissados são informações de valores geradas por um instrumento formal de contratação. Têm como característica a garantia de sua realização nos valores em que estão expressos, dentro das restrições contratuais e da confiabilidade do fornecedor.

Os custos realizados (custos reais) são informações de valores geradas por um instrumento formal de pagamento. Caracterizam-se pelo fato de serem informações retrospectivas, contrariamente aos anteriores, que são informações projetivas, e pela sua consolidação, a menos das reivindicações retroatuantes, decorrentes de lacunas contratuais ou de decisões que excedem os termos pactuados em contrato.

Os três conceitos anteriores são técnico-econômicos. São informações estáticas.

O desembolso é uma informação de eventos. É um conceito técnico-financeiro. É também um operador que converte custos projetados em custos realizados. Desembolso é uma noção associada ao tempo e é, portanto, um elemento típico de programação.

A partir das diferentes noções de custos é possível estabelecer três orçamentos básicos de naturezas diferentes e que são: o orçamento de custos estimados, o orçamento de custos compromissados e, finalmente, o orçamento dos custos realizados.

O orçamento é uma informação gerada pela associação de uma planilha de quantidades físicas a um elenco correspondente de custos, acrescida de uma provisão para as contingências correspondentes ao grau de conhecimento daquelas duas categorias de parâmetros.

Esses dois parâmetros - quantidades e custos - assumem valores diferentes segundo o avanço da implantação. De acordo com o estágio em que se encontra o desenvolvimento do projeto, resultará uma planilha correspondente de quantidades:

- no projeto do processo: grandezas de projeto e quantidades desconhecidas;

- no projeto básico: grandezas de projeto conhecidas e quantidades desconhecidas;

- no projeto executivo: grandezas e quantidades conhecidas;

- no as built: grandezas e quantidades realizadas.

Associando-se os diferentes níveis de conhecimento das duas categorias de parâmetros: quantidades de grandezas e custos, será possível organizar o quadro 1, que estabelece os diferentes níveis de contingenciamento para os orçamentos construídos a partir de cada combinação daqueles parâmetros.


São, obviamente, reservas feitas para cobrir o grau de desconhecimento dos usos dos recursos.

As fontes de recursos, por sua vez, acham-se também sujeitas a distorções aleatórias, como a erosão inflacionária, as flutuações cambiais, etc.

O quadro 2 apresenta os mesmos contingenciamentos relativos aos usos que o quadro 1, porém de uma forma mais didática para a introdução dos diversos orçamentos associados às etapas fundamentais do planejamento financeiro.


As etapas de planejamento financeiro são esquematicamente quatro, cada uma das quais dando origem ao respectivo orçamento:

- orçamento de referência;

- orçamento básico;

- orçamento executivo;

- orçamento apropriado.

Essas etapas são intimamente relacionadas com as correspondentes etapas do projeto e do planejamento físico.

Para efeito das necessidades de planejamento financeiro, torna-se elucidativo examinar o quadro 3, que relaciona os estágios fundamentais do planejamento com os graus de conhecimento dos custos. O quadro é auto-explicativo, mostrando, para um determinado flash no tempo, a estrutura dos orçamentos relativos aos diferentes estágios do planejamento financeiro.


Lembrando-se que o orçamento básico é um instrumento de planejamento (e portanto de gerenciamento) associado ao empreendimento como um todo e que o orçamento executivo é um instrumento de planejamento associado a um quinhão ou pacote (do WBS ) do empreendimento, pode-se dizer que, alternativamente:

A primeira fórmula significa que o orçamento básico, segundo o estágio em que se encontrar o planejamento do empreendimento, é constituído por algumas rubricas do básico (ΔOB) e pelo somatório dos orçamentos executivos de / pacotes, acrescidos da reserva de contingência Δi.

A segunda fórmula, relativa a um estágio do planejamento no qual já se desenvolveram orçamentos exe cutivos para todos os quinhões, significa simplesmen te que o orçamento básico nada mais é que o somatório de todos (n), orçamentos executivos (Σ OE) acrescida da reserva de contingência Δ i. n i

Segundo o avanço do empreendimento, todavia, alguns pacotes encontrar-se-ão por contratar, outros compromissados (já contratados), outros realizados e talvez alguns já consolidados (com termos de encerramento, ou recebimento). Assim sendo, o perfil normal do orçamento básico de um empreendimento desdobrado em diversos quinhões será uma agregação heterogênea de orçamentos com informações a diferentes graus de conhecimento:

OB = Σ OEST + ΣOCOM + EOREAL + ΣOCONS + Δ

i 1 j 1 kl 1 l

onde: i + j + k + 1 = n

sendo n o número de quinhões do empreendimento e A a margem de contingenciamento.

A fixação das margens de contingenciamento em cada orçamento é, fundamentalmente, baseada na sensibilidade e no tirocínio do gerente financeiro. Mas é evidente que, para o correto aproveitamento das dádivas da sensibilidade, é importante ter em conta o grau de conhecimento dos parâmetros mencionados que comporão o orçamento.

A fixação de margens estreitas para o grau de conhecimento do projeto induzirá à necessidade de remanejamento do perfil das fontes de recursos ou à reformulação do objeto a implantar. O estabelecimento de margens largas pode estimular custos ociosos, além de gerar custos adicionais de reservas de recursos.

5.2 O controle do planejamento financeiro

Embora o modelo teórico de gerenciamento, exposto anteriormente e ilustrado com o auxílio dos diagramas de Venn-Euler, traduza perfeitamente o que é o planejamento como o fator mais viril de integração dos quatro fatores conteudísticos, de fato, a geração e integração com os demais, de cada um dos fatores conteudísticos, apresenta nuances especiais quanto ao planejamento.

Focalizados mais minuciosamente, o planejamento dos suprimentos apresenta peculiaridades próprias, assim como o projeto. As implicações do planejamento das obras são mais óbvias. O fator recursos financeiros porém é o mais crucial, pela razão já apontada e pelo fato adicional e único de abranger dois fluxos: as fontes e os usos, com condicionamentos diversos.

Por essa razão o planejamento financeiro receberá um tratamento especial.

Um primeiro nível, mais rudimentar de controle de custos, consiste na apropriação dos custos reais, de forma que, uma vez concluído o empreendimento, fica-se sabendo exatamente quanto custou. Costuma ser usado para demonstrar o quanto as estimativas estavam erradas. É um controle absolutamente póstumo e, se bem feito, proporciona uma boa autópsia, identificando de que enfermidade o paciente veio a falecer. Apesar do seu caráter absolutamente passivo, esse controle retrospectivo pode significar um excelente instrumento para o aprimoramento de empreendimentos ulteriores. A experiência mostra, entretanto, que a utilidade desses instrumentos passivos de controle, quando empregados com exclusividade, é ilusória na maioria das vezes, pois os custos apropriados têm apresentado uma forte tendência divergente.

Um segundo nível, mais sofisticado, consiste num controle já provido de algum dinamismo.

As estratégias formuladas para a implantação são levadas à perfeição máxima, simulando aprioristicamente o maior número de fatores de perturbação suscetíveis de ocorrer. São, porém, deflagradas como um mecanismo determinista, incapaz de autocorreção em curso. Quanto maior o número de fatores de perturbação que as estratégias visam abranger, mais complexas se tornam e, conseqüentemente, maior vai-se tornando a entropia interna desse mecanismo. É a respeito dessa abordagem que se costuma dizer que enquanto os controles são levados ao infinito a eficiência do sistema tende a zero.

Deflagrado o processo de implantação, o controle consiste no acompanhamento sistemático dos custos compromissados, agregando-os aos custos a compromissar e confrontando o conjunto com a estimativa básica, ou melhor, às fontes de recursos. É facultado assim à gerência uma confortável antecipação do momento fatal do "estouro do orçamento", ou seja, da exaustão das fontes. À gerência, o acompanhamento permite duas opções: apear do bonde em boa hora, ou - o que é considerado revelador de maior talento - rever as estimativas de referência, justificando-as, e buscar novas fontes, de formaque o custo real sempre satisfaça às estimativas.

Corresponde este caso perfeitamente ao Brasil de ontem, quando a capacidade de captação de recursos era quase infinita.

O terceiro nível - que é aquele que desejamos expor - consiste num método totalmente dinâmico de controle dos usos de recursos, atuando sobre eles durante o próprio processo de implantação e não apenas a priori, de forma a manter metodicamente inalterada a programação das fontes que condicionam a viabilidade inicial.

Este nível transcende os dois níveis anteriores, incluindo os aspectos úteis de ambos.

Uma analogia simples, extraída da física, ajuda a distinguir a diferença entre esses três níveis de controles.

A analogia é feita entre a precisão em se alcançar, com um projétil, o alvo desejado e a precisão em realizar a implantação de um empreendimento dentro das fronteiras de um valor programado na época da sua demarragem.

Elementos da analogia:

O primeiro nível de controle equivaleria a lançar o projétil, com um único disparo e, portanto, com todas as estratégias acionadas irreversivelmente e registrar o afastamento observado em relação ao alvo desejado. A reiteração dos tiros permite aprimorar as estratégias do tiro.

O segundo nível de controle consistiria em lançar o projétil, com todas as estratégias acionadas irreversivelmente, mas com um acompanhamento da trajetória que permitisse prognosticar com antecedência o lugar aproximado da queda, facultando algumas providências vitais, como por exemplo: o evacuamento de uma comunidade ameaçada pelo desvio do alvo ou, até mesmo, o acionamento de um agente interceptor que destruísse o projétil antes de atingir seu alvo errado. Esta comparação faz lembrar o episódio do reingresso do Skylab à Terra.

Neste caso, a atuação sobre as fontes equivale a atuar, modificando, o alvo desejado.

O terceiro e último nível de controle equivaleria ao disparo de um míssil monitorizado em terra (ou a bordo), de forma que as características da trajetória real (resultante da ação dos agentes de perturbação sobre as estratégias iniciais) são aferidas em pontos discretos e corrigidas (introduzindo novas estratégias), de forma que no final do percurso o míssil atinge exatamente o alvo programado.

Sinteticamente, são os seguintes os recursos que nos fornece cada um dos níveis do controle:

a) primeiro nível: após o fato ocorrido, podemos inventariar os resultados. Ficamos sabendo quanto custa o empreendimento e temos uma referência para futuros empreendimentos análogos;

b) segundo nível: antes da consumação do fato, dispomos de informações suficientes não para modificá-lo, mas para tomar medidas preventivas visando minimizar as conseqüências, se o prognóstico diferir da programação inicial. Ficamos sabendo com antecipação as modificações das fontes necessárias para realizar o empreendimento;

c) terceiro nível: dispomos de recursos para atuar sobre o processo em curso, modificando as estratégias para compensar as perturbações registradas.

5.3 As etapas lógicas e cronológicas do planejamento financeiro

Como visto no item 4, o planejamento é essencialmente dinâmico, seja físico ou financeiro.

A figura 12 apresenta as etapas fundamentais do planejamento financeiro correlacionando-as com a geração dos instrumentos de gerenciamento.


Num primeiro momento é elaborado, dentro da metodologia interativa, o planejamento financeiro de referência decorrente do projeto do processo e condicionado pelo plano gerencial.

Este planejamento financeiro de referência contém basicamente o orçamento de referência, isto é, a primeira avaliação de todos os usos ou aplicações monetárias que constituem o objeto do empreendimento realizado através de parâmetros estimativos, cotações, correlações com empreendimentos análogos, conhecimentos acumulados, etc; contém ainda a estrutura de capital do empreendimento, isto é, a arquitetura de composição das fontes de recursos, próprias e de terceiros, nacionais e externas

Neste primeiro momento é desenvolvido o mecanismo de controle a ser empregado para as regulagens necessárias a serem efetuadas em função de ocorrência de eventuais desvios, sejam de usos sejam de fontes.

O mecanismo de controle deve ser desenhado nesta etapa, pois analogamente ao míssil, que não pode ser disparado sem possuir a bordo o mecanismo de pilotagem à distância - sob pena de não poder ser monitorizado - assim também o planejamento financeiro de referência deverá incluir aquele mecanismo de correção dos desvios de investimento em curso de implantação.

Numa segunda etapa desenvolve-se o planejamento financeiro básico; este recebe os inputs do planejamento físico básico e mantém um constante diálogo entre o orçamento estimado e o orçamento compromissado. Em cada evento emergente, seja uma contratação de serviços, seja uma aquisição de equipamentos, há um desvio entre o valor estimado e o valor compromissado δ 1; a agregação de todos os desvios deve ser, em caso positivo, suportada pelo nível de contingenciamento existente, o que garante bom gerenciamento do empreendimento, permanecendo o valor total dentro dos limites de fontes de recursos previstos. Na eventualidade do estouro orçamentário, a projeção dos desembolsos ao longo do tempo, casada com a projeção dos ingressos de recursos (fluxo de usos e fontes), permite detectar os instantes em que serão necessários novos ingressos de recursos ou redução do objeto a ser construído.

Os novos recursos deverão ser contratados para estarem disponíveis na oportunidade requerida, contratação esta nem sempre fácil ou rápida, demandando normalmente negociações longas e detalhadas.

O mecanismo de controle desenvolvido na etapa anterior interage e regula o fluxo de entrada de recursos para atender os compromissos assumidos.

É óbvio que os níveis de contingenciamento deverão decrescer do orçamento de referência para as diversas etapas do orçamento básico, e dessas para o executivo. Adicionalmente pode-se dizer também que o grau de contingenciamento dos orçamentos integrantes das diversas fases do planejamento exprime na ordem inversa a qualidade e a sofisticação do gerenciamento.

No terceiro momento é gerado o planejamento financeiro executivo, onde são aferidos os desvios de uma segunda natureza; o confronto entre os compromissos assumidos e os desembolsos efetivamente realilzados permite dimensionar o montante de recursos diferenciais δ 2, em face do comportamento da realidade, erosão inflacionária das fontes, alterações ocorridas nas frentes de obra, assimilação de aprendizados novos e outros. Da mesma forma que δ 1, a solução de δ 2 está diretamente ligada à capacidade gerencial de administrar os diferenciais; o instrumento básico aqui detalhado é o fluxo de caixa, que permite quantificar em cada mês projetado o montante necessário.

O domínio sobre a soma de δ 1 com δ 2, exercido pelo mecanismo de controle, permite a administração efetiva do fluxo de caixa, compensando os eventuais desvios dentro do contingenciamento previsto. Os estouros eventuais acarretarão revisão do planejamento básico e, quiçá, da estrutura de capital dimensionado no planejamento de referência.

É evidente que uma análise crítica final é fundamental para a empresa verificar seus erros e acertos e servir de importante subsídio em empreendimentos subseqüentes. O relatório final do investimento deve analisar as causas de δ 1 e δ 2 e as providências tomadas para suas correções, bem como o custo gerado por tais providências. Ele também, se abordado criticamente, consolidará o aprendizado feito no empreendimento, em termos de gerência financeira.

6. AS RESPONSABILIDADES DA GERENCIADORA

As responsabilidades da gerenciadora estão consubstanciadas nos objetivos de cumprimento do prazo previsto para implantação do empreendimento, dentro do orçamento de referência, na qualidade especificada pelo projeto executivo, acarretando uma performance produtiva tal qual especificada pelo projeto básico e dentro de padrões preconizados de qualidade de vida.

Esta frase sucinta encerra múltiplas responsabilidades de terceiros que devem ser atendidas; e à gerenciadora cabe administrar as interfaces, otimizando o conjunto, minimizando interferências, de forma a garantir o sucesso final.

Como traduzir estas múltiplas responsabilidades no contrato de prestação de serviços da gerenciadora, de forma a compromissá-k com tais objetivos?

São três os aspectos fundamentais a serem considerados:

a) o fluxo decisório;

b) a participação relativa;

c) os estímulos de remuneração.

6.1 O fluxo decisório

Como vimos anteriormente no esquema de gerenciamento construído, as funções inerentes ao proprietário do empreendimento congregam as funções decisórias, isto é, o conjunto de regras para o processo de tomada de decisão envolvendo desde a concepção do processo, passando pela definição dos pacotes de licitação, escolha das modalidades de contratação, escolha das prestadoras de serviços e fornecedores de equipamentos e materiais até a entrada efetiva da operação.

Em contrapartida, cabe à gerenciadora o exercício das funções executivas desde o patrulhamento na obediência às especificações técnicas até a efetiva qualidade dos serviços prestados e verificação dos materiais especificados.

Esta dicotomia funcional define claramente as responsabilidades em função do poder decisório, inerente ao proprietário como "senhor da história'' e comandante supremo das tropas de implantação, e permite a criação de estímulos ou a punição aos executivos, agentes da implantação encarnados pela gerenciadora.

6.2 A participação relativa

A gerenciadora exerce papel preponderante, mas participa de pequena parcela nos custos de implantação de um empreendimento. Assim se, por exemplo, a participação relativa da gerenciadora no total do empreendimento for de 3%, como avaliar os riscos dos 97% restantes para incorporá-lo em seu preço?

A evolução histórica mostrou que em contratos turn-key, onde a main contractor assume os riscos de implantação, o preço tem sido superior ao processo de desdobramento em quinhões lógicos administrados em separado com harmonização de suas interfaces.

A definição da modalidade de contratação da gerenciadora é função do escopo dos serviços a serem executados e do modelo gerencial a ser adotado. Qualquer contrato, no entanto, só deve ser celebrado com uma gerenciadora merecedora de confiança, cuja capacidade operacional tenha sido comprovada em empreendimentos outros e cuja performance tenha demonstrado o atingimento dos objetivos descritos.

Um planejamento físico-financeiro eficiente e eficaz sobre os 97% do conjunto dos usos pode significar economias de escala que superam em muito o custo total do gerenciamento. Da mesma forma, decisões inadequadas podem gerar adicionais de custo que, para igualar o lucro da gerenciadora, basta alcançarem o equivalente a menos de 1% do empreendimento.

6.3 Os estímulos de remuneração

Além da confiança e competência, a configuração de estímulos contratuais que influam na remuneração da gerenciadora tem sido eficaz instrumento para o sucesso do empreendimento.

Assim, uma cláusula de prêmio-multa refletida nos contratos cost-plus pode aumentar ou diminuir o rendimento contratual, estimulando na gerenciadora o desejo de cumprir os objetivos. Na modalidade de contratação cost plus fee o estímulo é de concluir a obra na data mais tarde do CPM. Já na forma de cost plus fixed fee, o estímulo é de concluir a obra na data mais cedo do CPM.

Uma combinação de fee com prêmio às vezes é utilizada para estimular o término numa data-alvo. Neste caso a gerenciadora somente fará jus a este prêmio se a data de conclusão inicialmente prevista para o empreendimento for atingida. Qualquer atraso, decorrente de ação de qualquer interveniente, mesmo que à gerenciadora não se possa imputar nenhuma responsabilidade, é motivo para o não-pagamento do prêmio.

* Esta é uma versão revista do texto apresentado ao Seminário da Segen, na Petrobrás, em Angra dos Reis, em dezembro de 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1986
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