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Os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho: negociações e conseqüências econômicas

COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

Os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho - negociações e conseqüências econômicas* * Texto publicado originalmente na revista Travail et Emploi, Paris, Ministère du Travail, de Y Emploi et de la Formation Professionnelle, nº 40,2/1989, pp 33-50.

Jean-Yves BoulinI; Dominique TaddeiII

IPesquisador do CNRS em IRIS Travail et Société

IIProfessor da Universidade de alx-Marseille, França

Tradução de Célia M. L C. Genovez; revista e completada por Gisela Taschner GoldensteinIII

IIIProfessora adjunta do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV e Diretora da RAE

RESUMO

Os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho parecem ser particularmente relevantes do ponto de vista da eficácia econômica e social. Inscritos em uma perspectiva de aumento dos mercados e sendo uma resposta a uma capacidade produtiva insuficiente ou a uma retração de atividades, eles visam a prolongar o tempo de funcionamento das máquinas e/ou a adaptar o seu uso às flutuações da demanda. Mais outorgada do que negociada, a redução do tempo de trabalho aparece como a contrapartida social mais adequada à instauração de horários novos, pouco cômodos para os assalariados. Se é difícil avaliar seu impacto sobre a competitividade das empresas, ele tem se mostrado positivo em termos de rentabilidade financeira, de investimento e do emprego.

Palavras-chave: Acordos de empresas; redução-reorganização do tempo de trabalho (2RT); tempo deutilização dos equipamentos (DUE); articulação do econômico. com o social.

ABSTRACT

Agreements which associate reduction and reorganization of working time seem to be particularly relevant as far as the economic and social effectiveness is concerned. These agreements are market oriented and are an answer to insufficient manufacturing capacity or to constraints on productive capacity. They aim at increasing the equipment operating hours and/or at addapting its use to demand fluctuations. Working time reduction, which has been rather granted than negociated, appears to be the best social counterpart to the unsocial hours due to reorganizations. It is difficult to measure these agreements impact on the firms competitiveness; nevertheless they have shown a positive impact on their profitability as well as on investment and on employment.

Key words: Firms agreements; working time reduction and reorganization; operating hours; relationship between the economic and social dimensions of working time.

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INTRODUÇÃO

Os acordos relativos a verdadeiras reorganizações do tempo de trabalho parecem amplamente minoritários hoje em dia (ver box). Isto traduz, parece-nos, uma hesitação por parte da administração e da mão-de-obra de encetarem negociações que coloquem em questão não só a organização e o ritmo de trabalho dos assalariados, mas igualmente a sua vida fora do trabalho. Além do mais, estas negociações articulam temas habitualmente separados, confrontando, por isso mesmo, as organizações sindicais com a questão de sua inscrição em uma lógica gestionária, e as direções das empresas com a consideração das aspirações de seus assalariados, assim como com um questionamento dos esquemas tradicionais de gestão da mão-de-obra. Todavia, as estatísticas mostrando um crescimento significativo do trabalho desde 1984, é possível que muitas reorganizações não sejam objeto de acordos formalizados, ou que estes últimos não sejam assinalados à administração do trabalho, particularmente nos casos em que não necessitem de derrogações.

Neste artigo1 1 . Este artigo comunica os principais resultados de um estudo realizado para o Ministère des Affaires Sociales et de l'Emploi. BOULIN, J. Y. & TADDEI, D. Analyse des processus conduisant à des réorganisations-réductions du temps de travail (2RT) T1: rapport de synthèse. T2: monographies d'entreprises. IRIS-Travail et Société, fev. 1988. consideramos os principais resultados de um estudo monográfico limitado a dez empresas, no qual analisamos precisamente os acordos que associavam, de um lado, reorganizações do tempo de trabalho visando a um prolongamento da duração de utilização dos equipamentos (DUE), e de outro a sua redução. Esta escolha se inscrevia na lógica da missão que acabava de ser realizada por um dos autores, a pedido do primeiro ministro2 2 . TADDEI, D. Des Machines et des Hommes: pour l'emploi par une meilleure utilisation des équipements. La Documentation Française, 1986. . Este relatório concluía que poderia haver - sob certas condições - uma dinâmica positiva entre estes dois termos, tanto sob a perspectiva de maior competitividade das empresas, como sob a de uma melhora na situação do emprego. Por esta razão, pareceu-nos do maior interesse proceder à análise concreta das condições sócio-econômicas da elaboração destes acordos, das modalidades de sua execução, assim como de suas conseqüências econômicas para as empresas consideradas.

I - SITUAÇÃO E OBJETIVOS DAS EMPRESAS NO MOMENTO DA NEGOCIAÇÃO DOS ACORDOS

Tendo sido o nosso objetivo proceder à análise aprofundada das condições econômicas e sociais de produção de dez entre os raros acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho recenseados, nenhuma lógica setorial3 3 . Exceto para a empresa de distribuição incluída na amostragem com a finalidade de ver se existia um modo específico de propor, resolver e negociar este tipo de problema. , nem de tipo jurídico, de localização, ou de tamanho presidiu à escolha das empresas finalmente amostradas. As características essenciais dessas empresas estão sintetizadas no quadro 1.


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Além da diversidade setorial, nota-se que seis delas pertencem a um grupo, das quais três a um grupo estrangeiro. Todavia, se excetuarmos o caso da empresa de pneumáticos, cuja atividade é quase inteiramente determinada pela estratégia de grupo da direção americana, essas empresas gozam de uma ampla autonomia de gestão.

I.1 - Situação Econômica e Social das Empresas

Não há uma origem única na elaboração dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho: em alguns casos, eles se inscrevem num processo mais amplo de reestruturação; em outros, trata-se, antes, de responder a uma insuficiência de capacidade ou de se adaptar a uma contenção de atividade. Entretanto, no nível de um equipamento dado, a extensão da capacidade de produção - obtida aqui pela redução-reorganização do tempo de trabalho - necessita "em todos os casos de uma demanda suplementar constatada ou prevista"4 4 . TADDEI, D. Le temps de l' emploi. Paris, Hachette, 1988. .

I.1.a - As perspectivas de novos mercados

Sob este ponto de vista, a análise da situação econômica das empresas anterior à assinatura dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho leva a operar uma distinção entre as que, de fato, sofriam de uma falha de capacidade e as que temiam encontrar-se nesta configuração após a reestruturação.

• Sete empresas, no momento em que iniciaram uma reflexão sobre o tempo de trabalho, estavam em uma situação econômica satisfatória. As perspectivas de desenvolvimento, tais como apareciam nas tendências de evolução de seu mercado, eram todas positivas e o investimento, de modo geral, estava em crescimento, a exemplo da empresa de fabricação de material elétrico, que acabava de realizar importante esforço de automação. Um dos objetivos centrais dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho está, por outro lado, ligado à necessidade de tornar rentáveis cada vez mais depressa os pesados investimentos que, muito rapidamente, se tornam obsoletos pela inovação tecnológica; a redução-reorganização do tempo de trabalho, produto da política de investimentos, freqüentemente a condiciona.

Com exceção da empresa de pneumáticos, que se defrontava com uma diminuição lenta de seus efetivos (sem dispensas), a situação de emprego nas outras seis empresas deste grupo caracterizava-se ou por forte crescimento ou por uma estabilidade no alto. Estas empresas sofriam restrições mais de suas capacidades que de seus mercados. Os casos típicos, deste ponto de vista, são constituídos pela empresa de salsicharia industrial, que não podia - fisicamente - fazer face a um crescimento de seu volume de vendas da ordem de 8 a 12% por ano, ou ainda pela empresa de material elétrico, cuja produção crescia entre 30 e 40% ao ano.

• As três outras empresas estudadas tinham passado ou ainda passavam, no momento da assinatura dos acordos, por dificuldades importantes, que se traduziram por dispensas e pela implantação de políticas de reestruturação. Fechamento de estabelecimentos (eletrodomésticos e construção) e/ou concentração nas atividades mais rentáveis (eletrodomésticos e bombas) constituem, neste caso, o campo de aplicação da redução-reorganização do tempo de trabalho. Na verdade, após a reestruturação, essas empresas se encontravam em uma configuração semelhante à das sete primeiras: tratando-se das atividades mantidas, elas pareciam submetidas a tensões sobre sua capacidade produtiva e questionadas quanto à sua capacidade de obter ganhos de produtividade.

A redução-reorganização do tempo de trabalho aparece aqui como um processo de dinamização da reestruturação que, desde então, não se limita a uma simples amputação, mas é igualmente movida por uma estratégia ofensiva de conquista de segmentos de mercado e de restauração da competitividade e/ou da rentabilidade.

No total, a redução-reorganização do tempo de trabalho deve ser menos vinculada à situação econômica das empresas (prósperas ou em dificuldade) do que a uma perspectiva de aumento dos mercados, quer este resulte do crescimento constatado da demanda global ou de um movimento de concentração sobre as atividades mantidas.

I.1.b - Uma experiência de negociação e a formalização dos acordos

O quadro 1 resume as principais características da representação sindical nas empresas estudadas.

Uma análise retrospectiva do clima social em vigor nessas empresas revela que os conflitos lá eram raros. A empresa de eletrodomésticos, que fora marcada por greves difíceis por ocasião das primeiras ondas de demissões (ela perdeu quase a metade de seu efetivo entre 1976 e 1984) e a empresa de eletrônica, que conheceu conflitos salariais, sobre condições de trabalho e sobre o modo de gestão da mão-de-obra temporária, são as únicas exceções. No conjunto, a prática anterior era mais de natureza contratual: na metade dos casos, haviam sido assinados acordos - basicamente no campo salarial - no período precedente às negociações sobre a redução-reorganização do tempo de trabalho.

Assinalamos, todavia, uns poucos acordos relativos ao tempo de trabalho, cerca de duas exceções: a empresa de champagne, onde - imediatamente antes da publicação do decreto de 16/1/1982** ** N. Ed. Através desse decreto, o governo francês reduziu a duração legal do trabalho para 39 horas semanais e alongou as férias remuneradas para 5 semanas. O decreto previa também a possibilidade de flexibilizar-se o tempo de trabalho. - um protocolo havia sido elaborado, considerando a possibilidade de reduzir a duração do trabalho semanal para 38h e introduzir a modulação anual; e a empresa de transformação de papel, onde um contrato de solidariedade-redução da duração do trabalho havia sido assinado em 1982. Inversamente, a organização sindical representada nesta última, assim como aquelas presentes na empresa de eletrodomésticos, haviam, várias vezes seguidas, rejeitado os projetos de reorganização do tempo de trabalho apresentados pelas direções.

Esta experiência de negociação e de formalização de acordos das organizações sindicais respectivas provavelmente explica, em parte, a assinatura dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho. Entretanto, o engajamento neste tipo de negociação reflete igualmente, parece-nos, as inquietações dos assalariados relativas ao emprego, verificadas ou virtuais.

I.2 - Restrições e objetivos dos acordos

Nas dez empresas analisadas, inclusive aquelas que enfrentaram dificuldades, as iniciativas das direções articulam-se a uma demanda em expansão, constatada ou prevista. E por este motivo que o objetivo principal dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho é atingir um prolongamento da duração de utilização dos equipamentos (DUE). O segundo objetivo visado é permitir uma modulação da produção, de modo a responder às flutuações dos mercados, apresentadas como sendo cada vez mais importantes e aleatórias.

Em diversos casos, esses dois objetivos estão ligados, de forma explícita ou implícita. Embora apareçam como prioritários, não excluem outras finalidades: emprego, redução dos custos de produção, melhora do clima social e busca de maior envolvimento do pessoal.

I.3 - O prolongamento da duração de utilização dos equipamentos (DUE)

As nove empresas industriais situam-se neste caso. Em função da situação na data de início, o prolongamento da DUE é obtido ou através da introdução do trabalho em equipe, ou da sua extensão onde ele já existia. Na empresa de champagne, o objetivo é atingido, essencialmente, através da modificação do regime de pausas (passagem de pausas coletivas fixas a um sistema de pausas individuais rotativas). Em todos os casos, o prolongamento da DUE é apreendido pelas diretorias como um meio de tornar rentáveis os investimentos. Mais que isso, ele condiciona freqüentemente a busca ou a intensificação de uma política de investimentos.

A análise monográfica permitiu evidenciar um ponto fundamental: as restrições técnicas que pesam sobre as reorganizações variam muito. Com efeito, encontramos casos bem diversos quanto aos graus de liberdade que tais restrições permitiam, por ocasião das reorganizações. Podemos classificá-las, partindo das situações mais restritivas.

• Um grupo de assalariados de número fixo (que pode ser reduzido a um) trabalha a totalidade de seu tempo em um equipamento, com exclusão de outros trabalhadores. Neste sistema, manifestamente o mais rígido, a variação do número de operários que trabalha em cada máquina é a única flexibilidade permitida. Entretanto, a impossibilidade de superposição conduz ao risco de criar importantes descontinuidades: no caso-limite da passagem de uma para duas equipes sucessivas, a manutenção da duração do trabalho e da produtividade horária conduziria ao dobro da produção! Deste ponto de vista, a redução do tempo de trabalho não é somente uma contrapartida para os assalariados, ela é, também para os gerentes, uma forma de reduzir esta descontinuidade e tornar plausível a reorganização, face à demanda prevista.

O contrato de uma equipe suplementar em tempo parcial, permanente ou sazonal, oferece nestas situações o principal fator de adaptação, especialmente porque ele evita, de modo geral, modificar a organização do trabalho das equipes já instaladas... e facilita eventuais retornos à situação anterior: o estabelecimento de equipes de substituição em fins de semana (eletrônica) ou à noite (champagne) obedece, no mais das vezes, a esta lógica. Um inconveniente evidente parece resultar disso: o do corte entre tais equipes e outros assalariados da empresa, mas é necessário ver que se trata da contrapartida essencial ao caráter de "simples complemento" da nova equipe.

• A possibilidade de fazer variar o número de assalariados trabalhando ao mesmo tempo em um equipamento ou um conjunto de equipamentos existe: assim é na empresa de salsicharia industrial, onde o número de assalariados afetos a uma linha pode variar do simples ao duplo.

Encontra-se aqui uma inegável flexibilidade: se se passa de uma equipe de cinco assalariados para duas equipes de três assalariados, só se aumenta a produção, ceteris paribus, em 20% (em vez de 100%, se esta flexibilidade não existisse). Como a redução do tempo de trabalho pode - à imagem do caso precedente - atenuar ainda a descontinuidade, esta pode ser anulada sem se recorrer a equipes de tempo parcial. Assim, onde uma equipe de cinco assalariados trabalhava 40 horas, num total de 200 horas, duas equipes de três assalariados, trabalhando 35 horas, fornecem uma produção de 210 horas! Além disso, a modulação da produção em horários fixos é possível aqui, variando-se o número de operários por equipe. Este caso pode levar ao ceticismo sobre as avaliações microeconômicas das taxas de utilização dos equipamentos. Nos exemplos precedentes, elas puderam baixar substancialmente, enquanto a produção aumentava com equipamento inalterado! O estabelecimento de equipes suplementares volta, com efeito, a multiplicar a capacidade de produção, mesmo se a produção puder evoluir de maneira muito mais flexível.

• O terceiro caso representado é aquele em que uma equipe não necessita todo o tempo de um equipamento, mas onde, em compensação, outras equipes também o necessitam. Aqui surgem diversas possibilidades e convém distinguir as situações em que a ordem das tarefas é imposta, daquelas em que isto ocorre de maneira menos rígida.

Nas primeiras, ilustradas pelas tarefas de conserto, de manutenção etc, uma simples defasagem de horários pode ser eficaz, mas quanto ao resto, recai-se em situações conhecidas. Nas segundas, o campo da reorganização parece mais vasto, como o testemunha a empresa de construções. Nascido de uma reflexão sobre a organização do trabalho no setor de construções, o acordo de redução-reorganização do tempo de trabalho assinado nessa empresa visa, acima de tudo - em um contexto de diminuição tendencial do tempo de trabalho - a resolver os problemas de saturação de um equipamento oneroso (o guindaste) e os de inadequação do ciclo de rotação das tarefas aos novos métodos de trabalho (corte do canteiro de obras em macrossequências). O acordo, que prevê um funcionamento de cinco dias, com duas equipes superpostas trabalhando quatro dias cada uma permite uma extensão da amplitude de abertura do canteiro a 43h 75 por semana (podendo chegar a 72 h, funcionando durante seis dias com defasagens durante o dia) em vez de 39 h.

Esta diversidade de situações iniciais nos incita a recomendar que os estudos monográficos e estatísticos ulteriores (assim como os próprios projetos de investimentos) suscitem, a cada vez, primeiramente, a questão das constrições técnicas que ligam o tempo de funcionamento das máquinas ao tempo de trabalho dos operários. Da mesma forma, a questão de saber se, suprimindo um estrangulamento ligado a um tipo de equipamento, não nos arriscaríamos a tropeçar; em outros, ligados a outros equipamentos, não deve jamais ser esquecida. A reorganização mais bem-sucedida apenas mudará a natureza do fator limitante, que, em numerosos casos, poderia passar da oferta à demanda...

1.4 - A modulação da produção face às flutuações da demanda

Para as empresas, trata-se de encontrar os meios que permitam adaptar rapidamente e ao menor custo sua capacidade de produção às variações da demanda. Além da armazenagem, os instrumentos tradicionalmente utilizados com este objetivo consistem no recurso às horas extras e/ou ao trabalho temporário em tempo integral ou parcial.

I.4.a - Adaptação às flutuações previsíveis

Os exemplos manifestos deste caso são constituídos pelas empresas do setor agro-alimentício, e também pela empresa de distribuição e a de construções. Nestas duas últimas, todavia, as flutuações da atividade são apenas parcialmente previsíveis: o comércio varejista defronta-se, na verdade, "com uma demanda direta aleatória(...) que não é abrandada por uma série de intermediários"5 5 . NOZIERE, G. & TONNEAU, D. La gestion du temps de travail dans le secteur terciaire marchand. Ecole Nationale Supérieure des Mines de Paris, dezembro 1986. , enquanto que a construção é submetida a restrições de demoras freqüentemente imprevisíveis e, em todos os casos, incontornáveis.

Três instrumentos de adaptação a essa situação foram utilizados pelas empresas estudadas:

• fazer variar o número de assalariados afetos a um determinado equipamento ou a uma unidade (salsicharia industrial e empresa de material elétrico).

• estabelecer equipes sazonais específicas, como na empresa de champagne, que criou uma equipe vespertina (16h30/20h) constituída de assalariados contratados em tempo parcial (21 h semanais, em contratos por tempo determinado de 6 meses).

• modular a duração semanal do trabalho (empresas de distribuição, de champagne e de material eletrônico). Esse dispositivo permite fazer variar, durante um período determinado, a duração semanal de um número de horas igualmente fixado, sob a condição de manter durante o ano a média semanal estabelecida pelo acordo.

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I.4.b - Adaptação às flutuações imprevistas

O objetivo pesquisado pelas empresas - na realidade todas tendem, em diversos graus, para esta finalidade - é, segundo um diretor de empresa: "atingir uma organização suficientemente flexível para permitir aos equipamentos funcionar no máximo de sua capacidade se houver necessidade", ou segundo uma terminologia mais abrupta de outro: "calcar a gestão humana no ritmo da produção".

Libertar-se das constrições inerentes a uma organização unívoca e fixa leva os empregadores a constituirem uma panóplia de esquemas organizacionais que permitam modular a capacidade de produção em função da demanda. Assim, o acordo assinado na empresa de transformação de papel acrescenta aos sistemas de equipes já em funcionamento (2x8; 3x8; trabalho contínuo limitado a alguns assalariados) a possibilidade de passar a quatro equipes durante seis dias e estender progressivamente o trabalho contínuo, prevendo uma grande flexibilidade de utilização, na medida em que não especifica as máquinas correspondentes, nem quando se devem fazer as alterações, nem em que condições.

Um tal passo, se parece eficaz quando é negociado como neste caso, pode revelar-se socialmente prejudicial quando é decretado de forma unilateral, sem garantia de reversibilidade nem contrapartidas. Pensa-se aqui na empresa de eletrônica onde - no rastro do acordo sobre as equipes de fim de semana - a direção multiplicou - fora do acordo - os esquemas de organização (sistema em quatro equipes durante seis dias com uma duração semanal de 36 h; equipes sucessivas em tempo parcial, i.e., 30 h durante cinco dias ou 32 h durante quatro dias) que ela suprimiu quando as dificuldades financeiras se fizeram sentir.

Dois outros instrumentos específicos, destinados a fazer face às eventualidades imprevistas, foram igualmente utilizados aqui:

• a individualização dos horários, seja sob sua forma clássica, com um sistema de crédito/débito de horas, seja sob a forma específica da grande distribuição, das ilhas de caixas*** *** N. da Ed. No original, ílots de caísses. O autor refere-se aos caixas de supermercado, que designam um responsável para organizar a sua rotação, tentando levar em conta as restrições de horário de cada um. Por extensão, a expressão remete a formas autônomas de gestão. ;

• o tempo parcial anual (1137 h por ano) modulável em função da atividade do estabelecimento, ao redor de uma média semanal fixada em 25 h, que permite aos assalariados se beneficiarem de uma remuneração mensal constante. Este acordo, concluído na empresa de bombas industriais, refere-se a uma população específica contratada por tempo indeterminado e permite à empresa reduzir os custos ligados ao financiamento dos estoques, bem como à utilização de uma reserva importante de trabalhadores temporários (150 em média anual).

II - A NEGOCIAÇÃO DOS ACORDOS DE REDUÇÃO-REORGANIZAÇAO DO TEMPO DE TRABALHO

Em todos os casos analisados, a iniciativa dos projetos de redução-reorganização do tempo de trabalho e da abertura de negociações pertence à direção. Apenas a empresa de champagne apresenta, de modo explícito, um exemplo de articulação entre o projeto patronal de reorganização e reivindicações sindicais em favor da redução do tempo de trabalho.

Uma segunda característica dessas negociações provém de que seu ponto de partida não é mais a modificação da norma coletiva de trabalho, mas o tempo de funcionamento dos equipamentos e/ou a adaptação do volume da mão-de-obra às flutuações da demanda. Sendo esses determinantes variáveis de um estabelecimento para outro, a conseqüência principal desta forma nova de apreensão da gestão do tempo consiste na diferenciação dos ritmos e/ou das durações de trabalho, bem como em uma extensão dos períodos de tempo reservados ao trabalho.

Em decorrência, as transformações da organização do tempo de trabalho iniciadas pelos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho colocam em xeque não somente os ritmos de trabalho, mas, também, os da vida fora do trabalho, com toda a diversidade que isto possa engendrar nas tentativas e reações dos assalariados. A instauração de uma dessincronização em relação aos ritmos temporais dominantes - pelo questionamento dos modos de vida, dos hábitos e dos comportamentos sócio-culturais que ela engendra - desempenha, nas reações dos assalariados às organizações propostas, um papel tão ou mais importante que a transformação das condições de trabalho. Do ponto de vista dos assalariados, organizar o tempo de trabalho é, freqüentemente, antes de tudo, organizar o tempo fora do trabalho6 6 . BOULIN, J.Y. "Aménagement du temps de travail et amélioration des conditions de vie et de travail des consommateurs et des prestateurs de services". Iris Travail et Société. Fondation de Dublin, dezembro 1987. . Esta passagem de um enfoque puramente quantitativo do tempo de trabalho para uma concepção mais qualitativa, que articula o trabalho e o não-trabalho, constitui, por outro lado, uma das características essenciais dos projetos patronais que, de modo geral, associam estreitamente e propõem à negociação objetivos econômicos (cuja tradução é uma modificação da organização do trabalho) e as condições sociais de sua realização (diminuição da duração do trabalho; compensação salarial etc).

Estes diferentes elementos, parece-nos, conferem à negociação dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho uma configuração específica, no que se refere tanto aos atores implicados quanto a suas formas (níveis; procedimentos), seus ritmos e seu conteúdo.

II.1 - Níveis múltiplos de negociação e uma aplicação descentralizada

A questão dos níveis de negociação não se coloca evidentemente para as três empresas que têm um único estabelecimento. Entre as sete outras empresas distinguiremos - apoiando-nos na tipologia estabelecida por Chouraki/Gautier7 7 . Essa tipologia (acordos centrais; diretos; vinculados) foi tirada de CHOURAKl, A. & GAUTIER, A.M. L'entreprise: de quel niveau parle-t-on?. Comunicação apresentada à II Journées de Sociologie du Travail, CNRS, Lille, 12 e 13 de março, 1987. - três tipos de acordos:

• três acordos diretos, isto é, concluídos diretamente no nível do estabelecimento (pneumáticos, material elétrico, eletrônica);

• um acordo vinculado, no caso da empresa de distribuição, onde uma convenção básica definindo, ao mesmo tempo, um conteúdo (redução da duração do trabalho a 35 h 75 efetivos) e um princípio (introdução da modulação) foi concluída no nível do grupo, deixando à negociação do estabelecimento o cuidado de definir suas modalidades;

• três acordos centrais, assinados no nível da empresa. Todavia, o acordo concluído na empresa de eletrodomésticos refere-se apenas a uma unidade: o caráter centralizado da negociação provém, de um lado, de que a redução-reorganização do tempo de trabalho instituída nesse estabelecimento constitui um elemento do plano social implantado no quadro da reestruturação da empresa; de outro lado e correlativamente, provém de que ela afeta igualmente uma parte dos assalariados dos outros estabelecimentos chamados a trabalhar na unidade reorganizada. Além disso, o acordo concluído na empresa de construção foi objeto, fora da negociação, de uma aplicação diferenciada, tanto sobre os três canteiros de obras experimentais previstos pelo texto, como por ocasião de sua extensão ao conjunto dos operários da principal agência dessa empresa. Neste sentido, ele se configura como um acordo básico, pois define princípios condutores, cujas modalidades de aplicação são moduláveis segundo as características próprias a cada um dos canteiros.

No total, considerando-se as sete empresas afetadas pela problemática dos níveis de negociação, apenas a produtora de champagne inscreveu realmente as discussões sobre o tempo de trabalho em uma lógica de centralização; as outras preferiram, seja discutir mais de perto os locais de aplicação do acordo, seja tratar especificamente de um estabelecimento em particular, seja, enfim, proceder a uma aplicação diferenciada do acordo.

II.2 - Comunicação direta com os assalariados e multiplicação dos atores

De saída, as direções das empresas sabem que as organizações propostas (extensão dos períodos de tempo reservados ao trabalho; diferenciação dos horários e da duração do trabalho entre os diversos grupos de assalariados etc.) vão geralmente de encontro aos princípios sindicais. Apresentando diretamente ao pessoal e/ou a seus eleitos as condições sociais e as modalidades dessas organizações, fundamentadas tanto sobre uma análise econômica dos termos necessários do intercâmbio, como sobre uma avaliação das aspirações latentes dos assalariados, pode-se construir a hipótese de que as administrações das empresas buscam apoio e legitimidade junto aos assalariados, precavendo-se das reticências sindicais.

Essa estratégia de mobilização e de envolvimento dos assalariados iniciada pelas direções das empresas pode tomar formas diversas, indo da informação do pessoal por meio de cartas circulares ou pela organização de reuniões com o pessoal e a direção (três casos) até a organização de consultas diretas (igualmente três casos). Estas últimas podem referir-se ao conjunto do projeto ou às modalidades de organização do trabalho cujas opções foram definidas unilateralmente pelas administrações. Na empresa de fabricação de bombas industriais, a consulta tomou a forma de um voto do conjunto do pessoal que devia escolher entre dois esquemas de organização. Entretanto, a consulta parece ter sido o resultado da negociação com a comissão de empresa**** **** N. da Ed. No original, comité d'entreprise. E um órgão consultivo, de representação dos assalariados, que elegem seus delegados a cada dois anos. Só são elegíveis no 1ª turno os candidatos do sindicato. Se ao final do 1º turno houver vagas de representação remanescentes, convoca-se um 2º turno, aberto a candidatos extra-sindícais. Compõese de um colégio de operários, um de colarinhos brancos e um de administradores. Não pode assinar acordos, pois isso é prerrogativa dos sindicatos. Os acordos que chegam a ser assinados por essa comissão são qualificados de atípicos, pois não têm valor legal. e as organizações sindicais, o que tende a mostrar que essas instâncias também buscam uma legitimidade para sua assinatura através da adesão do pessoal, e se recusam, às vezes, a arbitrar e a gerir, sozinhas, escolhas em um campo que modifica profundamente a organização temporal e a vida social dos assalariados.

O Estado pode, igualmente, interferir nessas negociações. Ele é, com efeito, solicitado em dois casos: de um lado, quando se trata de conceder assistência financeira (contratos de solidariedade-redução do tempo de trabalho; auxílios ao investimento vinculados à conclusão de um acordo de redução-reorganização do tempo de trabalho)8 8 . Trata-se de convenções de auxílio à modernização, vinculado ao estabelecimento de negociações sobre a organização do tempo de trabalho. Esta medida foi instituída pela Circular Interministerial de 25 de setembro de 1985. ; de outro lado, quando certas disposições dos acordos infringem o direito comum: tempo parcial anual modulável; extensão do trabalho contínuo por razões econômicas e trabalho noturno de mulheres na empresa de transformação de papel.

II.3 - A assinatura de acordos atípicos 9 9 . FREYRIA, C. "Les accords d'entreprises atypiques". Droit Social, (1), janeiro de 1988.

Em quatro unidades analisadas, as negociações foram iniciadas diretamente com a CE. O caminho parecia lógico no caso da empresa de eletrodomésticos, na medida em que a redução-reorganização do tempo de trabalho é um dos elementos do plano social que, segundo as regras aplicáveis às demissões por razões econômicas, deve ser examinado pela CE. Nos três outros casos, trata-se, para as administrações das empresas, de procurar um apoio junto aos representantes eleitos pelo pessoal, que possa conferir maior legitimidade a seus projetos e, ao mesmo tempo, de contornar o monopólio sindical da negociação.

Nas empresas de construção e de fabricação de bombas, este caminho desembocou na assinatura de "quase-acordos" ou de acordos atípicos, i.e., concluídos com a CE. Cabe observar, todavia, que se trata, neste caso, de uma qualificação jurídica - fundada no princípio da transgressão do monopólio sindical da negociação - que não é desprovida de ambigüidade. Com efeito, este fenômeno, parece-nos, remete a uma dinâmica social e de negociação específica das pequenas e médias empresas.

II.4 - Negociações longas

De modo geral, a negociação dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho se estende por vários meses: entre dois e dezoito meses, conforme o caso, e, mais ainda, quando há ajuste de vários acordos, como na empresa de fabricação de material elétrico (conforme quadro 1). Além da própria negociação, é o conjunto do processo que deve ser considerado: informação, harmonização e negociações formais ou informais, consulta aos assalariados. Além do mais, como indica o quadro 1, a maioria dos acordos prevê uma implementação progressiva, por meio de etapas provisórias ou uma fase experimental.

Se a experimentação tem por fim escolher entre vários esquemas de organização, dois casos somente se aproximam de tal caminho: a empresa de construção, onde a aplicação diferenciada do acordo em três canteiros experimentais permitiu obter a fórmula que parecia ótima, tanto do ponto de vista dos assalariados quanto do da empresa; e o hipermercado, onde uma experimentação "selvagem" da organização imaginada para os caixas precedeu a assinatura do acordo.

Parece que a ausência de um tal processo, ou ao menos de um exame prévio, pode conduzir a escolhas errôneas. Assim, a direção da empresa de pneumáticos (que preconizava um outro esquema), mas também os sindicatos e os assalariados estão de acordo em estimar que o sistema de rotação escolhido (três semanas de 48 h seguidas de uma semana de repouso) é o mais penoso. Mas, após vários anos de prática, uma nova mudança parece difícil de ser implantada. Com efeito, além de tal ou qual horário ser mais ou menos penoso, há sempre, do ponto de vista dos assalariados, um custo de ajuste de todo novo horário, mesmo de um aparentemente mais favorável. Isso explica, talvez, por que os períodos de experiência ou de implementação progressiva de um novo horário, cujo princípio não parece merecer ser questionado, se transformam freqüentemente em horários definitivos: não se voltando à situação anterior com a qual não se está mais habituado, não se tem tampouco vontade de praticar um terceiro sistema.

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II.5 - Margens reduzidas de negociação

Detentor da iniciativa, o empregador geralmente impõe seu ponto de vista no curso das negociações, durante as quais as organizações sindicais têm fraca capacidade de fazer propostas e uma margem de manobra reduzida. Assim, de modo geral e salvo se se retirarem do processo, as organizações sindicais são sugadas para o terreno dos dirigentes das empresas. Com exceção da empresa de transformação de papel, o acordo não traz modificações nem à duração do trabalho nem às condições de compensação salarial elaboradas inicialmente pela direção.

A análise do processo que conduz à assinatura dos acordos leva-nos a distinguir entre dois casos.

II.5.a - Procedimentos de informação e consulta

Nesta categoria estão reagrupadas cinco empresas, cujos dirigentes apresentaram aos representantes dos assalariados os princípios condutores, as condições e as modalidades da redução-reorganização do tempo de trabalho, tais quais foram homologadas. Certamente, em alguns casos, comissões de estudo incluindo membros da CE puderam ser acionadas (construção) ou consultas diretas junto aos assalariados puderam ser feitas, mas no fundo, os projetos patronais sofreram apenas modificações menores.

Nessas empresas, nem a direção nem as organizações sindicais propuseram fórmulas suscetíveis de convir às fortes minorias (cerca de um terço) que se pronunciaram a favor de uma outra organização do tempo de trabalho ou contra qualquer mudança.

II.5.b - Verdadeiras negociações

Elas ocorreram nas cinco outras empresas e trataram essencialmente da definição ou das modalidades de aplicação dos novos esquemas de organização, mas também do emprego (em dois casos), e da política de investimentos (em um outro).

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A entrada nesse processo de negociação não foi uma só. No hipermercado, a negociação, seu campo e seu objeto foram delimitados pelo acordo básico que reduzia, assim, suas dimensões.

Nas empresas de eletrodomésticos e de fabricação de material elétrico, foi a direção que deixou aberto o campo da negociação. Na primeira, por exemplo, as discussões permitiram, de um lado, limitar o número de demissões previstas, e de outro lado, fazer intervir as organizações sindicais na definição das modalidades da organização do trabalho. Os sindicatos não puderam, entretanto, exercer influência sobre as condições da compensação salarial.

Nos outros dois casos, a pressão dos assalariados e de suas organizações imprimiu sua marca sobre o desenrolar das negociações.

III - MUDANÇAS NA DURAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DOS FATORES

Com a ajuda do quadro 2 consideraremos primeiramente a evolução da duração de utilização do capital, antes de observar qual contrapartida horária os assalariados puderam obter nessa ocasião10 10 . O quadro 2 detalha para cada uma das empresas estudadas as modalidades de prolongamento e/ou de modulação da DUE, que, como vimos, constituíam o objetivo central das nove empresas industriais. Contentar-nos-emos, aqui, em insistir sobre duas modalidades particulares de reorganização do tempo de trabalho que são características dos anos oitenta. .


III.1 - Uma melhor utilização dos equipamentos produtivos

Enquanto que nas nove empresas industriais houve prolongamento efetivo da duração de utilização, além da empresa de distribuição, só se encontra modulação desta duração em duas delas11 11 . Isto resulta, bem entendido, de uma escolha a priori, por ocasião da seleção das empresas: estatisticamente, os acordos de modulação são os mais freqüentes, mas seus efeitos econômicos são, muitas vezes, fracos. .

Cinco empresas estudadas estabeleceram, seguindo modalidades bem diferentes, uma organização em quatro equipes estendendo a seis dias a utilização das máquinas:

• nas empresas de eletrodomésticos e de fabricação de bombas industriais, os assalariados trabalham seis horas por dia durante seis dias. Na primeira, a duração semanal média, entretanto, é de apenas 33 horas, pois as funções do sábado de manhã (6-12 h) e da segunda-feira (06h) só são realizadas a cada duas semanas. Na segunda, a equipe fixa noturna trabalha apenas cinco noites (isto é 30 horas semanais).

• nas empresas de pneumáticos e de transformação de papel, conservou-se a antiga organização em 3x8, mas durante seis dias, alternando assim três semanas de 48 horas com uma semana de repouso;

• enfim, entre estas duas soluções extremas, a empresa de material elétrico inscreveu suas quatro equipes em um sistema de rotação rápida - não mais que duas noites de trabalho sucessivas enquadradas por um dia de repouso - durante um ciclo de quatro semanas.

Observaremos, em compensação, o recurso limitado às equipes de substituição de fim de semana, o que está de acordo com as estatísticas publicadas. Este dispositivo tem presença significativa apenas na empresa de eletrônica, onde as equipes de fim de semana correspondem a contratos específicos, sem que isto desencadeie uma modificação da organização inicial do trabalho, se bem que, em 1986, quando surgiram dificuldades, elas tenham sido suprimidas. Assim, essa forma reversível de aumento da capacidade produtiva corresponde a um outro modo de melhor utilizar os equipamentos produtivos.

III.2 - A redução da duração do trabalho

Atendo-se aos assalariados trabalhando em tempo integral, a variação das durações praticadas antes do acordo ia de 40 a 37 horas para o pessoal administrativo, de 40 a 38 horas para o pessoal de produção em uma só equipe e de 40 a 35 horas quando eles trabalhavam em várias equipes. Entretanto, globalmente, os horários inferiores a 39 horas diziam respeito (salvo em um caso) apenas a frações limitadas do pessoal. A partir daí, os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho conduziram a três tipos de mudança, no que concerne à duração do trabalho:

III.2.a - A redução da duração semanal

Diz respeito principalmente ao pessoal de produção, diretamente atingido pela reorganização. Ela surge, assim, como a contrapartida do desenvolvimento do trabalho em equipes.

Entretanto, em vários casos, o pessoal administrativo beneficiou-se, por ocasião do acordo, de uma redução do tempo de trabalho: uma redução idêntica nas empresas de distribuição (35,75h) e de pneumáticos (36 h); mais fraca na salsicharia industrial (37 h contra 35 h para o pessoal de produção, que, acrescentando as pausas, manteve uma presença semanal de 37,5h).

Assim, após os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho, a variação das durações praticadas é de 39h a 35,75h para o pessoal (administrativo e produtivo) em uma só equipe e de 38,5 a 33 horas para o pessoal trabalhando em várias equipes.

A essas categorias deve ser acrescentada a dos assalariados em equipe de fim de semana, cujo trabalho é de 24 horas em um caso e de 26 horas, depois 24 horas, em outro.

No total, com exceção de certas frações do pessoal da empresa de construção que permanecem em 39 h, a duração do trabalho do conjunto do pessoal produtivo é inferior à duração legal, com uma forte polaridade em torno de 36 h: somente cinco empresas praticam durações superiores a 36 h. Segue-se daí uma acentuação das diferenças das durações semanais. Tal variabilidade é observável não somente comparando-se uma empresa a outra (de 33 h na empresa de eletrodomésticos a 39 h na empresa de construção), mas também no interior de uma mesma empresa. Com efeito, a multiplicação dos esquemas de organização estabelecidos por uma mesma empresa e as constrições muito diversas que elas representam para o pessoal envolvido12 12 . As constrições podem ser inerentes a certos horários (principalmente a noite e os fins de semana), e, desse ponto de vista, podem ser duráveis. Outras estão vinculadas às alterações de hábito reivindicadas e podem ser consideradas transitórias. Nas discussões que precedem uma 2 RT, os dois aspectos são confundidos com excessiva freqüência. conduzem a regimes horários distintos para cada grupo.

Enquanto que antes da reorganização, três empresas praticavam, de modo aliás limitado, durações diferentes, agora elas já são oito e fazem isso de maneira geralmente mais acentuada. Só duas empresas mantêm uma duração homogênea para o conjunto dos assalariados de tempo integral.

III.2.b - As modalidades de redução diferem totalmente de uma empresa para outra:

• redução diária com um aumento do número de dias trabalhados (6 h por dia durante seis dias nas empresas de eletrodomésticos e de bombas) ou mantendo-se o mesmo número (7 h durante cinco dias na salsicharia industrial);

• acúmulo durante meio dia com manutenção da jornada de 8 h na empresa de champagne, onde o trabalho cessa na sexta-feira às 12h30;

• acúmulo durante a jornada, permitindo a semana de 4 dias com um prolongamento diário (8,75h, ou seja, 35 horas semanais na empresa de construção);

• acúmulo durante a semana nas empresas de pneumáticos e de transformação de papel: a duração diária é, então, mantida, mas o trabalho durante seis dias conduz, no resto do tempo, à semana de 48 horas!

• Enfim, na empresa de material elétrico, a duração semanal média é de 36 horas com postos de 8 horas: graças a um sistema de ciclos curtos, os assalariados não têm jamais o mesmo horário mais de dois dias consecutivos e, em particular, só um à noite. Na mesma lógica, no caso do trabalho contínuo, os ciclos curtos foram organizados para oito semanas.

III.2.C - A substituição explícita ou implícita da noção de duração afixada (formal) do trabalho pela de duração efetiva foi observada em sete empresas.

Esta substituição prende-se menos à natureza das organizações que às novas possibilidades oferecidas pelos decretos de janeiro de 1982. A verdade é que ela reduz a importância prática das reduções anunciadas do tempo de trabalho.

Opera-se a substituição seguindo-se diversas modalidades: pela supressão das pausas (aparelhos elétricos e bombas), por sua extração do tempo de trabalho (elas são então remuneradas de modo separado, como nas empresas de distribuição e de construção), ou ainda por sua manutenção não remunerada (salsicharia industrial).

Além disso, o empregador introduz uma distinção entre duração efetiva e tempo de presença (empresa de pneumáticos, por exemplo). É nesta mesma lógica que se inscreve a empresa de champagne, onde a transformação das pausas coletivas em pausas rotativas e sua diminuição constituem o núcleo da negociação: segundo os termos do acordo, o tempo de pausa passa de 4h45 a 3h10 por semana.

Por outro lado, este mesmo acordo introduz a noção de horário efetivo (i.e., deduzidas as pausas), correspondente a uma duração mínima de utilização das máquinas de 35 h por semana.

A redução do tempo de trabalho aparece, no conjunto, como uma contrapartida dos horários considerados mais desagradáveis, que pode ser proporcionada por uma melhor utilização dos equipamentos. Deste duplo movimento, constitutivo da redução-reorganização do tempo de trabalho, as empresas iniciadoras obtiveram o ganho líquido buscado?

IV - OS EFEITOS SOBRE A COMPETITIVIDADE E A RENTABILIDADE DAS EMPRESAS

Pesquisando tais acordos, as firmas estudadas esperavam obter melhorias de seu desempenho. Na medida em que as negociações chegaram, de maneira geral, a conclusões próximas de suas propostas iniciais, convém verificar pincipalmente se os resultados obtidos nos anos que se seguiram à implantação da redução-reorganização do tempo de trabalho corresponderam às expectativas.

Todavia, uma certa prudência se impõe: não somente as empresas não dispõem sempre de uma análise contábil rigorosa de certos parâmetros (particularmente para os ganhos de produtividade induzidos)13 13 . Isto se prende especialmente às dificuldades de se utilizarem as categorias habituais para um processo relativamente novo e/ou de se isolar a única parte efetivamente reorganizada da empresa. , mas os resultados constatados devem-se, em parte, à evolução espontânea das empresas e não apenas à redução-reorganização do tempo de trabalho. A dificuldade de apreciação é ainda maior quando a redução-reorganização do tempo de trabalho integra um plano geral de reestruturação e é acompanhada de uma política de investimentos particularmente dinâmica.

Isto posto, os resultados observados devem ser julgados sob o duplo ponto de vista da competitividade e da rentabilidade.

IV.1 - Os efeitos sobre a competitividade

Em vez de escolher uma definição ampla e, portanto vaga, reteremos três critérios precisos: os salários, os custos unitários globais e os preços.

IV.1.a - Os salários

Assim como em qualquer outra forma de redução de horários, a negociação tratou da compensação salarial e chegou a soluções variadas:

• em seis empresas, o princípio da compensação integral foi afirmado, no sentido de que os assalariados recebem, por uma duração reduzida, uma remuneração ao menos equivalente ao salário anterior.

A aplicação deste princípio não suscita nenhuma questão particular de apreciação na maioria dos casos, exceto a de se saber se a evolução salarial ulterior teria sido a mesma na ausência do acordo, mas tal questão, difícil de ser resolvida, está presente em todos os casos...

Em compensação, na empresa de eletrônica, ao lado de novas equipes de fim de semana que, de acordo com o texto do decreto de 1982 são remuneradas sobre 39 h, embora elas trabalhem 26 e, posteriormente, 24h, os assalariados contratados fora do acordo, para trabalhar em quatro equipes durante seis dias, são pagos por tempo real (36 h), da mesma forma que os assalariados contratados em tempo parcial para formar as outras equipes (32h e 30h). A experiência bastante geral mostra que esta discriminação entre antigos e novos não é sustentável por longo tempo.

• em três empresas, a distinção entre compensação integral e parcial se revela mais delicada e depende da definição do salário de referência. Na empresa de produtos salgados, o salário de referência foi mantido, mas o tempo de pausa, até então pago além das 39 h, não foi desde então remunerado, enquanto que o prêmio de fim de ano foi suprimido. Ao contrário, na empresa de material elétrico, o acordo só prevê uma compensação parcial, mas instaura novos prêmios de posto ou de fim de semana. Na empresa de eletrodomésticos, a compensação integral foi assegurada em moeda corrente. Entretanto, foi estabelecido que, por ocasião de futuras altas gerais de salários, haverá uma deficiência a ser melhorada, atingindo-se progressivamente um salário real de 37h por 33h de trabalho (disposição justificada pela diminuição gradativa da assistência do Estado).

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• enfim, um acordo de produtividade foi concluído na empresa de construção, que atrela o nível da compensação salarial aos ganhos de produtividade. A compensação é integral se os assalariados realizam em 35h o trabalho que fariam antes em 39h (ou seja, um ganho de produtividade de mais de 11%) evitando assim qualquer engajamento induzido! Senão, a compensação torna-se apenas parcial. Por outro lado, se um ganho suplementar é detectado ao fim do canteiro, uma participação de 40% deste ganho, elevada posteriormente a 50%, é concedida aos assalariados.

Finalmente, para os assalariados, a redução do tempo de trabalho foi acompanhada, na maioria dos casos, por uma remuneração mantida ou algumas vezes, ligeiramente diminuída14 14 . Mas o tempo recuperado permitiu outras compensações próprias para manter ou elevar o nível de vida: despesas evitadas, trabalhos paralelos... .

IV.1.b - Os custos unitários globais

No que se refere aos custos salariais, seria necessário, a rigor, calcular os ganhos de produtividade do trabalho induzidos pela redução-reorganização do tempo de trabalho. Geralmente é impossível conhecê-los; entretanto, é impressionante constatar que quase todos os nossos interlocutores consideraram que a redução-reorganização do tempo de trabalho tinha aumentado seus ganhos de produtividade (em termos físicos). Além disso, em três casos, a assistência do Estado contribuiu para tornar menos custosa a compensação salarial. Enfim, em várias empresas, o aumento requerido de massa salarial foi refreado porque o pessoal suplementar provém, ao menos em parte, de outros locais ou de outras atividades - evitando ou limitando, assim, os encargos financeiros induzidos pelas demissões - ou ainda substitui o pessoal temporário muito oneroso.

Se o efeito final da redução-reorganização do tempo de trabalho não é sempre claro em matéria de custo salarial unitário, parece estar freqüentemente em ligeira ascensão. Entretanto, não se deve esquecer a evolução muito mais favorável dos outros custos: ao lado de alguns ganhos registrados no consumo intermediário (ligados principalmente à possibilidade de utilizar serviços em horários fora das horas de pico, o que os dirigentes das empresas nem sempre definem) é certo que o custo de utilização do capital se reduziu com o prolongamento da duração de utilização dos equipamentos15 15 . CATINAT.M.; CETTE, C.& TADDEI, D. "Durée d' utilisation des équipements et réduction du temps de travail: approche micro-économique". Revue d'Economie Politique, março, 1986. , na medida em que a maioria destes últimos se depreciam mais por obsolescência do que por desgaste físico. Esta economia de capital é particularmente importante, na medida em que a introdução de novas tecnologias implicou em uma intensificação do capital (conforme a empresa de champagne).

No total, o efeito sobre os custos unitários globais não é evidente, de maneira geral, porque ele depende da parte relativa dos custos salariais, do consumo intermediário e do custo de uso do capital16 16 . Idem, ibidem. . Na ausência de contabilidade analítica específica dos equipamentos envolvidos, um estudo atento das dez monografias consideradas não permite concluir por uma variação muito importante dos custos unitários globais, sendo, sem dúvida, mais freqüente o caso de uma redução limitada.

IV.1.c - Os preços

A conclusão precedente apóia-se, de certa forma, no fato de que a maioria das empresas estudadas não contam com variação dos preços de venda diretamente originada pela redução-reorganização do tempo de trabalho. Ao lado de algumas alusões a melhorias de qualidade, evidentemente não quantificáveis, duas empresas constituem real exceção:

• a empresa de construção indica que a redução-reorganização do tempo de trabalho permitiu-lhe baixar os preços por ocasião das propostas, permitindo-lhe, assim, arrebatar mercados suplementares. Isto, entretanto, deve ser inscrito no contexto muito particular das adjudicações sobre o mercado de construções.

• a empresa de champagne, em uma conjuntura de rápido aumento do preço de champagne pôde, graças à redução-reorganização do tempo de trabalho, limitar seus aumentos e, assim, resistir melhor à concorrência crescente de empresas menores.

No total, o aumento constatado das vendas prende-se menos à melhoria da competitividade (em termos de custo e preço) que a uma excessiva demanda prévia e ao aumento da capacidade física de produção que permitiu finalmente responder a ela.

IV.2 - Os efeitos sobre a rentabilidade

Se os efeitos, em termos de competitividade, devem ser nuançados, em matéria de rentabilidade financeira os resultados obtidos por nossas empresas são francamente positivos. Nove entre dez empresas obtiveram bons resultados financeiros nos anos que se seguiram a esses acordos, incluindo as três que enfrentaram dificuldades anteriormente. Excetua-se apenas a empresa de eletrônica onde, aliás, a redução-reorganização do tempo de trabalho antes atenuou do que agravou as dificuldades, no dizer de seus diretores.

Na medida em que podem ser atribuidos à redução-reorganização do tempo de trabalho, esses bons resultados financeiros não são surpreendentes. Com efeito, as margens unitárias foram ao menos mantidas, na medida em que, a custos unitários globais freqüentemente em descensão, correspondem apenas raras quedas (ou altas mínimas) de preço. Mas, sobretudo o aumento muito significativo das vendas17 17 . Seja no nível do conjunto da empresa, seja no nível de locais e de atividades, após o fechamento de setores não rentáveis. multiplica os resultados obtidos por essas margens unitárias, o que explica a melhoria dos resultados financeiros.

Finalmente, esta melhoria procurada e obtida prendeu-se mais a um efeito de capacidade (através do aumento do volume das vendas) do que a um efeito de competitividade (baixa de custos e aumento das margens).

Esta conclusão, se fosse validada por pesquisas ulteriores, limitaria o campo de aplicação da redução-reorganização do tempo de trabalho principalmente ao caso das empresas que sofrem restrições por sua capacidade física (taxas elevadas de utilização), mas sabe-se que essa situação é cada vez mais freqüente na conjuntura atual.

V - CONSEQÜÊNCIAS SOBRE A PROCURA DE FATORES DE PRODUÇÃO

Analisaremos sucessivamente os efeitos produzidos sobre o investimento e sobre o emprego.

V.1 - Redução-reorganização do tempo de trabalho e investimento produtivo

Deve-se distinguir aqui entre investimentos de capacidade e de racionalização.

V.1.a - Na maior parte dos casos estudados, o prolongamento não atrapalha os investimentos de capacidade.

Com efeito, poder-se-ia temer a existência de um verdadeiro efeito de substituição entre o prolongamento da duração de utilização dos equipamentos e este tipo de investimento: para uma capacidade de produção desejada pelos responsáveis pelas empresas, parece que estão aí os dois termos de uma alternativa.

Notaremos, desde o início, que esta substituição não ocorreu na empresa de eletrodomésticos, que desativou seus equipamentos de um local mais antigo que havia se tornado não rentável. Entre as oito outras empresas industriais, diversos diretores nos afirmaram - sem que dispuséssemos de verdadeiros meios de verificação - que as restrições de financiamento lhes teriam, de qualquer modo, impedido de fazer os investimentos de capacidade alternativos. O argumento parece particularmente pertinente nos períodos - como o analisado - em que as taxas de juros reais a longo prazo estão excepcionalmente elevadas e/ou o endividamento da maioria das empresas é considerado18 18 . Há aqui evidentemente uma dimensão subjetiva quanto à apreciação dos índices de endividamento e dos temores de perder o controle da empresa. importante demais.

Por outro lado, muitos diretores determinam que o investimento de capacidade será necessário "quando terminarmos de reembolsar o precedente"... o que será, com efeito, facilitado pela melhoria de rentabilidade decorrente da redução-reorganização do tempo de trabalho.

Há também a idéia de que o prolongamento da duração de utilização é mais facilmente reversível face a uma demanda flutuante e, ao menos parcialmente, imprevisível. Neste caso, haveria uma superioridade intrínseca da redução-reorganização do tempo de trabalho sobre o investimento de capacidade. O argumento é ainda reforçado nas empresas em que a reorganização conjuga prolongamento e modulação. Enfim, a empresa de pneumáticos ilustra

o caso extremo em que nenhuma outra forma de extensão de capacidade teria sido realizada, ao menos na França, dado que a administração deste grupo multinacional havia feito da redução-reorganização do tempo de trabalho a condição sine qua non para investimentos nessa unidade.

No total, a redução-reorganização do tempo de trabalho parece menos fazer concorrência ao investimento de capacidade do que preparar sua futura implantação. A complementaridade entre estas duas formas de extensão do capital é ainda mais evidente no caso dos investimentos de modernização.

V.1.b - Em bom número de casos, o prolongamento da DUE completa ou favorece os investimentos de modernização.

Observou-se que as empresas da amostra defrontaram-se, essencialmente, com investimentos cada vez mais custosos e que convém tornar mais rentáveis cada vez mais depressa, dada a inovação tecnológica contínua. Com efeito, pode-se apenas ficar impressionado pela forte corrente de investimento produtivo (em um período em que as cifras globais eram particularmente medíocres) que emana do conjunto das empresas consideradas. E o caso não somente daquelas que estavam em situação relativamente próspera, mas também das empresas de eletrodomésticos e de fabricação de bombas, que então enfrentavam grandes dificuldades, e onde a redução-reorganização do tempo de trabalho apareceu como elemento essencial de uma reestruturação (salvamento) do conjunto.

Esta correlação de conjunto entre redução-reorganização do tempo de trabalho e investimentos de modernização é facilmente explicável: estes últimos custam muito caro e serão financiados tão mais facilmente quanto mais seja possível fazê-los "girar", durante um período definido, antes de sua obsolescência.

Isto explica por que, em determinados casos, a redução-reorganização do tempo de trabalho segue o investimento; isto explica sobretudo por que, em maior medida, o acordo de redução-reorganização do tempo de trabalho o precede19 19 . Vimos que uma negociação de 2 RT necessitava tempo para ser bem-sucedida. " e sua implementação o acompanha; tanto é verdade que é preferível pensar a organização antes, a experimentar, depois, os custos psicológicos e financeiros próprios a toda reorganização.

Finalmente, o prolongamento da duração de utilização dos equipamentos aparece aqui muito menos sob um aspecto contábil de economia de capital, no qual se o isola com freqüência, do que como um elemento essencial de uma dinâmica de extensão e de aprofundamento do capital.

V.2 - A redução-reorganização do tempo de trabalho e o emprego

Sabe-se que os investimentos de modernização se traduzem freqüentemente por uma elevação da relação K/L prejudicial ao emprego.

Malinvaud20 20 . REVUE Française d'Economie, (1), 1986. chega a fazer da separação destes processos um critério essencial da dinâmica do emprego. Ora, se esta separação é difícil de se concretizar na organização inalterada, a redução-reorganização do tempo de trabalho permite precisamente realizá-la: nas empresas estudadas, onde o esforço de modernização (técnica mas também social) foi considerável, a relação K/ L foi diminuída e o nível de emprego melhorou ou caiu apenas ligeiramente.

Para julgar isso, será evidentemente negligenciado o que escapa à análise monográfica, a saber, o conjunto dos efeitos positivos induzidos no resto da economia21 21 . No plano teórico, podese consultar CATINAT, M.; CETTE, G. & TADDEI, D.Economie Appliquée, 1986. No plano econométrico, simulações muito sugestivas foram feitas em 1986, com o auxílio dos modelos DMS e PROPAGE (conforme TADDEI, D.Les Temps de l'Emploi. Op. cit., para um comentário exaustivo), posteriormente em 1987 por IPECODE; enfim, no nível europeu, com o auxílio do modelo HERMES para sete países (conforme CATINAT, M.; DONNI, E. & TADDEI, D., em Economies Papers, Comission des Communautés Européennes, 1989). pelo aumento da atividade e dos investimentos resultantes dos processos de redução-reorganização do tempo de trabalho, mas o leitor não deverá esquecer estas "externalidades positivas" em todo julgamento de conjunto sobre esta última.

No nível micro-econômico, com as precauções de praxe, parece que o nível dos efetivos melhorou de maneira geral, pela criação de empregos, por demissões evitadas ou por uma mescla de ambas, sobretudo quando a qualificação requerida da mão-de-obra é muito heterogênea. O efeito positivo é freqüentemente progressivo, seja porque a nova organização foi implantada apenas progressivamente, seja, de modo mais geral, pelo fato (bem conhecido sob o nome de ciclo de produtividade) de que os efeitos de qualquer redução do tempo de trabalho sobre o emprego se estendem por vários anos.

Essa relativa lentidão, conjugada ao fato de que circunstâncias ulteriores reduziram as vantagens esperadas (empresas de eletrônica), pode fazer com que o julgamento sindical a posteriori seja um pouco menos otimista. Por sua vez, alguns dirigentes de empresas indicam que o futuro delas estaria comprometido na ausência de redução-reorganização do tempo de trabalho, julgamento que os sindicatos parecem admitir em certos casos, assinando um acordo que haviam até então recusado.

Através de nove monografias de empresas industriais, os dois principais mecanismos favoráveis ao emprego parecem encontrar confirmação.

V.2.a - O efeito puro de capacidade é muito favorável ao emprego

Mesmo na ausência de qualquer investimento, o prolongamento da duração de utilização dos equipamentos requer mais mão-de-obra (a empresa de salsicharia representa, desse ponto de vista, um caso relativamente puro). A ligação não é evidentemente proporcional, dados os ganhos de produtividade induzidos: maior intensidade do trabalho para uma duração mais curta, redução dos tempos de pausa, diminuição dos efetivos por equipe... Pode-se ainda pensar que esta última modalidade corresponda a um desenvolvimento da polivalência, devendo-se traduzir por uma qualificação acrescida. Em praticamente todos os casos, tratando-se de empresas relativamente bem administradas, estes ganhos de produtividade induzidos pela redução-reorganização do tempo de trabalho compensam só muito parcialmente os efeitos de capacidade, deixando um saldo de emprego positivo.

V.2.b - Um efeito de partilha mais favorável por ser "auto-financiado"

Os efeitos precedentes são positivos para o emprego pelo simples fato da maior utilização dos equipamentos produtivos, isto é, independentemente de qualquer redução do tempo de trabalho. Ora, essa reorganização diminui o custo de utilização do capital e permite aumentar as quantidades vendidas, os dois fatores se acumulando para melhorar a rentabilidade das empresas. Na medida em que as reduções-reorganizações do tempo de trabalho permitem, ao mesmo tempo, uma redução do custo de utilização e um aumento das quantidades vendidas, elas melhoram a rentabilidade das empresas, que podem, então - mesmo em uma situação econômica delicada - financiar contrapartidas para os novos horários dos assalariados. Todavia, os assalariados percebem aí inconvenientes (horários mais desagradáveis, mudança de hábitos etc.) que repercutem em todos os ritmos de sua existência. É por isso que, mesmo no caso de empresas em dificuldades, admite-se, geralmente, que a esperada melhoria da situação financeira das empresas deva se traduzir em contrapartidas para os assalariados.

Se estas últimas se revestissem de uma forma puramente financeira, não haveria nenhuma melhoria suplementar para o emprego (além do efeito de capacidade já analisado). Nas nove empresas estudadas, escolheu-se, ao contrário, uma contrapartida horária com modalidades de compensação muito diversas.

Deve-se compreender que a redução do tempo de trabalho, que se encontra hoje bloqueada na França pelo problema de seu financiamento, não encontra aqui obstáculo: é precisamente a reorganização que financia a redução do tempo de trabalho, permitindo um efeito de capacidade.

CONCLUSÃO

A análise detalhada dos efeitos econômicos da redução-reorganização do tempo de trabalho nas dez empresas consideradas deixa um saldo positivo, que se torna mais interessante pelo fato de que tínhamos optado por um certo recuo temporal - pouco habitual neste gênero de estudos - para julgar a pertinência dos acordos. Certamente pode entrar neste julgamento de conjunto uma certa subjetividade dos observadores, e, em particular, dos autores deste artigo.

Notemos simplesmente que nas dez empresas, nenhuma parte envolvida pensou em questionar o acordo de modo geral. E foi esta a conclusão a que chegamos, por outro lado, na observação de várias outras empresas. A redução-reorganização do tempo de trabalho constitui geralmente um processo relativamente irreversível, em função, talvez, da própria flexibilidade de adaptação que introduz nas empresas.

Para os empregadores, tudo se passa como se as decisões tivessem sido tomadas em três tempos, ainda que sejam freqüentemente apresentadas "amarradas" e de uma vez: em primeiro lugar, uma vontade de melhorar a eficácia produtiva dos equipamentos (por prolongamento e/ou modulação do tempo de trabalho); em segundo lugar, a tomada de consciência das resistências dos assalariados conduz à proposta das contrapartidas; em terceiro lugar, as contrapartidas horárias (redução do tempo de trabalho com uma compensação salarial geralmente forte) parecem as mais favoráveis, da tríplice perspectiva da administração, dos sindicatos... e do nível de emprego.

Os sindicatos, por sua vez, são confrontados com uma inflexão de seus modos de ação e de pensamento: eles negociam sobre temas (gestão dos tempos produtivos e da utilização do capital; produtividade...) que anteriormente eram deixados unicamente à iniciativa patronal. Eles são também levados a se comprometer em um processo de diversificação das condições de exercício do trabalho no meio da coletividade dos assalariados e de questionamento de algumas conquistas anteriores (repouso aos sábados, proibição do trabalho noturno para mulheres...). Para alguns deles, aí está, por outro lado, uma justificativa para sua atitude de retração. Assim, nos seis casos de pluri-sindicalização, a CGT, presente cinco vezes, se retira das negociações em três casos, a CFDT uma vez, FO igualmente em um caso. Enfim, o campo da negociação transborda, a partir das preocupações dos assalariados, o quadro da empresa, para ganhar o de fora do trabalho, terreno inédito da ação sindical.

De fato, os sindicatos e assalariados opõem uma abordagem qualitativa ao raciocínio econômico, amplamente quantitativo, das administrações: todas as horas e todos os dias não têm o mesmo valor, tanto isso é verdade que os novos horários propostos suscitam, tanto quanto a questão das condições de trabalho, aquela - ainda mais delicada porque é cultural - das condições de vida fora do trabalho. Uma hierarquia de tempos se depreende de forma evidente: prefere-se trabalhar no início da semana a no final; na sexta-feira a no sábado e a fortiori a no domingo; prefere-se o dia à noite, mas também a manhã à tarde. Além do mais, prefere-se sempre reagrupar ao máximo os momentos de repouso: horas recuperadas sob a forma de meias jornadas, até mesmo jornadas inteiras (o que reduz o custo do transporte), dias seguidos e, se possível, semanas inteiras...

Os tipos de trocas parecem extraordinariamente variados e se se devesse revelar uma tendência futura a partir de uma amostra tão pouco representativa, esta situar-se-ia em torno da semana de quatro dias e meio, na verdade de quatro dias para os assalariados (isto é, cerca de 36 horas) e de seis dias (mais de 50 horas descontínuas e 144 horas semi-contínuas) para os equipamentos. Isto coloca centralmente o problema da banalização do trabalho aos sábados (por alternância) muito mais do que o do trabalho noturno ou aos domingos (que permanece aqui à margem, confirmando a pouca importância global do trabalho contínuo).

É esta imbricação do econômico e do social, do trabalho e do "fora do trabalho" que confere especificidade às negociações dos acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho. Ainda mais, o tempo de trabalho aparece como um tema que encerra um potencial de enriquecimento da negociação, de valorização do diálogo social no interior das empresas, sob a condição de que os atores se concedam o tempo de negociar. Desse ponto de vista, as monografias confirmam que os acordos fechados mais rapidamente - quer se trate da duração, até mesmo, em certos casos, da autenticidade do diálogo e da negociação - são os menos eficazes.

De modo mais geral, constata-se que os acordos de redução-reorganização do tempo de trabalho inscrevem-se quase sempre em uma dinâmica econômica e social interna à empresa, quer ela tenha pré-existido, quer tenha sido desencadeada após o acordo: dinâmica social testemunhada pelos acordos de todo tipo (formação, empenho, implantação de círculos de qualidade...) que sucedem àquele sobre o tempo de trabalho; dinâmica econômica demonstrada pelos fluxos ulteriores de investimento, muitas vezes bastante impressionantes para a conjuntura da época.

Este saldo positivo tirado da análise dos acordos, conjugado à evolução econômica atual, incita a pensar que o campo de interesse da redução-reorganização do tempo de trabalho vai se expandir. Com efeito, na França, como nos outros grandes países (USA, REA e sobretudo Reino Unido) as taxas de utilização da capacidade produtiva atingem, e até ultrapassam, seus máximos históricos. Isto corre o risco de conduzir a uma volta brutal da inflação, e, em seguida, o novo bloqueio do crescimento. Ora, a atual onda de investimentos, que apenas parcialmente se relaciona à capacidade, procurará de todo modo adiar o processo de permitir à oferta seguir a demanda. Nessas condições, a redução-reorganização do tempo de trabalho, mesmo em um campo de aplicação limitado, pode ter, por interesse macroeconômico, que abrir os pontos de estrangulamento mais decisivos. Deve-se ainda esperar que, com o auxílio das experiências recentes, um número crescente de empresas explore todas as possibilidades de conjugar assim o econômico e o social. Isto, porém, como teria dito Kipling, é uma outra história, antes de tudo cultural.

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    Texto publicado originalmente na revista
    Travail et Emploi, Paris, Ministère du Travail, de
    Y Emploi et de la Formation Professionnelle, nº 40,2/1989, pp 33-50.
  • **
    N. Ed. Através desse decreto, o governo francês reduziu a duração legal do trabalho para 39 horas semanais e alongou as férias remuneradas para 5 semanas. O decreto previa também a possibilidade de flexibilizar-se o tempo de trabalho.
  • ***
    N. da Ed. No original,
    ílots de caísses. O autor refere-se aos caixas de supermercado, que designam um responsável para organizar a sua rotação, tentando levar em conta as restrições de horário de cada um. Por extensão, a expressão remete a formas autônomas de gestão.
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    N. da Ed. No original,
    comité d'entreprise. E um órgão consultivo, de representação dos assalariados, que elegem seus delegados a cada dois anos. Só são elegíveis no 1ª turno os candidatos do sindicato. Se ao final do 1º turno houver vagas de representação remanescentes, convoca-se um 2º turno, aberto a candidatos extra-sindícais. Compõese de um colégio de operários, um de colarinhos brancos e um de administradores. Não pode assinar acordos, pois isso é prerrogativa dos sindicatos. Os acordos que chegam a ser assinados por essa comissão são qualificados de
    atípicos, pois não têm valor legal.
  • 1
    . Este artigo comunica os principais resultados de um estudo realizado para o Ministère des Affaires Sociales et de l'Emploi. BOULIN, J. Y. & TADDEI, D.
    Analyse des processus conduisant à des réorganisations-réductions du temps de travail (2RT) T1: rapport de synthèse. T2: monographies d'entreprises. IRIS-Travail et Société, fev. 1988.
  • 2
    . TADDEI, D.
    Des Machines et des Hommes: pour l'emploi par une meilleure utilisation des équipements. La Documentation Française, 1986.
  • 3
    . Exceto para a empresa de distribuição incluída na amostragem com a finalidade de ver se existia um modo específico de propor, resolver e negociar este tipo de problema.
  • 4
    . TADDEI, D.
    Le temps de l' emploi. Paris, Hachette, 1988.
  • 5
    . NOZIERE, G. & TONNEAU, D.
    La gestion du temps de travail dans le secteur terciaire marchand. Ecole Nationale Supérieure des Mines de Paris, dezembro 1986.
  • 6
    . BOULIN, J.Y. "Aménagement du temps de travail et amélioration des conditions de vie et de travail des consommateurs et des prestateurs de services". Iris Travail et Société. Fondation de Dublin, dezembro 1987.
  • 7
    . Essa tipologia (acordos centrais; diretos; vinculados) foi tirada de CHOURAKl, A. & GAUTIER, A.M.
    L'entreprise: de quel niveau parle-t-on?. Comunicação apresentada à II Journées de Sociologie du Travail, CNRS, Lille, 12 e 13 de março, 1987.
  • 8
    . Trata-se de convenções de auxílio à modernização, vinculado ao estabelecimento de negociações sobre a organização do tempo de trabalho. Esta medida foi instituída pela Circular Interministerial de 25 de setembro de 1985.
  • 9
    . FREYRIA, C. "Les accords d'entreprises atypiques".
    Droit Social, (1), janeiro de 1988.
  • 10
    . O
    quadro 2 detalha para cada uma das empresas estudadas as modalidades de prolongamento e/ou de modulação da DUE, que, como vimos, constituíam o objetivo central das nove empresas industriais. Contentar-nos-emos, aqui, em insistir sobre duas modalidades particulares de reorganização do tempo de trabalho que são características dos anos oitenta.
  • 11
    . Isto resulta, bem entendido, de uma escolha
    a priori, por ocasião da seleção das empresas: estatisticamente, os acordos de modulação são os mais freqüentes, mas seus efeitos econômicos são, muitas vezes, fracos.
  • 12
    . As constrições podem ser inerentes a certos horários (principalmente a noite e os fins de semana), e, desse ponto de vista, podem ser duráveis. Outras estão vinculadas às alterações de hábito reivindicadas e podem ser consideradas transitórias. Nas discussões que precedem uma 2 RT, os dois aspectos são confundidos com excessiva freqüência.
  • 13
    . Isto se prende especialmente às dificuldades de se utilizarem as categorias habituais para um processo relativamente novo e/ou de se isolar a única parte efetivamente reorganizada da empresa.
  • 14
    . Mas o tempo recuperado permitiu outras compensações próprias para manter ou elevar o nível de vida: despesas evitadas, trabalhos paralelos...
  • 15
    . CATINAT.M.; CETTE, C.& TADDEI, D. "Durée d' utilisation des équipements et réduction du temps de travail: approche micro-économique".
    Revue d'Economie Politique, março, 1986.
  • 16
    . Idem, ibidem.
  • 17
    . Seja no nível do conjunto da empresa, seja no nível de locais e de atividades, após o fechamento de setores não rentáveis.
  • 18
    . Há aqui evidentemente uma dimensão subjetiva quanto à apreciação dos índices de endividamento e dos temores de perder o controle da empresa.
  • 19
    . Vimos que uma negociação de 2 RT necessitava tempo para ser bem-sucedida.
  • 20
    .
    REVUE Française d'Economie, (1), 1986.
  • 21
    . No plano teórico, podese consultar CATINAT, M.; CETTE, G. & TADDEI,
    D.Economie Appliquée, 1986. No plano econométrico, simulações muito sugestivas foram feitas em 1986, com o auxílio dos modelos DMS e PROPAGE (conforme TADDEI,
    D.Les Temps de l'Emploi. Op. cit., para um comentário exaustivo), posteriormente em 1987 por IPECODE; enfim, no nível europeu, com o auxílio do modelo HERMES para sete países (conforme CATINAT, M.; DONNI, E. & TADDEI, D., em
    Economies Papers, Comission des Communautés Européennes, 1989).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1991
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