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A repercussão da corrupção brasileira na mídia: uma análise comparada das revistas Der Spiegel, L‘Obs, The Economist, Time e Veja

La incidencia de la corrupción de Brasil en los medios de comunicación: un análisis comparativo de las revistas Der Spiegel, L’Obs, The Economist, Time y Veja

Resumo

O presente artigo investiga notícias sobre corrupção ocorridas no Brasil e veiculadas em revistas semanais de ampla circulação nas quatro maiores economias ocidentais; Der Spiegel (Alemanha), L‘Obs (França), The Economist (Reino Unido) e Time (Estados Unidos da América). Também compara aquelas com as publicadas em revista brasileira (Veja). Por meio de análise de correlação avaliou-se o comportamento das notícias publicadas nessas revistas de 2003 a 2014. O artigo ainda quantificou as formas de corrupção praticada no Brasil. Entre os principais resultados, pode-se inferir que a análise das notícias sobre corrupção publicadas na revista Veja está correlacionada com as veiculadas nas revistas estrangeiras analisadas. Outrossim, houve um aumento gradativo das notícias sobre o Brasil nas revistas da amostra.

Palavras-chave:
corrupção; imagem; Brasil; revistas de notícias

Resumen

Este artículo investiga las noticias sobre la corrupción se produjo en Brasil y se emitió en revistas semanales amplia circulación en las cuatro principales economías occidentales; Der Spiegel (Alemania), Le Nouvel Observateur (Francia), The Economist (Reino Unido) y Time (Estados Unidos). También los compara con los publicados en la revista brasileña (Veja). A través del análisis de correlación evaluado el comportamiento de las noticias publicadas en estas revistas desde 2003 hasta 2014. El artículo también cuantifica la forma de corrupción practicados en Brasil. Entre los principales resultados, se puede inferir que el análisis de las noticias sobre la corrupción publicado en la revista Veja se replican de manera correspondiente en revistas extranjeras analizadas. Además se observó en el período un aumento en noticias sobre Brasil en las revistas de la muestra.

Palabras clave:
corrupción; imagen; Brasil; revistas

Abstract

This article investigates news about corruption occurring in Brazil and published in widely circulated weekly magazines in the four major western economies; Der Spiegel (Germany), Le Nouvel Observateur (France), The Economist (United Kingdom) and Time (United States of America). Subsequently comparing them with the Brazilian magazine (Veja). Through correlation analysis the behavior of the news published in these magazines from 2003 to 2014 was evaluated. The article also quantified the form of corruption practiced in Brazil. Among the main results, it is possible to say that the analysis of news about corruption published in Veja magazine is corrrelated with those published by the foreign magazines analyzed. Also, there was a gradual increase of the news about Brazil in the magazines of the sample.

Keywords:
corruption; image; Brazil; news magazines

1. Introdução

A combinação dos eventos Copa do Mundo e Olimpíadas disputados de forma sequencial num mesmo país seria suficiente para exposição ampla por parte da mídia sobre o local ser sede dos dois eventos. O Brasil, entretanto, vem atraindo atenção no exterior por outras razões. Ao longo das duas últimas décadas, a consolidação do sistema democrático brasileiro, o desempenho da economia, suas posições diplomáticas e a corrupção nos setores público e privado têm sido tópicos relevantes e recorrentes.

Poucos países em um período de menos de seis anos foram tema de quatro reportagens de capa da revista britânica The Economist. Em novembro de 2009, o Brasil foi contemplado com um artigo especial de 14 páginas que tratava da maior história de sucesso da América Latina, com o título: “A 14 Page Special Report on Latin America’s Big Success Story”. Passados quase quatro anos, a mesma revista destina sua capa a outro artigo: “Has Brazil blown it?”. Em outubro de 2014, o Brasil volta a estampar a capa da edição destinada às Américas, desta vez com a manchete: “Why Brazil needs change”, indicando sua preferência por um dos candidatos à presidência no segundo turno da eleição. Em fevereiro de 2015, uma nova edição destinada às Américas contempla novamente o país, referindo-se à combinação de estagnação econômica, inflação, corrupção e aumento das tarifas públicas como responsável pelo “atoleiro” do Brasil (Brazil’s quagmire).

É no ambiente das organizações que os atos corruptos ocorrem frequentemente, com implicação direta na administração das empresas. Por sua natureza criminosa, atos de corrupção são omitidos por seus perpetradores e usualmente negados quando investigados ou descobertos; logo, é razoável estimar que apenas uma fração dessas práticas vem à tona. Consequentemente, em função da inexistência de um banco de dados amplo e representativo dos atos de corrupção, a apuração do volume dos prejuízos que causam é comprometida. Assim, algumas ferramentas de pesquisa buscam uma alternativa a essa limitação de disponibilidade de dados por meio de consultas que indicam a existência de corrupção em determinados países a partir da opinião expressa por executivos e especialistas. Segundo Cavusgil e colaboradores (2010CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John R. Negócios internacionais: estratégia, gestão e novas realidades. São Paulo: Pearson, 2010.), o Índice de Percepções de Corrupção (2013) produzido pela Transparência Internacional mostra o nível de corrupção mundial de executivos envolvidos em negócios internacionais.

A imagem de um país exerce influência que ultrapassa decisões sobre investimentos ou do comércio internacional. Roth e Diamantopoulos (2009ROTH, Katharina P.; DIAMANTOPOULOS, Adamantios. Advancing the country image construct. Journal of Business Research, v. 62, n. 7, p. 726-740, 2009.) afirmam que uma imagem favorável do país produtor de determinado bem ou serviço tem impacto considerável na avaliação dos consumidores e, portanto, influencia as decisões de compras dos mesmos.

Desse modo, percebe-se que a imagem de um país é relevante para o desempenho de sua economia, principalmente nas operações internacionais de comércio e investimento, e que a corrupção representa uma variável importante na construção dessa imagem e, assim, passa a ser importante identificar como o Brasil é percebido no exterior. Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo identificar os tipos de corrupção recorrentes no Brasil e a exposição de notícias relacionadas com a mesma, divulgadas nas revistas de notícias: Der Spiegel (Alemanha), L‘Obs (França), The Economist (Reino Unido) e Time (Estados Unidos da América) e as compara com as publicadas na revista brasileira Veja.

2. Revisão bibliográfica

Há uma impossibilidade de conceituar corrupção de forma consensual, uma vez que o ato de corrupção e suas formas são interpretados de maneira distinta de acordo com a perspectiva pela qual são analisados. A Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu uma série de procedimentos na luta contra a corrupção. Em dezembro de 2005, entrou em vigor a United Nations Convention Against Corruption (Uncac), primeiro instrumento de combate à corrupção de caráter jurídico vinculativo e que convida países participantes à criação de estruturas legais e políticas em conformidade com padrões globalmente aceitos, ou seja, um regime internacional para combater a corrupção de forma mais eficiente.

A ONU aponta sete ações principais caracterizadas como corruptoras: suborno, desfalque/roubo/fraude, extorsão, abuso da função, favorecimento/nepotismo, exploração de conflito de interesses e contribuições políticas impróprias. As definições concentram-se em exemplos vinculados ao setor público, mas não exclui o privado, uma vez que a obra apresenta a mais utilizada definição de corrupção (UNODC, 2004UNODC. United Nations Office on Drugs and Crime. United Nations Convention against Corruption. Nova York: UNODC, 2004.:23) como “o mau uso de uma posição pública ou privada de forma direta ou indireta para o ganho pessoal”.

Na literatura econômica tampouco há consenso sobre a definição de corrupção e distintas interpretações são formuladas. Kaufmann (1997KAUFMANN, Daniel. Corruption: the facts. Foreign Policy, v. 97, n. 107, p. 114-131, 1997.:114) apresenta corrupção como o “abuso da função pública para benefício próprio”. Kaufmann (2011)KAUFMANN, Daniel; VICENTE, Pedro C. Legal corruption. Economics & Politics, v. 23, n. 2, p. 195-219, 2011. postula ainda que a corrupção é uma característica que pode ser alocada a qualquer agente público nela envolvido, tanto no papel de corruptor como de corrompido. Ainda segundo o autor há uma ênfase exagerada na exposição e discurso sobre o papel do setor público e seus agentes nos processos de corrupção, a participação do setor privado na definição de corrupção é tão central quanto a do setor público.

Do mesmo modo que os setores público e privado, o setor informal (shadow economy) está relacionado com a corrupção, no sentido de serem positivamente correlacionados (Johnson et al., 1997JOHNSON, Simon et al. The unofficial economy in transition. Brookings Papers on Economic Activity, v. 2, p. 159-239, 1997.; Hindriks et al., 1999HINDRIKS, Jean; KEEN, Michael; MUTHOO, Abhinay. Corruption, extortion and evasion. Journal of Public Economics, v. 74, n. 3, p. 395-430, 1999.; Dreher et al., 2009DREHER, Axel; KOTSOGIANNIS, Christos; MCCORRISTON, Steve. How do institutions affect corruption and the shadow economy? International Tax and Public Finance, v. 16, n. 6, p. 773-796, 2009.), também quando indicadores de percepção de corrupção são utilizados (Dreher e Schneider, 2010DREHER, Axel; SCHNEIDER, Friedrich. Corruption and the shadow economy: an empirical analysis. Public Choice, v. 144, n. 1-2, p. 215-238, 2010.), e no Brasil o setor informal é considerado grande (Bologna, 2015BOLOGNA, Jamie. The effect of informal employment and corruption on income levels in Brazil. Journal of Comparative Economics, v. 44, n. 3, p. 657-695, 2015.).

Em relação à corrupção e seus efeitos com políticas macroeconômicas, Wei (2000)WEI, Shang-Jin. How taxing is corruption on international investors? The Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 1, p. 1-11, 2000. e Campos e colaboradores (1999CAMPOS, Edgardo; DONALD, Lien; PRADHAN, Sanjay. The impact of corruption on investment: predictability matters. World Development, v. 27, n. 6, p. 1059-1067, 1999.) trataram do efeito da corrupção no volume de investimento externo direto recebido por um país. O nível de corrupção no país de destino tem função significativa no volume de investimentos recebidos do exterior, ou seja, a corrupção pode ser considerada uma das principais causas que prejudicam o desenvolvimento, particularmente em países de baixa renda, afirma Bologna (2015BOLOGNA, Jamie. The effect of informal employment and corruption on income levels in Brazil. Journal of Comparative Economics, v. 44, n. 3, p. 657-695, 2015.), e ainda os investidores pertencentes à OCDE são adversos à corrupção.

Javorcik e Wei (2009JAVORCIK, Beata S.; WEI, Shang-Jin. Corruption and cross-border investment in emerging markets: firm-level evidence. Journal of International Money and Finance, v. 28, p. 605, 2009.) aprofundam a análise da corrupção em investimentos estrangeiros em mercados emergentes e concluíram que a corrupção não apenas reduz os investimentos externos diretos, mas altera a estrutura de tais investimentos. Campos e colaboradores (1999CAMPOS, Edgardo; DONALD, Lien; PRADHAN, Sanjay. The impact of corruption on investment: predictability matters. World Development, v. 27, n. 6, p. 1059-1067, 1999.) acrescentam que a corrupção nos países do leste asiático é mais bem organizada e apesar disso tais países têm crescido mais do que os emergentes; dessa forma, cria-se um paradoxo. Jong e Bogmans (2011)DE JONG, Eelke; BOGMANS, Christian. Does corruption discourage international trade? European Journal of Political Economy, v. 27, n. 2, p. 385-398, 2011. questionam como a corrupção desencoraja o comércio internacional comparando seus efeitos no cenário global. De forma geral, a corrupção emperra o comércio global, enquanto, simultaneamente, o pagamento de propinas a oficiais alfandegários incrementa ou facilita as importações, efeito este mais robusto em países com o sistema alfandegário ineficiente. Thede e Gustafson (2012THEDE, Susanna; GUSTAFSON, Nils-Åke. The multifaceted impact of corruption on international trade. The World Economy, v. 35, n. 5, p. 651-666, 2012.) identificaram canais pelos quais a corrupção afeta o comércio e procuraram construir ferramentas de combate à corrupção.

O papel positivo desempenhado pela mídia no controle ou exposição de casos de corrupção e fraude também foi pesquisado. Miller (2006MILLER, Gregory S. The press as a watchdog for accounting fraud. Journal of Accounting Research, v. 44, n. 5, p. 1001-1033, 2006.) investigou o papel de monitoramento da imprensa sobre fraude contábil e estudou a cobertura jornalística em empresas envolvidas nesses atos, e Camaj (2012CAMAJ, Lindita. The media’s role in fighting corruption: media effects on governmental accountability. The International Journal of Press/Politics, v. 18, n. 1, p. 21-42, 2012.) tratou do papel da mídia no combate à corrupção e seus efeitos na accountability governamental. Entretanto, diferentemente dos países europeus, essa alternativa é pouco encorajada para a solução de longo prazo da corrupção em países em desenvolvimento com baixos níveis de educação. Como opções, o foco deveria ser na redução do Estado (Stone et al., 1996STONE, Andrew; LEVY, Brian; PAREDES, Ricardo. Public institutions and private transactions: a comparative analysis of the legal and regulatory environment for business transactions in Brazil and Chile. In: ALSTON, Lee J.; EGGERTSSON, Thrainn; NORTH, Douglass C. Empirical studies in institutional change. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 95-128.) e do setor informal (Bologna, 2015BOLOGNA, Jamie. The effect of informal employment and corruption on income levels in Brazil. Journal of Comparative Economics, v. 44, n. 3, p. 657-695, 2015.).

3. Metodologia

Os instrumentos de comunicação pesquisados foram edições impressas de revistas semanais publicadas nas quatro maiores economias ocidentais: Estados Unidos da América, Alemanha, Reino Unido e França, que se deu por meio de consulta aos websites de cada revista e/ou portal. No Brasil, o acesso às notícias foi realizado em pesquisa ao acervo digital da revista Veja.

A definição dos títulos das revistas a serem analisadas baseou-se em dois critérios, um excludente, que inclui apenas as revistas de notícias sobre política e economia, e outro, classificatório, onde foram identificadas as revistas com a maior circulação nos países estudados.

Ainda em relação aos procedimentos metodológicos, cabe informar que o Instituto Verificador de CirculaçãoINSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO. Publicações auditadas - revistas. Disponível em: <Disponível em: http://www.ivcbrasil.org.br/apublicacoesauditadasrevista.asp >. Acesso em: 12 jan. 2014.
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(IVC) tem como uma das atividades principais a verificação técnica e a auditoria de informações utilizadas para a comercialização de espaço publicitário e aponta a revista Veja como a de maior circulação no país. A Pew Research Center publica um relatório sobre o estado da mídia de notícias, The state of the news media, uma análise sobre distintas variáveis em publicações em língua inglesa. A revista Time lidera o ranking das revistas produzidas nos Estados Unidos da América e a revista britânica The Economist é a líder das publicações não estadunidenses. Na Alemanha, no ranking TOP 100 Zeitschriften, publicado em 2015, a revista Der Spiegel ocupa a primeira posição. Na França, o relatório Observatoire de la presse, emitido em 2015, aponta a revista L’Obs (até 2014 chamada de Le Nouvel Observateur) como a revista de notícias de maior circulação no país.

A coleta de artigos incluiu todas as edições impressas das revistas no período entre 1o de janeiro de 2003 e 31 de dezembro de 2014. Considerou-se o ano de 2003 marco no aumento da importância do Brasil na economia mundial a partir da popularização do conceito “Bric”.

Como critério de busca de artigos nas revistas estrangeiras foi utilizada a palavra Brasil em cada um dos três idiomas, em qualquer local do artigo, ou seja, não limitado ao título e subtítulo, e foram considerados todos os artigos em que o Brasil apareça no título ou subtítulo.

Para os artigos nos quais a referência ao Brasil conste apenas no texto, a filtragem para a inclusão ou não dos mesmos na base de dados foi feita por análise de conteúdo (Bardin, 2009BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.).

4. Resultados

Os artigos das publicações estrangeiras e as capas foram classificados de acordo com o assunto tratado. A exposição de temas na mídia local foi analisada tomando-se como referência os assuntos de capa da revista Veja.

A cobertura de corrupção como tema principal das edições da Veja ocupa a primeira posição em relevância, com participação de 15,6% (97 edições), junto com o tema saúde (tabela 1).

Tabela 1
Assuntos abordados na capa da revista Veja

A análise dos 757 artigos sobre o Brasil das quatro publicações internacionais indica o tema corrupção ocupando a quinta posição. Os 55 artigos publicados sobre corrupção no país representam 7,3% do total. Seguidos por economia (146 artigos, 19,3%), política (139 artigos, 18,4%), comportamento e sociedade (85 artigos, 11,2%) e internacional (67 artigos, 8,9%), que apresentaram maior destaque nas publicações estrangeiras (tabela 2). Comparando-se esse resultado com o da tabela 1, a participação do tema corrupção como reportagem principal da revista Veja em 15,6% das edições supera a exposição do mesmo tema nas revistas estrangeiras (7,3%).

Tabela 2
Artigos sobre o Brasil abordados nas revistas internacionais

Em relação à cobertura sobre o Brasil nas publicações estrangeiras, verificou-se que o Brasil é tema de 757 artigos publicados nas quatro revistas estrangeiras, indicando uma frequência superior a um artigo por semana.

No mesmo período foram produzidos 55 artigos, 7,3% do total sobre corrupção no país. Para exemplo destacam-se os dois resultados mais relevantes: a The Economist com 515 artigos sobre o Brasil (68% do total), dos quais 42 sobre corrupção (76%), e a Der Spiegel que apresenta 159 publicações (21% do total) e 9 sobre corrupção (16%) (gráfico 1).

Por outro lado, juntas, Time e L’Obs representam 11% da cobertura sobre temas referentes ao Brasil, menos de 8% dos artigos sobre corrupção.

O idioma inglês e o consequente apelo a um público não residente no Reino Unido (e que não domina o alemão ou francês) poderiam justificar a dedicação maior da revista a temas internacionais. Entretanto, a Time tem participação mínima nos resultados, ainda que compartilhe o mesmo idioma da The Economist.

Gráfico 1
Artigos sobre o Brasil e sobre corrupção

Verificou-se uma crescente participação do Brasil nas principais revistas ocidentais. Dessa forma, a correlação entre o tempo e as notícias veiculadas pelas revistas é positiva e forte (0,75), ou seja, à medida que o tempo passa, aumenta o número de artigos publicados sobre o Brasil nas revistas estrangeiras avaliadas.

Quanto às notícias sobre corrupção, não foi possível identificar correlação suficientemente sólida do volume de artigos publicados ao longo do tempo que permitisse a identificação de comportamento crescente. O “Mensalão” pode ser responsável por esse resultado, já que concentrou sua exposição em dois momentos, a revelação do fato (2005) e a condenação e prisão dos envolvidos (2012 e 2013).

As reportagens de capa da revista Veja indicaram participação expressiva do tema. Das 623 publicações em 12 anos, 97 trazem capas de casos de corrupção ou consequências do ato. Durante o período, 15,5% das capas trazem corrupção e suas consequências como tema, participação superior à encontrada nas publicações estrangeiras (7,3%).

A correlação das variáveis tempo × tema de capa sobre corrupção da revista Veja com r = 0,324 indica que não há correlação significativa entre tempo e quantidade de capas que tratam de corrupção. Ou seja, uma eventual afirmação de que o número de capas da revista Veja publicada ano a ano e que tratam de corrupção tenha aumentado ao longo dos últimos 12 anos não pode ser sustentada estatisticamente.

Também foram avaliadas as formas de corrupção praticadas no Brasil com base nos temas de capa da revista Veja. Ao longo dos 12 anos compreendidos nesta análise, as 97 capas que trataram de corrupção apresentaram formas classificadas pela UNODC como fraude/desfalque/roubo (tabela 3).

Tabela 3
Tipos de corrupção e artigos da revista Veja

A revista Veja escolheu o tema corrupção e suas consequências como capa em 97 edições ao longo dos 12 anos da análise. No mesmo período, 55 artigos que tratam de corrupção no Brasil foram divulgados nas principais revistas de notícias das quatro maiores economias ocidentais. Destaca-se o número de eventos registrados em 2005, primeiro ano de divulgação de notícias sobre o “Mensalão”. O coeficiente r = 0,537 indica uma relação próxima entre as duas variáveis, com grau de certeza superior a 95% na hipótese de serem correlacionadas positivamente.

Os dois principais eventos de corrupção no Brasil ao longo do período, “Mensalão” e “Petrolão”, foram considerados nesta pesquisa como crimes de fraude/desfalque/roubo ao patrimônio de organizações públicas. Ainda que o objeto das duas operações tenha sido predominantemente voltado para o financiamento ilícito de partido político e, portanto, relacionado com contribuições políticas impróprias, o delito tem no crime de fraude/desfalque/roubo sua ação inicial, geradora de um objetivo posterior.

5. Conclusão

Ao longo do período compreendido entre 2003 e 2014, o Brasil passou a ocupar maior importância no cenário internacional por conta de seu crescimento e sua inclusão entre os Brics. Além disso, os eventos Copa do Mundo e Olimpíadas também foram importantes para essa exposição. Por outro lado, o país também tem atraído atenção por questões que têm afetado sua reputação, especialmente os casos de corrupção.

Neste estudo observou-se que os casos de corrupção representam 7,3% da quantidade dos artigos sobre o Brasil publicados nas revistas internacionais pesquisadas. Quando a análise foi desenvolvida na mídia impressa brasileira, representada pela quantificação de artigos de capa da revista Veja, os casos de corrupção e suas consequências ocuparam 15,6% das reportagens principais em cada edição do semanário.

Quantificou-se também a divulgação de notícias sobre o Brasil no exterior. A análise da exposição de artigos sobre o Brasil nas revistas de maior circulação das quatro grandes economias ocidentais, Time nos Estados Unidos da América, Der Spiegel na Alemanha, The Economist no Reino Unido e L’Obs na França, aponta um índice de correlação que permite afirmar com grau de segurança superior a 99% que os artigos publicados sobre o Brasil vêm crescendo ao longo do período avaliado.

Ao replicar-se a análise para a exposição de artigos sobre corrupção, não foi possível identificar um índice de correlação que permita afirmar que as notícias sobre corrupção aumentaram ao longo do tempo. A frequência de artigos publicados no exterior bem como a frequência de reportagens de capa da revista Veja apresentadas ao longo dos 12 anos analisados não permite uma conclusão definitiva sobre uma eventual tendência de exposição dessas notícias. Observou-se, entretanto, uma concentração de notícias sobre corrupção em dois períodos, primeiro no ano de 2005 e posteriormente no quadriênio de 2011, 2012, 2013 e 2014. Essa concentração de notícias, possivelmente vinculadas ao caso “Mensalão”, aponta para o ano de descoberta do caso (2005) e posterior desdobramento, julgamento (2011), condenação (2012) e prisão dos condenados (2013), bem como para a exposição do caso “Petrolão” em 2014.

A análise mostrou que há correlação entre as duas distribuições, ou seja, a quantidade de notícias sobre corrupção divulgadas no exterior reflete a exposição dada pela mídia impressa no Brasil.

Finalmente, a corrupção brasileira e este estudo de certa forma demonstram que a corrupção que se consegue efetivamente relatar é possivelmente muito inferior àquela que acontece; como a clássica figura do iceberg, o que se enxerga é apenas uma pequena parte do todo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2016
  • Aceito
    05 Dez 2016
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