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Editorial

EDITORIAL

A economia do conhecimento, sem a do comprometimento, não gera a do compartilhamento, a única capaz de atuar sem fronteiras territoriais é de comunicação.

A competição tem sido entendida como sabotar em Administração uma vez que estabelece desafios à sobrevivência, o primeiro dos condicionamentos que o homem apresenta na sua complexa trajetória e que impulsiona a níveis crescentes de aprendizagem e de qualidade de vida. A idéia é que essa força impulsora, de uma "racionalidade" territorial e imediatista, deva funcionar como estimuladora do desempenho de pessoas e de suas respectivas áreas funcionais, resultando em ganhos de produtividade, qualidade, flexibilidade e inovação, as dimensões atuais de competitividade das organizações.

Max Pagês e seus colaboradores (1978) tornaram evidente um outro complexo mecanismo de manipulação humana, complementar à competição, resultando do conflito maquiavelicamente instalado entre o indivíduo e a organização na busca de uma lealdade daquele para com este e de um ideal coletivo. Identificada com a figura materna, a organização se apresenta ao indivíduo como repressora ao mesmo tempo em que merece deste o respeito, o carinho e a dedicação filial, sentimentos entendidos como determinantes de uma perseguição obstinada por altos índices de desempenho individual e resultados organizacionais competitivos.

Competições como estas têm sido têm sido responsáveis por sistemas de gestão e de avaliação empresariais indutoras de competição e de conflito intra-organizacional, favorecendo uma visão fragmentada dos resultados, incapazes que são de captar sinergias entre indivíduos e áreas de uma organização e muito menos entre esta e outras organizações do espaço institucional em que está inserida. Toda uma geração de dirigentes foi estimulada a ignorar - reforçada pelos paradigmas da eficiência do parcelamento das tarefas, pela conveniência do dividir para poder reinar e pela falta de tecnologias de informação eficazes - as externalidades que as interdependências das partes podem gerar nos resultados globais de qualquer organização, com total perda de visão de foco dos negócios, dos processos de trabalho que agregam valor aos clientes e dos impactos socioeconômico e ambiental provocados pela exploração de seus insumos e pela utilização de seus produtos.

Assim, os modelos de competição individual-funcional e de lealdade corporativa tem demonstrado, na prática, não garantir a competitividade necessária a uma competição globalizada. A mudança de paradigmas em direção a modelos de gestão de maior comprometimento na integração de decisões e ações internas e de maior consciência das interdependências e externalidades da organização em seu ecossistema, tem sido o caminho pelo qual as organizações estão procurando se resolverem internamente para competirem externamente.

Nem as regras do comércio internacional estavam - e ainda não estão - adequadas a uma competição globalizada. A reboque da globalização, o Comércio Internacional começa a gerar pressões não apenas nas organizações, mas nos governos, na busca de novos paradigmas que garantam um livre comércio sem o comprometimento de um desenvolvimento sustentável das nações. Governos e organizações parecem começar a perceber que empresas internamente desarticuladas, e leais apenas a si mesmas, não conseguem estar integradas a uma política de governo, podendo gerar externalidades com impactos negativos não apenas na economia dos países em que transacionam, mas em nível global. Ambos também estão começando a compreender, através de duras lições, porque modelos de gestão governamental, baseados num perfeccionismo clientetista e orientados por visões setorizadas dos processos competitivos empresariais, são incapazes de estabelecer e integrar ações empreendedoras isoladas, nem de avaliar os impactos cruzados de externalidades que a atividade econômica do país impõe a outras nações e a si mesmo.

Com efeito, empresas que se utilizam de processos produtivos agressivos ao meio ambiente, qualquer que seja a utilidade de seus produtos, terão dificuldades cada vez maiores de exportação para a Comunidade Européia. Se não obtiverem o chamado Selo Verde europeu, adotando tecnologias de menor impacto ambiental, terão a sua competitividade e a do comércio internacional de seus países seriamente ameaçadas. Isto significa dizer, por exemplo, que um aço produzido através de um coque de carvão mineral - responsável por uma carga maior de emissão de poluentes no ar - deve ter uma taxação sensivelmente maior do que aquele que produzido por meio de um coque de carvão mineral. Da mesma forma, produtos eletrônicos que, por exemplo, incorporem placas de circuitos eletrônicos elaborados por processos de produção sem a necessidade da etapa de lavagem realizada por freon - responsável pela redução da camada de ozônio na atmosfera - terão maior competitividade no comércio com a Comunidade Européia, demonstrando o quanto a atividade empresarial isolada deve ser contemporizada com a competitividade global de um país ou região.

Atribui-se a Montaígne, filósofo francês do século XVI, a afirmação de que "aquele que não é capaz de fazer pelos outros, não é capaz de fazer por si mesmo". Um amplo espaço de cooperação e de negociação junto a organismos do Comércio Internacional está reservado para aquelas nações ou regiões onde governos e empresas desenvolvam ações conjuntas e integradas. Poderão negociar impactos ambientais de seus produtos e processos produtivos de forma global, sem a leitura isolada da competição do irresponsável e da lealdade protecionista ingênua.

Prof. Marilson Alves Gonçalves

Diretor e Editor da RAE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Out 1994
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