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AD BLOCKING: DISCURSOS DE ADOÇÃO E DE ANTICONSUMO DA PUBLICIDADE

Ad blocking: Discursos de adopción y de anticonsumo de la publicidad

RESUMO

A presente pesquisa investiga os discursos em torno do uso dos ad blockers. A partir de entrevistas em profundidade com consumidores que ativaram bloqueadores, três discursos emergiram em torno dessa tecnologia: 1) autonomia e controle dos efeitos da publicidade; 2) trocas na internet: assimetria, paradoxos e busca de equidade e 3) eficiência e conveniência. A partir desses resultados, discute-se o posicionamento dos estudos de anticonsumo como o estudo das "razões contra" o consumo. O trabalho propõe abordagens complementares na pesquisa de anticonsumo, menos baseadas nos aspectos intencionais e conscientes dos consumidores e na noção de poder como entidade disputada pelos atores.

PALAVRAS-CHAVE
Ad blocker; anticonsumo; resistência; poder; publicidade on-line

RESUMEN

El presente estudio investiga las narrativas que constituyen el discurso de los consumidores en la adopción de ad blockers. Basados en entrevistas en profundidad con consumidores que activaron ad blockers, se identificaron tres discursos principales en torno a esta nueva tecnología: 1) Autonomía y control de los efectos de la publicidad; 2) Intercambios en Internet: asimetría, paradojas y búsqueda de equidad, y 3) Eficiencia y conveniencia. A partir de los resultados, se discute el posicionamiento de los estudios de anticonsumo como el estudio de las "razones contra" el consumo. El trabajo propone enfoques complementarios en la investigación de anticonsumo, menos basados en los aspectos intencionales y conscientes de los consumidores y en la noción de poder como entidad disputada por los actores.

PALAVRAS CLAVE
Ad blocker; anticonsumo; resistência al consumo; poder; publicidad online

ABSTRACT

The present study investigates the discourses on the use of ad blockers. Based on in-depth interviews with consumers who have activated blockers, three discourses emerged concerning this new technology: 1) Autonomy and control of advertising effects; 2) Exchanges on the Internet: asymmetry, paradoxes, and search for equity; and 3) Efficiency and convenience. Departing from these results, this study discusses the positioning of anti-consumption studies as the study of "reasons against" consumption. The paper proposes complementary approaches to the anti-consumption research, founded less on the intentional and conscious aspects of consumers and more on the notion of power as an entity disputed by the actors.

KEYWORDS
Ad blocker; anti-consumption; resistance; power; online advertising

INTRODUÇÃO

Dentro da literatura de Marketing, estudos recentes têm buscado entender comportamentos em que os consumidores se distanciam e, em alguns casos, se opõem a empresas, categorias, marcas e ofertas do mercado (Comassetto et al., 2013Comassetto, B. H., Solalinde, G. P., Souza, J. V. R., Trevisan, M., Abdala, P. R. Z., & Rossi, C. A. V. (2013). Nostalgia, anticonsumo simbólico e bem-estar: A agricultura urbana. Revista de Administração de Empresas, 53(4), 364-375. doi:10.1590/S0034-75902013000400004
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; Kraemer, Silveira, & Rossi, 2012Kraemer, F., Silveira, T., & Rossi, C. A. V. (2012). Evidências cotidianas de resistência ao consumo como práticas individuais na busca pelo desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE. BR, 10(3), 677-700. doi:10.1590/S1679-39512012000300012
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; Oliveira, Pessôa, & Ayrosa, 2017Oliveira, R. C. A., Pessôa, L. A. G. P., & Ayrosa, E. A. T. (2017). Resistência, jamming e antipublicidade: Uma análise dos Spoof Ads da AdBusters Media Foundation. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 4(11), 1373-1437.; Suarez, Chauvel, & Casotti, 2012Suarez, M., Chauvel, M. A., & Casotti, L. (2012). Motivações e significados do abandono de categoria: Aprendizado a partir da investigação com ex-fumantes e ex-proprietários de automóveis. Cadernos EBAPE.BR, 10(2), 411-434. doi:10.1590/S1679-39512012000200010
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). No senso comum, o termo anticonsumo costuma gerar associações com os movimentos criados por ativistas contra as empresas e o sistema capitalista. Sua definição teórica, entretanto, é mais abrangente, compreendendo tanto oposições coletivas, organizadas, públicas e vocais como os boicotes contra empresas, as ações individuais mais cotidianas e até banais, ou um consumidor que termina por abandonar uma marca ou categoria. Chatzidakis e Lee (2013)Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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definem a pesquisa de anticonsumo como o estudo a respeito das "razões contra", contemplando os comportamentos em que os consumidores se distanciam de determinados consumos por preocupações éticas, ambientais, de resistência ou por divergências simbólicas.

Embora o conceito de anticonsumo englobe essas diversas possibilidades de distanciamento, a pesquisa sobre o tema tem historicamente se concentrado nos comportamentos de resistência, nos boicotes e ações praticadas por ativistas contra as empresas. Um dos desafios dos estudos sobre esse tema reside no fato de que, em outros tipos de comportamento de anticonsumo, sua ocorrência e consequências são mais difíceis de serem observadas (Chatzidakis & Lee, 2013Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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). Enquanto boicotes e protestos são comportamentos visíveis, o anticonsumo ou distanciamento mais cotidiano nem sempre é "tangível" e observável. Nesse sentido, pouco se investigou sobre comportamentos mais banais de anticonsumo, quando os consumidores terminam por se afastar de uma oferta de maneira silenciosa e desapaixonada.

A presente pesquisa investiga o uso de bloqueadores (ad blockers) como forma de contribuir com a reflexão em torno do anticonsumo. Bloqueador de anúncios é um termo que representa qualquer tecnologia que possibilite a remoção de anúncios de uma página web. Tais extensões estão disponíveis em versões gratuitas que podem ser instaladas nos browsers em desktops e notebooks ou aplicativos baixados em smartphones e tablets. Como um serviço digital, viabilizado a partir de trocas econômicas diretas ou indiretas dentro do ecossistema da internet, os bloqueadores são um contexto de consumo (MacInnis & Folkes, 2010MacInnis, D. J., & Folkes, V. S. (2010, April). The disciplinary status of consumer behavior: A sociology of science perspective on key controversies. Journal of Consumer Research, 36(6), 899-914. doi:10.1086/644610
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), e representam também uma ação visível e concreta de anticonsumo da publicidade. Assim, na presente pesquisa, entendemos que a adoção dos bloqueadores de anúncios representa tanto uma ação para facilitar a navegação na internet quanto uma forma de distanciamento da publicidade, portanto, de anticonsumo. Estudar o distanciamento da publicidade se apresenta como um contexto privilegiado para a investigação do anticonsumo, já que, além de uma experiência de consumo em si, a publicidade é uma ferramenta privilegiada de construção, modificação e difusão de gostos, crenças e valores que moldam outros consumos (Acevedo, Nohara, Campanario, & Telles, 2009Acevedo, C. R., Nohara, J. J., Campanario, M. A., & Telles, C. C. P. (2009). Ética da propaganda sob o olhar dos publicitários. RAE-eletrônica, 8(1). Recuperado de https://rae.fgv.br/rae-eletronica. doi:10.1590/S1676-56482009000100005
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).

Além da possibilidade de expandir a compreensão a respeito dos comportamentos de anticonsumo, a adesão crescente aos bloqueadores precisa ser entendida pelas empresas pertencentes ao ecossistema da internet e dependentes da receita da publicidade digital, incluindo agências de publicidade on-line, anunciantes e publishers de conteúdo e grandes players como Google e Facebook, entre outros. Em fevereiro de 2017, um relatório global destacou o crescimento da adesão a esses softwares: em sete anos, o número de usuários no mundo aumentou mais de 29 vezes, pulando de 21 milhões, em 2010, para 615 milhões, em 2017, abarcando 11% do total de usuários de internet no planeta (PageFair, 2017PageFair. (2017). The state of the blocked web: 2017 global ad blocking report. Recuperado de https://pagefair.com/downloads/2017/01/PageFair-2017-Adblock-Report.pdf
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). A perda de receita publicitária anual decorrente do uso de bloqueadores foi estimada em US$ 21.8 bilhões em 2015, o equivalente a 14% dos investimentos globais em publicidade daquele ano (PageFair & Adobe, 2015PageFair & Adobe. (2015). The cost of ad blocking: Pagefair and Adobe 2015 Ad Blocking Report. Recuperado de https://downloads.pagefair.com/wp-content/uploads/2016/05/2015_report-the_cost_of_ad_blocking.pdf
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).

A presente pesquisa contribuiu para a compreensão desse fenômeno, investigando discursos que legitimam o uso dos ad blockers e, portanto, o distanciamento da publicidade. A partir de abordagem qualitativa, baseada em entrevistas em profundidade com consumidores que adotaram bloqueadores, identificamos três lógicas que embasam o uso dessa nova tecnologia: 1) autonomia e controle dos efeitos da publicidade; 2) trocas na internet: assimetria, paradoxos e busca de equidade e 3) eficiência e conveniência.

Mais do que mapear o discurso associado aos ad blockers, o trabalho analisa a empreitada teórica de distinção entre anticonsumo e resistência (Chatzidakis & Lee, 2013Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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; Galvagno, 2011Galvagno, M. (2011). The intellectual structure of the anti-consumption and consumer resistance field: An author co-citation analysis. European Journal of Marketing, 45(11/12), 1688-1701. doi:10.1108/03090561111167441
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; Lee, Roux, Cherrier, & Cova, 2011Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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). Como argumentaremos ao longo do trabalho, a pesquisa de anticonsumo dedica-se, sobretudo, a investigar os aspectos motivacionais, conscientes e fenomenológicos, em detrimento de discussões socioculturais mais amplas. Como nossos resultados sugerem, mesmo a investigação das razões contra o consumo apresenta grande sobreposição entre aspectos funcionais ou simbólicos e os de resistência. Nesse sentido, no lugar de tentar distinguir a origem do distanciamento, nossa sugestão é que a pesquisa de anticonsumo contemple a riqueza e ambiguidade existentes nesse comportamento.

Para delinear essas contribuições, o trabalho estrutura-se inicialmente a partir da revisão de literatura, onde são explicitados alguns conceitos fundamentais de anticonsumo e resistência e de comportamento de distanciamento da publicidade. Em seguida, apresentam-se as escolhas e justificativas metodológicas no processo de coleta e análise dos dados. Após a apresentação dos resultados, articulam-se as implicações dos achados do campo com uma reflexão conceitual sobre perspectivas complementares para a pesquisa de anticonsumo.

ANTICONSUMO E RESISTÊNCIA

Chatzidakis e Lee (2013)Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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propõem anticonsumo como um termo guarda-chuva, que abrange tanto as pesquisas que investigam restrições diretamente relacionadas ao consumo em si quanto os chamados comportamentos de resistência, que se referem a atos que buscam transformar estruturas de dominação, reequilibrando diferenças de poder. De acordo com Lee et al. (2011)Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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, o anticonsumo contempla diversas práticas, como rejeição, restrição e reivindicação. A rejeição ocorre quando os indivíduos intencionalmente e racionalmente excluem bens específicos de seu ciclo de consumo, como rejeitar uma marca por razões funcionais, simbólicas ou éticas. A restrição acontece quando o consumo de um bem é reduzido ou limitado, por não ser possível cortá-lo por completo, como no caso de água ou energia elétrica. A reivindicação representa uma mudança mais ampla nas lógicas de aquisição, uso e descarte. Ocorre, por exemplo, quando consumidores optam por fazer seus próprios produtos, em vez de comprá-los em mercados.

Apesar de sugerir um caráter abrangente para anticonsumo, como o "estudo das razões contra", o framework de Chatzidakis e Lee (2013)Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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mantém a distinção entre anticonsumo e resistência, caracterizando resistência como oposição à(s) prática(s) dominante(s) do mercado, que se torna(m) antagônicas às crenças e interesses dos consumidores. A resistência do consumidor estaria, portanto, sempre relacionada à intenção de confrontar estruturas de dominação e reequilibrar relações assimétricas de poder (Dalmoro, Peñaloza, & Nique, 2014Dalmoro, M., Peñaloza, L., & Nique, W. M. (2014). Resistência do consumidor: Diferentes estágios teóricos de um mesmo conceito. REMark-Revista Brasileira de Marketing, 13(1), 119-132. doi:10.5585/remark.v13i1.2531
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; Lee et al., 2011Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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; Peñaloza & Price, 1993Peñaloza, L., & Price, L. (1993). Consumer resistance: A conceptual overview. In L. McAlister & M. L. Rothschild (Eds.), Advances in Consumer Research (v. 20, pp. 123-128). Recuperado de http://acrwebsite.org/volumes/7423/volumes/v20/NA-20
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). Paradoxalmente, a resistência nem sempre se manifesta por meio do distanciamento e pode, por exemplo, ser expressa em atos de consumo, como quando alguém compra um produto de uma marca apenas para resistir à dominação de uma concorrente.

Izberk-Bilgin (2010)Izberk-Bilgin, E. (2010). An interdisciplinary review of resistance to consumption, some marketing interpretations, and future research suggestions. Consumption, Markets and Culture, 13(3), 299-323. doi:10.1080/10253861003787031
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diferencia os estudos de resistência ao consumo em duas vertentes. A primeira, chamada de "liberatória", interessa-se pela investigação de movimentos que desafiam a lógica de mercado, seja por meio da ruptura com os códigos simbólicos do mercado ou da ruptura com as práticas de mercado. A segunda, chamada de "vinculada ao mercado", teria como premissa a noção de que os consumidores não podem emancipar-se das lógicas do mercado. Esses estudos interessam-se pelos aspectos que fomentam e ampliam os comportamentos de resistência, mais do que pelos processos de construção de crítica e emancipação ao consumo.

Aspectos discursivos e ideológicos que sustentam comportamentos de resistência foram explorados por diversos estudos, evidenciando lógicas distintas, que podem estar baseadas em oposições políticas (Sandikci & Ekici, 2009Sandikci, Ö., & Ekici, A. (2009). Politically motivated brand rejection. Journal of Business Research, 62(2), 208-217. doi:10.1016/j.jbusres.2008.01.028
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), religiosas (Izberk-Bilgin, 2012Izberk-Bilgin, E. (2012). Infidel brands: Unveiling alternative meanings of global brands at the nexus of globalization, consumer culture, and Islamism. Journal of Consumer Research, 39(4), 663-687. doi:10.1086/665413
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), nacionalistas (Alden, Kelley, Riefler, Lee, & Soutar, 2013Alden, D. L., Kelley, J. B., Riefler, P., Lee, J. A., & Soutar, G. N. (2013). The effect of global company animosity on global brand attitudes in emerging and developed markets: Does perceived value matter? Journal of International Marketing, 21(2), 17-38. doi:10.1509/jim.12.0086
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; Varman & Belk, 2009Varman, R., & Belk, R. W. (2009). Nationalism and ideology in an anticonsumption movement. Journal of Consumer Research, 36(4), 686-700. doi:10.1086/600486
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), ou na construção de identidades diferenciadas (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. doi:10.1016/j.jbusres.2008.01.025
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; Holt, 2002Holt, D. B. (2002). Why do brands cause trouble? A dialectical theory of consumer culture and branding. Journal of Consumer Research, 29(1), 70-90. doi:10.1086/339922
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; Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. doi:10.1086/425104
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).

EVITAÇÃO À PUBLICIDADE

O comportamento de se evitar a publicidade não foi inventado pelo uso de ad blockers. Segundo Duff e Faber (2011)Duff, B. R., & Faber, R. J. (2011). Missing the mark. Journal of Advertising, 40(2), 51-62. doi:10.2753/JOA0091-3367400204
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, apesar de esse comportamento ser antigo, o campo de Marketing carece de estudos que ampliem a compreensão a respeito dos fatores que levam a publicidade a ser ignorada intencionalmente ou não.

Fransen, Peeter, Kirmani e Smit (2015)Fransen, M. L. V., Peeter, W. J., Kirmani, A. & Smit, E. G. (2015). A typology of consumer strategies for resisting advertising, and a review of mechanisms for countering them. International Journal of Advertising, 34(1), 6-16. doi:10.1080/02650487.2014.995284
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propõem a distinção de três estratégias de resistência à publicidade: evitação, contestação e empoderamento. A evitação pode acontecer de diversas maneiras, incluindo comportamentos como sair da sala durante o intervalo, abaixar o volume da TV ou usar bloqueadores de anúncios, caracterizando o que os autores classificam como evitação física. A evitação mecânica acontece quando o consumidor usa o controle remoto para mudar de canal ou acelerar o comercial. Por fim, a evitação cognitiva ocorre quando o consumidor não presta atenção aos anúncios.

Estudando especificamente os anúncios na internet, Cho e Cheon (2004)Cho, C. & Cheon, H. (2004). Why do people avoid advertising on the internet?, Journal of Advertising, 33(4), 89-97. doi:10.1080/00913367.2004.10639175
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identificaram, como motivações para o distanciamento, a percepção dos anúncios como um obstáculo ao objetivo de navegação na internet, o acúmulo excessivo de publicidade e experiências negativas, relacionadas às frustrações geradas pela navegação nesses tipos de anúncios no passado. Shin and Lin (2016)Shin, W. & Lin, T. T.-C. (2016). Who avoids location-based advertising and why? Investigating the relationship between user perceptions and advertising avoidance. Computers in Human Behavior, 63, 444-452. doi:10.1016/j.chb.2016.05.036
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examinaram mais especificamente os anúncios direcionados pela localização geográfica. Os resultados também apontam os obstáculos aos objetivos de navegação, a falta de utilidade e eventuais sacrifícios necessários para habilitação como aspectos levando à evitação da publicidade.

Em síntese, a presente pesquisa contribui com a pesquisa de anticonsumo ao endereçar não apenas as motivações para se evitar a publicidade na internet, mas também os discursos que são gerados para legitimar esse comportamento. Trabalhos anteriores sobre o tema focaram-se na investigação de movimentos de resistência, públicos e coletivos. Assim, dentro da literatura de Marketing, pouco se investigou sobre comportamentos de distanciamento - anticonsumo e resistência - mais privados e silenciosos, como o que acontece na adesão cotidiana do uso de bloqueadores de anúncios. O tópico a seguir procura explicitar as escolhas metodológicas do presente estudo.

MÉTODO

Discursos não são conteúdo da mente de um indivíduo, mas criados a partir de dinâmicas intertextuais e interdiscursivas, onde cada narrativa é construída a partir de outros discursos, gêneros e registros preexistentes. Em outras palavras, discursos existem antes e perpetuam-se para além da fala de determinado interlocutor, dando direção e sentido às experiências vividas pelos indivíduos (Moisander, Valtonen, & Hirsto, 2009Moisander, J., Valtonen, A., & Hirsto, H. (2009). Personal interviews in cultural consumer research-post structuralist challenges. Consumption, Markets and Culture, 12(4), 329-348. doi:10.1080/10253860903204519
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). Discursos são modos de pensar, abarcando ideias, atitudes e comportamentos que se conjugam no entendimento da realidade. A percepção da realidade, por sua vez, é moldada e influenciada pelas práticas discursivas e interações. Assim, discursos não apenas descrevem coisas, mas fazem coisas (Grant, Keenoy, & Oswick, 1998Grant, D., Keenoy, T., & Oswick, C. (1998). Introduction: Organizational discourse: Of diversity, dichotomy, and multidisciplinarity. In D. Grant, T. Keenoy, & C. Oswick (Eds.), Discourse and organization (pp. 1-13). London, UK: Sage.).

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa, em que foram realizadas 10 entrevistas em profundidade com usuários de ad blockers para entender os discursos que legitimam esse comportamento. As entrevistas em profundidade com consumidores são uma maneira de obter conhecimento aprofundado sobre um tópico que o informante conhece bem e é capaz de falar sobre (Belk, Fischer, & Kozinets, 2013Belk, R., Fischer, E., & Kozinets, R. (2013). Qualitative consumer and marketing research. London, UK: Sage.). Para guiar as entrevistas, foi criado um roteiro semiestruturado, começando com perguntas mais abrangentes e gerais sobre consumo e internet, para, em seguida, explorar questões específicas relacionadas aos bloqueadores. Com o objetivo de gerar conversa cultural (Moisander et al., 2009Moisander, J., Valtonen, A., & Hirsto, H. (2009). Personal interviews in cultural consumer research-post structuralist challenges. Consumption, Markets and Culture, 12(4), 329-348. doi:10.1080/10253860903204519
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) e desvincular parte da entrevista de implicações muito pessoais, foram incorporadas no roteiro técnicas projetivas (Rook, 2006Rook, D. W. (2006). Let's pretend: Projective methods reconsidered. In R. W. Belk (Ed.), Handbook of qualitative research methods in marketing (pp. 143-155). Cheltenham, UK: Edward Elgar.), tornando a interação mais fluida e dinâmica. A entrevista mais curta durou cerca de 25 minutos e a mais longa, uma hora e meia. Todas as entrevistas foram transcritas, totalizando cerca de 187 páginas de material para análise.

A seleção dos participantes deu-se com a ajuda do Facebook, por meio de "post" publicado pelos pesquisadores, buscando usuários de bloqueadores. O principal filtro para participação na pesquisa relacionava-se ao uso de programas bloqueadores de anúncios. Embora a estratégia de seleção tenha sido mais abrangente do que delimitadora, o perfil dos entrevistados reflete o perfil associado aos adotantes iniciais (Rogers, 1962Rogers, E. M. (1962). The diffusion of innovations. New York, NY: The Free Press.) de novas tecnologias. De uma forma geral, todos são jovens profissionais de classes A e B, ligados à tecnologia, com elevado nível socioeducacional, potenciais formadores de opinião. A homogeneidade de perfil, em parte, também se relaciona aos aspectos de conveniência no processo de recrutamento e ao uso da técnica bola de neve (Penrod, Preston, Cain, & Starks, 2003Penrod, J., Preston, D. B., Cain, R. E., & Starks, M. T. (2003). A discussion of chain referral as a method of sampling hard-to-reach populations. Journal of Transcultural Nursing, 14(2), 100-107. doi:10.1177/1043659602250614
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), em que cada entrevistado indicava outro potencial entrevistado para participar da pesquisa. O número total de entrevistas foi determinado pelo processo de saturação teórica (Bowen, 2008Bowen, G. A. (2008). Naturalistic inquiry and the saturation concept: A research note. Qualitative Research, 8(1), 137-152. doi:10.1177/1468794107085301
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), ou seja, a partir do momento em que os relatos dos informantes começaram a se repetir e trazer poucas perspectivas que não tivessem surgido em entrevistas anteriores, a pesquisa foi encerrada. Seguindo o procedimento sugerido por Fontanella et al. (2011)Fontanella, B. J. B., Luchesi, B. R., Saidel, M. G. B., Ricas, J., Turato, E. R., & Melo, D. G. (2011). Amostragem em pesquisas qualitativas: Proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública, 27(2), 389-394. doi:10.1590/S0102-311X2011000200020
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, o Quadro 1 apresenta como se distribuiu a ocorrência de enunciados relacionados às três narrativas sobre o uso de ad blockers. Como é possível perceber no quadro, cada uma das narrativas teve pelo menos cinco manifestações distintas, conteúdo com profundidade suficiente para substanciar os resultados da análise e a compreensão das diferentes lógicas. Os nomes dos entrevistados, apresentados segundo a ordem de realização das entrevistas, foram alterados para preservar seu anonimato.

Quadro 1
Perfil dos entrevistados da pesquisa e evidências de saturação teórica

A análise de dados seguiu a proposta hermenêutica sugerida por Thompson (1997)Thompson, C. J. (1997). Interpreting consumers: A hermeneutical framework for deriving marketing insights from the texts of consumers' consumption stories. Journal of Marketing Research, 34(4), 438-455. doi:10.2307/3151963
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, em que a interpretação das entrevistas prossegue em uma série de interações entre a parte e o todo. Nesse processo, particular atenção foi dada à dinâmica mais ampla, dos "significados historicamente estabelecidos" (Thompson, 1997Thompson, C. J. (1997). Interpreting consumers: A hermeneutical framework for deriving marketing insights from the texts of consumers' consumption stories. Journal of Marketing Research, 34(4), 438-455. doi:10.2307/3151963
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, p. 442), em busca de descrever o discurso social que permeia os textos dos consumidores e identificar as estruturas significantes que legitimam o uso dos bloqueadores. Na prática, o processo interativo consistiu em dois estágios distintos. Inicialmente, todas as entrevistas foram codificadas de modo a encontrar temas recorrentes no discurso. Alguns códigos foram inspirados pela literatura existente, enquanto outros emergiram das entrevistas. Com o objetivo de compreender o contexto holístico de cada entrevista, foram produzidos, ainda, sumários, permitindo entender em profundidade cada informante. O segundo movimento foi intertextual, no qual se buscaram padrões por meio das diferentes entrevistas. Os códigos gerados foram utilizados nessa etapa para comparar e contrastar os discursos dos entrevistados. A partir desse processo constante de contraste, foram desenhadas as três lógicas que embasam os resultados que serão apresentados a seguir.

RESULTADOS

De acordo com Thompson (2004)Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. doi:10.1086/383432
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, dada a complexidade das sociedades contemporâneas, discursos são múltiplos, entrelaçam-se e competem entre si, assim os indivíduos nunca estão sob o domínio de uma única narrativa hegemônica, e foi essa pluralidade que encontramos neste trabalho. Foram identificados três discursos em torno do uso dos ad blockers: 1) autonomia e controle dos efeitos da publicidade; 2) trocas na internet: assimetria, paradoxos e busca de equidade e 3) eficiência e conveniência. A análise a seguir apresenta os aspectos centrais desses discursos.

Autonomia e controle dos efeitos da publicidade

O bloqueador é, antes de tudo, uma ferramenta de restrição à publicidade, por isso naturalmente articula argumentos de rejeição à publicidade. Assim, o interesse aqui é destacar nuances em torno desse discurso. Se os anúncios estão sendo bloqueados, há ao menos uma divergência funcional com a publicidade: um incômodo relacionado a questões de uso, ou seja, desentendimentos em relação ao caráter repetitivo, a forma ou a quantidade dos anúncios. Nesse sentido, o retargeting - que acontece quando anunciantes apresentam anúncios relacionados a buscas feitas ou páginas visitadas recentemente - é um grande foco de insatisfação dos internautas e uma motivação importante para que alguns deles utilizem ad blockers.

Uma coisa que me incomoda profundamente é quando você pesquisa uma bicicleta, compra uma bicicleta, você sabe que vai ficar durante seis meses vendo banner de bicicleta em todos os lugares que você vê na vida. (Fer­nando, 37, designer)

Uma vez eu queria saber quanto custava uma bola. Nem queria comprar, era só pra saber o quanto custava. Pesquisei, e, durante um mês inteiro, entrava no Facebook, e-mail, celular, computador ficava só aparecendo propaganda de bola. Cheguei ao ponto de comprar uma bola só pra parar de aparecer a bola na minha frente porque não aguentava mais. (Helena, 26, economista)

O retargeting permite que os anunciantes mostrem publicidade apenas aos que demonstraram interesse prévio em determinado produto ou assunto. Para os produtores e distribuidores de conteúdo, esse tipo de publicidade é interessante, pois podem cobrar mais dos anunciantes por visualização, já que estão entregando anúncios não para "meros" visitantes de seu site, mas para consumidores em potencial daquele produto.

Essa forma de publicidade, que surgiu para alavancar as vendas e melhorar a experiência dos usuários, mostrando propagandas que em princípio seriam mais relevantes, pode acabar tendo o efeito contrário quando esse ciclo de repetição de anúncios aborrece e se apresenta aos consumidores como uma forma de invasão de privacidade

Dentro do discurso de autonomia e controle dos efeitos da publicidade, encontramos argumentos que transcendem a questão funcional e atingem o caráter conceitual das ideias expressas pela propaganda, contestando suas táticas e até seu papel na sociedade. Quando os entrevistados apontam a lentidão causada pela publicidade ou a interrupção no fluxo de leitura de conteúdo, estão articulando comportamentos de rejeição funcionais. Mas, quando afirmam que a publicidade, por meio dos textos, imagens e ideias, pressiona e manipula consumidores, nossos informantes evidenciam posturas de resistência, ao reconhecerem na publicidade práticas de dominância mercadológica ou pressões comerciais (Lee et al., 2011Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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).

Tem esse lado de ser irritante pelo atraso, por estar me mostrando coisas que não estou interessada. Também outro lado é aquela questão da propaganda que te faz querer consumir coisas que não são necessárias. Outra coisa que tenho muita raiva é publicidade infantil. Lembro que teve uma época que minha priminha ficou enchendo o saco umas duas semanas porque queria ganhar um Furby. As crianças são grupos que ainda conseguem ser manipulados pela publicidade. [...] Tem também a questão dos valores. Tem propagandas que são muito sem noção ainda, que não estão adequadas ao século XXI. A gente vê essas propagandas machistas e apelativas de cerveja, chega a ser bizarro. Porque é uma ferramenta que está sendo utilizada para divulgar um produto, mas também está divulgando um comportamento que é ruim pra nossa sociedade. A gente está tendo essa discussão da cultura do estupro e esse tipo de publicidade está diretamente inserido nessa cultura. A propaganda pode ter um efeito muito nocivo na sociedade. (Helena, 26, economista)

Na fala acima, Helena articula diversos argumentos para justificar o uso do ad blocker. Seus comentários conjugam tanto os aspectos de funcionalidade quanto a natureza invasiva da publicidade, seu poder de manipulação da sociedade e estímulo para o consumo desenfreado. Para ela, adicionalmente, "o ad blocker pode ter esse efeito de fazer as pessoas consumirem menos". Nesse sentido, é importante destacar o paradoxo explicitado pelo trabalho de Morato, Arcoverde e Leal (2017)Morato, R. D. S., Arcoverde, M. T. B., & Leal, M. V. (2017). A solidão na cibercultura e o discurso do consumo consciente: Um estudo da campanha "#Usarbempegabem" da Vivo. Revista Brasileira de Marketing, 16(1), 55-67., evidenciando que as abordagens de redução do consumo são fomentadas não apenas por consumidores e ativistas, mas pelas próprias empresas em suas campanhas, com o intuito de reforçarem aspectos de responsabilidade social e reputação institucional. Nesse sentido, embora tragam aspectos de anticonsumo, os argumentos de Helena alinham-se com a perspectiva oferecida por certos anúncios publicitários e outros discursos da indústria cultural, como importantes agentes geradores do discurso dos consumidores (Costa & Pessôa, 2016Costa, A. S. M., & Pessôa, L. A. G. P. (2016). História e memória no discurso publicitário na Revista Veja. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 10(1), 19-35. doi:10.12712/rpca.v10i1.
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).

José (34, médico), por exemplo, já evitava a publicidade de outras formas antes de usar ad blocker. Na televisão, trocava de canal, achava outdoor poluição visual, desenvolvendo formas de evitação física e cognitiva em relação aos anúncios (Fransen et al., 2015Fransen, M. L. V., Peeter, W. J., Kirmani, A. & Smit, E. G. (2015). A typology of consumer strategies for resisting advertising, and a review of mechanisms for countering them. International Journal of Advertising, 34(1), 6-16. doi:10.1080/02650487.2014.995284
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). José sempre foi treinado por sua família a desconfiar do que está na propaganda, porque "quem precisa fazer propaganda não é tão bom". Em casa, sua avó arrancava todas as páginas da "Veja" quando ele era criança, e, quando terminava, destacava: "Essa é verdadeira Veja". A influência familiar foi determinante para moldar as características da rejeição de José à publicidade, levando o comportamento aprendido na infância para o mundo digital, por meio da adoção dos bloqueadores.

Roux (2007)Roux, D. (2007). Consumer resistance: Proposal for an integrative framework. Recherche et Applications en Marketing, 22(4), 59-79. doi:10.1177/205157070702200403
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afirma que a resistência ao consumo demanda a presença simultânea de três condições: que uma força seja exercida sobre o sujeito, que o sujeito a perceba, e que ele busque anular seu efeito. As três condições citadas por Roux (2007)Roux, D. (2007). Consumer resistance: Proposal for an integrative framework. Recherche et Applications en Marketing, 22(4), 59-79. doi:10.1177/205157070702200403
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estão presentes no discurso de José e Helena. Ambos acreditam que a publicidade os ilude e pressiona ao consumo, e, por isso, o ad blocker aparece como opção para anular essa força. Sob essa ótica, a narrativa de José e Helena incorporaria aspectos de resistência. Discursos como os de José e Helena, entretanto, também não deixam de estar conectados com as "razões contra o consumo em si", já que ambos os consumidores também enxergam no ad blocker benefícios como eficiência e conveniência. José e Helena são consumidores que mesclam tanto aspectos mais funcionais quanto de resistência, sendo difícil classificá-los de acordo com a distinção sugerida por Lee et al. (2011)Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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.

O exemplo de José também nos ensina que o comportamento de distanciamento da publicidade não surgiu com o ad blocker e não é uma exclusividade da publicidade digital. Táticas como mudar de canal, abaixar o volume do rádio, pular ou arrancar páginas de jornais e revistas são empregadas há tempos e aparecem na pesquisa como parte de hábitos familiares, ensinados de uma geração para outra. Nossa pesquisa evidencia, entretanto, que, no contexto da internet, os consumidores mostram-se incomodados não apenas com as estratégias semiodiscursivas utilizadas pelas empresas para atrair clientes (Castro, Oliveira, & Muÿlder 2017Castro, F. E., Oliveira, L. C. V., & Muÿlder, C. F. (2017). Análise do discurso publicitário: Estratégias discursivas. Revista Pretexto, 18(2), 135-154.), mas também com as possibilidades criadas pela tecnologia, como o retargeting. Outro recurso técnico criado pela publicidade digital diz respeito à capacidade de identificação dos consumidores que a evitam e a possibilidade de controle e punição dos usuários (Elmer, 2004Elmer, G. (2004). Profiling machines. Cambridge, MA: MIT Press.). Como ressaltam Zwick e Dholakia (2004)Zwick, D., & Dholakia, N. (2004). Whose identity is it anyway? Consumer representation in the age of database marketing. Journal of Macromarketing, 24(1), 31-43. doi:10.1177/0276146704263920.
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, "o consumidor digital não é mais totalmente anônimo ou privado" (p. 31), estando permanentemente inserido em um regime de vigilância e observação pelos recursos viabilizados pelas novas tecnologias e bases de dados eletrônicas. Esse mesmo monitoramento sistemático traz a possibilidade da imposição de medidas disciplinadoras (Zwick & Denegri-Knott, 2009Zwick, D., & Denegri-Knott, J. (2009). Manufacturing customers: The database as new means of production. Journal of Consumer Culture, 9(2), 221-247. doi:10.1177/1469540509104375
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), seja por meio das recompensas para quem consome a publicidade ou da punição para os que tentam contorná-la. Por isso, o "bloqueio aos bloqueadores", quando os adotantes dos ad blockers são identificados por seu uso da ferramenta e têm seu acesso negado em sites de conteúdo, é motivo de insatisfação para alguns entrevistados. Como veremos a seguir, os conflitos de acesso e restrição gerados a partir do uso dos bloqueadores desvelam um segundo discurso que coloca sob escrutínio os modos de troca na internet.

Trocas na internet: assimetria, paradoxos e busca de equidade

Alguns entrevistados destacam, na sua fala, uma busca por reequilíbrio de poder, característica determinante da resistência ao consumo (Lee et al., 2011Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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). Alguns consumidores acreditam participar de uma troca desfavorável ao reconhecerem a perda da sua privacidade a partir da captura de dados de usuários (Zwick & Dholakia, 2004Zwick, D., & Dholakia, N. (2004). Whose identity is it anyway? Consumer representation in the age of database marketing. Journal of Macromarketing, 24(1), 31-43. doi:10.1177/0276146704263920.
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). As empresas dominam a captura de dados, e a fazem, muitas vezes, à revelia dos consumidores (Zwick & Dholakia, 2004Zwick, D., & Dholakia, N. (2004). Whose identity is it anyway? Consumer representation in the age of database marketing. Journal of Macromarketing, 24(1), 31-43. doi:10.1177/0276146704263920.
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), que se consideram pressionados e oprimidos por essas empresas do ecossistema da publicidade digital, enxergando no ad blocker a ferramenta para reequilibrar essas relações.

No trabalho em que examina diferentes modos de troca, Belk (2010)Belk, R. (2010). Sharing. Journal of Consumer Research, 36(5), 715-734. doi:10.1086/612649
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diferencia sharing (compartilhamento) de gift giving (dar presentes) e de commodity exchange (troca de commodities). O melhor exemplo de sharing seria o de uma mãe com seu filho recém-nascido. Oferece tudo ao bebê, mas não espera nada em troca. O sharing seria baseado no compartilhamento diário de bens sem grande valor econômico, de modo constante e pouco ou sem ritualização. Já o gift giving, ou o ato de dar presentes, é aparentemente não recíproco, mas recíproco na prática. Há mudança de propriedade dos bens, e os bens oferecidos têm valor financeiro ou simbólico. Há ritual, por meio da cerimônia de troca de presentes, embalagens etc., e há expectativa, muitas vezes oculta, de se receber algo em troca, seja um outro presente com o mesmo nível de valor financeiro ou simbólico, ou bens intangíveis, como respeito, confiança, amizade. Por fim, no commodity exchange, há reciprocidade na troca, transferência de propriedade e uso de dinheiro. É um processo impessoal e sem responsabilidades entre as partes após a conclusão da transação. No presente artigo, utilizaremos a distinção proposta por Belk (2010)Belk, R. (2010). Sharing. Journal of Consumer Research, 36(5), 715-734. doi:10.1086/612649
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para evidenciar como a expectativa em relação a diferentes modos de troca na internet sustenta discursos que legitimam o uso dos ad blockers.

Fred (31, engenheiro) considera que a privacidade é o principal benefício trazido pelo ad blocker. Seu incômodo dá-se pelo fato de as empresas terem os seus dados e os utilizarem para veicular publicidade com o objetivo de vender produtos para ele. O entrevistado acredita que a internet deve ter um fluxo livre de informações e fica insatisfeito quando essa liberdade é quebrada. Gosta de estar sempre no controle e incomoda-se com um efeito colateral dos bloqueadores, que é ter seu acesso proibido por alguns sites de conteúdo que identificam seu uso do ad blocker.

Com o ad blocker, ganho um pouco de privacidade. E o fato de algumas empresas precisarem de uma informação de acesso à internet pra meu histórico de navegação pra tentar me vender alguma coisa me incomoda. Me sinto até certo ponto traído. Estou dando informações sem eu saber o que estou ganhando em troca. É uma via de mão única, isso me incomoda, e o ad blocker é uma maneira de cortar essa onda.

Fred demonstra, ao longo de sua entrevista, todo um imaginário da internet como algo "livre" e baseado em "compartilhamento". Nesse sentido, seu discurso sugere que, idealmente, empresas e indivíduos deveriam oferecer informação sem receber nada em troca, como em uma relação mãe e filho, protótipo clássico do sharing, como descrito por Belk (2010)Belk, R. (2010). Sharing. Journal of Consumer Research, 36(5), 715-734. doi:10.1086/612649
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. No entanto, as empresas não seguem essa lógica, já que precisam receber algo dos internautas para que seus negócios sejam viáveis financeiramente. Fred consegue perceber que há troca financeira ocorrendo na sua relação com o conteúdo na internet, seja por meio de pagamento direto em dinheiro por acesso ao conteúdo, como num commodity exchange, ou um pagamento indireto, como o direito de mostrar publicidade aos internautas e buscar sua remuneração vendendo essa publicidade para empresas interessadas em anunciar para aquele público.

Nesse discurso, o bloqueador aparece como instrumento a estimular a transparência nos modos de troca na internet, servindo para tornar mais explícito o que empresas e consumidores oferecem um ao outro, de modo a alcançar uma reciprocidade nas relações de troca e reequilíbrio nas relações de poder. Para Fred, na internet, informação é poder, e ele acredita estar participando de uma troca ao entregar suas informações pessoais, mas não enxerga essa troca como justa. Nesse ponto, fica explícita sua buscar por equanimidade. No momento em que o informante percebe que as empresas não seguem o imaginário corrente de sharing, mas algo mais parecido com o gift giving, ou seja, presenteiam os internautas com conteúdo, esperando que ele aceite ser exposto aos anúncios ali apresentados, o entrevistado sente-se frustrado e traído. O uso do ad blocker serve, assim, para expor a inconsistência do que seria uma lógica solidária na aparência, mas recíproca na prática. Acreditamos que, ao introduzir, o ad blocker na relação, Fred não apenas desconstrói o imaginário da internet solidária e livre, mas recusa o gift giving em que não controla exatamente o recebe, pressionando o sistema da internet para uma commodity exchange, onde o que se dá e o que se recebe se tornam explícitos.

Assim como Fred, Helena (26, economista) defende modelos de negócios que poderiam acabar ou pelo menos reduzir o incômodo com o uso gratuito das informações dos consumidores. A entrevistada acredita que o modelo freemium - acesso a serviços básicos de maneira gratuita, mas com pagamento para acessar serviços mais elaborados ­- pode ser uma opção melhor que o modelo "gratuito" suportado por publicidade. Paradoxalmente, Helena posiciona-se não só como uma usuária e promotora da pirataria, tendo prazer em explicar as ferramentas que usa para baixar esse tipo de conteúdo aos que as desconhecem.

Para Helena, tanto o uso do ad blocker quanto a prática da pirataria apresentam-se como uma forma de resistência, em comportamento similar aos consumidores investigados por Barros, Sauerbronn, Costa, Darbilly e Ayrosa (2010)Barros, D. F., Sauerbronn, J. F. R., Costa, A. M., Darbilly, L. V. C., & Ayrosa, E. A. T. (2010). Download, pirataria e resistência: Uma investigação sobre o consumidor de música digital. Comunicação, Mídia e Consumo, 7(18), 125-151. doi:10.18568/cmc.v7i18.188
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. Ao mesmo tempo, essa atitude parece fazer parte do projeto de identidade da consumidora. O que ela evita e deixa de consumir, bem como suas táticas para burlar o mercado, que se apresenta como poderoso e injusto, constitui um reforço positivo da sua identidade, algo similar aos consumidores que decidem combater certas marcas (Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. doi:10.1086/425104
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), aderir à simplicidade voluntária (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. doi:10.1016/j.jbusres.2008.01.025
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) ou abandonar certas categorias de consumo, tendo também o intuito de transformar a forma como a sociedade interage com o consumo (Suarez et al., 2012Suarez, M., Chauvel, M. A., & Casotti, L. (2012). Motivações e significados do abandono de categoria: Aprendizado a partir da investigação com ex-fumantes e ex-proprietários de automóveis. Cadernos EBAPE.BR, 10(2), 411-434. doi:10.1590/S1679-39512012000200010
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). Nesse sentido, o discurso sobre modos de troca na internet é predominantemente calcado na resistência, por articular a ideia de que as empresas são mais poderosas do que os consumidores e que estes sofrem pressões com fins comerciais, precisando reagir a essas pressões para acabar com a assimetria de poder.

Eficiência e conveniência

Ao lado dos discursos relacionados à autonomia em relação à publicidade e de contestação aos modos de troca na internet, foi possível identificar um terceiro discurso calcado nos aspectos mais banais e cotidianos, relacionados à usabilidade. Esse discurso explica o distanciamento da publicidade na internet por questões como performance (velocidade no carregamento das páginas), experiência de uso (clareza na exposição dos conteúdos, facilidade de utilização dos serviços, fluidez na navegação) e segurança no uso dos produtos. Ainda que corriqueiros e muito funcionais, esses discursos também podem ser considerados de anticonsumo por constituírem "razões contra o consumo" (Chatzidakis & Lee, 2013Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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). Nas entrevistas, o discurso calcado na eficiência e conveniência foi articulado por todos os informantes, que destacam argumentos como economia de tempo, navegação mais rápida, redução da poluição visual, evitar riscos financeiros e de fraudes, e o aumento da segurança física e emocional.

Alberto (35, economista) é um dos entrevistados que enxergam o ad blocker como uma ferramenta que lhe possibilita economizar tempo. Ao ser indagado sobre sua maior preocupação na internet, afirma que é não "perder tempo" com o que não seja o objetivo-fim da sua navegação e acredita que o ad blocker soluciona essa questão, evitando distrações com o conteúdo publicitário. Gustavo (35, engenheiro) está alinhado com a visão do ad blocker como uma ferramenta que torna mais rápido seu processo de consumo de conteúdo, ressaltando que seu objetivo não é evitar a publicidade, mas ter mais facilidade de chegar ao conteúdo que deseja sem distrações e com uma melhor experiência de uso.

A vantagem é ver o conteúdo de forma mais rápida e sem maiores transtornos. Não uso o ad blocker pra não ver comercial, eu uso pra que ele não me perturbe. Para um site que tenha muitos e ficam pipocando e te dá muito trabalho pra você ver o que efetivamente está ali pra ver. Eu gosto de entrar no site e ver o conteúdo.

Como sugere a fala acima, o uso do bloqueador não se relaciona a qualquer crítica ou restrição ao mercado ou à publicidade ou da internet. Nesse discurso, não há oposição a práticas de dominância de uma estrutura mercadológica ou a oposição a valores do mercado, o que seriam características de resistência ao consumo (Lee et al., 2011Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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). O ad blocker faz com que a navegação na internet se torne mais eficiente e conveniente, e é esse benefício que sustenta seu uso como algo legítimo.

A presença desses três diferentes discursos utilizados pelos consumidores para legitimar o uso dos bloqueadores evidencia a sobreposição de aspectos mais práticos e funcionais com aqueles mais relacionados aos aspectos de resistência, em que os consumidores buscam reequilibrar dinâmicas de poder. A discussão a seguir procura endereçar os ganhos e perdas na busca por resolver a confusão conceitual apontada por Galvagno (2011)Galvagno, M. (2011). The intellectual structure of the anti-consumption and consumer resistance field: An author co-citation analysis. European Journal of Marketing, 45(11/12), 1688-1701. doi:10.1108/03090561111167441
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no campo, onde existiria grande "confusão sobre diferenças e similaridades entre anticonsumo e resistência" (p. 1688), bem como refletir sobre perspectivas alternativas para as pesquisas futuras sobre o tema.

Reflexões sobre perspectivas complementares na pesquisa de anticonsumo

Na presente pesquisa, entendemos o uso do ad blocker como a ação a ser inventariada, mapeando os discursos que justificam seu uso e se constroem em torno dele. Ao ir além das razões, analisando discursos, a presente pesquisa consegue captar a complexidade do fenômeno de distanciamento da publicidade, evidenciando que aspectos mais funcionais e de resistência se interpõem e se reforçam mutuamente.

Pesquisadores como Chatzidakis e Lee (2013)Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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e Lee et al. (2011)Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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procuraram distinguir o que seria anticonsumo e resistência do consumidor, com o intuito de reduzir a confusão conceitual existente entre esses termos (Galvagno, 2011Galvagno, M. (2011). The intellectual structure of the anti-consumption and consumer resistance field: An author co-citation analysis. European Journal of Marketing, 45(11/12), 1688-1701. doi:10.1108/03090561111167441
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). Esses trabalhos situam resistência como confronto às estruturas de dominação e a busca de reequilíbrio de relações assimétricas de poder. Para Lee et al. (2011)Lee, M., Roux, D., Cherrier, H., & Cova, B. (2011). Anti-consumption and consumer resistance: Concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing, 45(11/12),1680-1687. doi:10.1108/ejm.2011.00745kaa.001
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, anticonsumo, além da resistência, abarca as restrições a aspectos do consumo em si, sejam eles funcionais ou simbólicos.

Como nossa análise evidencia, os discursos que legitimam o uso dos bloqueadores trazem tanto aspectos mais funcionais quanto os de resistência. Embora alguns consumidores apresentem um deles com mais ênfase, diversos entrevistados articulam dois ou três discursos para legitimar o uso dos bloqueadores. Nosso entendimento é que a distinção do que seriam os comportamentos de resistência desconsidera a sobreposição de razões, foca predominantemente os aspectos motivacionais e limita a discussão sobre os efeitos que esses comportamentos têm para as empresas, mercados e sociedade.

Na presente pesquisa, pode-se notar, por exemplo, que mesmo os consumidores que aderem ao ad blocker por aspectos de eficiência e conveniência podem terminar por alterar as dinâmicas de poder na internet, mesmo sem ter o intuito inicial de provocar tal mudança social. Da mesma forma, um ativista (resistência) pode respaldar-se nos aspectos de funcionalidade da ferramenta, para difundir sua causa para outros usuários menos engajados nas questões de poder. Atribuir e classificar tal comportamento na chancela de resistência seria uma tarefa não apenas infrutífera, mas empobrecedora do fenômeno.

A seguir, destacamos dois caminhos teóricos possíveis para pesquisadores interessados em abarcar de maneira integradora a pesquisa de anticonsumo/resistência. O primeiro sugere a importância de se ir além dos aspectos fenomenológicos e conscientes. O segundo baseia-se na adoção de outras noções de poder e, portanto, de resistência.

Além dos aspectos de agência e ação

Os estudos de anticonsumo têm historicamente dado atenção às motivações para os comportamentos de distanciamento e rejeição (Iyer & Muney, 2009Iyer, R., & Muney, J. (2009). Purpose and object of anti-consumption. Journal of Business Research, 62(2), 160-168. doi:10.1016/j.jbusres.2008.01.023
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; Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. doi:10.1086/425104
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). Destacamos, entretanto, a importância de se distinguir teoricamente a experiência de anticonsumo/resistência dos consumidores da pesquisa de anticonsumo/resistência. Nosso argumento é que a pesquisa de anticonsumo não esteja restrita às "razões contra o consumo" (Chatzidakis & Lee, 2013Chatzidakis, A., & Lee, M. S. W. (2013). Anti-consumption as the study of reasons against. Journal of Macromarketing, 33(3), 190-203. doi:10.1177/0276146712462892
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), mas possa também contemplar dinâmicas localizadas fora dos aspectos conscientes e da experiência do consumidor. Ao ancorar tal definição nas "razões" e, portanto, nos aspectos racionais desse comportamento, termina-se por limitar a compreensão do fenômeno. Destaca-se que muitas das dinâmicas que distanciam consumidores de certos consumos e/ou alteram as relações de poder são imperceptíveis e estão longe do controle dos indivíduos. Uma fragilidade de ancorar a distinção anticonsumo/resistência nos aspectos conscientes/motivacionais reside ainda no fato de que boa parte das relações de poder sequer é percebida pelo consumidor, tendo sido resultado do processo de formação do indivíduo.

Como nos lembram Hollander e Einwohner (2004)Hollander, J., & Einwohner, R. (2004). Conceptualizing resistance. Sociological Forum, 19(4), 533-554. doi:10.1007/s11206-004-0694-5
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, atos de resistência podem ter diferentes níveis de visibilidade. Se a resistência é facilmente reconhecida no contexto dos protestos, o mesmo não acontece nos atos cotidianos, que, como vimos, pode dar-se por meio do uso do controle remoto enquanto se assiste à televisão, do descarte de páginas de revistas com anúncios ou do uso de uma nova tecnologia como ad blocker. Em outros casos, atos de resistência nem sempre são interpretados como tal, como ocorre, por exemplo, com o humor e outras formas de arte. Assim, segundo Hollander e Einwohner (2004)Hollander, J., & Einwohner, R. (2004). Conceptualizing resistance. Sociological Forum, 19(4), 533-554. doi:10.1007/s11206-004-0694-5
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, a delimitação de resistência não estaria limitada a situações em que os alvos ou os observadores são capazes de identificá-la. Segundo esses autores, igualmente complexa é a discussão a respeito da intenção dos atores: Deve estar o ator intencionalmente resistindo a algum poder para que a ação seja qualificada como tal?

Essa pergunta ainda é alvo de muitas controvérsias na Sociologia (Hollander & Einwohner, 2004Hollander, J., & Einwohner, R. (2004). Conceptualizing resistance. Sociological Forum, 19(4), 533-554. doi:10.1007/s11206-004-0694-5
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), mas nosso argumento é que a delimitação da resistência segundo a intencionalidade retira do alvo importantes fenômenos. A presente pesquisa evidencia a complexidade de se caracterizar tal intencionalidade. Nossos resultados reforçam a importância de se investigar o fenômeno por uma perspectiva mais ampla, sem enquadramentos teóricos prévios e distinções entre anticonsumo e resistência.

Ao enfocar os discursos, no lugar do agente, ganham destaque os sistemas de significados, que canalizam e reproduzem pensamentos e ações dos consumidores, que têm como lastro noções culturais amplamente aceitas, ancoradas em ideologias estabelecidas. A pesquisa traz, assim, aspectos nem sempre percebidos pelos próprios informantes. Diversos entrevistados fazem um uso do ad blocker sem sequer se perceberem engajados em mudanças sociais. Entretanto, ao detalharmos o discurso em torno dos modos de troca na internet, conseguimos vislumbrar uma faceta de contestação das dinâmicas em torno do valor da informação dos clientes e seu uso por parte das empresas. É importante destacar, ainda, que os discursos permitem que os indivíduos compreendam os fatos, deem significados a eles, tomem e justifiquem suas decisões, negociando suas consequências. Nesse sentido, discursos produzem transformações na medida em que geram consensos sociais e abrem terreno para que inovações sejam introduzidas nos mercados.

Em síntese, destacamos que a distinção entre anticonsumo e resistência se embasa em uma visão excessivamente focada no agente (consumidor) e seus aspectos motivacionais, como o lugar da intenção e do poder. Essa visão terminaria por restringir o entendimento do fenômeno e relegar a um segundo plano condições estruturais e contextuais que conduzem dinâmicas de distanciamento e afetam as relações de poder. O tópico a seguir aprofunda essa discussão, discutindo como a pesquisa de anticonsumo pode ser revitalizada a partir de novas visões a respeito do poder.

Repensando poder

O conceito de poder é central na definição do comportamento de resistência, já que essa última se relaciona à intenção de reequilibrar relações assimétricas de poder. Denegri-Knott, Zwick e Schroeder (2006)Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. doi:10.1108/03090560610680952
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evidenciam que, dentro da área de Marketing, poder tem sido discutido a partir de três diferentes abordagens.

O modelo de soberania do consumidor, usualmente adotado pelos estudos de anticonsumo, entende os consumidores como soberanos, guiando o mercado com sua "mão invisível". Nesses trabalhos, percebe-se o poder como habilidade dos indivíduos livres e racionais de fazerem suas escolhas. Nessa abordagem, o poder seria uma entidade a ser dividida entre os agentes, ou seja, quando um ganha, o outro perde. Usualmente, as pesquisas dentro desse foco concentram-se nos momentos de conflito, quando se busca entender como os interesses de consumidores ou produtores prevalecem durante uma dada decisão (Denegri-Knott et al., 2006Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. doi:10.1108/03090560610680952
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). Por esse mesmo motivo, diversos estudos de anticonsumo/resistência terminam por se focar nos casos de boicote e conflito direto com as organizações.

O segundo modelo seria o de poder cultural, que rejeita o pressuposto de que o mercado é politicamente opressivo e uma força cultural autoritária para investigar as formas por meio das quais os consumidores resistem às forças disciplinadoras do mercado. Segundo Denegri-Knott et al. (2006)Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. doi:10.1108/03090560610680952
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, essa vertente inspira-se no trabalho de De Certeau (1984)De Certeau, M. (1984). The practice of everyday life. Berkeley, CA: University of California Press., teorizando consumidores como agentes criativos e ativos, inventando estratagemas e táticas para contra-atacar as estratégias das empresas. Consumidores são, assim, capazes de perceber o mercado como redes de poder antagonistas. Eles resistem menos por rejeitarem os produtos de mercado e mais por desenvolverem uma "arte de usar o que é imposto". O poder do consumidor manifesta-se nas adaptações criativas, manipulações e desvios dos usos e significados que foram propostos pelos profissionais de Marketing. O interesse nessa abordagem reside menos na mensuração do poder e mais na investigação das táticas cotidianas utilizadas pelos consumidores para navegar, subverter, manipular e utilizar as estruturas criadas e controladas pelas corporações.

Denegri-Knott et al. (2006)Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. doi:10.1108/03090560610680952
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apresentam, ainda, o modelo de poder discursivo, centrado no entendimento de como as trocas e interações entre consumidores e produtores cocriam e reproduzem o mercado. Essa perspectiva rejeita tanto a ideia de soberania do consumidor quanto a oposição entre o Marketing poderoso e os consumidores resistentes. O poder é entendido como uma força cocriada que estrutura o campo de interação e troca de agentes livres. O poder, portanto, reside na habilidade de construir discursos, como sistemas que tornam certos conhecimentos possíveis e outros inviáveis. O consumidor articula dinâmicas de poder quando consegue mobilizar estratégias discursivas para determinar o que pode ser realizado dentro de qualquer campo de ação.

Denegri-Knott et al. (2006)Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. doi:10.1108/03090560610680952
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destacam que a ideia de empoderamento se enquadra na perspectiva do consumidor soberano, mas não faz sentido nem no modelo cultural, nem no modelo discursivo, já que o foco dessas últimas não está no que se ganha ou no que se perde, mas nos estratagemas de resistência (modelo cultural) e nos aspectos de cocriação do poder (modelo discursivo). Nossa sugestão é que a pesquisa de anticonsumo/resistência teria muito a ganhar ao adotar diferentes perspectivas, que vão além da soberania do consumidor e das ações visando o reequilíbrio de poder.

A presente pesquisa, por exemplo, aproxima-se do modelo discursivo, ao jogar luz nos discursos empregados pelos consumidores no processo de legitimação dos bloqueadores. Ir além dos aspectos de motivação permite à pesquisa distanciar-se dos estereótipos de consumidores "ativistas", que combatem o sistema, ou dos "alienados", que simplesmente se integram a ele e se distanciam das ofertas em desacordo com seus propósitos. O que a presente pesquisa sugere é que se olhe o fenômeno sem impor caixas teóricas prévias - anticonsumo e resistência - podendo compreender, assim, o fenômeno em toda a sua complexidade e riqueza.

Como esse trabalho sugere, tecnologias como ad blockers têm uma influência estruturante, capaz de transformar dinâmicas de poder, mesmo que não sejam percebidas como tal pelos consumidores. A discussão das experiências e intenções dos consumidores restringe e perde o foco de um fenômeno que é muito mais complexo e abrangente que os aspectos motivacionais de distanciamento de determinadas ofertas ou consumos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa inventariou discursos dos consumidores, destacando três lógicas que respaldam o uso de ad blockers: 1) autonomia e controle dos efeitos da publicidade; 2) trocas na internet: assimetria, paradoxos e busca de equidade e 3) eficiência e conveniência. Na conjunção desses diferentes discursos, os consumidores conjugam tanto aspectos funcionais quanto de resistência. Acreditamos que, ao contemplar essa ambiguidade, evitando delimitações "a priori", a presente pesquisa contribui para o entendimento do fenômeno, na sua complexidade. Tal compreensão permite evitar, por exemplo, o estereótipo do ativista como único agente mobilizador das mudanças nas dinâmicas de poder, para incluir todos os tipos de consumidores, mesmo aqueles que praticam um distanciamento banal, cotidiano e silencioso, interessado na sua conveniência e eficiência funcional. Nesse sentido, a presente pesquisa contribui com discussão suscitada por Dolbec e Fischer (2015)Dolbec, P. Y., & Fischer, E. (2015). Refashioning a field? Connected consumers and institutional dynamics in markets. Journal of Consumer Research, 41(6), 1447-1468. doi:10.1086/680671
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, no seu questionamento a respeito das diferenças entre consumidores que não possuem uma agenda de mudança intencional quando comparados com aqueles que perseguem o propósito de mudança explícita.

O mercado é um sistema vivo de inter-relações, em que as ações de uma parte afetam a outra. Nesse sentido, seria válido investigar o fenômeno a partir de outros vértices do ecossistema da publicidade e distribuição de conteúdo on-line, entendendo o pensamento, posicionamento e práticas dos demais stakeholders, que interagem e influenciam constantemente o comportamento dos consumidores. Este trabalho também evidencia a importância de pesquisas futuras que permitam entender como as novas tecnologias representam ferramentas cotidianas de rearticulação de dinâmicas de poder. Nesse sentido, um campo abrangente de possibilidades coloca-se para investigar discursos e práticas de distanciamento empregados pelos consumidores e as reações das organizações para controlar esses comportamentos.

  • NOTA DA RAE
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada na International Social Networks Conference (ISONEC), promovida pela Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo em 2017, São Paulo, Brasil.
  • Versão original

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2018
  • Aceito
    11 Fev 2019
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