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DESAFIOS DO ENSINO DE ESTRATÉGIA EM MESTRADOS E DOUTORADOS PROFISSIONAIS

INTRODUÇÃO

Os mestrados profissionais (MP) são uma realidade nas áreas de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo. Nasceram de modo conceitual em dezembro de 1965, com a publicação do Parecer CFE nº 977 (Cury, 2005Cury, C. R. J. (2005). Quadragésimo ano do parecer CFE nº 977/65. Revista Brasileira de Educação, (30), 7-20. doi:10.1590/S1413-24782005000300002
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), e tomaram corpo nos anos 1990 (Fischer, 2005Fischer, T. (2005). Mestrado profissional como prática acadêmica. Revista Brasileira de Pós-Graduação, 2(4) 24-29. doi:10.21713/2358-2332.2005.v2.74
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). Desde sua concepção, a modalidade profissional constitui-se em uma alternativa à formação acadêmica de professores e pesquisadores. Ela é orientada à aplicação prática e voltada às necessidades do mercado de trabalho (Paixão & Bruni, 2013Paixão, R. B., & Bruni, A. L. (2013). Mestrados profissionais: Características, especificidades, diferenças e relatos de sucesso. Administração: Ensino e Pesquisa, 14(2), 279-310. doi:10.13058/raep.2013.v14n2.66
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), tendo em vista que "a expansão da indústria brasileira requer número crescente de profissionais criadores, capazes de desenvolver novas técnicas e processos, e para cuja formação não basta a simples graduação" (Almeida et al., 2005Almeida, A., Júnior, Sucupira, N., Salgado, C., Barreto, J., Filho, Silva, M. R., Trigueiro, D., ... & Maciel, R. (2005). Parecer CFE nº 977/65, aprovado em 3 de dezembro de 1965. Revista Brasileira de Educação, (30), 162-173., p. 165).

Entre 2006 e 2017, o número de MPs na área de Administração cresceu de 16 para 74, representando cerca de 40% de todos os cursos da área (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, 2017Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. (2017). Coleta de dados, cursos da pós-graduação stricto sensu no Brasil 2017. Recuperado de https://dadosabertos.capes.gov.br/dataset/coleta-de-dados-curso-da-pos-graduacao-stricto-sensu-no-brasil-2017
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). Em 2018, foram titulados mais mestres profissionais do que mestres acadêmicos na área. Esse rápido e constante crescimento dos MPs é decorrente das resoluções e portarias normativas que regulamentaram a modalidade profissional no âmbito da CAPES e, principalmente, pelo aumento da procura por cursos de titulação avançada com ênfase na solução de problemas aplicados. A partir de 2019, os MPs receberão a companhia dos recém-aprovados cursos de doutorado profissional (DP).

A ascensão da modalidade profissional trouxe novos desafios aos programas de pós-graduação. Como a experiência brasileira de cursos stricto sensu é uma mescla de trajetórias europeias e norte-americanas (Verhine, 2008Verhine, R. E. (2008). Pós-graduação no Brasil e nos Estados Unidos: Uma análise comparativa. Educação, 31(2), 166-172.), não há ainda um padrão que estabeleça como são os processos admissionais, os exames qualificatórios, as produções técnicas e tecnológicas, ou mesmo o produto final dos MPs e DPs. Tais questões se amplificam pelo fato de esses cursos de mestrado e doutorado não terem como principal objetivo formar o profissional, e, por isso, mesmo não são mais chamados de mestrados ou doutorados profissionalizantes. Presentemente, MPs e DPs propõem-se a qualificar profissionais já atuantes no mercado de trabalho em práticas inovadoras e transformadoras, tornando-os capazes de gerar soluções para problemas complexos que organizações públicas e privadas não conseguiram resolver.

Logicamente, este artigo não tem a pretensão de abordar todas essas questões. A partir do contexto apresentado, a análise debruça-se sobre uma questão pouco discutida no âmbito da pós-graduação brasileira: os desafios do ensino em mestrados e doutorados profissionais. Neste artigo, em particular, serão debatidos o ensino de estratégia, as questões precípuas e os desafios aos docentes. Não se tem aqui a presunção de orientar a estrutura curricular dos cursos. Ao contrário, se pretende retomar os objetivos e propósitos básicos dos MPs e DPs para, assim, valorizar a essência da modalidade e estimular o debate sobre o ensino de profissionais entre os pares. As questões e desafios aqui abordados resultam da trajetória do autor como professor de estratégia no stricto sensu há mais uma década e de coordenador de curso de MP por cinco anos e, portanto, são influenciadas por essas experiências. Apesar da maior aderência ao tema da estratégia e aos cursos de Administração e de Negócios, os argumentos aqui expressos podem ser transpostos para outras disciplinas e áreas de conhecimento.

O ENSINO DE PROFISSIONAIS

Cursos de MPs e DPs propõem-se a levar o conhecimento para além da academia, aproximando a teoria estudada nas instituições de ensino das atividades dominadas pelos praticantes. Isso não é algo trivial para a pós-graduação brasileira. Por essa razão, os responsáveis pelo ensino de profissionais compartilham inquietações comuns. Destacam-se aqui algumas das mais recorrentes.

A primeira questão que um professor da modalidade profissional enfrenta são as rotinas gerenciais trazidas pelos discentes, enraizadas por 10, 20, 30 anos de atuação no mercado de trabalho. O impulso natural do docente é reforçar esse conhecimento prévio do grupo de alunos, adicionando novas e mais complexas técnicas e ferramentas. Na disciplina de estratégia, isso se materializa na ênfase dada ao habitual planejamento estratégico e aos ensinamentos de instrumentos atuais e avançados de execução, avaliação e controle. Aos discentes, o ensinamento é aprazível, pois há uma consonância cognitiva com as suas trajetórias. No entanto, questiona-se a validade dessa abordagem para cumprir o objetivo central de qualificar profissionais em práticas inovadoras e transformadoras.

Não se trata da conhecida crítica ao planejamento estratégico em si (Mintzberg, 1994Mintzberg, H. (1994). The fall and rise of strategic planning. Harvard Business Review, 72(1), 107-114.), inclusive porque instrumentos de execução estratégica podem ser inovadores e transformadores. O pressuposto a ser repensado é o da estratégia universalmente aplicável a todos os negócios. Nas organizações, a ênfase da estratégia é dada ao alcance de metas e objetivos. Coerentemente, o profissional centra sua atenção nos elementos estruturantes da estratégia e no decorrente desempenho da organização, dedicando pouco tempo à reflexão sobre o fazer estratégico. Assim, MPs e DPs constituem-se em um dos raros espaços nos quais profissionais podem se permitir discutir estratégia conceitualmente e questionar a predominante lógica organizacional de que há apenas uma maneira correta de se fazer estratégia.

Outra questão derivada das práticas gerenciais de estratégia e adotada amplamente pela literatura não acadêmica é a da fórmula que garante resultados. Trata-se de prescrições de ações estratégicas sistematicamente organizadas e detalhadas, corroboradas por exemplos reais que supostamente seguiram tais preceitos e colheram seus frutos (Evans, 2013Evans, V. (2013). Key strategy tools: The 80+ tools for every manager to build a winning strategy. London, UK: FT Press, Prentice Hall.). Compreende-se o apelo de tais prescrições, tendo em vista que profissionais buscam reduzir riscos e ampliar ganhos. Basear as escolhas estratégicas em prescrições avalizadas faz suas ações parecerem mais assertivas e efetivas. Mas, no âmbito de MPs e DPs, é indispensável questionar a validade dessas abordagens prescritivas para cumprir a missão básica de qualificação para a solução de problemas complexos que as organizações não conseguem resolver.

A prática dessa leitura não acadêmica provoca uma terceira questão usualmente enfrentada no ensino de profissionais: densificar o referencial teórico de suporte ao conhecimento. A solução mais simples para lidar com o viés técnico e aplicado das leituras regularmente feitas por profissionais é a adoção curricular dos periódicos científicos de literatura executiva ou orientados a praticantes (practioner-oriented). Nesses periódicos, são publicados textos objetivos, geralmente de curta ou média extensão, elaborados por pesquisadores da área da Administração e afins, escritos com o intuito de popularizar o conhecimento científico.

A questão não é a qualidade dos artigos per se. Grande parte desses periódicos é publicada por editoras respeitadas ou por instituições renomadas. Alguns possuem elevado fator de impacto, como a Harvard Business Review e a California Management Review. Trata-se, portanto, de boas referências para atualização dos profissionais e, sobretudo, uma porta de entrada para temas de pesquisas ainda não dominados. Entretanto, tais leituras, de maneira isolada, são insuficientes para sustentar a erudição e abstração necessárias à concepção de práticas inovadoras e transformadoras. Elas representam a ponte para a travessia, mas não o porto de chegada. Por outro lado, a incorporação de textos seminais, ensaios teóricos provocativos e artigos empíricos intricados estimula a capacidade reflexiva e fortalece os argumentos retóricos dos discentes.

Essas questões obviamente não esgotam todas as inquietações vinculadas ao ensino em MPs e DPs. Oportunizam, contudo, discutir possiblidades de alinhamento do ensino da estratégia aos objetivos e propósitos da modalidade profissional. A fim de estimular esse debate, são apresentados a seguir três desafios do ensino de estratégia em cursos profissionais: pluralização, contextualização e reflexão.

PLURALIZAÇÃO

Todo profissional com alguma trajetória de vida já experimentou o processo de decisão ou de execução estratégica. Muitos possuem uma verdade preconcebida do que é estratégia. Invariavelmente, sua verdade foi concebida nos ciclos de planejamento, nas leituras de textos prescritivos e nos erros e acertos de sua carreira. Esse conhecimento empírico tem alto valor e não pode ser subestimado. Contudo, modos de compreensão únicos estreitam a compreensão de mundo e limitam a capacidade de solucionar problemas não rotineiros. Assim, a titulação de um mestre ou de um doutor requer que esse profissional se defronte com outros olhares e acolha a pluralização de ideias.

O desafio do ensino no âmbito de MPs e DPs é ampliar os horizontes dos profissionais por meio da adoção de uma pluralidade de perspectivas, fazendo da dissonância cognitiva uma alavanca de novas oportunidades de ação. Em outras palavras, proporcionar um ensino que promova o pluralismo intelectual, a flexibilidade teórica, o valor das múltiplas perspectivas, motivando a abertura, o diálogo e o questionamento dos pressupostos básicos (Morrell & Learmonth, 2015Morrell, K., & Learmonth, M. (2015). Against evidence-based management, for management learning. Academy of Management Learning & Education, 14(4), 520-533.). Ainda que profissionais experientes resistam a sair de uma confortável zona de prática, a pluralização das perspectivas intelectuais é relevante para capacitá-los em buscar formas complementares de encarar os problemas enfrentados pelas organizações.

No ensino de estratégia, a pluralização pode ocorrer ao menos de duas maneiras. A primeira e mais usual materializa-se em uma construção curricular sequencial, na qual cada encontro é destinado a abordar uma perspectiva estratégica diferente, sendo organizada em uma sequência evolutiva linear ou não. Nesse caso, os discentes profissionais passam a ter contato com a pluralidade de perspectivas ao longo da disciplina. A segunda maneira ocorre por meio de um currículo orbicular. Aqui, em um mesmo encontro, são utilizadas diversas perspectivas, antagônicas ou não, para abordar um tema específico, enfrentar uma problemática teórica ou debater uma decisão executiva. Essas e outras formas de tornar o ensino da estratégia em MPs e DPs mais diverso e plural tornam o discente profissional capacitado a rever antigos problemas com novas lentes.

A pluralização do ensino da estratégia pode, ademais, contribuir para a atualização do conhecimento do discentes. Ultimamente, inovações tecnológicas vêm afetando a tomada de decisão estratégica. Tecnologias como inteligência artificial, blockchain, internet das coisas e computação quântica fazem parte do ambiente empresarial, mas nem sempre são integradas aos currículos da pós-graduação. A tarefa de esmiuçá-las acaba sendo assumida por entusiastas ou especialistas em tecnologia, pouco dos quais estruturam seus cursos sob um olhar analítico. Assim, atualizar continuamente as perspectivas estratégicas à luz das tecnologias emergentes, além de proporcionar aos alunos uma visão crítica do fenômeno, reforça a pluralidade necessária para a inovação e transformação organizacional.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Profissionais dominam a utilização de ferramentas estratégicas. Conviveram, em sua vida executiva, com diversas modalidades de planejamento estratégico e com as formas balanceadas de acompanhar o alcance de metas e objetivos. Analisaram forças, fraquezas, ameaças e oportunidades. Conheceram vacas leiteiras, estrelas, pontos de interrogação e vira-latas. Depois, depararam-se com cadeias de atividades e diamantes. Mais recentemente, preencheram telas em branco para criar e validar hipóteses e, finalmente, encontrar sua proposta de valor. O que discentes profissionais, em sua maioria, desconhecem são as origens desse manancial prático.

A riqueza da pluralidade de perspectivas estratégicas decorre justamente do contexto na qual se originaram. Algumas estratégias têm uma procedência histórica. Nascem em contextos distantes dos negócios, nas artimanhas da política e nos estratagemas de guerra, desdobrando-se em perspectivas competitivas, de proteção de vantagens e conquista de fatias de mercado, ou em perceptivas colaborativas de alianças e de compartilhamento de recursos (Freedman, 2013Freedman, L. (2013). Strategy: A history. New York, USA: Oxford University Press.). Outras nasceram no contexto dos negócios, motivadas pela rápida expansão econômica do pós-guerra, sendo criadas pelos profissionais que estavam no comando das consultorias empresariais que surgiam em abundância (Kiechel, 2010Kiechel, W. (2010). The lords of strategy: The secret intellectual history of the new corporate world. Boston, USA: Harvard Business Press.). Contextos guiam a utilização das estratégias e, sem eles, as diversas perspectivas resumem-se a instrumentos sem eficácia.

Um dos desafios do ensino da estratégia em MPs e DPs é, portanto, contextualizar as diferentes perspectivas abordadas. Essa não é uma missão de cursos de graduação ou de lato sensu. Exige do docente a capacidade de conectar a trajetória do pensamento estratégico com a evolução econômica e social. Ademais, a incorporação do contexto nas aulas preconiza uma compreensão ampla e profunda do conteúdo. Paralelamente, requer que discentes profissionais não se contentem em dominar os aspectos técnicos e aprofundem o conhecimento de questões subjacentes.

Mas o desafio da contextualização vai além da trajetória histórica. O contexto nacional, regional, local no qual os discentes atuam determina as possibilidades das suas escolhas estratégicas. Por isso, MPs e DPs foram criados com a missão de atender à relevância social, científica e tecnológica dos processos de formação avançada nas localidades. A contextualização assume, portanto, o desígnio de questionar o pressuposto da estratégia universalmente aplicável e estimular o discente a desenvolver práticas inovadoras e transformadoras em seu próprio contexto. Ao contextualizar as perspectivas de estratégia, o docente está, por conseguinte, qualificando o profissional para cumprir a função de estrategista no mercado onde atua.

REFLEXÃO

A precisa formulação de um problema é tão importante quanto sua solução. Profissionais experientes estão acostumados a resolver problemas cotidianamente. As dificuldades fazem parte de sua rotina diária. Eles talvez estejam mais preparados a ensinar como resolvê-los do que os próprios docentes. O desafio do ensino em MPs e DPs não se limita a buscar respostas para os problemas conhecidos. O cerne de sua missão é levantar novas questões, trazendo novas perspectivas e interpretações acerca de um dado cenário, para então identificar e criar oportunidades que possam ser perseguidas pelas organizações. Para tanto, a imaginação criativa e a capacidade crítica que conformam a chamada reflexão estratégica (strategic thinking) são essenciais (Dixit & Nalebuff, 2008Dixit, A., & Nalebuff, B. J. (2008). The art of strategy: A game theorist's guide to success in business and life. New York, USA: W. W. Norton & Company.).

Estratégia não é apenas um meio para alcançar um objetivo. Ela é simultaneamente o meio e o objetivo (Gaddis, 2018Gaddis, J. L. (2018). On grand strategy. New York, USA: Penguin Press.). Objetivos triviais não requerem estratégia. Objetivos inalcançáveis não podem ser, literalmente, alcançados. A reflexão estratégica possibilita a identificação de questões e oportunidades, organizando-as dentro do escopo e da realidade dos profissionais e de suas organizações. Trata-se de um modelo de pensamento que implica o desapego à ação pela prática ou a reprodução recorrente de decisões baseadas na experiência. A reflexão estratégica ancora-se em modelos analíticos múltiplos, convergentes ou não, que provocam o autoquestionamento dos problemas e das soluções habituais.

A reflexão estratégica envolve competências que podem ser desenvolvidas no ensino em MPs e DPs. Para isso, Grant e Baden-Fuller (2018Grant, R. M., & Baden-Fuller, C. (2018). How to develop strategic management competency: Reconsidering the learning goals and knowledge requirements of the core strategy course. Academy of Management Learning & Education, 17(3), 322-338. doi:10.5465/amle.2017.0126
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) discutem os méritos e limites dos conceitos, teorias e estruturas de análise estratégica e distinguem as habilidades cognitivas e comportamentais necessárias para preencher a lacuna entre as ferramentas analíticas e as escolhas estratégicas. Resultados de estudo recente demonstram que a interação humana motiva um envolvimento comportamental mais ativo e um maior engajamento cognitivo (Hewett, Becker, & Bish, 2018Hewett, S., Becker, K., & Bish, A. (2018). Blended workplace learning: The value of human interaction. Education + Training. Publicação eletrônica antecipada. doi:10.1108/ET-01-2017-0004
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). Proporcionar uma interação que gere reflexão estratégica é um dos maiores desafios para o ensino de profissionais. O tempo disponível nas disciplinas para os alunos interagirem é curto. As análises das escolhas estratégicas expressas nos handbooks orientam a interação entre os discentes para o passado. Logo, é imperativo estruturar, no ensino em MPs e DPs, um currículo que possibilite aos alunos interagirem, de maneira estruturada e orientada, ao redor de decisões estratégicas ocorridas nas situações complexas e ambíguas da sua realidade, buscando subsídios por conta própria, gerando descobertas inesperadas e aprendendo conjuntamente.

DESAFIOS IMINENTES

O ensino de estratégia em MPs e DPs também se defronta com os desafios interpostos às demais disciplinas. A portaria CAPES Nº 275, de 18 de dezembro de 2018, regulamentou programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância. A normativa, embora não trate especificamente de disciplinas, encoraja a oferta de créditos a distância nos cursos presenciais. Há poucas experiências de ensino não presencial no stricto sensu acadêmico para seguir como orientação. Por suas peculiaridades, os cursos profissionais poderão constituir-se em lócus no qual o ensino a distância seja posto em teste no stricto sensu. Constitui, assim, um iminente desafio que se soma aos enfrentados pelo ensino de estratégia.

Na esteira das disciplinas não presenciais, prospera com expressividade a aprendizagem combinada (blended learning), que envolve participações em aula e interações mediadas por computador. Os resultados positivos da aprendizagem combinada são demonstrados por um conjunto de estudos (Bernard, Borokhovski, Schmid, Tamim, & Abrami, 2014Bernard, R. M., Borokhovski, E., Schmid, R. F., Tamim, R. M., & Abrami, P. C. (2014). A meta-analysis of blended learning and technology use in higher education: From the general to the applied. Journal of Computing in Higher Education, 26(1), 87-122. doi:10.1007/s12528-013-9077-3
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). Todavia, esses resultados requerem que o suporte computacional abranja questões cognitivas, e não apenas de conteúdo, e que os tratamentos de interação sejam dominados pelos docentes. A aprendizagem combinada é, portanto, outro desafio iminente que o ensino de estratégia enfrenta.

O rápido crescimento dos programas profissionais também traz à tona a preocupação com as questões éticas nas disciplinas. O ensino ético é um formidável desafio ao ensino de estratégia em MPs e DPs. Não se trata de rever conteúdos e incorporar a virtude de bons valores no currículo, pois esse tipo de esforço tende a ter baixo impacto sobre o comportamento dos discentes (Cohen, 2006Cohen, J. (2006). Social, emotional, ethical, and academic education: Creating a climate for learning, participation in democracy, and well-being. Harvard Educational Review, 76(2), 201-237. doi:10.17763/haer.76.2.j44854x1524644vn
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). Tendo em vista que as escolas de negócios sofreram críticas por um envolvimento cúmplice em escândalos corporativos e crises financeiras internacionais, o desafio que se impõe à ética no ensino de estratégia é repensar a sua missão, seus princípios e crenças (Murcia, Rocha, & Birkinshaw, 2018Murcia, M. J., Rocha, H. O., & Birkinshaw, J. (2018). Business schools at the crossroads? A trip back from Sparta to Athens. Journal of Business Ethics, 150(2), 579-591. doi:10.1007/s10551-016-3129-3
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). Em especial na modalidade profissional, essa reflexão demanda um distanciamento crítico de habituais práticas de operação estratégica.

CONCLUSÃO

A pós-graduação stricto sensu em MPs e DPs possui características distintas de cursos de especialização e de mestrados e doutorados acadêmicos. A modalidade tem o propósito de qualificar, em alto nível, profissionais atuantes no mercado de trabalho, tornando-os capazes de solucionar problemas complexos, inovar e transformar organizações. Esse propósito concretiza-se nas atividades de ensino. Elas se constituem no lócus apropriado para aproximar teoria e prática.

Entre os numerosos desafios da modalidade profissional, neste artigo foi dada ênfase às questões do ensino de estratégia. Para tanto, foram trazidas ao debate as inquietações compartilhadas por docentes de MPs e DPs. Tais inquietações fomentaram a discussão de três desafios, pluralização, contextualização e reflexão, que os currículos de estratégias não devem ignorar. Complementarmente, foram levantados alguns dos potenciais desafios que já afetam o ensino em MPs e DPs. Enfatizaram-se, assim, a árdua missão confiada aos docentes e a grande dedicação exigida dos discentes. Ao se valorizar a essência da modalidade, espera-se que as questões e desafios aqui brevemente abordados não sejam recebidos como uma orientação curricular, e sim como provocações para a pós-graduação brasileira, que ainda dá os primeiros passos na formação stricto sensu profissional.

  • Artigo convidado

AGRADECIMENTOS

O autor agradece a Andreia Cristina Dullius e Edson Ronaldo Guarido Filho os comentários e sugestões apontados em versões preliminares do manuscrito.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019
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