Transferência internacional de tecnologia

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Transferência internacional de tecnologia

Silvio Yoshiro Mizuguchi Miyazaki

Professor do Departamento de Economia da PUC/SP; Mestre em Economia e Finanças Públicas da EAESP/FGV

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Séculos atrás, Marco Polo já aportara no Extremo Oriente e conhecera novos produtos e técnicas, até então desconhecidos para o Ocidente. A transmissão e a divulgação deles, do Oriente para o Ocidente, através desse navegador, podem ser consideradas, num sentido amplo, como uma transferência internacional de tecnologia. Pode-se, então, verificar que, embora esse processo seja antigo, existe um grande dinamismo pela própria concepção da tecnologia.

Há a realização da transferência internacional de tecnologia quando uma empresa que desenvolveu uma determinada tecnologia, num país, permite a utilização desta por outra empresa, seja ela subsidiária ou não, instalada num outro país. Tecnologia é a aplicação da ciência, desenvolvida através da pesquisa, a fim de transformar recursos em produtos. Encontramos em Technology Atlas Team (ref. nº 115) uma das mais precisas e esclarecedoras explicações do que é tecnologia. Esse conceito inclui não somente máquinas e produtos mas, também, as formas de conhecimento e habilidades requeridas para utilizá-los.

Assim, tecnologia é a conjugação entre tecnoware (a máquina ou o produto em si), humanware (experiências, habilidades, técnicas, criatividade dos indivíduos), inforware (sistemas de informação, documentação), organware (práticas organizacionais e administrativas, instituições envolvidas). Nesse sentido, há que se questionar se efetivamente está havendo a realização da transferência de tecnologia entre os países.

O próprio termo "transferência de tecnologia" é considerado por determinados autores, tais como Delazaro e Barbieri (refs. 047 e 075), ou Dias (ref. 016), como inadequado, pois a palavra transferência pode pressupor uma falsa idéia de doação, e não de pagamento pelo uso da tecnologia que uma empresa desenvolveu por uma outra que está adquirindo. Assim, há a utilização das palavras "importação/exportação" ao invés de "transferência", por parte desses autores.

A crescente internacionalização das economias e a formação de blocos econômicos trazem o questionamento quanto às causas, os processos e as conseqüências da transferência internacional de tecnologia, principalmente no que concerne aos países em desenvolvimento. A facilidade de disseminação das informações, o desenvolvimento dos meios de transporte, o surgimento de empresas multinacionais, a criação de legislações que regulam os intercâmbios econômicos e as próprias inovações tecnológicas, entre outros motivos, fazem com que cada vez mais haja a internacionalização das economias. Paralelamente a essa globalização, está se configurando um processo de formação de blocos econômicos, nos quais países geograficamente próximos intensificam entre si os fluxos econômicos, priorizando, assim, seus parceiros econômicos. Nesse contexto da economia mundial, vale considerar os estudos realizados a respeito da transferência internacional de tecnologia.

Essa contraposição entre a globalização da indústria e o protecionismo regional ou nacional, no âmbito da transferência de tecnologia através das empresas multinacionais, é apresentada por Stevens (ref. 037) como tecnoglobalismo versus tecnonacionalismo. Tecnoglobalismo diz respeito à internacionalização das atividades empresariais para aumentar os retornos dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), reduzir custos em P&D ou obter sinergias tecnológicas. Essa internacionalização dos negócios e da transferência de tecnologia resulta na necessidade de uma administração ou gerenciamento internacional que é apresentado por Erickson (ref. 003). Tecnonacionalismo são as formas de protecionismo adotadas por políticas governamentais ou de blocos econômicos para manterem a sua competitividade tecnológica. Essa mesma linha de discussão quanto aos conflitos de interesses e de objetivos, entre as empresas multinacionais e os governos e empresas dos países receptores, podem ser encontradas em artigos de Afifi, Chaudhuri, Habibie, Madu e Jacob (refs. 045,073,022 e 060, respectivamente).

Chaudhuri contrapõe as preferências que os governos dos países menos desenvolvidos e as multinacionais têm quanto aos processos de transferências de tecnologia: os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento preferem adquirir tecnologia através de joint-ventures, licenciamento e plantas industriais, enquanto as multinacionais preferem transferir sua tecnologia através da instalação de suas subsidiárias. Há nessa questão o problema quanto às reservas de divisas estrangeiras, pois os royalties pagos pela utilização de tecnologia pelas firmas dos países pobres são menores que os lucros remetidos pelas suas filiais das multinacionais.

Fundamentalmente, podemos separar em dois processos distintos a transferência internacional de tecnologia. De um lado, ela pode ser realizada através de licenciamento e, de outro, pelo investimento direto no exterior. Pode-se classificar as publicações conforme esses processos: há aqueles que enfocam basicamente a transferência de tecnologia via licenciamento, outros via investimento direto no exterior.

Uma licença é uma permissão dada a uma outra empresa para engajar-se numa atividade sem a qual seria legalmente proibida de realizá-la, conforme Contractor (ref. 142). Assim, haverá o licenciamento para que uma empresa possa utilizar-se de uma tecnologia desenvolvida por outra. Há empresas que preferem licenciar sua tecnologia a instalar uma filial num país, uma vez que esse processo de transferência internacional de tecnologia é mais lucrativo para elas, o que é o inverso do que Chaudhuri afirma. Encontramos o processo de transferência de tecnologia através do licenciamento em publicações como a de Contractor, ou de Fleury (ref. 076). Muitas vezes, quando há referências sobre transferência de tecnologia, as obras enfocam tão somente as tecnologias desenvolvidas por grandes empresas. Assim, o trabalho de Heury é interessante no aspecto de ele ter realizado um estudo a respeito da transferência de tecnologia de pequenas e médias empresas dos países desenvolvidos ao Brasil.

O investimento direto no exterior através da instalação de subsidiárias de empresas multinacionais ou transnacionais motiva não só o fluxo financeiro ou o de recursos humanos entre os países, mas também o de tecnologia. Há uma intersecção entre temas abrangendo investimento direto no exterior, empresas multinacionais e tecnologia. Dado o papel que as empresas multinacionais exercem na transferência de tecnologia, é interessante ler obras que dizem respeito ao investimento direto no exterior, tais como a de Caves, Hymer, Kindleberger (refs. 168, 208 e 224, respectivamente). Artigos como os de Chaudhuri, Fritsch e Franco, Glade, James, Madu e Jacob, Pyle e Dawson, Saravia, Sunkel ou Tüma (refs. 073, 005, 108, 078, 060, 029, 114,134 e 118, respectivamente) destacam a função exercida pelas empresas multinacionais na transferência de tecnologia.

Há artigos, como o de Rajaratnam (ref. 030) e o de James (ref. 078), que destacam a concentração e o domínio da tecnologia existentes em um número reduzido de países. Conforme o primeiro autor, seis países dominam a ciência e a tecnologia no mundo: Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, Japão, Alemanha e França, uma vez que são responsáveis por 80% dos gastos totais de pesquisa do mundo. James apresenta estimativas de que 95% a 97% das despesas em pesquisas e desenvolvimento no mundo são realizadas pelos países desenvolvidos. Esse fato, revelando uma abundância relativa de tecnologia dos países desenvolvidos e uma escassez relativa dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, traz implicações quanto à transferência internacional de tecnologia, pois será realizada primordialmente entre os países ricos do hemisfério norte e os países pobres do hemisfério sul.

O que se pode detectar como um consenso entre os autores é que a aplicação e a utilização da tecnologia incrementam as atividades econômicas e podem aumentar o padrão de vida da população. Como os países desenvolvidos são pólos de criação e inovação da maior parte da tecnologia mundial, e os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento almejam incrementar a sua renda nacional, a transferência internacional de tecnologia do primeiro grupo de países para o segundo é considerada de suma importância. Assim, uma boa parte da bibliografia existente sobre o tema destaca a transferência de tecnologia dos países ricos aos países pobres. Encontramos esse destaque nas obras de Afifi, Barbieri, Braga e Willmore, Chaudhuri, Cole e Mogab, Dawson, Delazaro e Barbieri, Dias, Dollar, Fleury, Fritsch e Franco, Glade, Habibie, James, Madu e Jacob, Madu, Segerstrom, Waack e Vasconcellos (refs. 045, 011, 013, 073, 101, 105, 075, 016, 106, 076, 005,108,022,078,060,059,035 e 068, respectivamente).

Existem relativamente poucas publicações como a de Lall (ref. 171) ou a de Wells (ref. 095), que analisam a transferência de tecnologia dos países em desenvolvimento para os demais. Chama a atenção o artigo de Wells, a respeito das multinacionais brasileiras, pois sugere que a existência de uma tecnologia tropical e o alto nível de habilidades gerenciais e técnicas, adaptadas às condições e ao ambiente sócio-político-econômico do Terceiro Mundo, são fatores que contribuem para o sucesso das subsidiárias brasileiras no exterior. Também vale ressaltar a sugestão de Saravia (ref. 114) em criar departamentos de transferência de tecnologia nas empresas brasileiras a fim de incrementar esse processo.

As questões das formas de dominação por parte dos países e empresas geradoras de tecnologia, e da dependência em relação a eles que os países e empresas do Terceiro Mundo têm, são colocadas por diversos autores como Barbieri, Dawson, Glade, Saravia, Sunkel ou Tuma (refs. 047, 105, 108, 114, 134 e 118, respectivamente). Há aqueles como Barbieri, Delazaro e Barbieri, Dias, James, Madu, Souza Neto (refs. 047, 075, 016, 078, 059, 066, respectivamente), que ressaltam a importância da adequação da tecnologia a ser transferida, da necessidade de absorção, e do controle da tecnologia a ser importada. Deve-se ter uma absorção efetiva da tecnologia pela sua transferência desagregada através da identificação e análise de cada componente, segundo Delazaro e Barbieri (ref. 075). Deve-se apoiar a engenharia reversa, imitando e adequando processos e produtos para uma estratégia tecnológicoindustrial para o Brasil, o que permitiria a diminuição da importação de tecnologia, conforme Dias (ref. 016). Fritsch e Franco (ref. 005) também ressaltam essas estratégias de absorção tecnológica.

Segundo Delazaro e Barbieri (ref. 075), o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma legislação que regulamenta o capital externo no país. Dado que o pagamento pelo uso da tecnologia externa é realizado por divisas estrangeiras, faz-se necessário o conhecimento dessa legislação. Em Delazaro e Barbieri, também encontramos os tipos de contratos de transferência de tecnologia e os órgãos que disciplinam a transferência de tecnologia no Brasil.

Em contrapartida, há artigos, como o de Poynter (ref. 129), que sugerem algumas estratégias, tais como a introdução de novos produtos e processos e/ou a verticalização, que as subsidiárias das empresas multinacionais podem utilizar para se defender de intervenções governamentais que restringem suas atividades. .

Conforme o Technology Atlas Team (ref. 116), através do incremento da transferência de tecnologia pelo mundo, não é mais necessário que cada país desenvolva todas as tecnologias necessárias para si; ao invés disso, é melhor canalizar os recursos para o desenvolvimento de um determinado número de tecnologias e utilizar-se de tecnologias importadas, realizando uma "divisão internacional de tecnologia". Quanto aos resultados, temos que a transferência de tecnologia do exterior trouxe um efeito positivo para as atividades e esforços tecnológicos no Brasil, conforme estudo de Braga e Willmore (ref. 013). Essa contribuição positiva também é destacada em Fritsch e Franco (ref. 005). Em Pyle e Dawson (ref. 029), podem-se verificar casos em que a transferência de tecnologia inadequada resultou em efeitos negativos quanto à produtividade do trabalho.

Tanto Chiang (ref. 049) quanto Habibie (ref. 022) exemplificam casos de países do Extremo Oriente, como o Japão ou a Coréia do Sul, que antes eram maciços importadores de tecnologia, e hoje são exportadores. Os fatores determinantes para a modificação dos papéis foram os mecanismos financeiros, econômicos e legislativos que facultaram a transferência de tecnologia num primeiro momento, e posteriormente capacitaram as indústrias a absorverem e promoverem inovações, para atingir o estágio de desenvolvimento tecnológico próprio. Junto a esses mecanismos, ter uma capacitação dos recursos humanos, seja gerencial ou técnica, e procurar incentivar a população a conseguir um nível educacional alto são pontos preponderantes para o sucesso da transferência de tecnologia.

A constituição de joint-ventures entre empresas de capital nacional e estrangeiro, com a participação do governo, visando à transferência de tecnologia, é analisada em Afifi, Saravia, Teixeira, Waack e Vasconcellos (refs. 045, 114, 092 e 068, respectivamente). Outros gêneros de artigos são aqueles que analisam aspectos da transferência de tecnologia para indústrias específicas, tais como petroquímicas em Afifi ou em Teixeira, farmacêuticas em Waack e Vasconcellos, de energia elétrica em Niosi e Faucher (ref. 084) ou nucleares em Kaynak e Wells (ref. 024).

Vale observar o processo de abertura econômica dos países de economias centralizadas, para instalação de subsidiárias e formação de joint-ventures, visando à absorção de tecnologia de países capitalistas. Artigos como os de Leshnower (ref. 081) e de Pomeranz (ref. 063) enfocam a transferência de tecnologia via ingresso de capital externo, respectivamente para a China e para a União Soviética. Segundo o artigo de Pomeranz (ref. 063), em 1987 na União Soviética houve a regulamentação para permitir a criação de joint-ventures com capital estrangeiro dos países capitalistas, objetivando a transferência de tecnologia avançada e da habilidade gerencial do Ocidente. As empresas capitalistas, ao realizarem o seu investimento nesses países, também estão interessadas em obter tecnologia, o que pode levar a pensar que a transferência internacional de tecnologia pode ser uma via de mão dupla. Artigos como os de Donnelly (ref. 017) e de Glade (ref. 108) também citam a transferência de tecnologia para países de economias centralizadas.

Entretanto, há fatores políticos visando à segurança nacional, que influenciam a transferência de tecnologia principalmente aos países do Leste Europeu ou para China. Os governos controlam, e muitas vezes proíbem, a transferência de tecnologia e de produtos considerados sensíveis, precisamente aqueles que podem ser utilizados para

o desenvolvimento do poderio militar. São casos de controle de exportação de tecnologia. Pontos como esses são levantados por Donnelly, Kaynak e Wells, NAS (refs. 017, 024 e 150, respectivamente).

Assim, não só fatores essencialmente econômicos condicionam o processo de transferência internacional de tecnologia. Há que se considerar os aspectos políticos, sociais, culturais, educacionais. Essa visão é compartilhada por Cole e Mogab, Habibie, Kedia e Bhagat, Keller e Chinta, Madu e Jacob, Raz e Assa (refs. 101, 022, 080, 025, 060, 086, respectivamente). O artigo de Cole e Mogab analisa a transferência de um pacote tecnológico para duas comunidades de um mesmo país, sendo que houve diferenças nos resultados em virtude de a cultura de uma delas ter um ambiente cerimonial que inibia a introdução de tecnologias e a da outra, um ambiente tecnológico receptivo a inovações, o que resultou no sucesso da transferência de tecnologia para a segunda.

Ao se considerar a bibliografia sobre transferência de tecnologia, não se pode esquecer o artigo de Vernon (ref. 226) sobre o ciclo de vida do produto, em que descreve os estágios de um produto: 1) desenvolvimento e produção; 2) exportação do produto final; 3) exportação de tecnologia do processo de produção; 4) substituição de importações; 5) adaptação e inovações pelos países e empresas receptoras. Artigos como os de Chiang, Dollar, Erickson, Segerstrom (refs. 049,106, 003, 035) utilizam-se desse modelo teórico aplicado à transferência internacional de tecnologia.

Aos estudiosos que se interessarem em quantificar a transferência de tecnologia, existe um gênero de obras a respeito em que há a formulação de modelos matemáticos ou estatísticos, tais como as de Braga e Willmore, Dollar, Raz e Assa, Technology Atlas Team (refs. 013, 106, 086, 117, respectivamente). Caso o leitor se interessar em "fórmulas prontas" para transferência de tecnologia, algumas obras, como a de Madu, Madu e Jacob, Ozolins, Technology Atlas Team (refs. 059, 060, 007, 115, respectivamente), oferecem um fluxograma esquemático de transferência de tecnologia, abrangendo desde o processo decisório até a absorção e o desenvolvimento da tecnologia importada.

Não se pode deixar de citar o texto que discute tecnologia e a sua transferência, e a extensa bibliografia levantada por Rattner (ref. 219) em 1973, com uma relação de obras e referências, abrangendo tecnologia e o seu impacto nas sociedades, num esforço pioneiro no Brasil, realizado pelo autor, visando a oferecer subsídios ao desenvolvimento de pesquisas e cursos sobre transferência de tecnologia.

No atual contexto da economia brasileira, quando muito se comenta a respeito da necessidade de competitividade, produtividade e de eficiência das empresas, para elevar o padrão de vida da população e como componente auxiliar para o combate à inflação, há que se ressaltar a importância de se manter atualizado a respeito dos estudos sobre a transferência internacional de tecnologia. Nesse sentido, este texto pretendeu apresentar alguns aspectos pontuais da transferência internacional de tecnologia em obras selecionadas sobre o tema, principalmente as publicadas a partir de 1985, a fim de motivar os leitores a buscarem a bibliografia referenciada e pesquisada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OBSERVAÇÕES

A pesquisa foi realizada no acervo da Biblioteca da EAESP/FGV; as referências bibliográficas foram organizadas em ordem alfabética, dentro de cada ano de publicação (os anos aparecem em ordem cronológica decrescente). As referências precedidas de asterisco estão disponíveis no acervo da Biblioteca.

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Heraldo Vasconcellos - Bibliotecário, chefe do Serviço de Documentação da Biblioteca Karl A. Boedecker da EAESP/FGV.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jun 2013
• Data do Fascículo
  Dez 1991