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Participação e miséria brasileira: o participacionismo nas condições de possibilidade do capitalismo no Brasil

La participación y la miseria brasileña: el participacionismo en las condiciones de posibilidad del capitalismo en Brasil

Resumo

O presente ensaio propõe um tratamento materialista da participação a partir de sua diferenciação ante as correntes dominantes na explicação das dificuldades de efetivação das formas participativas na esfera política no Brasil. De um lado, coloca-se o culturalismo que acusa a ausência de uma preparação formal ou cultural para a participação. De outro, insurge a corrente que identifica no neoliberalismo o fator impeditivo. A proposta de diferenciação aponta para o estudo das condições reais de possibilidade da forma política a partir da análise do processo de objetivação do capitalismo no Brasil, trazendo à baila a particularidade dessa formação pela chamada via colonial. A constatação básica é a de que a participação no capitalismo atrófico é uma forma particular de participacionismo em razão de processos de transformação incipientes e de modernização excludente que bloqueiam a participação popular, garantindo os interesses ligados às conciliações das classes dominantes.

Palavras-chave:
participação; participacionismo; capital atrófico; particularidade; Brasil

Resumen

El presente ensayo propone un tratamiento materialista de la participación a partir de su diferenciación delante de las corrientes dominantes en la explicación de las dificultades de materialización de las formas participativas en la esfera política en Brasil. Por un lado, se coloca el culturalismo que acusa la ausencia de una preparación formal o cultural para la participación. Por otro, repunta la corriente que identifica el neoliberalismo como factor que la impide. La propuesta de diferenciación apunta para el estudio de las condiciones reales de la posibilidad de la forma política a partir del análisis del proceso de objetivación del capitalismo en Brasil, trayendo a la discusión la particularidad de la formación por la llamada vía colonial. La conclusión básica es la de que la participación en el capitalismo atrófico es una forma particular de participacionismo en razón de procesos de transformaciones insipientes y de la modernización excluyente que bloquea la participación popular garantizando los intereses ligados a las conciliaciones de las clases dominantes.

Palabras Clave:
participación; participacionismo; capital atrófico; particularidad; Brasil

Abstract

This article develops an approach about participation based on materialism, and establishes its differences — in comparison to the dominant lines of thought — when it comes to explaining the difficulties to obtain effective political participation in Brazil. On one hand, culturalism points to a lack of formal or cultural preparation to participate. On the other hand is the notion that neoliberalism is the limiting factor. The differentiation of the approaches proposes the study of the real conditions of possibility for participation, given by the format of the policies, starting by analyzing the process of objectivation of capitalism in Brazil, considering the particularity of such format discussing the colonial way. The basic understanding is that the participation in the atrophic capitalism is a particular form of participacionism because of the process of incipient transformations and the excluding modernizations which block the popular participation and secure the interests of dominant classes.

Keywords:
participation; participacionism; atrophic capital; particularity; Brazil

1. Introdução

O assim chamado processo de redemocratização no Brasil, a partir da luta organizada de diferentes agentes sociais, materializou-se positivamente nas previsões constitucionais acerca da participação direta da sociedade civil junto às deliberações e decisões sobre políticas públicas. Portanto, expectativas e esperanças foram depositadas nos diferentes mecanismos de participação a serem implementados e regulamentados no período pós-constitucional.

A Carta de 1988 determina que todo poder emana do povo, o qual o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. O sistema partidário se tornou pluralista, os municípios ganham autonomia na federação,1 1 Barreto (2011:213) constata que “principalmente após a Constituição de 1988, os municípios passaram a ser uma esfera de governo estratégica quanto às políticas públicas. E devido a alguns encargos que vêm assumindo como entes governamentais neste novo ciclo municipalista, tornaram-se caudatários de muitas competências que se desprenderam da esfera federal. Aquela Carta também permitiu uma descentralização que tornou crucial a esfera de poder local”. foram previstos novos mecanismos de exercício do poder político e de expressão da soberania popular. A expansão de direitos sociais e os órgãos de controle também foram elementos que estimularam mudanças nas legislações complementares e ordinárias para acompanhar a nova fase política pós-ditadura militar. Assim, ocorreram referendos, plebiscitos, conferências de políticas públicas, ampliação e redefinição do papel das audiências públicas, ampliação dos conselhos e comitês, instituição de experiências de orçamento participativo e elaboração de planos diretores municipais.2 2 Segundo Vaz e Pires (2011:248), “Incitada pela sua promulgação em 1988, as chamadas IPs — como conselhos gestores, experiências do orçamento participativo (OP), conferências etc. — têm sido disseminadas pelos municípios do país, tornando-se realidade inevitável para os gestores na conformação e administração geral de políticas em áreas tão diversas quanto saúde, educação, infraestrutura urbana e meio ambiente.

Entretanto, após quase três décadas da “nova república”, a democracia participativa não logrou se efetivar da maneira como se esperava. Diferentes análises, por diferentes perspectivas e “níveis de análise”, têm tentado dar conta de compreender quais as razões e qual o sentido dessa não realização da democracia participativa no Brasil.

Duas perspectivas de análise se destacam na tentativa de explicar esses limites. Uma primeira perspectiva enfatiza a ausência da “cultura política” necessária para os agentes e atores políticos responsáveis pela implementação dos mecanismos necessários para o desenvolvimento da participação no Brasil. A segunda perspectiva enfatiza a guinada neoliberal da política brasileira, materializada especialmente a partir da vitória do projeto político representado pela eleição de Fernando Collor em 1989 e no desenrolar posterior sob tutela psdebista e petista.

Sem esgotar a miríade de outras correntes, nosso propósito é apontar os traçados básicos dessas duas linhas para, em seguida, sugerir uma terceira posição de análise da realidade brasileira centrada no materialismo traçado por Marx, Lukács e Chasin. Essa posição sugere que a participação no Brasil é um participacionismo3 3 Como tentaremos demonstrar, participacionismo pode ser aludido aqui provisoriamente como uma modalidade de integração de demandas populares por maior influência na administração pública, mas que se dá em condições econômicas inalteradas e com efeitos limitados. Trata-se de um modo de integração das classes dominadas de modo que não se alterem as estruturas dessa própria dominação. engendrado pelas condições reais de possibilidades em razão da trajetória de objetivação do capitalismo no Brasil pela chamada via colonial. Nesse sentido, o participacionismo não é um desvio do impulso democratizante nem traçado cultural brasileiro, mas se explica pelas condições objetivas da formação de um capitalismo atrófico que implica uma forma política refratária à participação popular na gestão do Estado.

Nosso objetivo não poderia ser o de esgotar as discussões, mas o de apontar elementos para essa análise, procurando determinar os nexos entre a gestão do Estado e as contradições sociais. A participação popular na gestão do Estado seria uma mediação relevante de condicionamento das políticas econômicas e, portanto, do próprio desenvolvimento econômico. Compreender melhor as possibilidades da participação no capitalismo brasileiro possui, por esse motivo, peso explicativo para as próprias políticas econômicas e para o tipo de desenvolvimento excludente que marcam a história nacional. Além disso, a propositura que faremos adiante acerca do materialismo pode contribuir igualmente para os debates tangentes à pesquisa na administração pública, uma vez que retoma os elementos mais centrais do pensamento marxiano e que são frequentemente ignorados nessa área.

Apresentamos no próximo tópico as duas correntes principais. Adiante discutimos a fundamentação materialista a partir dos lineamentos marxianos. No penúltimo tópico apresentamos as determinações fundamentais da via colonial como desdobramento histórico da discussão retida do materialismo. Por fim, apresentaremos nossas considerações finais.

2. Culturalismo e neoliberalismo

A recuperação dos muitos estudos realizados no Brasil tangentes às experiências de participação revela ao menos duas teses mais centrais com relação às dificuldades de efetivação, conforme já anunciado na introdução do presente trabalho.

No fundo, possuem uma base semelhante; aquela dos juristas e cidadãos surpreendidos com a não realização de uma lei tão avançada. O diagnóstico é parecido, mas o diapasão é outro.

No geral, os achados dão conta do insuficiente processo de realização das conquistas alcançadas por meio da Constituição de 1988. O próprio Anteprojeto de Constituição, tornado público já em 1986, revela a altura da esperança de parte da sociedade, pois o “conteúdo abrangente, de caráter social-democrático”, criava a “oportunidade, propiciada a todo e qualquer cidadão brasileiro, de falar e ser ouvido, de participar e sentir sua participação examinada com seriedade” (Marquesini, 1986MARQUESINI, Ana B. G. Participação: a palavra de ordem na elaboração da nova constituição. Rev. Adm. Pública, v. 20, n. 4, p. 5-14, out./dez. 1986.:12). Se houve ou não uma reta análise do sentido da Constituição de 1988 é assunto que devemos ter em mente, levando-se em conta nossa atual posição historicamente privilegiada do post festum. O certo, porém, é que naquele período aparecia uma normatização da participação com grande conteúdo progressista.

Pouco tempo transcorrido, iniciaram-se pesquisas sobre a efetividade dos mecanismos de participação. Em 1989, lia-se que “mesmo quando as relações entre governo municipal e população foram substantivamente alteradas para melhor […] há muito a ser conquistado e consolidado na ampliação dos espaços institucionais de participação” (Fischer e Teixeira, 1989FISHER, Tânia; TEIXEIRA, Angela. Poder local e participação Espanha/Brasil - perspectivas constitucionais, avanços e limites. Rev. Adm. Pública, v. 23, n. 4, p. 86-92, ago./out., 1989.:46). Era comum esse diagnóstico, identificando o caráter progressista, os passos dados e os que ainda faltavam para mais avançar.

Muito rapidamente surgem as inquirições sobre as causas dessa inefetividade. Inicia-se o sempre renovado argumento que se sustenta na onipotência da vontade. Dizia Pedro Demo em 1991DEMO, Pedro. Participação e planejamento - arranjo preliminar. Rev. Adm. Pública, v. 25, n. 3, p. 31-54, jul./set. 1991.:

É possível montar proposta sistemática de planejamento social participativo, […] imprimindo em muitas áreas de atuação pública, hoje dispersas e disparatadas, sentido de compromisso com o processo histórico de realização de direitos fundamentais, e, assim, de colaboração importante na construção da democracia. [Demo, 1991DEMO, Pedro. Participação e planejamento - arranjo preliminar. Rev. Adm. Pública, v. 25, n. 3, p. 31-54, jul./set. 1991.:53]

Com uma legislação tão progressista, bastava a vontade política para converter a lei em aplicação.

Aparentemente, a vontade não se manifestou, pois a conclusão emblemática de que “o processo de participação do público no planejamento de obras hídricas é, no Brasil, um processo incipiente” (Campos, 1995CAMPOS, José N. B. Participação do público no processo decisório: açude Castanhão, um estudo de caso. Rev. Adm. Pública, v. 29, n. 3, p. 157-170, jul./set. 1995.:170) repercute muito do que foi divulgado nos períodos subsequentes para outras experiências de participação. A tônica é a da insuficiência, algo aquém daquilo que foi expresso na letra constitucional.

A questão da vontade política encontra morada na primeira tese com força explicativa dessa inefetividade. É bem conhecida a fundamentação culturalista que procura situar as limitações impostas por um tipo de cultura política nacional. À guisa de exemplo, adota-se um “conceito de cultura política” referente “à generalização de um conjunto de valores, orientações e atitudes políticas entre os diferentes segmentos em que se divide o mercado político [!] e resulta tanto dos processos de socialização, como da experiência política concreta dos membros da comunidade política” (Silva e D’arc, 1996SILVA, Paulo R. G.; D’ARC, Hélène R. Participação social: instrumento de gestão pública? Elementos para um debate sobre a gestão de cidades brasileiras. Quais as perspectivas nos anos 90?. Rev. Adm. Pública, v. 30, n. 2, p. 44-70, mar./abr. 1996.:48). Daí resulta a apreensão de

inviabilidades e limites [que] se tornaram explícitos nas tentativas governamentais de desenvolver experiências participativas, como por exemplo as dificuldades de identificação do movimento popular, a existência de um setor público administrativamente improdutivo, burocratizado e com forte cultura centralizadora e setorializada, a falta de acesso dos cidadãos à informação e a não explicitação dos canais de participação. [Silva e D’arc, 1996SILVA, Paulo R. G.; D’ARC, Hélène R. Participação social: instrumento de gestão pública? Elementos para um debate sobre a gestão de cidades brasileiras. Quais as perspectivas nos anos 90?. Rev. Adm. Pública, v. 30, n. 2, p. 44-70, mar./abr. 1996.:49]

A explicação culturalista toma uma forma mais acabada, como segue:

[…] apesar de haver variáveis regulativas que obrigam a realização do processo de audiências públicas do orçamento, a participação da sociedade civil encontra dificuldades para ser exercida, pois é influenciada por variáveis normativas e cultural-cognitivas que atuam negativamente no processo. As variáveis normativas e cultural-cognitivas são baseadas nos valores, crenças e variáveis culturais como a cultura política e o clientelismo orçamentário que desta deriva. Dentro da lógica de sistemas, isso ocorre porque os vereadores fazem parte de um subsistema próprio, que é autopoiético, tem valores e normas próprios e dificulta a entrada do subsistema sociedade civil que busca participar do subsistema legislativo. Apesar de se abrir à participação, o subsistema Poder Legislativo o faz moldando a participação conforme padrões de conduta já existentes na relação entre parlamentar e sociedade civil. [Brelàz e Alves, 2013BRELÀZ, Gabriela de; Alves, Mário A. O processo de institucionalização da participação na Câmara Municipal de São Paulo: uma análise das audiências públicas do orçamento (1990-2010). Rev. Adm. Pública, v. 47, n. 4, p. 803-826, jul./ago. 2013.:822]

Trata-se, portanto, de uma dificuldade potencialmente contornável por meio da aposta na informação e na capacitação dos conselheiros e demais interessados (Gohn, 2006GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e gestão pública. Ciências Sociais Unisinos, v. 42, n. 1, p. 5-11, 2006.). A “formação cidadã” surge, então, como meio de enfrentamento das dificuldades impostas pela autorreferente cultura política nacional.

Em outro diapasão, e com menor dificuldade em lidar com a dimensão econômica que envolve o problema da participação, as análises que enfatizam o impacto do “neoliberalismo”4 4 Para se somar ao nosso alerta de que não se objetiva esgotar o assunto, é preciso dizer que já se acumularam muitas páginas sobre o sentido do conceito de “neoliberalismo”: como “ideologia”, como fase financeirizada do capitalismo, como política específica da gestão do Estado etc. A discussão também produziu postura teórica alinhada ao ambiente intelectual francês, como Pierre Dardot e Christian Laval, seguindo uma analítica foucaultiana de uma “racionalidade neoliberal” (Andrade e Ota, 2015). Essa analítica também tem ganhado terreno no Brasil. De toda forma, persiste nela o problema de atribuição ao “neoliberalismo” do que é do capitalismo. Para Dardot e Laval, o “neoliberalismo não é um modo de governo que faz da adesão a uma doutrina o meio privilegiado de poder; ele se apoia, sobretudo, na coerção que exerce sobre os indivíduos por meio das situações de concorrência que coloca ativamente em prática” (Andrade e Ota, 2015:284). Remetemos o leitor às incontáveis indicações de Marx à luta de todos contra todos no capitalismo. Como ilustração, lê-se que a “divisão social do trabalho confronta produtores autônomos de mercadorias, que não reconhecem outra autoridade senão a da concorrência, da coerção que sobre eles é exercida pela pressão de seus interesses recíprocos” (Marx, 2013:430). É uma indicação que aparece em inúmeros lugares da reflexão marxiana por se tratar de um traço imutável do capitalismo até agora. Assim se vê que, enquanto os economistas clássicos tendiam a universalizar para todas as épocas o que era característico do capitalismo, essa linha francesa opera, diferentemente, pela particularização dos traços gerais do capitalismo a um de seus períodos muito específicos. De qualquer forma, é persistente o problema de apontar o neoliberalismo como fator interferente. têm a vantagem de não sucumbir à suposta “onipotência da vontade” e de abrir mais diretamente as contradições das quais vive o capitalismo. Os aspectos problemáticos são outros.

O ponto de arranque, entretanto, se ancora ainda nas potencialidades não vindas ao mundo por mediação da Constituição de 1988, que foi parcialmente impugnada por um projeto econômico-político ascendente nos anos de 1980-2000. Trata-se de identificar no neoliberalismo a obstrução. Aqui permanece a problemática de uma correta apreensão do sentido da Constituição de 1988, ao qual retornaremos adiante.

Não obstante, seguindo Dagnino (2004bDAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando. In. MATO, Daniel (Org.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES. Venezuela: Universidad Central de Venezuela, 2004b. p. 95-110.:98), “o avanço da estratégia neoliberal determinou uma profunda inflexão na cultura política no Brasil e na América Latina”. A problemática é tomada como resultado do embate entre distintos projetos, o democrático e o neoliberal, pois este

operaria não apenas com uma concepção de Estado mínimo, mas também com uma concepção minimalista tanto da política como da democracia. Minimalista porque restringe não apenas o espaço, a arena da política, mas seus participantes, processos, agenda e campo de ação. [Dagnino, 2004bDAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando. In. MATO, Daniel (Org.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES. Venezuela: Universidad Central de Venezuela, 2004b. p. 95-110.:108]

A despeito de a autora ter colocado, em outro lugar, um peso demasiado sobre uma “crise discursiva”, a tônica da “confluência perversa” permanece firme, pois

essa crise discursiva resulta de uma confluência perversa entre, de um lado, o projeto neoliberal que se instala em nossos países ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto democratizante, participativo, que emerge a partir das crises dos regimes autoritários e dos diferentes esforços nacionais de aprofundamento democrático. [Dagnino, 2004aDAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política e Sociedade, n. 5, p. 139-164, out. 2004a.:140]

O embate entre esses projetos distintos tem mostrado, segundo a autora, que o “avanço da estratégia neoliberal determinou uma profunda inflexão na cultura política no Brasil e na América Latina” (Dagnino, 2004aDAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política e Sociedade, n. 5, p. 139-164, out. 2004a.:146). A centralidade do argumento se prova por sua repetição. É preciso reter a permanência, nesse tratamento, de uma polarização de “projetos políticos” (Dagnino, 2004aDAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política e Sociedade, n. 5, p. 139-164, out. 2004a.:144). Também é necessário que fixemos a explicação consideravelmente distinta daquela culturalista, uma vez que determina o neoliberalismo como o fator restritivo ao avanço da participação no Brasil.

Análise semelhante, porém mais realista, também pode ser contemporaneamente encontrada na produção nacional. Sem apelar ao culturalismo ou a uma “crise discursiva”, apreendemos certo embate de épocas e de “ideologias” que encapsulam o problema das insuficiências da participação e dos conselhos:

Os anos 1990 são marcados por reformas que promovem desregulamentação, flexibilização de leis trabalhistas e previdenciárias, diminuição da atuação do Estado na esfera social, entre outras medidas semelhantes. Os valores ideológicos que acompanhavam os movimentos sociais até os anos 1980, relacionados a direitos universais e transformação social, foram, com a emergência da nova ordem, suplantados. Mais que isto, o resgate de valores típicos do individualismo liberal parece ter sido a semente mais fecunda de todo este contexto. A experiência dos conselhos gestores, objeto de observação e análise neste artigo, não pode escapar destas circunstâncias. Inscritos na Constituição e na contemporaneidade da sociedade brasileira como resposta a um período rico em esperanças, valores éticos e sociais e intensa mobilização, eles parecem depender desse ambiente para funcionar com plenitude, ainda que se desfaçam do que se podem considerar exageros do romantismo político. [Gurgel e Justen, 2013GURGEL, Claudio; JUSTEN, Agatha. Controle social e políticas públicas: a experiência dos Conselhos Gestores. Rev. Adm. Pública, v. 47, n. 2, p. 357-378, mar./abr2013.:374]

As duas formas de explicação, as duas teses acima tangentes às dificuldades de efetivação da participação em geral na esfera do Estado, incluindo as experiências dos conselhos, possuem diferenças já aludidas. Ambas são teses que encontram explicações exógenas, interferentes. Mas as diferenças aludidas dão conta da superioridade da segunda tese e da sua identificação dos enlaces entre as potencialidades da participação e determinado estádio de desenvolvimento do capitalismo, sem ignorar a dimensão “cultural”.

Com efeito, a explicação culturalista não pode se apresentar de outro modo, entretanto, que não o abstrato e indeterminado, senão arbitrário. Se a superioridade da segunda tese está na identificação da relação entre terreno político e terreno econômico, é persistente, por outro lado, a dificuldade de apreensão do real sentido da Constituição de 1988 se tomada como episódio de uma longa trajetória de objetivação do capitalismo na particularidade brasileira. Por isso, recorre ao entendimento de que o impulso “redemocratizante” foi obstruído pelo neoliberalismo. É a dificuldade com essa questão que condena a superioridade constatada aos seus próprios limites imanentes: a reprodução intelectual de uma polarização de projetos políticos que não expressa adequadamente as circunstâncias particulares do capitalismo brasileiro como condição de possibilidade para a forma de participação dada em suas insuficiências.

3. Participação e materialismo

Pretendemos apresentar uma análise distinta que busca a explicação na via particular de objetivação do capitalismo no Brasil e que dá conta de avaliar a participação existente não como “aplicação insuficiente da Constituição”, não como um extravio provocado pelo “neoliberalismo”, mas como forma possível nas condições de uma particularidade antagonizada, porém sem processos sociais superadores, isto é, marcada por revoluções sociais insipientes das quais a “redemocratização” da década de 1980 é apenas um exemplo. Bem entendido, o endógeno aqui é referência à correspondência entre a forma da participação presente e os traços do capitalismo que se forjaram no Brasil.

A devida compreensão desse problema requer uma explicitação de dois aspectos fundamentais e inter-relacionados.

O primeiro deles diz respeito a uma compreensão reta do materialismo como esforço de explicação mais justa da própria realidade.

É mais do que comum a acusação vinda de muitos lados de haver uma espécie de economicismo às explicações que, como aquela segunda tese anterior, não evitam a relação concreta entre a participação e o capitalismo. Embora, como vimos, tenha aceitado rápido demais um suposto “desvirtuamento neoliberal”, a correção está em não analisar de modo estanque e autonomamente a dimensão da participação nas instâncias governamentais. Mesmo a essa tese, entretanto, falta o essencial: a apreensão da participação como forma política de um conteúdo fora dela. É nesse sentido que se recorre ao neoliberalismo como desvirtuamento interferente que, se ausente, permitiria o cumprimento da tendência “democratizante”.

Além do economicismo, também é bastante comum a acusação de determinismo. O materialismo seria apenas mais uma abordagem especial, uma espécie de coleção de fatos epifenomênicos todos redutíveis por mecanicismo à esfera econômica. A vulgata rende seus efeitos ainda contemporaneamente. Assim, tanto a “superestrutura ideológica” como as “formas de consciência” seriam nada mais do que resultados lineares, puros reflexos daquilo que se passa na economia.5 5 O leitor não familiarizado com essas categorias pode encontrar respaldo no clássico Prefácio de 1859 (Marx, 1974). Lá se constata uma diferenciação entre as relações materiais, de um lado, e a superestrutura ideológica e as formas de consciência associadas, de outro — ou simplesmente “formas ideológicas” (Marx, 1974:136). Trata-se de uma maneira muito sintética para expressar os nexos objetivos entre complexos que constituem a sociedade. Há o complexo econômico, isto é, as relações sociais no interior da “sociedade civil” (relações imediatamente econômicas, familiares, afetivas etc.), e também as “formas ideológicas” (Estado, direito, política, teologia, teorias, filosofia, arte etc.). Mostraremos adiante que a relação entre esses grandes complexos é de reciprocidade, sendo o complexo econômico o elo tônico do todo articulado.

Totalmente diferente é a apreensão do problema em suas bases reais. A determinação fundamental é a de que as relações materiais são pressupostos objetivos dessas formas derivadas - o que não significa que sejam menores ou desimportantes - sem os quais não seria possível a existência do Estado, da filosofia, da arte etc. A determinação, então, não está numa mecânica causação à la Durkheim, mas nas possibilidades criadas pelas relações concretas entre os homens. Não são possíveis, a não ser de maneira e de efeito secundários, formas derivadas não correspondentes às relações materiais, à sua base (Marx, 2011aMARX, Karl. Introdução. In: MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011a.:62).

A despeito das variações possíveis das formas derivadas, sua persistência ou perecimento estão em conexões mais ou menos fortes e mais ou menos fracas com as relações concretas. Nesse sentido, é possível que a forma política se altere consideravelmente, variando entre expressões mais adjetas, como o bonapartismo,6 6 O bonapartismo foi identificado por Marx (2011b:122) na França pós-1848 como a forma política que corresponde ao período em que começam a esvaecer as pretensões revolucionárias da burguesia, que agora consolidada politicamente, passa a adotar um caráter reacionário, na medida em que para o partido da burguesia “a luta pela afirmação do seu interesse público, do interesse da sua própria classe, do seu poder político, apenas o incomodava e desgostava como perturbação dos seus negócios privados”, escolhendo a burguesia, então, “desobrigar-se do seu próprio domínio político para livrar-se, desse modo, das dificuldades e dos perigos nele implicados” (Marx, 2011b:124). Ou seja, a burguesia abdica de sua participação política direta no parlamento para que Bonaparte garanta a segurança de seus negócios. e formas mais propícias à luta dos trabalhadores e camadas populares, como as democracias representativas dentro dos limites de uma mesma ordem geral de produção e reprodução da vida, como a sociabilidade do capital. Na reciprocidade entre continuidade e descontinuidade históricas, e levando-se em conta o peso da primeira, a variação de inúmeros aspectos se articula com a preservação de outros mais fundamentais. Enquanto a forma política considerada Estado pode se modificar, dada sua considerável heterogeneidade ante as relações materiais, inúmeros elementos fundamentais da sociabilidade se preservam, como a lógica do valor, até que uma transformação mais profunda possa de fato alterar as relações sociais de produção, modificando todo o conjunto articulado das determinações da sociabilidade particular. É o que podemos entender por um “movimento real da forma política”, movimento, porém, de lógica não própria em razão dos “nexos com as forças motrizes de ordem primária sobre as quais também atuam reciprocamente as formas concretas dos Estados” (Paço Cunha, 2017PAÇO CUNHA, Elcemir. Movimento real da forma política em Marx: elementos para a crítica dos “aparelhos repressivos” como síntese do Estado capitalista. Marx e o Marxismo - Revista do Niep - Marx, v. 4, n. 7, p. 201-233, fev. 2017. Disponível em:<Disponível em:http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/176 >. Acesso em: 27 ago. 2017.
http://www.niepmarx.blog.br/revistadonie...
:227).

O importante a ser retido no momento é que tais relações criam as condições de possibilidade para a forma política, são pressupostos que a permitem e limitam simultaneamente e cuja variação se dá por lógica não própria. Igualmente importante é a determinação de que a forma política, portanto, oscila entre modos de dominação em razão de antagonismos que são sua base. Mesmo o momento democrático do movimento real da forma política não é outra coisa senão um modo de dominação, uma forma da dominação econômica vigente (Chasin, 2000dCHASIN, José. As máquinas param, germina a democracia! In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000d. p. 79-108.). E aqui é que se ilumina a reciprocidade, a determinação de reflexão entre a economia e a política, isto é, como modo de dominação, a política também condiciona a economia de maneiras muito complexas. Uma está interpenetrada na outra; são diferentes, mas formam uma unidade historicamente contingente, isto é, não como destino ineliminável.

É nesse sentido que a participação, situada na esfera estatal, deve ser colocada em relação aos condicionantes materiais, isto é, com as suas condições de possibilidade nos termos apresentados. E não basta indicar o “neoliberalismo” como elemento do desvirtuamento na medida em que se perde nessa explicação a particularidade autêntica. Quer dizer, “o movimento dos condicionamentos recíprocos é histórico e respeita as circunstâncias também nacionais” (Paço Cunha, 2017PAÇO CUNHA, Elcemir. Movimento real da forma política em Marx: elementos para a crítica dos “aparelhos repressivos” como síntese do Estado capitalista. Marx e o Marxismo - Revista do Niep - Marx, v. 4, n. 7, p. 201-233, fev. 2017. Disponível em:<Disponível em:http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/176 >. Acesso em: 27 ago. 2017.
http://www.niepmarx.blog.br/revistadonie...
:230). A análise da particularidade não significa preterir dos condicionamentos mais universais que agem sobre o complexo analisado e, assim, aduz Lukács que:

Se Marx, como vimos, considera indispensável para o processo cognoscitivo as abstrações e as generalizações, igualmente indispensável lhe aparece a especificação dos complexos e das conexões concretas. Em termos ontológicos, especificação significa aqui o seguinte: examinar a incidência de determinadas leis, de sua concretização, modificação, tendencialidade, de sua atuação concreta em determinadas situações concretas, em determinados complexos concretos. O conhecimento só pode abrir caminho para esses objetos investigando os traços particulares de cada complexo objetivo. [Lukács, 2012LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012.:258]

Portanto, é a análise dos traços particulares que pode esclarecer de que modo as incidências das determinações universais se concretizam em cada complexo objetivo e, assim, “[...] trata-se de compreender o ser-propriamente-assim de um complexo fenomênico em conexão com as legalidades gerais que o condicionam e das quais, ao mesmo tempo, ele parece se desviar” (Lukács, 2012LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012.:258). Pela especificação do movimento real dos condicionamentos recíprocos historicamente determinados de diferentes níveis ontológicos é que é possível apreender a concretude das legalidades e tendências mais gerais.7 7 Em 1875, Marx (2012:42) expressou sua constatação de que nos países em industrialização, a sociedade capitalista existia “mais ou menos livre dos elementos medievais, mais ou menos modificada pelo desenvolvimento histórico particular de cada país, mais ou menos desenvolvida”. Assim, embora o capitalismo tenha suas legalidades próprias que se impõem na medida em que este se torna o modo de produção preponderante e cada vez mais mundializado, a sua entificação concreta se dá pelo desenvolvimento particular de cada país.

A participação se inclui nesse movimento e sua reta apreensão depende da captura das determinidades fundamentais da via particular de objetivação do capitalismo no Brasil, conforme desenvolveremos adiante como via colonial, e não é suficiente adotar a Constituição de 1988, vestígios da expressão política, como marco dessa particularização, deixando de lado todos os processos importantes anteriores e que ajudam a dar o sentido real da chamada “redemocratização”.

O outro aspecto já indiretamente referido como prioridade ontológica explicita que a dialética não é uma projeção do pensamento sobre a realidade, uma abordagem epistemológica no leque de opções das cartilhas contemporâneas. Sabendo que “a dialética só é passível de descobrimento, jamais de aplicação” (Chasin, 2009CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.:236), trata-se de apreendê-la como “lógica do real” (Chasin, 2009:236) reproduzida pelo pensamento. No conjunto articulado entre as diversas determinações recíprocas, existe um movimento próprio passível de ser apreendido pelo pensamento nos limites das possibilidades dadas por condições sociais que transcendem o pesquisador individual. Quer dizer, certas condições sociais podem ser mais ou menos permissivas ou impeditivas à apreensão das determinações reais, dos nexos fundamentais. Essa articulação recíproca, portanto, não é sem rumo, sem direção. E o que de fato proporciona a direção, se não é, ainda, resultado do planejamento humano, da coroação da humanidade como demiurgo de si mesma?

O mal-entendido sobre o “em última instância” do econômico criou todo tipo de dificuldade e aquelas acusações já aludidas de mecanicismo econômico. Marx mesmo, no entanto, tratou de colocar as coisas no sentido de um momento ou fator preponderante [übergreifende Moment] no conjunto articulado das múltiplas determinações (Marx, 2011aMARX, Karl. Introdução. In: MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011a.:49). A discussão, por exemplo, sobre a produção e a distribuição explicita não apenas a anterioridade da produção como também que, na relação recíproca, nos condicionantes que a própria distribuição exerce sobre a produção, é esta última o momento ou fator preponderante da relação, o fator que fornece o peso para a articulação e, portanto, põe certas tendências que só se confirmam por mediação das demais determinações condicionantes. Certeiramente apreendido como “elo tônico no complexo articulado” (Chasin, 2009CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.:135) que jamais significa a “homogeneização das determinações” (Chasin, 2009CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.:133) em reciprocidade, o momento ou fator preponderante tem o sentido de mostrar que, na interação real entre fatores, um deles desempenha o papel preponderante e, “quando essa relação fundamental não é levada na devida conta, tem-se ou uma série causal unilateral e, por isso, mecanicista, simplificadora e deformadora dos fenômenos, ou então aquela interação carente de direção” (Lukács, 2012LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012.:334).

Ao contrário, pois, da causação mecânica e da interação sem rumo, a própria realidade mostra que há um momento ou fator preponderante numa articulação. Aquela relação antes aludida entre continuidade e descontinuidade é um exemplo bastante razoável, pois mostra que a variação de elementos convive com a persistência de outros de maneira que não se tenham alterado, até agora, os caracteres fundamentais do modo de produção e reprodução humanas sob o domínio da lógica do valor. Assim também, o movimento da forma política, antes já discutido, tem nas relações materiais seu momento ou fator preponderante e no qual também atua pela própria natureza recíproca das relações da unidade articulada entre as determinações concretas.

Por esse motivo, é possível um episódio como a Constituição de 1988 que deixa consideravelmente intacto o “elo tônico no complexo articulado”. Aliás, é preciso dizer, é o elo tônico que dá as condições de funcionalidade daquele episódio. E essa apreensão do problema real já mostra a dificuldade de se estacionar na aparente polarização entre projetos políticos no Brasil, um “democratizante” e outro neoliberal - aliás, como é bastante comum no “campo de públicas” essas dualidades como “modelo gerencialista” (neoliberal) versus “modelo societal” (democrático) (Paes de Paula, 2005PAES DE PAULA, Ana. Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro: FGV, 2005.; Souza Filho, 2011SOUZA FILHO, Rodrigo. Gestão pública e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.). Tratou-se muito mais da alteração política para a preservação das condições materiais já dadas e, por isso, o processo de “redemocratização” é parte componente de um mesmo programa: o dos proprietários e das alianças que necessariamente movimentam, inclusive com apoio popular. Não foi mais do que a transição dentro do modo de dominação do capital, uma transição do bonapartismo com ampla participação do capital privado à institucionalização da autocracia burguesa (Chasin, 2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.), como veremos adiante. Em suma, um progressismo conservador após “modernização excludente” (Rago Filho, 1998RAGO FILHO, Antônio. Elementos para a crítica da política econômica da ditadura (apêndice). In: RAGO FILHO, Antônio. A ideologia 1964: os gestores do capital atrófico. 1998. Tese (doutorado em história) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998.) do período do bonapartismo militar.

Não é razoável, porém, dar de ombros e não identificar na transição política efeitos importantes na dimensão material. Algumas conquistas realizadas na aliança que levou adiante a Constituição de 1988 ajudaram a desatar alguns nós que permitiram uma maior integração do Brasil à dinâmica internacional, desenvolvendo condições ao atendimento - ainda muito restrito - de certas demandas populares, sobretudo por mediação do mercado de consumo e endividamento familiar. E não é preciso dizer que a luta social encontra melhores condições de desenvolvimento na “democracia dos proprietários” do que sob o bonapartismo.

Mas esses elementos somente se tornam evidentes pela análise da via colonial de objetivação do capitalismo na particularidade brasileira, uma vez que ajudam a revelar que as “insuficiências” da forma política frequentemente constatadas pelas pesquisas na área são, na verdade, expressão de condicionantes mais ao fundo. Apenas assim a redemocratização pode ser apreendida como nova conciliação, como continuidade, portanto, das relações de dominação históricas sob a rubrica de transição política.

Com esses aspectos em tela, contudo, é possível resolver que a participação na esfera política é dada nas condições de possibilidade criadas por uma sociabilidade historicamente determinada em que o momento ou fator preponderante como elo tônico desse todo articulado está em reciprocidade com os resultados que operam a partir daquelas possibilidades. E essa articulação nunca é corretamente compreendida sem a particularização histórica, estacionando-se nos traços gerais do capitalismo. É nesse sentido que precisamos apreender a formação do capitalismo no Brasil e os efeitos dessa via particular, sobretudo atinente à vida política em que se dá a participação que procuramos problematizar.

4. Via colonial de objetivação do capitalismo e forma política

É aqui que encontra peso decisivo a categoria da particularidade, a qual permite elucidar o caráter da realidade como um complexo de complexos (Lukács, 2012LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012.). A formação do capitalismo brasileiro teve por característica particular sua subordinação aos interesses de capitais estrangeiros originários dos países capitalistas centrais, em quadro de conciliação entre o velho e o novo, onde os herdeiros latifundiários da economia de extração colonial e os industriais locais se vinculam ao capital internacional imperialista na transição da produção escravista para o modo de produção capitalista no Brasil. De acordo com Caio Prado Júnior (2008PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.:270):

A situação de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia brasileira com relação ao conjunto internacional de que participa, é um fato que se prende às raízes da formação do país […]. Economia de exportação, constituída para o fim de fornecer gêneros alimentícios e matérias-primas tropicais aos países e populações das regiões temperadas da Europa e mais tarde também da América, ela se organizará e funcionará em ligação íntima e estreita dependência do comércio ultramarino em função do qual se formou e desenvolveu.

Assim, a ex-colônia não rompe com sua dependência e subordinação externas. A industrialização no Brasil se dá no quadro do imperialismo, quando o capital internacional, já à frente do domínio político nos países capitalistas centrais, busca novos espaços para sua expansão, e “não é outro seu objetivo que acaparar em proveito próprio a mais-valia do trabalho brasileiro a seu alcance” (Prado Júnior, 2008PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.:280). Isso significa que geneticamente atrelada à edificação do capitalismo no Brasil está a apropriação dual do mais-valor, ou seja, o excedente econômico gerado deve ser suficiente para atender aos interesses do capital estrangeiro e do capital local, e tal circunstância - de uma dominação hierárquica e internacional do capital - se resolve por meio de outro elemento determinante da particularidade brasileira, a superexploração8 8 De acordo com Marx (2013), a exploração da força de trabalho ocorre pela extração do mais-valor, o qual é gerado quando o trabalhador produz para além do valor necessário para pagar o seu salário, cujo valor é o dos meios necessários à sua subsistência. A taxa de mais-valor é maior na medida em que o tempo de trabalho excedente aumenta em relação ao tempo de trabalho necessário ao pagamento do valor da força de trabalho. Esse aumento pode ocorrer pela redução do valor dos meios de subsistência ou pelo aumento do grau de exploração relativa, aumentando-se a produtividade do trabalhador no mesmo tempo de trabalho. Em condições débeis como as que caracterizam o capitalismo desenvolvido pela via colonial, combinando as relações determinadas pelo escravismo e subalternidade aos polos imperialistas, o aumento da taxa de mais-valor tem ênfase na maior exploração do trabalhador, por meio da prolongação da jornada de trabalho, intensificação do processo de trabalho e expropriação de parte do valor necessário à reprodução da força de trabalho. Assim, são negadas ao trabalhador as condições necessárias para reposição do desgaste de sua força de trabalho. “Em termos capitalistas, esses mecanismos significam que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração da força de trabalho” (Marini, 2011:150). Essa é uma categoria controversa, pois é tomada em grande parte da elaboração intelectual como um modo contínuo de extração do valor. Entretanto, ela expressa da realidade uma tendência que se efetiva ou não em razão de forças contratendenciais (como períodos de prosperidade do ciclo industrial). Como escreveu Marx, é “uma tendência constante do capital reduzir os trabalhadores a esse nível niilista” (Marx, 2013:675) com o rebaixamento de salários. Essa tendência é potencializada nos países economicamente subordinados dado o caráter dual da apropriação do valor, isto é, apropriação simultânea por parte do capital estrangeiro e local. É preciso que fique claro que essa tendência não é o fundamental dos processos que procuramos explicitar, mas certamente é parte componente de um complexo de elementos e tendências que demarcam a via colonial de objetivação do capitalismo no Brasil. da força de trabalho. Além disso,

[…] não é apenas a classe trabalhadora que se desfalca, mas o país que em conjunto que vê escoar-se para fora de suas fronteiras a melhor parcela de suas riquezas e recursos. As contradições da exploração capitalista tomam assim caráter muito mais agudo e extremo. Entre outros efeitos bem patentes estão a deficiência e a morosidade da acumulação capitalista brasileira essencialmente débil. [Prado Júnior, 2008PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.:280; grifo nosso]

O capitalismo brasileiro nasce então com uma debilidade congênita, o que se expressa no caráter atrófico do capital aqui constituído. Atrofiada e débil em sua essência, dada a ausência de possibilidade do progresso econômico e sua subordinação estrutural aos interesses imperialistas, a burguesia brasileira tende a exercer seu domínio de maneira autocrática, de acordo com Chasin (2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.:221):

Desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de promover a malha societária que aglutine organicamente seus habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o quadro brasileiro da dominação proprietária é completado cruel e coerentemente pelo exercício autocrático do poder político.

A análise de realidade chasiniana avaliza-se pela identificação dos “traços fundamentais do modo de ser e de se mover da formação nacional” (Chasin, 2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.:220), de onde se torna possível extrair suas consequências políticas e sociais, identificando os limites e possibilidades da instituição de elementos progressistas constituídos nas democracias burguesas centrais.

Essa exclusão da participação popular no movimento da política brasileira é razoavelmente clara no fato de que o advento da República “não passou efetivamente de um golpe militar, com o concurso apenas de reduzidos grupos civis e sem nenhuma participação popular” (Prado Júnior, 2008PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.:208). Assim, trata-se de uma metamorfose política que promove a manutenção do poder econômico da classe proprietária ao passo em que adéqua as instituições políticas e jurídicas às demandas dadas pela inserção do Brasil no estágio de desenvolvimento capitalista de então e, desse modo, conserva-se o caráter subordinado da economia brasileira aos interesses externos, antes metropolitanos, agora imperialistas.

A partir da indicação de Coutinho (1974COUTINHO, Carlos N. O significado de Lima Barreto na literatura brasileira. In: COUTINHO, Carlos N. et al. Realismo e antirrealismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. p. 138.), da semelhança entre a formação capitalista brasileira e a via prussiana, caracterizada por uma conciliação com o atraso num quadro de desenvolvimento tardio do capitalismo, J. Chasin (1978CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hipertardio. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.) limita sua utilidade apenas como “referencial exemplar”, não sendo tomada como modelo, mas importando como particular que contrasta com os clássicos, nos quais a entificação do capitalismo industrial fora acompanhada de processos revolucionários e transformações políticas fundamentais. Apesar dos traços comuns entre o Brasil e a via prussiana, se no caso alemão a grande propriedade rural tem origem na propriedade feudal, o latifúndio brasileiro deriva da economia mercantil de extração colonial, e enquanto a industrialização alemã ocorre nas últimas décadas do século XIX, desenvolvendo-se a ponto de a Alemanha se tornar uma nação imperialista, no Brasil ela ocorre já na época das guerras imperialistas, onde o país não rompe seu caráter subordinado aos polos hegemônicos do capitalismo internacional, “de sorte que ‘o verdadeiro capitalismo’ alemão é tardio, enquanto o brasileiro é hipertardio” (Chasin 1978:628). Desse modo, Chasin designa esse particular a que pertence o Brasil de via colonial, já que esse particular tem suas raízes na articulação do país com a acumulação primitiva da metrópole e a industrialização ocorre bem mais tarde que a alemã, sem nunca “romper com sua condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia internacional” (Chasin, 1978CHASIN, José. As máquinas param, germina a democracia! In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000d. p. 79-108.:628).

A via colonial então se dá no quadro de uma formação condicionada pela integração subordinada ao imperialismo, onde a economia nacional é subsumida aos interesses dos polos hegemônicos do capital internacional, iniciando-se o processo de industrialização hipertardiamente, se caracterizando pela interdição das lutas e bandeiras progressistas no plano político. A via colonial significa o estabelecimento “da existência societária do capital sem interveniência de processo revolucionário constituinte” (Chasin, 2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.:220). Assim, a capacidade de organização da sociabilidade burguesa sobre ideais progressistas e com injunções civilizatórias é vetada de início na consubstancialização do capital atrófico, que subordinado ao imperialismo e sofrendo impulsos de acordo com as demandas dos polos hegemônicos externos, impõe-se de maneira autocrática e excludente, sendo impugnadas a democratização do poder decisório e a participação popular, resultando em arranjos políticos fechados e na institucionalização da violência como solução às demandas populares, com o espaço para reivindicações sociais limitado pela necessidade do arrocho salarial, uma vez que a superexploração da força de trabalho é imperativa na apropriação dual do mais-valor.

Essa particularidade brasileira é evidente na sucessão transada, designativo de Chasin para definir o processo de transição da última ditadura militar para o governo civil, onde se tratou “da passagem do bonapartismo à autocracia burguesa institucionalizada” (2000fCHASIN, José. “¿Hasta quando?” - A propósito das eleições de novembro. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000f. p. 121-142.:127). Nesse processo, a classe proprietária transacionou à velha maneira conciliatória a mudança do sistema político sem colocar em risco seu poder econômico; de fato, no Brasil “as formas burguesas de dominação política oscilam e se alternam em diferentes graus do bonapartismo e da autocracia burguesa institucionalizada, como toda a nossa história republicana evidencia” (Chasin, 2000fCHASIN, José. “¿Hasta quando?” - A propósito das eleições de novembro. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000f. p. 121-142.:128).

Assim, criticando a análise politicista,9 9 De acordo com Chasin (2000e:124), “o politicismo arma uma política avessa, ou incapaz de levar em consideração os imperativos sociais e as determinantes econômicas. Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o processo econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político, sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante e matrizador do econômico em relação ao político. Trata-se, está claro, de um passo ideológico de raiz liberal”. em artigo de 1982, Chasin alertava que:

Ventilar as questões institucionais para um eventual “aperfeiçoamento”, a ser decidido em horas indeterminadas pelos arquipoderosos senhores, enquanto as questões econômicas são mantidas fora de discussão - como um tabu, foi uma tática que os governos ditatoriais sempre utilizaram, e que o governo Geisel levou à perfeição. [Chasin, 2000eCHASIN, José. Conquistar a democracia pela base. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000e. p. 59-78.:73]

O filósofo chamava atenção para o fato de que, “dada a evidente universalidade de certos valores formais da democracia, a questão que verdadeiramente importa não é, portanto, sua validade, mas a de sua gênese possível em cada caso concreto” (Chasin, 2000dCHASIN, José. As máquinas param, germina a democracia! In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000d. p. 79-108.:104). É necessário identificar as condições de possibilidade para a efetivação dos valores democráticos e dos instrumentos efetivos de transformação que tendem a ser mistificados pela similaridade formal com instituições dos países centrais que viveram processos de transformação societal específicos. Antes de significar um imobilismo e uma negação da necessidade de transformação política, Chasin chamou a atenção para o fato de que “entre nós a construção democrática é possibilidade concreta apenas enquanto resultante das lutas sociais nucleadas pela ótica do trabalho” (Chasin, 2000cCHASIN, José. A sucessão transada. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000c. p. 143-150.:145). Logo, uma democracia concreta deveria ser o objetivo, sendo somente possível quando perspectivada a partir do trabalho (lógica da transformação da realidade), dado que no capitalismo consubstanciado pela via colonial é estruturalmente impossível a entificação das formas políticas e institucionais próprias da democracia liberal dos países centrais, abstraídas de suas condições concretas em universais abstratos, dadas a incompletude de classe da burguesia brasileira e a atrofia do capital brasileiro. A luta pela democracia no Brasil deveria, para Chasin, comportar necessariamente a “luta por um programa econômico alternativo […] que tem por princípio a liquidação da superexploração do trabalho” (2000dCHASIN, José. As máquinas param, germina a democracia! In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000d. p. 79-108.:105). Entretanto, na maneira como sucederam os fatos com a subsunção da esquerda ao politicismo, a sucessão transada

[…] foi o movimento pelo qual, assegurada a estrutura econômica vigente, a dominação política do capital atrófico transitou de seu perfil bonapartista para a sua forma de autocracia burguesa institucionalizada, figuras ambas do mesmo domínio antidemocrático que a tipifica. Em outras palavras, a transição consistiu na autorreforma da dominação política discricionária, em razão e benefício de seu fundamento […]. [Chasin, 2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.:223]

Desse modo, “não só a estrutura econômico-societária foi preservada, como também a essência da sua correlata dominação política proprietária que caracteriza o país: o autocratismo burguês” (Chasin, 2000bCHASIN, José. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b. p. 177-288.:222), daí que já em 1989, data do texto em questão, era possível observar o desmantelamento dos avanços progressistas na Constituição Federal na “forma ativa das medidas provisórias, reinstituindo informalmente o decreto-lei”, ou na não regulamentação de dispositivos fundamentais por parte do Congresso, para que tivessem efetividade. A questão que também precisa ser ajuizada, nesse mesmo sentido, é o caráter da participação popular mais recentemente endossada pela letra da norma constitucional, tomado em consideração o percurso particular do caso concreto brasileiro. Completados 30 anos do fim da última ditadura bonapartista, vários elementos supostamente exclusivos a ela seguem enquanto constituintes da realidade cotidiana brasileira, até mesmo sua face mais violenta, manifesta na conjunção entre tortura promovida por agentes estatais e impunidade (Magane, 2014MAGANE, Felipe T. Democracia, impunidade e tortura: o estado democrático de direito “abrasileirado”. Verinotio, v. 17, n. 1, p. 73-84, 2014.). O que diferencia é o caráter mais específico da utilização dos aparatos repressivos, expressa tanto nas ocupações de morros e favelas pelas diferentes polícias como na violência física, policial-militar ou criminalização judicial contra movimentos sociais (Deo, 2014DEO, Anderson. Uma transição à long terme: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil. In: PINHEIRO, Milton (Org.). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014. p. 303-330.). A transição transada permitiu a institucionalização da variante legal-institucionalizada da autocracia burguesa, onde é possível se garantir a estabilidade das relações sociais pelas duas vias: medidas administrativas e repressoras. Temos então uma economia integrada e automovida pela lógica do valor, pelo império da necessidade de acumulação capitalista determinada por uma formação histórica que restringiu o desenvolvimento de elementos e valores democrático-humanistas.

A debilidade da organização dos trabalhadores, em grande parte provocada pela forte repressão ainda presente, culminou no desenvolvimento de instituições democráticas frágeis e a dupla determinação da miséria brasileira contemporânea, vicissitudes determinadas pela via colonial e pela própria lógica do valor indicam condições de possibilidade restritas às formas de participação política no Brasil. É nesse sentido que a participação se desenvolve como participacionismo, como desenvolveremos adiante.

Assim, diferentemente da tese culturalista ou da que vê no neoliberalismo o problema para a efetivação das conquistas formais da Constituição de 1988, a via colonial explicita os limites concretos às formas políticas, constituídos historicamente ao longo de toda a formação brasileira, porque se anima pelo impulso do materialismo em revelar os nexos objetivos entre os terrenos econômico e político, porque procura pelo nexo real entre a participação e suas condições de possibilidade em meio às forças motrizes de ordem primária. Não se trata de mera cultura a ser mudada por uma educação política mais cidadã; de fato, a bandeira da cidadania é levantada pelos mesmos monopólios de mídia que se beneficiaram com o último período bonapartista. As condições para o desenvolvimento de uma nova cultura se ligam à necessidade de ruptura com as condições que promovem os limites da propalada “cultura política” não participativa. Também é portador de insuficiência atribuir a um desvio o não desenvolvimento da participação. Longe de ser uma análise mecanicista atrelada ao econômico, o que a via colonial permite vislumbrar - na melhor expressão do materialismo aqui desenvolvido - são os limites imanentes à realidade brasileira, que, baseada na necessidade da superexploração do trabalho e no caráter subordinado dos interesses da classe burguesa brasileira, não abre um horizonte plácido à efetivação das “conquistas” da última Constituição Federal. Os limites da participação são dados por ela germinar no solo da miséria brasileira.

5. Participacionismo versus participação

O conjunto de determinações constituintes da via colonial configura o que Chasin denominou de “miséria brasileira”. Esta alude, “[…] sinteticamente, ao conjunto de mazelas típicas de uma entificação social capitalista, de extração colonial, que não é contemporânea do seu tempo” (2000aCHASIN, José. A esquerda e a nova república. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000a. p. 151-164.:160).

A partir da compreensão dessas determinações históricas é possível dilucidar as formas políticas e o caráter das relações sociais na particularidade brasileira. É apenas desse modo que se pode compreender o conteúdo real das transformações decorridas no assim chamado processo de redemocratização. Assim, as expectativas frustradas podem ser compreendidas para além da mera ausência de uma cultura política ou de um solavanco dado por um intruso projeto político neoliberal. A via colonial e a miséria brasileira permitem compreender “o corpo e a alma possíveis de sua prática capitalista”, e assim se esclarece que “o trânsito do bonapartismo à autocracia burguesa institucionalizada, a passagem não desprezível de Figueiredo a Sarney, é um movimento no interior da miséria brasileira e de sua reiteração” (Chasin, 2000aCHASIN, José. A esquerda e a nova república. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000a. p. 151-164.:160).

A reiteração da miséria brasileira tem uma de suas expressões no participacionismo, a “participação possível”, como um problema que transcende a própria particularidade brasileira. O participacionismo, sobretudo nas condições sociais que analisamos, é “a participação sem consciência participante ou a presença participante sem consciência”, caracterizando-se por “servir como número à manipulação politicista, destituído de classe, consciência e individuação, sem vínculo concreto do humano e de sua liberdade” (Chasin, 2000aCHASIN, José. A esquerda e a nova república. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000a. p. 151-164.:162). Nesses termos, o participacionismo é um tipo particular de “cogestão pública na democracia dos proprietários” (Paço Cunha e Rezende, 2015PAÇO CUNHA, Elcemir; REZENDE, Thiago D. H. Via colonial e cogestão pública na democracia dos proprietários. In: ENCONTRO MINEIRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ECONOMIA SOLIDÁRIA E GESTÃO SOCIAL, 5., 2015. Anais…Lavras: Ufla, 2015.). Trata-se da participação que não decide, mas legitima, não representa uma escolha, mas valida a “escolha possível”. Entretanto, longe de ser uma limitação teórico-política dos agentes e indivíduos que participam nas instâncias deliberativas, o participacionismo decorre da manutenção das condições materiais que sempre concentraram o poder econômico e político no quadro da miséria brasileira.

Ao não ser questionado o estatuto da propriedade privada que levou à ditadura, na forma da não averiguação e responsabilização das empresas e seus agentes decisórios na colaboração com o regime de exceção, fica mantido intacto o solo em que o bonapartismo se instaurou e caminhou durante 20 anos. Isso nos remete ao plano da produção, das relações sociais que constituem o núcleo da produção da riqueza social no Brasil. Participar, ao contrário de participacionar, “[…] é atar-se, sob forma consciente, à política concreta pelas demandas finitas de um momento histórico dado” (Chasin, 2000aCHASIN, José. A esquerda e a nova república. In: CHASIN, José. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000a. p. 151-164.:162).

Como aludido anteriormente, a análise de realidade precisa ultrapassar os traços mais gerais do capitalismo se quiser conhecer as particularidades em que tais traços se concretizam. Assim, com os elementos dados, é possível avaliar, num esforço de síntese, que o participacionismo na miséria brasileira é ultratardio se comparado a outras vias de objetivação do capitalismo, mas não só. Teve função específica ao servir à acomodação das contradições na transição entre o bonapartismo e a institucionalização da autocracia burguesa com o chamado processo de “redemocratização”. E se é alardeado como grande conquista e avanço da “democracia brasileira”, deve-se considerar não apenas o “momento histórico de vantagem” - precisamente por ser ultratardio - em relação a outros processos participacionistas já antes experimentados mundialmente, mas também por refletir certa comemoração das classes vitoriosas na troca das fardas por ternos. Não que a acomodação não tenha considerável interesse popular dado que as reivindicações sociais encontram terreno mais fértil fora do bonapartismo; não implica, portanto, algo menor ou desimportante. Trata-se de reconhecer que em sua própria magnitude está inclusa a contradição de ser um movimento de descontinuidade no interior de uma continuidade, uma alteração relativa da forma garantindo a preservação de seu conteúdo. O participacionismo está nos marcos de uma nova pactuação para preservar, e não para superar, a miséria brasileira.

Buscamos, a partir da explicitação dos caracteres fundamentais da particularidade brasileira, demonstrar de que maneira as condições de possibilidade para o desenvolvimento das formas políticas impactaram e impactam as tentativas de desenvolvimento de mecanismos de participação no Brasil. A tendência advinda do desenvolvimento histórico brasileiro é de impugnar a participação por meio da sua confinação aos limites do participacionismo. Assim, é a própria realidade que pode jogar luz sobre as análises futuras, desvelando as possibilidades de ampliação democrático-popular a partir do solo concreto da miséria brasileira.

6. Considerações finais

O objetivo do presente artigo foi o de explorar algumas implicações da determinação material da participação na esfera da gestão do Estado. A preocupação central foi indicar o desenvolvimento da participação nas condições de possibilidade forjadas pelo processo de objetivação do capitalismo no Brasil como um aspecto mais decisivo do que os efeitos do neoliberalismo a partir dos anos de 1990.

Consideradas as questões, argumentamos que a participação nas condições do capital atrófico é de participacionismo com caracteres específicos. Esse caráter limitado da expressão política na particularidade brasileira não é, entretanto, um fenômeno singular, compartilhando as debilidades com outros processos de formação capitalista nos quais se incluem os países centrais que experimentaram processos graves de revolucionamento social. Mas os limites da participação se explicam, no Brasil, não apenas pelos traços gerais do capitalismo, mas igualmente em razão dos elementos particulares que consagram a via colonial.

Há que se explicitar a deficiência analítica de inúmeros trabalhos acerca da participação que ignoram os aspectos econômico-históricos da formação brasileira em nome de hipóstase cultural que termina por delimitar a participação como um problema de ordem puramente política. Sucumbindo ao “ardil do politicismo”, esfacela-se a realidade apreendendo uma substância irreal que ocuparia, apenas nesse movimento do intelecto, o lugar das determinações materiais efetivamente operativas no sentido de criar as bases concretas e condicionantes dos aspectos políticos (que, claro, influem naqueles).

Nesse sentido, a principal contribuição do presente trabalho foi resgatar determinações materialistas para o estudo da participação. Tais determinações apontam para os limites intrínsecos quando se estaciona no terreno político e se cortam seus nexos com as questões de ordem econômica. Assim, o trabalho teve que, por necessidade, recolocar os processos históricos da particularidade brasileira, inclusive assentando o chamado processo de redemocratização em suas bases reais e que refletem claramente os processos de alteração social no Brasil: acomodações entre classes e frações de classes, garantindo que as mudanças permaneçam (impotentes) exclusivamente no território político.

Assim, o participacionismo é uma concessão dada pela acomodação das classes, um tipo de cogestão pública numa democracia regida pelos interesses econômicos das classes dominantes. Não é, no entanto, mediação a ser descartada como desimportante, menos ainda para o cultivo de ilusões que a hipostasiam como única e efetiva forma de atuação concreta ao interesse de transformação social. A participação real só pode nascer das condições materiais modificadas numa realidade imbuída da necessidade da transformação social e apenas assim seus efeitos podem ser avaliados para além da mera acomodação das contradições. E essa modificação não pode nascer da ausência de uma fusão entre a luta política e a luta econômica uma vez que se trata de alterar as próprias condições materiais. A questão de saber se a cogestão, nos termos dados de um participacionismo, pode ser mediação para a atuação na direção de modificações reais já foi respondida pela história recente no Brasil.

Referências

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  • 1
    Barreto (2011BARRETO, Daniela S. Pesquisa de informações básicas municipais (Munic): instrumento para avaliação de instituições participativas locais. In: PIRES, Roberto R. C. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. v. 7, p. 211-225.:213) constata que “principalmente após a Constituição de 1988, os municípios passaram a ser uma esfera de governo estratégica quanto às políticas públicas. E devido a alguns encargos que vêm assumindo como entes governamentais neste novo ciclo municipalista, tornaram-se caudatários de muitas competências que se desprenderam da esfera federal. Aquela Carta também permitiu uma descentralização que tornou crucial a esfera de poder local”.
  • 2
    Segundo Vaz e Pires (2011VAZ Alexander C,. N PIRES, Roberto C. Comparações entre municípios: avaliação dos efeitos da participação por meio de pares contrafactuais. In: PIRES, Roberto C. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. v. 7, p. 247-263.:248), “Incitada pela sua promulgação em 1988, as chamadas IPs — como conselhos gestores, experiências do orçamento participativo (OP), conferências etc. — têm sido disseminadas pelos municípios do país, tornando-se realidade inevitável para os gestores na conformação e administração geral de políticas em áreas tão diversas quanto saúde, educação, infraestrutura urbana e meio ambiente.
  • 3
    Como tentaremos demonstrar, participacionismo pode ser aludido aqui provisoriamente como uma modalidade de integração de demandas populares por maior influência na administração pública, mas que se dá em condições econômicas inalteradas e com efeitos limitados. Trata-se de um modo de integração das classes dominadas de modo que não se alterem as estruturas dessa própria dominação.
  • 4
    Para se somar ao nosso alerta de que não se objetiva esgotar o assunto, é preciso dizer que já se acumularam muitas páginas sobre o sentido do conceito de “neoliberalismo”: como “ideologia”, como fase financeirizada do capitalismo, como política específica da gestão do Estado etc. A discussão também produziu postura teórica alinhada ao ambiente intelectual francês, como Pierre Dardot e Christian Laval, seguindo uma analítica foucaultiana de uma “racionalidade neoliberal” (Andrade e Ota, 2015ANDRADE, Daniel P.; OTA, Nilton K. Uma alternativa ao neoliberalismo: entrevista com Pierre Dardot e Christian Laval. Tempo Social, v. 27, n. 1, p. 275-316, 2015.). Essa analítica também tem ganhado terreno no Brasil. De toda forma, persiste nela o problema de atribuição ao “neoliberalismo” do que é do capitalismo. Para Dardot e Laval, o “neoliberalismo não é um modo de governo que faz da adesão a uma doutrina o meio privilegiado de poder; ele se apoia, sobretudo, na coerção que exerce sobre os indivíduos por meio das situações de concorrência que coloca ativamente em prática” (Andrade e Ota, 2015:284). Remetemos o leitor às incontáveis indicações de Marx à luta de todos contra todos no capitalismo. Como ilustração, lê-se que a “divisão social do trabalho confronta produtores autônomos de mercadorias, que não reconhecem outra autoridade senão a da concorrência, da coerção que sobre eles é exercida pela pressão de seus interesses recíprocos” (Marx, 2013:430). É uma indicação que aparece em inúmeros lugares da reflexão marxiana por se tratar de um traço imutável do capitalismo até agora. Assim se vê que, enquanto os economistas clássicos tendiam a universalizar para todas as épocas o que era característico do capitalismo, essa linha francesa opera, diferentemente, pela particularização dos traços gerais do capitalismo a um de seus períodos muito específicos. De qualquer forma, é persistente o problema de apontar o neoliberalismo como fator interferente.
  • 5
    O leitor não familiarizado com essas categorias pode encontrar respaldo no clássico Prefácio de 1859 (Marx, 1974). Lá se constata uma diferenciação entre as relações materiais, de um lado, e a superestrutura ideológica e as formas de consciência associadas, de outro — ou simplesmente “formas ideológicas” (Marx, 1974MARX, Karl. Prefácio. In: MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros escritos. São Paulo: Abril, 1974.:136). Trata-se de uma maneira muito sintética para expressar os nexos objetivos entre complexos que constituem a sociedade. Há o complexo econômico, isto é, as relações sociais no interior da “sociedade civil” (relações imediatamente econômicas, familiares, afetivas etc.), e também as “formas ideológicas” (Estado, direito, política, teologia, teorias, filosofia, arte etc.). Mostraremos adiante que a relação entre esses grandes complexos é de reciprocidade, sendo o complexo econômico o elo tônico do todo articulado.
  • 6
    O bonapartismo foi identificado por Marx (2011bMARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.:122) na França pós-1848 como a forma política que corresponde ao período em que começam a esvaecer as pretensões revolucionárias da burguesia, que agora consolidada politicamente, passa a adotar um caráter reacionário, na medida em que para o partido da burguesia “a luta pela afirmação do seu interesse público, do interesse da sua própria classe, do seu poder político, apenas o incomodava e desgostava como perturbação dos seus negócios privados”, escolhendo a burguesia, então, “desobrigar-se do seu próprio domínio político para livrar-se, desse modo, das dificuldades e dos perigos nele implicados” (Marx, 2011bMARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011b.:124). Ou seja, a burguesia abdica de sua participação política direta no parlamento para que Bonaparte garanta a segurança de seus negócios.
  • 7
    Em 1875, Marx (2012MARX Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo Boitempo, 2012.:42) expressou sua constatação de que nos países em industrialização, a sociedade capitalista existia “mais ou menos livre dos elementos medievais, mais ou menos modificada pelo desenvolvimento histórico particular de cada país, mais ou menos desenvolvida”. Assim, embora o capitalismo tenha suas legalidades próprias que se impõem na medida em que este se torna o modo de produção preponderante e cada vez mais mundializado, a sua entificação concreta se dá pelo desenvolvimento particular de cada país.
  • 8
    De acordo com Marx (2013), a exploração da força de trabalho ocorre pela extração do mais-valor, o qual é gerado quando o trabalhador produz para além do valor necessário para pagar o seu salário, cujo valor é o dos meios necessários à sua subsistência. A taxa de mais-valor é maior na medida em que o tempo de trabalho excedente aumenta em relação ao tempo de trabalho necessário ao pagamento do valor da força de trabalho. Esse aumento pode ocorrer pela redução do valor dos meios de subsistência ou pelo aumento do grau de exploração relativa, aumentando-se a produtividade do trabalhador no mesmo tempo de trabalho. Em condições débeis como as que caracterizam o capitalismo desenvolvido pela via colonial, combinando as relações determinadas pelo escravismo e subalternidade aos polos imperialistas, o aumento da taxa de mais-valor tem ênfase na maior exploração do trabalhador, por meio da prolongação da jornada de trabalho, intensificação do processo de trabalho e expropriação de parte do valor necessário à reprodução da força de trabalho. Assim, são negadas ao trabalhador as condições necessárias para reposição do desgaste de sua força de trabalho. “Em termos capitalistas, esses mecanismos significam que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração da força de trabalho” (Marini, 2011MARINI, Ruy M. Dialética da dependência, 1973. In: TRASPADINI, Roberta; STÉDILE, João Paulo. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, p. 137-180.:150). Essa é uma categoria controversa, pois é tomada em grande parte da elaboração intelectual como um modo contínuo de extração do valor. Entretanto, ela expressa da realidade uma tendência que se efetiva ou não em razão de forças contratendenciais (como períodos de prosperidade do ciclo industrial). Como escreveu Marx, é “uma tendência constante do capital reduzir os trabalhadores a esse nível niilista” (Marx, 2013:675) com o rebaixamento de salários. Essa tendência é potencializada nos países economicamente subordinados dado o caráter dual da apropriação do valor, isto é, apropriação simultânea por parte do capital estrangeiro e local. É preciso que fique claro que essa tendência não é o fundamental dos processos que procuramos explicitar, mas certamente é parte componente de um complexo de elementos e tendências que demarcam a via colonial de objetivação do capitalismo no Brasil.
  • 9
    De acordo com Chasin (2000e:124), “o politicismo arma uma política avessa, ou incapaz de levar em consideração os imperativos sociais e as determinantes econômicas. Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o processo econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político, sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante e matrizador do econômico em relação ao político. Trata-se, está claro, de um passo ideológico de raiz liberal”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2016
  • Aceito
    09 Jan 2018
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