Acessibilidade / Reportar erro
Este documento está relacionado com:

Igualdade de gênero dos ODM aos ODS: avaliações feministas

Igualdad de género de los ODM a los ODS: análisis feministas

Resumo

Há décadas, o feminismo impulsiona uma agenda de igualdade de gênero nas políticas de desenvolvimento. Os feminismos decolonial e interseccional, por exemplo, têm invocado uma agenda antirracista e anticolonial. As demandas das mulheres têm encontrado diferentes graus de incorporação em planos internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse cenário, este trabalho comparou a igualdade de gênero nos ODM e nos ODS para analisar seus avanços e desafios frente à agenda da transversalidade de gênero e a demandas interseccionais e decoloniais. Para isso, foi realizada pesquisa documental sobre objetivos, metas e resultados dos ODM e objetivos e metas dos ODS. Os resultados indicam que os ODS avançam por serem mais ambiciosos que os ODM e por adotarem abordagem mais abrangente e mais transversal sobre a igualdade de gênero. Entretanto, há importantes lacunas quanto à operacionalização de uma análise das desigualdades de gênero que considere as intersecções das distintas formas de discriminação que afetam os diferentes grupos de mulheres.

Palavras-chave:
igualdade de gênero; objetivos de desenvolvimento do milênio; objetivos de desenvolvimento sustentável; políticas públicas; transversalidade de gênero

Resumen

Durante décadas, el feminismo ha impulsado una agenda de igualdad de género en las políticas de desarrollo. Los feminismos decoloniales e interseccionales, por ejemplo, han impulsado una agenda antirracista y anticolonial. Las demandas de las mujeres han encontrado diferentes grados de incorporación en los planes internacionales, como los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM) y los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS). En este escenario, este trabajo comparó la igualdad de género en los ODM y los ODS para analizar sus avances y desafíos frente a la agenda de transversalización de género y las demandas interseccionales y decoloniales. Para ello se realizó una investigación documental sobre objetivos, metas y resultados de los ODM y objetivos y metas de los ODS. Los resultados indican que los ODS avanzan por ser más ambiciosos que los ODM y por adoptar un enfoque más amplio y transversal de la igualdad de género. Sin embargo, existen vacíos importantes en la operacionalización de un abordaje de las desigualdades de género que considere las intersecciones de las distintas formas de discriminación que afectan a distintos grupos de mujeres.

Palabras clave:
igualdad de género; objetivos de desarrollo del milenio; objetivos de desarrollo sostenible; políticas públicas; transversalidad de género

Abstract

For decades, feminism has driven a gender equality agenda in development policies. Decolonial and intersectional feminisms, for example, have played an anti-racist and anti-colonial agenda. Women’s demands have found different degrees of incorporation into international plans, such as the Millennium Development Goals (MDGs) and the Sustainable Development Goals (SDGs). In this scenario, this work compared gender equality in the MDGs and the SDGs to analyze their advances and challenges in the face of the gender mainstreaming agenda and intersectional and decolonial demands. Documental research was carried out on the objectives, targets, and results of the MDGs and the objectives and targets of the SDGs. The results indicate that the SDGs are more ambitious than the MDGs by adopting a broader and more transversal approach to gender equality. However, there are important gaps in operationalizing an approach to gender inequalities that considers the intersections of different forms of discrimination that affect different groups of women.

Keywords:
gender equality; millennium development goals; sustainable development goals; public policies; gender mainstreaming

1. INTRODUÇÃO

A incorporação das demandas por igualdade em debates e ações sobre o desenvolvimento é resultado de décadas de atuação dos movimentos de mulheres. Cecília Sardenberg (2018Sardenberg, C. (2018). Negociando gênero em desenvolvimento: os feminismos brasileiros em destaque. Cadernos Pagu, 52, e185201. Recuperado de https://doi.org/10.1590/18094449201800520001
https://doi.org/10.1590/1809444920180052...
), ao retomar a participação das feministas brasileiras para a introdução da perspectiva de gênero nos discursos relativos ao desenvolvimento, ressalta que a igualdade de gênero foi incorporada à carta fundante na primeira reunião articuladora da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em São Francisco, no ano de 1945. O preâmbulo da carta reafirma “[...] a fé nos direitos fundamentais dos seres humanos, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas” (Organização das Nações Unidas Brasil [ONU], 1945Organização das Nações Unidas Brasil. (1945). Carta das Nações Unidas. Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas
https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-...
). Sardenberg (2018)Sardenberg, C. (2018). Negociando gênero em desenvolvimento: os feminismos brasileiros em destaque. Cadernos Pagu, 52, e185201. Recuperado de https://doi.org/10.1590/18094449201800520001
https://doi.org/10.1590/1809444920180052...
destaca que, após esse fato, muitas foram as discussões que visavam ajustar os programas de desenvolvimento com base na crítica feminista, a qual evocava a necessidade de adoção de uma perspectiva de gênero nos planos internacionais.

Miriam Nobre (2016Nobre, M. (2016). Igualdade para todas: estratégias para políticas públicas e ações do movimento. Revista Estudos Feministas, 24(2), 645-652. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v2...
) ressalta que, nos anos 1990, a ONU aplicou a estratégia de transversalizar gênero (gender mainstreaming) em discussões no âmbito do desenvolvimento, como na construção da proposta da equidade de gênero na Plataforma de Ação de Beijing, aprovada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no ano de 1995 (Nobre, 2016Nobre, M. (2016). Igualdade para todas: estratégias para políticas públicas e ações do movimento. Revista Estudos Feministas, 24(2), 645-652. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v2...
; Sardenberg, 2010Sardenberg, C. (2010). Da transversalidade à transversalização de gênero: aportes conceituais e prático-políticos. In I. Alves, M. L. Schefler, P. S. Vazquez, & S. Aquino (Org.), Travessias de gênero na perspectiva feminista (pp. 37-73). Salvador, BA: Edufba/Neim.). A estratégia de transversalização de gênero despontou no final dos anos 1980, mas sua adoção foi predominante a partir de 1995. Segundo Nobre (2016, p. 646), o contexto de elaboração da estratégia de transversalizar gênero “são as políticas de ajuste estrutural impostas pelas instituições financeiras multilaterais nos anos 1980 aos países endividados e à beira da insolvência graças ao aumento unilateral das taxas de juros”, que foram adotadas principalmente nos países em desenvolvimento. Embora as chamadas políticas neoliberais constituam parte relevante desse contexto, é crucial, contudo, considerar também os impulsos positivos derivados do ciclo das conferências da ONU no decorrer da década de 1990. No caso brasileiro, é fundamental, ainda, o contexto do processo de redemocratização para o qual a participação das mulheres foi fator relevante.

A implantação das políticas de ajuste fiscal nos anos 1990 resultou no aumento da pobreza e na adoção de políticas sociais que previam a transferência monetária e a prestação de serviços privados como formas de amenizar a situação (Nobre, 2016Nobre, M. (2016). Igualdade para todas: estratégias para políticas públicas e ações do movimento. Revista Estudos Feministas, 24(2), 645-652. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v2...
). Nesse cenário, segundo Nobre (2016), as mulheres foram consideradas as mais vulneráveis, mas também aquelas que poderiam gerir necessidades não abordadas e não respondidas pelo Estado e pelo setor privado, pois tinham muito a contribuir com o desenvolvimento (Cornwall, Harrison, & Whitehead, 2013Cornwall, A., Harrison, E., & Whitehead, A. (2013). Introdução: reposicionando feminismos em gênero e desenvolvimento. Revista Feminismos, 1(1), 1-22.). Todavia, somente abordar o gênero no âmbito do desenvolvimento não é suficiente para que as políticas adotadas colaborem para a igualdade. Esse problema ocorre, sobretudo, quando os discursos promovem construções das identidades sociais e políticas das mulheres, pois é cometido, frequentemente, o erro de as posicionar como sujeitos sem agência.

Em períodos mais recentes, o debate internacional sobre a igualdade de gênero ganhou novas dimensões e, por vezes, novos contornos com a criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são objetivos de desenvolvimento firmados internacionalmente, correspondendo os ODM ao período de 2000-2015 e os ODS a 2015-2030. Assim, é relevante que se indague de que forma a igualdade de gênero é incorporada nesses documentos, que são, atualmente, importantes vetores das políticas de desenvolvimento. Diante disso, levantamos a seguinte pergunta de pesquisa: o que sucedeu com a visão, os objetivos e as metas relativos à igualdade de gênero na transição dos ODM aos ODS, especialmente quanto ao alcance da transversalidade de gênero? Para responder essa questão, realizamos uma pesquisa documental com a finalidade de escrutinar os ODM e os ODS e compará-los quanto às possibilidades e aos desafios para o avanço da agenda de igualdade de gênero nos debates feministas sobre transversalidade de gênero e produções dos feminismos decoloniais sobre gênero e desenvolvimento. Gênero é empregado neste artigo como categoria analítica, tal qual propõe Joan Scott (1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 52(2), 71-99. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
). Nessa proposição, gênero designa as construções sociais estabelecidas com base nas diferenças entre os sexos. Interessa-nos, particularmente, a constituição do gênero nas instituições e organizações sociais relacionadas ao acesso aos recursos materiais e simbólicos de uma sociedade.

O presente artigo está organizado em três seções, além desta introdução, das considerações finais e das referências. A primeira seção versa sobre a estratégia de transversalização de gênero considerando os enfoques que abordam a inserção das mulheres no tema do desenvolvimento e apresenta os ODM e os ODS. A segunda seção analisa o Objetivo 3 dos ODM e a respectiva meta 3A quanto ao tratamento da igualdade de gênero com base nas críticas formuladas pelas mulheres do Sul Global. A terceira seção, por sua vez, aborda, fundamentada nas perspectivas dos feminismos decoloniais sobre gênero e desenvolvimento, os avanços em termos de igualdade de gênero no Objetivo 5, nas metas e nos indicadores dos ODS em relação aos ODM. Os resultados indicam que os dois compromissos apresentam a característica comum de encarar a questão da desigualdade de gênero como um problema social, o que pode contribuir com os estados signatários da ONU na criação de ações mais adequadas para o combate das desigualdades vivenciadas pelas respectivas populações. Os ODS avançam por serem mais ambiciosos que os ODM e por adotar uma abordagem mais abrangente e mais transversal sobre a igualdade de gênero. Entretanto, apesar desses avanços, ainda há importantes lacunas quanto à operacionalização de uma abordagem das desigualdades de gênero que considere as intersecções das distintas formas de discriminação que afetam os diferentes grupos de mulheres.

2. ENFOQUES SOBRE DESENVOLVIMENTO: OS ODM E OS ODS

O desenvolvimento de uma sociedade perpassa por âmbitos econômicos, sociais e políticos que, frequentemente, se cruzam, sendo essas intersecções os locais dos quais emergem questões centrais para o debate da temática. Debbie Bucher e Lisa Dominquez (1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).) ressaltam que a identificação da subordinação das mulheres como problema para o desenvolvimento de uma sociedade promoveu a elaboração de perspectivas que visam oferecer soluções para essa questão. Ocorre que os esforços despendidos dependem de como cada perspectiva concebe a função das mulheres na sociedade, o que está relacionado com o conhecimento da participação econômica e social delas e a interpretação sobre a capacidade que elas possuem na área produtiva (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).). Isso reflete na forma como as mulheres são incorporadas em projetos de desenvolvimento.

A transversalidade de gênero é uma forma de orientar a construção de políticas públicas que incorporem as mulheres. Existem dissensos sobre o delineamento conceitual do termo (Marcondes, 2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas públicas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.), então, este trabalho compreende transversalidade de gênero como a incorporação da perspectiva de gênero na estruturação de políticas públicas orientadas pelo compromisso com a igualdade (Farah, 2004Farah, M. F. S. (2004). Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, 12(1), 47-71. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100004
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200400...
; Marcondes, 2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas públicas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.).

É possível destacar quatro enfoques de desenvolvimento que se propõem a incorporar a problemática das mulheres: familiar; mulheres em desenvolvimento; mulheres e o desenvolvimento; e gênero e desenvolvimento. As características de cada perspectiva, bem como considerações a respeito delas são apresentadas no quadro a seguir (Quadro 1).

QUADRO 1
ENFOQUES DE DESENVOLVIMENTO

Como se nota, a organização do trabalho é uma preocupação recorrente nos enfoques de desenvolvimento. Parella-Rubio (2003Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.) destaca que, quando os trabalhos desempenhados pelas mulheres são valorizados como indispensáveis para a família, somente o seu papel reprodutivo é reconhecido, o que oculta as atividades produtivas realizadas por elas, de modo que não se tem noção de como o gênero influencia as configurações das relações de produção.

A perspectiva mulheres em desenvolvimento, por sua vez, surgiu nos anos de 1970 e era crítica da perspectiva familiar, pois, ao contrário do que previam as teorias da modernização, as mulheres ainda vivenciavam um contexto de desigualdades apesar da modernização (Kabeer, 2005Kabeer, N. (2005). Gender equality and women’s empowerment: a critical analysis of the Third Millennium Development Goal 1, Gender & Development, 13(1), 13-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
https://doi.org/10.1080/1355207051233133...
).

Giselle Maria Nanes Correia dos Santos (2014Santos, G. M. N. C. (2014). Gênero, desenvolvimento e Programa Bolsa Família: direitos reprodutivos, trabalho e projetos de vida de mulher do Coque (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.) destaca que a perspectiva mulheres em desenvolvimento buscava a integração das mulheres em discussões relativas ao desenvolvimento realizadas por agências de desenvolvimento, governos e Organizações Não Governamentais (ONGs). Segundo Bucher e Dominquez (1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).), a perspectiva mulheres em desenvolvimento compreendia a subordinação das mulheres como resultado da divisão sexual do trabalho, que as excluía das ocupações de grande prestígio. Nessa concepção, a igualdade entre homens e mulheres seria conquistada com o rompimento da divisão sexual do trabalho, o que poderia ser realizado por meio de mudanças legais e administrativas de combate à discriminação das mulheres (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).). Ou seja, a independência econômica das mulheres promoveria a redução da desigualdade entre elas e os homens (Parella-Rubio, 2003Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.).

Com essa lógica, a perspectiva mulheres em desenvolvimento concebia as mulheres como socialmente produtivas, de modo que elas contribuíam para o desenvolvimento (Kabeer, 2005Kabeer, N. (2005). Gender equality and women’s empowerment: a critical analysis of the Third Millennium Development Goal 1, Gender & Development, 13(1), 13-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
https://doi.org/10.1080/1355207051233133...
). É importante ressaltar que esse entendimento visualizava também os aspectos econômicos, haja vista que focalizava as quantias que poderiam ser mobilizadas pelas mulheres. Assim, como ressaltam Bucher e Dominquez (1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).), os projetos de desenvolvimento foram motivados a incluir as mulheres tendo em vista a necessidade da contribuição econômica delas.

A perspectiva mulheres em desenvolvimento tem base no pensamento liberal, o qual pressupõe aspectos que foram alvos de críticas, como o fato de que, nessa concepção, as diferenças entre os indivíduos são ignoradas e o sistema econômico capitalista é aceito sem questionamentos. Nessa perspectiva, a discriminação das mulheres é vista como decorrente das ações de padrões individuais e dos planejamentos de desenvolvimento, de modo que não perpassa o sexismo e não busca identificar as fontes de opressão das mulheres (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).), como a lógica do sistema de produção (Parella-Rubio, 2003Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.). Ao não abordar de forma crítica o sistema de produção, a perspectiva mulheres em desenvolvimento não problematiza a relação entre a divisão sexual do trabalho e a segregação sexual no mercado de trabalho, que está presente na vida das mulheres por meio da discriminação ocupacional, das diferenças salariais entre homens e mulheres e da divisão desigual do trabalho realizado no ambiente doméstico (Parella-Rubio, 2003Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.). Assim sendo, ocorre que a inserção das mulheres nas atividades produtivas é incentivada sem a abordagem das desigualdades que ainda estão presentes nesse cenário.

A perspectiva mulheres e desenvolvimento surgiu no começo dos anos de 1970 e teve como foco criticar o enfoque mulheres em desenvolvimento (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).). A sua base está na teoria feminista marxista, e a solução para a igualdade entre homens e mulheres é dividida em dois âmbitos, sendo um a curto prazo, que se refere à transformação da divisão sexual do trabalho, de modo que os homens participem do trabalho doméstico não remunerado e as mulheres, do trabalho produtivo remunerado. A longo prazo, uma revolução socialista seria necessária para retirar as mulheres da exploração capitalista e para eliminar a divisão internacional do trabalho estabelecida entre países pobres e países ricos (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).).

Bucher e Dominquez (1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).) ressaltam que essa perspectiva considera que o desenvolvimento tem impactos específicos para indivíduos de diferentes sexos, classes, gêneros e etnias, de modo que a posição das mulheres melhoraria se fossem eliminadas as desigualdades internacionais e de classe. Assim, não seria um problema incluir as mulheres em projetos de desenvolvimento, pois elas sempre estiveram inseridas em ações que promoveram o desenvolvimento de suas sociedades, mas o desafio era reconhecer as atividades desempenhadas por elas (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).), como o trabalho doméstico não remunerado, muitas vezes subvalorizado, e a igualdade de participação e remuneração no mercado de trabalho.

As críticas da perspectiva mulheres e desenvolvimento ressaltam que, ao priorizar as relações de classe, esse enfoque não aborda as relações de gênero (Bucher & Dominquez, 1995Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación. San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).). Isso deixa de fora aspectos importantes, como os motivos pelos quais o trabalho das mulheres não é reconhecido, assuntos que são essenciais para o debate da igualdade de gênero.

A última perspectiva é a de gênero e desenvolvimento, que surgiu em meados dos anos de 1970. Alejandra Massolo (1999Massolo, A. (1999). Las mujeres y el hábitat popular: ¿Cooperación para la sobrevivencia o para el desarrollo? Anuario de Hojas de Harmi, 10, 79-89.) explica que, nessa concepção, o foco muda de “mulheres” para “gênero”, pois enfatiza a construção cultural e histórica dos gêneros, as relações desiguais entre homens e mulheres e seus impactos no desenvolvimento; as relações de poder e a organização social da desigualdade. Santos (2014Santos, G. M. N. C. (2014). Gênero, desenvolvimento e Programa Bolsa Família: direitos reprodutivos, trabalho e projetos de vida de mulher do Coque (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.) destaca que a perspectiva gênero e desenvolvimento A divisão sexual do trabalho decorre das relações sociais entre os sexos e que posiciona os homens na esfera produtiva e as mulheres na esfera reprodutiva (Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700...
). São dois os princípios que organizam o trabalho nessa lógica: de separação e hierárquico. O primeiro diz respeito à divisão entre atribuições concebidas como próprias para indivíduos de acordo com o sexo. O segundo, por sua vez, estabelece que o trabalho desempenhado pelos homens é mais valorizado do que o feito pelas mulheres (Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700...
).

Em uma sociedade organizada pela divisão sexual do trabalho, os homens são mais valorizados, compreendendo-se que a sua atuação é mais importante para o desenvolvimento. Para as mulheres, a divisão sexual do trabalho naturaliza como de responsabilidade delas o trabalho doméstico e as atividades de cuidado, os quais, em uma relação de oposição, são compreendidos como de menor valor social, o que as tornou invisíveis e desvalorizadas perante alguns setores da sociedade (Paradis, 2019Paradis, C. (2019). Os desafios do Bem-estar na América Latina, as políticas de igualdade de gênero e as respostas governamentais para a “crise do cuidado”. Revista Sul-Americana de Ciência Política, 5(2), 323-339. Recuperado de https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.8197
https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.81...
). As práticas de cuidado estão inseridas no que se entende por care, termo polissêmico que envolve “cuidado, solicitude, preocupação com o outro, estar atento a suas necessidades” (Hirata, 2010Hirata, H. (2010). Teorias e práticas do care: estado sucinto da arte, dados de pesquisa e pontos em debate. In N. Faria, & R. Moreno (Org.), Cuidado, trabalho e autonomia das mulheres (pp. 42- 56). São Paulo, SP: SOF., p. 43). O care integra o trabalho doméstico não remunerado, ou seja, as atividades realizadas pelas mulheres que são compreendidas como forma de demonstração de amor aos familiares. Contudo, essa não é forma pela qual os homens expressam tal sentimento. Apesar da invisibilização do trabalho de cuidado não remunerado em uma organização sexual do trabalho, observa-se que essa atividade mobiliza um montante significativo anualmente, pois, no ano de 2019, o valor monetário global estimado desse tipo de trabalho prestado por mulheres da faixa etária de 15 anos foi de US$10,8 trilhões (Oxfam, 2020Oxfam. (2020). Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. Recuperado de https://www.oxfam.org.br/publicacao/tempo-de-cuidar-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-e-mal-pago-e-a-crise-global-da-desigualdade/
https://www.oxfam.org.br/publicacao/temp...
).

O entendimento de que as mulheres são as responsáveis pelos trabalhos de cuidados reflete também na segregação ocupacional, pois são elas que mais frequentemente desempenham essa atividade de forma remunerada, o que se pode nomear como a profissionalização do trabalho de cuidado. Os debates feministas sobre essa ocupação expõem as situações precárias de trabalho, como a falta de registro profissional e os danos à saúde das mulheres que atuam como cuidadoras, acompanhantes, auxiliares de enfermagem, babás etc., que não possuem direitos correspondentes às atividades que desempenham (Hirata, 2010Hirata, H. (2010). Teorias e práticas do care: estado sucinto da arte, dados de pesquisa e pontos em debate. In N. Faria, & R. Moreno (Org.), Cuidado, trabalho e autonomia das mulheres (pp. 42- 56). São Paulo, SP: SOF.).

O sexo não é o único sistema que estabelece hierarquias. Sistemas originários no pensamento capitalista e colonialista moderno também enfatizam a lógica categorial acerca da raça, do gênero e da sexualidade (Lugones, 2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, 22(3), 935-952. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201400...
). O trabalho de cuidado não remunerado é realizado majoritariamente por mulheres e meninas afetadas por discriminações de raça, de classe, de etnia, de nacionalidade, de sexualidade etc. que se interseccionam (Oxfam, 2020Oxfam. (2020). Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. Recuperado de https://www.oxfam.org.br/publicacao/tempo-de-cuidar-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-e-mal-pago-e-a-crise-global-da-desigualdade/
https://www.oxfam.org.br/publicacao/temp...
) e agravam ainda mais o cenário de desigualdades de uma sociedade. A naturalização da responsabilização das mulheres pelo trabalho doméstico e de cuidado não remunerado afeta a vida delas, pois promove a inserção precarizada das mulheres no mercado de trabalho, o que, consequentemente, compromete a renda; gera ou agrava problemas de saúde devido aos esforços físicos e mentais despendidos e dificulta o acesso à educação continuada (Paradis, 2019Paradis, C. (2019). Os desafios do Bem-estar na América Latina, as políticas de igualdade de gênero e as respostas governamentais para a “crise do cuidado”. Revista Sul-Americana de Ciência Política, 5(2), 323-339. Recuperado de https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.8197
https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.81...
).

No âmbito do cuidado, a economia feminista se apresenta como uma proposta de elaboração de políticas públicas que visem reduzir desigualdades sem criar outras, o que envolve reconhecer os distintos sujeitos políticos relacionados em cada decisão econômica como indivíduos capazes de reverter situações de subordinação. A economia feminista, portanto, toma como prioridade a responsabilidade social do cuidado e a valorização de bens essenciais à vida, como é o caso da produção de bens para o autoconsumo em experiências de economia solidária (Nobre, 2016Nobre, M. (2016). Igualdade para todas: estratégias para políticas públicas e ações do movimento. Revista Estudos Feministas, 24(2), 645-652. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v2...
).

A divisão sexual do trabalho é tratada de diferentes formas nos enfoques de desenvolvimento mencionados anteriormente. Enquanto, na perspectiva familiar, as mulheres são meras beneficiárias do desenvolvimento, a perspectiva mulheres em desenvolvimento centraliza a divisão sexual do trabalho como algo a ser superado para se alcançar a igualdade de gênero. O enfoque mulheres e desenvolvimento, por sua vez, reconhece o trabalho desempenhado pelas mulheres, mas centra a discussão nas relações de classe estabelecidas no ambiente de trabalho, portanto, não aborda as relações de poder que organizam os trabalhos desempenhados por homens e mulheres com base no gênero. Por fim, a perspectiva gênero e desenvolvimento problematiza as relações de hierarquia entre as esferas produtiva e reprodutiva, pois entende que as relações desiguais entre homens e mulheres constituem as desigualdades sociais, políticas e econômicas de uma sociedade.

É importante considerar que a divisão sexual do trabalho possui grande plasticidade, o que significa que as situações ocorridas não são estáveis, pois se modificam no tempo e no espaço (Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700...
). Parella-Rubio (2003Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.) reforça esse entendimento ao retomar as vivências das mulheres nas sociedades ocidentais, pois, apesar de possuírem maiores índices de escolaridade e de sua introdução no mercado de trabalho, elas ainda eram afetadas pela segregação ocupacional, ganhos salarias menores do que os dos homens e responsabilizadas pelo trabalho não remunerado e de cuidado. As diferenças também são visíveis entre os distintos grupos de mulheres, pois aquelas que pertencem às classes média e alta podem ocultar parte da sua subordinação através da mercantilização do trabalho doméstico, que é executado, em grande medida, por mulheres de classes mais baixas racializadas (Biroli, 2016Biroli, F. (2016). Divisão sexual do trabalho e democracia. Dados - Revista de Ciências Sociais, 59(3), 719-754. Recuperado de https://doi.org/10.1590/00115258201690
https://doi.org/10.1590/00115258201690...
). Assim sendo, ao focalizar apenas aspectos econômicos, as diferenças entre os indivíduos são ignoradas, e a segregação ocupacional com base no sexo não é problematizada.

No enfoque mulheres e desenvolvimento, a transformação da divisão sexual do trabalho almeja a eliminação das desigualdades internacionais de classe, mas não aborda as relações de gênero, que são focalizadas na perspectiva gênero e desenvolvimento. Entende-se que isso ocorre porque as relações de gênero dão base para a divisão sexual do trabalho, bem como para as desigualdades sociais, políticas e econômicas de uma sociedade. Assim, evidencia-se que a incorporação das mulheres em planos de desenvolvimento possibilita abordar de formas distintas a igualdade de gênero, o que pode resultar, inclusive, em práticas que as instrumentalizem.

A instrumentalização das mulheres é realizada quando elas são colocadas em posições altamente estratégicas (Dobrowolsky, 2007 como citado em Labrecque, 2010Labrecque, M. F. (2010). Transversalização da perspectiva de gênero ou instrumentalização das mulheres? Revista Estudos Feministas, 16(3), 901-912. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2010000300015
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201000...
). Quando aplicada em planos de desenvolvimento internacional, a lógica instrumental organiza as medidas de forma mecânica, o que satisfaz necessidades práticas de gênero. O estudo desenvolvido por Marie France Labrecque (2010)Labrecque, M. F. (2010). Transversalização da perspectiva de gênero ou instrumentalização das mulheres? Revista Estudos Feministas, 16(3), 901-912. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2010000300015
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201000...
em uma cidade do México exemplifica essa forma de instrumentalização, pois o programa de microcrédito criado pela gestão pública tornou as mulheres locais participativas e geradoras de renda, contudo não eliminou as desigualdades entre os sexos. De modo semelhante, em planos de desenvolvimento, as instituições internacionais instrumentalizam as mulheres do Sul Global ao destinarem auxílios financeiros baseados no argumento de que elas são melhores gestoras do dinheiro que lhes é confiado e que sabem respeitar mais as regras dos programas, prática que manifesta um pensamento colonialista (Vergès, 2020Vergès, F. (2020). Um feminismo decolonial. São Paulo, SP: Ubu Editora.). Os benefícios financeiros ajudam as mulheres do Sul Global a realizarem atividades práticas do dia a dia, mas não contemplam ações que promovam justiça social e justiça de gênero.

Questiona-se, portanto, se a transversalidade de gênero, tal como é trabalhada em planos de desenvolvimento internacionais, colabora efetivamente com a igualdade entre homens e mulheres. Neste estudo, voltamos a nossa atenção para os ODM e ODS. Uma série de cúpulas realizadas durante os anos 1990 debateram o tema do desenvolvimento humano e resultaram na aprovação dos ODM, adotados pelos estados-membro da ONU em 2000. A Resolução nº 55/2 da Assembleia Geral da ONU, que recebeu o nome de Declaração do Milênio das Nações Unidas, foi o marco fundador dos ODM. A declaração foi adotada por representantes de 191 países na 55ª sessão da Assembleia Geral, também conhecida como a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, realizada entre 6 e 8 de setembro de 2000, em Nova Iorque. Segundo esse documento, o principal desafio, no momento, é conseguir que a globalização fosse positiva para todos e todas, considerando a distribuição desigual dos benefícios e dos custos dela (Organização das Nações Unidas, 2000Organização das Nações Unidas Brasil. (1945). Carta das Nações Unidas. Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas
https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-...
). A declaração reconheceu que países em desenvolvimento ou com economias em transição eram os que mais enfrentavam dificuldades, de forma que era necessário um esforço amplo para uma globalização equitativa e inclusiva (ONU, 2000Organização das Nações Unidas. (2000). Declaração do Milênio das Nações Unidas. Lisboa, PT: United Nations Information Centre. Recuperado de https://www.oas.org/dil/port/2000%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20do%20Milenio.pdf
https://www.oas.org/dil/port/2000%20Decl...
). No Objetivo 3, a transversalização de gênero está alinhada à perspectiva gênero e desenvolvimento, anteriormente abordada.

Transcorrido o período estabelecido na Agenda dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em setembro de 2015, representantes de 193 estados-membro da ONU, reunidos em Nova Iorque, reconheceram que erradicar a pobreza é o principal desafio em nível global e uma ação imprescindível para o desenvolvimento sustentável. A reunião teve como resultado o documento intitulado Transformando o nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, que se trata de “um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, que busca fortalecer a paz universal” (ONU Brasil, 2015Organização das Nações Unidas Brasil. (2015). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda...
). É composto por 17 ODS e 169 metas, que foram elaboradas após a ponderação das metas não atingidas pela Agenda ODM e que visam obter avanços na erradicação da pobreza e na promoção de uma vida digna de acordo com os limites do planeta (ONU Brasil, 2015Organização das Nações Unidas. (2015). Millennium Development Goals and Beyond 2015. Recuperado dehttps://www.un.org/millenniumgoals/
https://www.un.org/millenniumgoals/...
). A agenda considera o prazo de 15 anos, ou seja, de 2016 a 2030.

Na transversalização de gênero iniciada nos ODM e aprofundada nos ODS, percebem-se modificações no próprio uso de gênero, vinculando-o mais fortemente aos problemas sociais. Como indica Raewyn Connell (2014Connell, R. (2014). Questões de gênero e justiça social. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, 4(2), 11-34. Recuperado de https://doi.org/10.5902/2236672517033
https://doi.org/10.5902/2236672517033...
), as teorias de gênero formuladas no Norte, e mais popularizadas entre nós, costumam ser aquelas de orientação culturalista e focadas no problema das identidades, como em certas correntes do pós-estruturalismo e das teorias queer. Teorias de gênero formuladas a partir do Sul Global ofereceram uma importante contribuição ao vincularem a questão de gênero à questão de justiça social, criando, nesse caso, demandas por uma justiça social de gênero. Nessa visão, que inclui o problema das identidades, mas não se prende a ele, emerge um vasto leque de interesses, demandas e temas, como, por exemplo, o direito a terra, pobreza, nutrição, fome, habitação, casamento infantil, gravidez forçada, combate ao HIV/AIDS, destruição do meio ambiente, colonialismo e neoliberalismo. Desse modo, os feminismos do Sul Global têm contribuído para incorporar visões de justiça de gênero no escopo do desenvolvimento humano.

Nas seções a seguir, comparamos esses documentos quanto às possibilidades e aos desafios para o avanço da agenda de igualdade de gênero.

3. A IGUALDADE DE GÊNERO NOS ODM

O Objetivo 3 dos ODM (Quadro 2) tratou especificamente da igualdade de gênero, o que, contextualmente, foi um ganho em termos de visibilidade para o entrelaçamento entre os problemas da desigualdade de gênero e a promoção do desenvolvimento humano.

QUADRO 2
OBJETIVO 3 DOS ODM

O Objetivo 3 estipulou apenas a Meta 3 A, relativa à educação. Essa visão foi ampliada e passou a adotar indicadores relativos à inserção das mulheres no mercado de trabalho e à participação delas em cargos políticos. Apesar dessa ampliação, observa-se a ausência de metas. Essa estratégia foi criticada por sua timidez nos compromissos com a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

O Relatório dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, de 2015, publicado pela ONU, apontou que o Objetivo 3 e a Meta 3A foram alcançados globalmente. Todavia, existem disparidades regionais, de modo que, entre os países em desenvolvimento, apenas 64% deles alcançaram paridade de gênero na educação primária e um terço alcançou paridade na educação secundária. Em 2015, as mulheres representavam 41% dos trabalhadores pagos fora do setor agrícola, com aumento de 35% em relação a 1990. De 1990 a 2015, a proporção média de mulheres nos parlamentos quase dobrou, e elas conquistaram mais espaço em quase 90% dos 174 países considerados. Ainda assim, em 2015, as mulheres ocupavam apenas um de cada cinco assentos nos parlamentos (ONU, 2015Organização das Nações Unidas Brasil. (2015). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda...
).

Os resultados dos ODM foram considerados insatisfatórios, pois se colocou em evidência que os ganhos com educação não são suficientes para sanar iniquidades no mercado de trabalho e na política (Struckmann, 2018Struckmann, C. (2018). A postcolonial feminist critique of the 2030 Agenda for Sustainable Development: a South African application. Agenda, 32(1), 12-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/10130950.2018.1433362
https://doi.org/10.1080/10130950.2018.14...
), além das evidências sobre as desigualdades entre diferentes países ou regiões. Naila Kabeer (2005Kabeer, N. (2005). Gender equality and women’s empowerment: a critical analysis of the Third Millennium Development Goal 1, Gender & Development, 13(1), 13-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
https://doi.org/10.1080/1355207051233133...
) ponderou os ganhos e os limites com a educação. Por um lado, existe amplo corpo de evidências sobre os efeitos positivos do acesso das mulheres à educação, como mais capacidade cognitiva e aptidão para refletir, questionar e agir sobre suas condições de vida, o que contribui, por exemplo, para capacitá-las nos contatos com agentes estatais e para enfrentar situações de violência doméstica. Por outro lado, as mudanças propiciadas pela educação são também condicionadas pelo contexto, desse modo, alguns deles impõem limitações adicionais à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres. A esse respeito, Kabeer (2005Kabeer, N. (2005). Gender equality and women’s empowerment: a critical analysis of the Third Millennium Development Goal 1, Gender & Development, 13(1), 13-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
https://doi.org/10.1080/1355207051233133...
, p. 17) faz o alerta:

Onde o papel das mulheres na sociedade é definido puramente em termos reprodutivos, a educação é vista em termos de equipar as meninas para serem melhores esposas e mães ou aumentar suas chances de arranjar um marido adequado. Estas são aspirações legítimas, dadas as realidades da sociedade. No entanto, fazem pouco para equipar meninas e mulheres para questionar o mundo em torno delas e o status de subordinadas atribuído a elas.

No caso brasileiro, nas últimas décadas, as mulheres apresentam, em média, mais anos de escolaridade do que os homens, entretanto, no mercado de trabalho, elas recebiam, em 2019, em média, 76,4% dos rendimentos dos homens (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil (Estudos e Pesquisa, Informações Demográficas e Socioeconômicas, n. 38). Rio de Janeiro, RJ: Autor.). Isso se explica especialmente pelo viés de gênero que opera nas dinâmicas do mercado de trabalho, condicionando tanto as escolhas da escolarização e de carreiras, como a distribuição do uso do tempo entre trabalho pago e não pago. Desse modo, as mulheres brasileiras são mais responsabilizadas que os homens nas funções de cuidados e outros trabalhos não pagos (Souza & Mariano, 2018Souza, M. F., & Mariano, S. (2018). Percepções de cuidado e práticas de gênero das mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família a partir de um recorte geracional: mudanças e permanências. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 23(3), 164-194. Recuperado de https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018v23n3p164
https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018v2...
). Essas barreiras na conversão da escolaridade em ganhos no mercado de trabalho são também constituídas pelo entrelaçamento entre gênero, raça e classe. As mulheres negras, sobrerepresentadas entre as pessoas em situação de pobreza, são empregadas majoritariamente em ocupações de baixo reconhecimento social, como o trabalho doméstico. Assim, elas cuidam de pessoas das famílias brancas e dos membros de sua própria família. Elas são socialmente posicionadas, portanto, como a principal fonte de cuidado em uma sociedade desigual, empobrecida, racializada e sexualizada (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.).

Esses fatores justificam políticas de desenvolvimento com transversalidade de gênero e interseccional. Como demonstraram Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2020Collins, P. H., & Bilge, S. (2020). Intersectionality(2a ed.). Cambridge, UK: Polity Press.), Lélia Gonzalez (2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) e Kimberlé Crenshaw (2002)Crenshaw, K. (2022). Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista estudos feministas, 10(1), 171-188. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200200...
, o entrelaçamento entre diferentes sistemas de opressão, como o capitalismo, o patriarcado e o racismo, produz dinâmicas próprias de oportunidades e barreiras que somente são compreendidas quando a moldura analítica é capaz de apreender as interações sociais processadas nesses espaços interpostos. Assim, a abordagem interseccional coloca em relevo formas de desigualdades que permanecem ocultadas com explicações que se valem de apenas uma causalidade ou que separam e hierarquizam as categorias. Nessa perspectiva, ao buscar remédios para essas desigualdades, a resposta das políticas públicas deve ser interseccional, ou seja, para alcançar desenvolvimento com igualdade de gênero, deve-se responder às desigualdades entre as mulheres, evitando o que Crenshaw (2002)Crenshaw, K. (2022). Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista estudos feministas, 10(1), 171-188. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200200...
chamou de superinclusão e subinclusão.

Os ODM previram também o Objetivo 5 - melhorar a saúde materna -, cuja meta era reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna entre 1990 e 2015. O relatório de 2015 indicou que tal meta não foi alcançada, pois a diminuição mundial foi de apenas 45%. Uma segunda meta do Objetivo 5 previu alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva. Entretanto, apenas metade das mulheres grávidas recebia a quantidade recomendada de cuidados pré-natais. Os nascimentos globais atendidos por profissionais de saúde qualificados cresceram de 59% para 71%, entre 1990 e 2015, expondo um progresso lento. No mesmo período, cresceu apenas de 55% para 64% a prevalência de contraceptivos entre mulheres de 15 a 49 anos, casadas ou em união de fato (ONU, 2015Organização das Nações Unidas Brasil. (2015). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda...
).

Considerando que a mortalidade materna, na maioria das vezes, é fruto de mortes evitáveis, sua ocorrência é produto direto da ordem de gênero, sendo essa variável especialmente sensível a gênero, e o fracasso dos ODM é revelador dos limites para o alcance do empoderamento das mulheres. Adicionalmente, o Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) de 2010 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2010Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (2010). Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 - “A verdadeira riqueza das nações: vias para o Desenvolvimento Humano”. New York, NY: Autor., p. 109) cita a importância de serviços como “educação básica, nutrição adequada e acesso a contraceptivos, serviços de saúde pré-natal e um parto assistido por pessoal competente”. Tais serviços nem sempre estão disponíveis ao conjunto de mulheres brasileiras, e o acesso é condicionado pela combinação da condição de gênero, desigualdades de classe e racismo institucional. Dessa combinação resulta o fato de que uma mulher negra no Brasil tem mais risco de mortalidade materna que uma mulher branca (Martins, 2006Martins, A. L. (2006). Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 22(11), 2473-2479. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001100022
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200600...
).

A inserção pontual da igualdade de gênero nos ODM e o fracasso global com as metas do Objetivo 5, referentes à saúde materna, foram objeto de críticas feministas que denunciaram os descompassos nos esforços de conciliação entre a Plataforma de Ação de Beijing e os ODM. Sakiko Fukuda-Parr (2016Fukuda-Parr, S. (2016). From the Millennium Development Goals to the Sustainable Development Goals: shifts in purpose, concept, and politics of global goal setting for development. Gender & Development, 24(1), 43-52. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1145895
https://doi.org/10.1080/13552074.2016.11...
) apontou que os ODM estiveram focados na pobreza e em seu alívio, apresentando uma novidade ao abandonar a concepção de desenvolvimento centrado na capacidade produtiva e na economia de mercado e adotar uma ideia de desenvolvimento focada na capacidade. Entre as críticas dirigidas aos ODM, encontra-se a denúncia de inadequação às normas e aos princípios dos direitos humanos, especialmente igualdade, participação, não discriminação e transparência. As omissões em relação à saúde reprodutiva das mulheres foram também um dos aspectos criticados.

Estudiosas e militantes feministas criticaram, ainda, o modelo de relações verticalizadas entre Norte e Sul, que tem como consequências a adoção de perspectivas que consideram as mulheres pobres impotentes (Batliwala & Dhanraj, 2013Batliwala, S., & Dhanraj, D. (2013). Os mitos de gênero que instrumentalizam as mulheres: uma visão da “linha de frente” indiana. Revista Feminismos, 1(1), 1-13.; Cornwall et al., 2013Cornwall, A., Harrison, E., & Whitehead, A. (2013). Introdução: reposicionando feminismos em gênero e desenvolvimento. Revista Feminismos, 1(1), 1-22.). Feministas pós-coloniais e decoloniais denunciaram e criticaram a presença de ideias colonizadoras sobre igualdade de gênero e desenvolvimento desde períodos anteriores aos ODM. Chandra T. Mohanty (1984Mohanty, C. T. (1984). Under Western eyes: feminist scholarship and colonial discourses. Boundary 2, 12/13 (3-1), 333-358. Recuperado de https://doi.org/10.2307/302821
https://doi.org/10.2307/302821...
), expôs as relações de poder que permitiram aos feminismos “ocidentais” a produção monolítica de uma mulher do “Terceiro Mundo”. Nessa construção arbitrária e dicotômica, a mulher do “Terceiro Mundo” foi definida como ignorante, pobre, sem escolarização, vinculada à tradição, doméstica, orientada para a família, vitimizada etc. Essa visão, consonante o enfoque de desenvolvimento “familiar”, resultou em programas dotados de uma concepção universalizada sobre as mulheres dos países em desenvolvimento e que não as reconhecia como sujeito do desenvolvimento, mas, sim, como beneficiárias. Parafraseando Gayatri Spivak (2010Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.), essa visão benevolente preserva o lugar subalternizado destinado a essas mulheres.

Nos anos 1990, enquanto ainda se disseminava o enfoque “mulher em desenvolvimento”, em meio ao elevado crescimento da pobreza, com a expansão das políticas neoliberais (implementadas em profundidade nos países latino-americanos), ressurgiu a agenda do “desenvolvimento”. O debate desenvolvimento-subdesenvolvimento e os próprios termos “Primeiro Mundo” e “Terceiro Mundo” foram reformulados. Como apontam Arturo Escobar (2014Escobar, A. (2014). La invención del desarrollo. Cauca, Colômbia: Editorial Universidad del Cauca.) e Anibal Quijano (2000Quijano, A. (2000). El fantasma del desarrollo en América Latina. Revista del CESLA. International Latin American Studies Review, (1), 38-55.), esse debate é expressão da reconfiguração do poder capitalista mundial.

Se, desde a segunda metade do século XX, a produção de pensadores latino-americanos foi profícua ao oferecer novas teorias do desenvolvimento, como a teoria da dependência, as teorias decoloniais e do pós-desenvolvimento, tais teorias nem sempre foram eficientes para captar a relevância de gênero e raça. Assim, tem sido predominantemente a produção feminista da região que tem incluído gênero e raça nessa agenda. Gloria Anzaldúa (2005Anzaldúa, G. (2005). La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Revista Estudos Feministas, 13(3), 704-719. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2005000300015
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200500...
), María Lugones (2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, 22(3), 935-952. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201400...
) e Rita Segato (2012Segato, R. L. (2012). Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. e-cadernos CES, 18, e1533. Recuperado de https://doi.org/10.4000/eces.1533
https://doi.org/10.4000/eces.1533...
)avançam em relação a essas teorias e colocam em interação fatores como o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Essas visões, juntamente com o ativismo feminista da região, contribuíram para os posteriores avanços nos ODS, juntamente com o enfoque de desenvolvimento mais recente: “gênero e desenvolvimento”.

Nessas últimas décadas, em meio às reconfigurações, os termos “desenvolvido” e “subdesenvolvido” foram substituídos por “desenvolvidos” e “em vias de desenvolvimento”, o que, para Quijano (2000Quijano, A. (2000). El fantasma del desarrollo en América Latina. Revista del CESLA. International Latin American Studies Review, (1), 38-55.), segue expressando a mesma perspectiva do par dicotômico anterior. Com o debate do “desenvolvimento humano”, uma importante mudança introduzida foi diferir “desenvolvimento” e “crescimento econômico”, adicionando outras dimensões ao debate e às mensurações, o que ampliou o espaço para a agenda de gênero e a consciência da interdependência entre igualdade de gênero e desenvolvimento humano. A despeito dessas alterações, as mulheres tomadas como público, ou “objeto”, dos programas de desenvolvimento implementados nesse período, seguiram tendo aquela caracterização que Mohanty (1984Mohanty, C. T. (1984). Under Western eyes: feminist scholarship and colonial discourses. Boundary 2, 12/13 (3-1), 333-358. Recuperado de https://doi.org/10.2307/302821
https://doi.org/10.2307/302821...
) sumarizou como a “mulher do Terceiro Mundo”. Ou seja, há práticas de políticas e programas que mesclam o antigo enfoque familiar com o mais recente, gênero e desenvolvimento.

Sem conseguir ultrapassar suficientemente as heranças dos enfoques de desenvolvimento anteriores, como o familiar e a perspectiva mulheres em desenvolvimento, os ODM foram, então, largamente interpretados como expressão da “colonialidade do poder”. Desse modo, programas de desenvolvimento eram formulados no Norte para ser executados no Sul Global, dirigindo-se a mulheres consideradas dependentes e incapazes de definir os próprios termos de autonomia e de desenvolvimento. Ao avaliar os resultados dos ODM para a África do Sul, Christiane Struckmann (2018Struckmann, C. (2018). A postcolonial feminist critique of the 2030 Agenda for Sustainable Development: a South African application. Agenda, 32(1), 12-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/10130950.2018.1433362
https://doi.org/10.1080/10130950.2018.14...
, p. 5) considerou que, apesar de haver progressos, a realização dos ODM foi “ineficaz para abordar os principais obstáculos que dificultam a realização da igualdade substantiva de gênero e justiça no país, como a cultura tradicional, práticas culturais nocivas e outras manifestações de masculinidade e patriarcado”. Avaliações semelhantes foram realizadas por feministas de diferentes países do Sul Global, como se observou nos encontros de acompanhamento da Plataforma de Beijing (Cornwall & Edwards, 2015Cornwall, A., & Edwards, J. (2015). Introduction: Beijing+20 - where now for gender equality? IDS Bulletin, 46(4), 1-8. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1759-5436.12149
https://doi.org/10.1111/1759-5436.12149...
; C. Moser & A. Moser, 2005Moser, C. & Moser, A. (2005). Gender mainstreaming since Beijing: a review of success and limitations in international institutions. Gender & Development, 13(2), 11-22. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332283
https://doi.org/10.1080/1355207051233133...
).

Essas avaliações denunciaram a tendência de instrumentalização das mulheres pobres pelos programas de desenvolvimento. Ao fazer uso instrumental das obrigações reprodutivas socialmente destinadas às mulheres, essas ações se valem do trabalho não pago delas para potencializar sua eficácia e eficiência, como reforçar a dedicação delas para cumprimento de metas relativas à infância e à adolescência. Com isso, um problema comum foi promover o chamado “combate à pobreza” sem enfrentar a questão da subordinação das mulheres e, menos ainda, os impactos diversos para as mulheres racializadas. Papéis tradicionais de gênero, e sua consequente divisão sexual do trabalho e genderização dos cuidados, tornavam-se pragmaticamente úteis aos formuladores e gestores desses programas. Nessas condições, a agenda do “empoderamento” das mulheres foi ressignificada para conferir significado útil à instrumentalização. Insistir mais na transversalidade de gênero foi uma das principais estratégias adotadas pelo feminismo em resposta a esse cenário.

O acúmulo de avaliações e análises críticas formuladas pelas mulheres do Sul Global produziu alguns efeitos na formulação dos ODS, que são discutidos a seguir.

4. A IGUALDADE DE GÊNERO NOS ODS

Os ODS estipulam o Objetivo 5 como específico sobre a igualdade de gênero: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. O subtítulo apresenta dois importantes avanços. Ao se referir a “todas”, os estados signatários são instados a desenvolver ações inclusivas, dando atenção à diversidade entre as mulheres, condizente, no princípio, com visões interseccionais e decoloniais. Ao mencionar “mulheres e meninas”, os ODS contribuem para superar o vício das políticas de gênero orientadas pelo adultocentrismo, dirigidas especialmente às adultas, sem vinculação explícita com a agenda dos direitos da infância e da adolescência.

O Objetivo 5 é composto por nove metas e 14 indicadores. No Quadro, 3 estão listadas as metas seguidas das respectivas considerações sobre os avanços percebidos.

QUADRO 3
OBJETIVO 5 DOS ODS E AVANÇOS EM RELAÇÃO AOS ODM

Quadro 3
continuação

Além de apresentar objetivo específico mais ambicioso, os ODS representam um salto da transversalidade de gênero. No objetivo específico, houve ampliação de uma para nove metas e de três para quatorze indicadores. Ademais, a transversalidade de gênero se expressa no conjunto do documento. Em estudo realizado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), em 2016, foram identificadas metas associadas à igualdade de gênero em todos os 17 objetivos dos ODS (Bidegain-Ponte, 2017Bidegain-Ponte, N. (2017). La Agenda 2030 y la Agenda Regional de Género: sinergias para la igualdad en América Latina y el Caribe (Serie Asuntos de Género, 143). Santiago, Chile: Cepal. Recuperado de https://repositorio.cepal.org/handle/11362/41016
https://repositorio.cepal.org/handle/113...
). Além de mais ambiciosos, os ODS também se apresentam como um novo pacto político.

Para Fukuda-Parr (2016Fukuda-Parr, S. (2016). From the Millennium Development Goals to the Sustainable Development Goals: shifts in purpose, concept, and politics of global goal setting for development. Gender & Development, 24(1), 43-52. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1145895
https://doi.org/10.1080/13552074.2016.11...
), enquanto os ODM estiveram focados no alívio da pobreza, os ODS focam a erradicação da pobreza e adotam uma agenda mais ampla e transformativa, incluindo metas ambientais, sociais e de sustentabilidade econômica, resultado de um amplo processo de participação de diferentes atores. Nicole Bidegain-Ponte (2017Bidegain-Ponte, N. (2017). La Agenda 2030 y la Agenda Regional de Género: sinergias para la igualdad en América Latina y el Caribe (Serie Asuntos de Género, 143). Santiago, Chile: Cepal. Recuperado de https://repositorio.cepal.org/handle/11362/41016
https://repositorio.cepal.org/handle/113...
) interpreta que uma das ambições dos ODS é reduzir as desigualdades nos países e entre os países. Em consequência, os compromissos políticos abrangem tanto os países em desenvolvimento (traço do modelo de combate à pobreza) como os países desenvolvidos.

Se, por um lado, existem avanços com os ODS, por outro lado, existem descompassos entre a ambição e a generalidade das metas. É uma desvantagem firmar um compromisso político cujas metas não são quantificáveis, ou, quando o são, se mostram inalcançáveis, como a meta 5.2: “Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas pública e privada, incluindo o tráfico e a exploração sexual e de outros tipos”. Considerando a extensão e as características do fenômeno, não parece razoável estimar sua “eliminação” até 2030. Paradoxalmente, os ODS ampliaram as promessas para “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, mas o faz em bases difíceis de serem cobradas dos estados signatários. Percebe-se que esse pacto afirma um valor político finalístico, o que é desejável, e não um resultado a ser mensurado. Como reflete Esquivel (2016Esquivel, V. (2016). Power and the Sustainable Development Goals: a feminist analysis. Gender & Development, 24(1), 9-23. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1147872
https://doi.org/10.1080/13552074.2016.11...
, p. 9), “a visão da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nem sempre é cumprida com linguagem suficientemente forte, políticas claras ou disposições de financiamento”.

O quanto há de concretude no enunciado “todas as mulheres e meninas”? Olhando para os indicadores de cada meta, nota-se que a distinção entre mulheres e meninas é levada a efeito em várias situações. No entanto, diferenças como de raça, etnia e sexualidade não foram consideradas nos indicadores, conservando deficiências de políticas públicas que não enxergam formas interseccionadas de opressão.

Observem os dois indicadores referentes à meta 5.2:

5.2.1 Proporção de mulheres e meninas com 15 anos de idade ou mais que já tiveram um parceiro e foram submetidas à violência física, sexual ou psicológica por um atual ou ex-parceiro íntimo nos últimos 12 meses, por tipo de violência e idade;

5.2.2 Proporção de mulheres e meninas com 15 anos ou mais de idade submetidas à violência sexual por pessoas que não sejam seus parceiros íntimos nos últimos 12 meses, por idade e local de ocorrência.

Esses indicadores avançam ao considerar aspectos como idade, tipo e local de ocorrência da violência contra mulheres. No entanto, eles não contribuem para expor os efeitos combinados do racismo genderizado ou da genderização racializada. Por exemplo, no Brasil, enquanto a taxa geral de denúncias de violência contra mulheres caía, aumentava entre mulheres negras. O número de feminicídios em anos recentes apresentou a mesma tendência.

Se, por um lado, os objetivos e as metas dos ODS parecem promissores para os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, por outro, sua efetividade depende das lutas políticas travadas nos vários níveis e do posicionamento dos movimentos de mulheres nesses embates, especialmente considerando-se as contradições entre os princípios de direitos humanos e os modelos hegemônicos de crescimento econômico em uma época de globalização neoliberal (Esquivel & Sweetman, 2016Esquivel, V., & Sweetman, C. (2016). Gender and the Sustainable Development Goals. Gender & Development, 24(1), 1-8. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1153318
https://doi.org/10.1080/13552074.2016.11...
).

Na América Latina e no Brasil, uma agenda de gênero mais ampla e transformativa enfrenta também os obstáculos políticos de movimentos religiosos, sociais e políticos declaradamente antifeministas. Esses entraves se traduzem, por exemplo, no movimento contra o que denominam “ideologia de gênero”, cuja origem se localiza logo após a Conferência de Beijing, em 1995, como reação contrária à Plataforma de Beijing. De acordo com as acusações desses movimentos, a agenda de gênero é um ataque contra a família, financiado por agências internacionais capturadas por feministas e marxistas (Miguel, 2016Miguel, L. F. (2016). Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero”. Revista Direito e Práxis, 7(15), 590-621. Recuperado de https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163...
). No esteio da Igreja Católica, cuja pauta foi posteriormente capturada por Igrejas Evangélicas, os movimentos contra a “ideologia de gênero” se organizam internacionalmente, com forte presença em países da América Latina.

Em contextos políticos, nos quais a democracia se vê ameaçada enquanto políticas neoliberais se veem reforçadas, ampliando as barreiras para a defesa dos direitos das mulheres e meninas, a pauta da igualdade de gênero segue conectada à necessária defesa da democracia, da justiça social e do Estado como agente fundamental da proteção social.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo comparamos os ODM e os ODS com a finalidade de identificar como a igualdade de gênero foi tratada e interpretar seus avanços e desafios frente à agenda da transversalidade de gênero e demandas interseccionais e decoloniais. Constata-se que os dois pactos encaram gênero como um problema social conectado a concepções de desenvolvimento humano. A análise envolveu o desafio de tematizar a igualdade de gênero, mas também as desigualdades de gênero, consideradas as assimetrias entre homens e mulheres e entre mulheres, envolvendo intersecções como as de gênero, raça e classe.

No bojo das influências do enfoque de desenvolvimento denominado gênero e desenvolvimento, os ODM representaram importante passo ao dar visibilidade à conexão entre as condições de vida das mulheres e o desenvolvimento humano e, para isso, dedicou um objetivo específico à igualdade de gênero, além de algumas outras metas presentes em outros objetivos. O balanço de seus resultados, a partir das críticas feministas, possibilitou acúmulos que contribuíram para a formulação dos ODS.

Com os ODS, constatamos avanços especialmente no aprofundamento da transversalidade, processo esse gestado por importantes intervenções feministas nessas arenas. Todos os 17 objetivos têm metas para a igualdade de gênero e elas são em parte devidas às influências das mulheres do Sul Global, discussões produtivas a partir da crítica ao capitalismo, ao colonialismo, ao patriarcado e ao racismo.

Entre os desafios dos ODS, destacamos a necessária adoção de indicadores para mensurar e monitorar as desigualdades interseccionais, possibilitando, assim, tratar de “todas as mulheres e meninas” em seus diferentes contextos e situações, evitando os riscos de universalismos que ocultam desigualdades. Essa necessidade tem sido produzida com a disseminação das influências dos feminismos interseccionais e decoloniais e representam oportunidades para se avançar além do enfoque “gênero e desenvolvimento”.

Uma abordagem interseccional sobre os indicadores dos ODS representaria novos ganhos em relação à Plataforma de Beijing, a qual contribuiu com significativos avanços ao consolidar a visão de transversalidade de gênero no curso da ação estatal. Isto é, o compromisso político traduzido nos ODS é pela igualdade de gênero, no entanto, mensurar os avanços nessa direção requer informações e conhecimento sobre as desigualdades de gênero, essas mais bem entendidas quando se adota a perspectiva interseccional.

Lidando com os “desafios para operacionalizar uma abordagem metodológica que capture a intersecção de diferentes formas de discriminação, em diferentes dimensões de bem-estar”, Azcona e Bhatt (2020Azcona, G., & Bhatt, A. (2020). Inequality, gender, and sustainable development: measuring feminist progress. Gender & Development, 28(2), 337-355. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2020.1753390
https://doi.org/10.1080/13552074.2020.17...
, p. 345) propõem que as medições sejam capazes de identificar não somente quem é deixado para trás, mas, especialmente, as formas como elas vivenciam a marginalização e a exclusão. Elas chamam essa abordagem de Inequality, Gender, and Sustainable Development (Desigualdade, Gênero e Desenvolvimento Sustentável).

Após as experiências de diferentes abordagens, ou enfoques, de desenvolvimento, com as mudanças mais recentes elaboradas no entroncamento entre transversalidade de gênero, interseccionalidade e decolonialidade, a abordagem de “Desigualdade, Gênero e Desenvolvimento Sustentável” surge como uma nova e promissora alternativa.

Pareceristas:

Mariana Mazzini Marcondes (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal / RN - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-0701-6630

Marta Ferreira Santos Farah (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-6517-3004

Relatório de revisão por pares: o relatório de revisão por pares está disponível neste https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/87929/82702.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas que viabilizaram a realização deste estudo.

REFERÊNCIAS

  • Anzaldúa, G. (2005). La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Revista Estudos Feministas, 13(3), 704-719. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2005000300015
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2005000300015
  • Azcona, G., & Bhatt, A. (2020). Inequality, gender, and sustainable development: measuring feminist progress. Gender & Development, 28(2), 337-355. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2020.1753390
    » https://doi.org/10.1080/13552074.2020.1753390
  • Batliwala, S., & Dhanraj, D. (2013). Os mitos de gênero que instrumentalizam as mulheres: uma visão da “linha de frente” indiana. Revista Feminismos, 1(1), 1-13.
  • Bidegain-Ponte, N. (2017). La Agenda 2030 y la Agenda Regional de Género: sinergias para la igualdad en América Latina y el Caribe (Serie Asuntos de Género, 143). Santiago, Chile: Cepal. Recuperado de https://repositorio.cepal.org/handle/11362/41016
    » https://repositorio.cepal.org/handle/11362/41016
  • Biroli, F. (2016). Divisão sexual do trabalho e democracia. Dados - Revista de Ciências Sociais, 59(3), 719-754. Recuperado de https://doi.org/10.1590/00115258201690
    » https://doi.org/10.1590/00115258201690
  • Bucher, D., & Dominquez, L. (1995). El enfoque de género y desarrollo: un análisis crítico de sus orígenes, aportes y su aplicación San Salvador, El Salvador: Instituto de Investigación, Capacitación y Desarrollo de la Mujer (IMU).
  • Crenshaw, K. (2022). Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista estudos feministas, 10(1), 171-188. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
  • Collins, P. H., & Bilge, S. (2020). Intersectionality(2a ed.). Cambridge, UK: Polity Press.
  • Connell, R. (2014). Questões de gênero e justiça social. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, 4(2), 11-34. Recuperado de https://doi.org/10.5902/2236672517033
    » https://doi.org/10.5902/2236672517033
  • Cornwall, A., & Edwards, J. (2015). Introduction: Beijing+20 - where now for gender equality? IDS Bulletin, 46(4), 1-8. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1759-5436.12149
    » https://doi.org/10.1111/1759-5436.12149
  • Cornwall, A., Harrison, E., & Whitehead, A. (2013). Introdução: reposicionando feminismos em gênero e desenvolvimento. Revista Feminismos, 1(1), 1-22.
  • Escobar, A. (2014). La invención del desarrollo Cauca, Colômbia: Editorial Universidad del Cauca.
  • Esquivel, V. (2016). Power and the Sustainable Development Goals: a feminist analysis. Gender & Development, 24(1), 9-23. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1147872
    » https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1147872
  • Esquivel, V., & Sweetman, C. (2016). Gender and the Sustainable Development Goals. Gender & Development, 24(1), 1-8. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1153318
    » https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1153318
  • Farah, M. F. S. (2004). Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, 12(1), 47-71. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100004
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100004
  • Fukuda-Parr, S. (2016). From the Millennium Development Goals to the Sustainable Development Goals: shifts in purpose, concept, and politics of global goal setting for development. Gender & Development, 24(1), 43-52. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1145895
    » https://doi.org/10.1080/13552074.2016.1145895
  • Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
  • Hirata, H. (2010). Teorias e práticas do care: estado sucinto da arte, dados de pesquisa e pontos em debate. In N. Faria, & R. Moreno (Org.), Cuidado, trabalho e autonomia das mulheres (pp. 42- 56). São Paulo, SP: SOF.
  • Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
    » https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil (Estudos e Pesquisa, Informações Demográficas e Socioeconômicas, n. 38). Rio de Janeiro, RJ: Autor.
  • Labrecque, M. F. (2010). Transversalização da perspectiva de gênero ou instrumentalização das mulheres? Revista Estudos Feministas, 16(3), 901-912. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2010000300015
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2010000300015
  • Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, 22(3), 935-952. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013
  • Kabeer, N. (2005). Gender equality and women’s empowerment: a critical analysis of the Third Millennium Development Goal 1, Gender & Development, 13(1), 13-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
    » https://doi.org/10.1080/13552070512331332273
  • Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas públicas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.
  • Martins, A. L. (2006). Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 22(11), 2473-2479. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001100022
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001100022
  • Massolo, A. (1999). Las mujeres y el hábitat popular: ¿Cooperación para la sobrevivencia o para el desarrollo? Anuario de Hojas de Harmi, 10, 79-89.
  • Miguel, L. F. (2016). Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero”. Revista Direito e Práxis, 7(15), 590-621. Recuperado de https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
    » https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
  • Mohanty, C. T. (1984). Under Western eyes: feminist scholarship and colonial discourses. Boundary 2, 12/13 (3-1), 333-358. Recuperado de https://doi.org/10.2307/302821
    » https://doi.org/10.2307/302821
  • Moser, C. & Moser, A. (2005). Gender mainstreaming since Beijing: a review of success and limitations in international institutions. Gender & Development, 13(2), 11-22. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13552070512331332283
    » https://doi.org/10.1080/13552070512331332283
  • Nobre, M. (2016). Igualdade para todas: estratégias para políticas públicas e ações do movimento. Revista Estudos Feministas, 24(2), 645-652. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
    » https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p645
  • Organização das Nações Unidas. (2000). Declaração do Milênio das Nações Unidas Lisboa, PT: United Nations Information Centre. Recuperado de https://www.oas.org/dil/port/2000%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20do%20Milenio.pdf
    » https://www.oas.org/dil/port/2000%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20do%20Milenio.pdf
  • Organização das Nações Unidas. (2015). Millennium Development Goals and Beyond 2015 Recuperado dehttps://www.un.org/millenniumgoals/
    » https://www.un.org/millenniumgoals/
  • Organização das Nações Unidas. (2022). Achieve gender equality and empower all women and girls Recuperado dehttps://sdgs.un.org/goals/goal5
    » https://sdgs.un.org/goals/goal5
  • Organização das Nações Unidas Brasil. (1945). Carta das Nações Unidas Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas
    » https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas
  • Organização das Nações Unidas Brasil. (2015). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável Recuperado de https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
    » https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
  • Oxfam. (2020). Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade Recuperado de https://www.oxfam.org.br/publicacao/tempo-de-cuidar-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-e-mal-pago-e-a-crise-global-da-desigualdade/
    » https://www.oxfam.org.br/publicacao/tempo-de-cuidar-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-e-mal-pago-e-a-crise-global-da-desigualdade/
  • Paradis, C. (2019). Os desafios do Bem-estar na América Latina, as políticas de igualdade de gênero e as respostas governamentais para a “crise do cuidado”. Revista Sul-Americana de Ciência Política, 5(2), 323-339. Recuperado de https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.8197
    » https://doi.org/10.15210/rsulacp.v5i2.8197
  • Parella-Rubio, S. (2003). Repensando la participación de las mujeres en el desarrollo desde una perspectiva de género. Papers: revista de sociologia, 69, 31-57.
  • Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (2010). Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 - “A verdadeira riqueza das nações: vias para o Desenvolvimento Humano” New York, NY: Autor.
  • Quijano, A. (2000). El fantasma del desarrollo en América Latina. Revista del CESLA. International Latin American Studies Review, (1), 38-55.
  • Santos, G. M. N. C. (2014). Gênero, desenvolvimento e Programa Bolsa Família: direitos reprodutivos, trabalho e projetos de vida de mulher do Coque (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.
  • Sardenberg, C. (2010). Da transversalidade à transversalização de gênero: aportes conceituais e prático-políticos. In I. Alves, M. L. Schefler, P. S. Vazquez, & S. Aquino (Org.), Travessias de gênero na perspectiva feminista (pp. 37-73). Salvador, BA: Edufba/Neim.
  • Sardenberg, C. (2018). Negociando gênero em desenvolvimento: os feminismos brasileiros em destaque. Cadernos Pagu, 52, e185201. Recuperado de https://doi.org/10.1590/18094449201800520001
    » https://doi.org/10.1590/18094449201800520001
  • Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 52(2), 71-99. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667
    » https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667
  • Segato, R. L. (2012). Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. e-cadernos CES, 18, e1533. Recuperado de https://doi.org/10.4000/eces.1533
    » https://doi.org/10.4000/eces.1533
  • Souza, M. F., & Mariano, S. (2018). Percepções de cuidado e práticas de gênero das mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família a partir de um recorte geracional: mudanças e permanências. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 23(3), 164-194. Recuperado de https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018v23n3p164
    » https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018v23n3p164
  • Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.
  • Struckmann, C. (2018). A postcolonial feminist critique of the 2030 Agenda for Sustainable Development: a South African application. Agenda, 32(1), 12-24. Recuperado de https://doi.org/10.1080/10130950.2018.1433362
    » https://doi.org/10.1080/10130950.2018.1433362
  • Vergès, F. (2020). Um feminismo decolonial São Paulo, SP: Ubu Editora.

Editado por

Editora-chefe: - Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
Editora adjunta: - Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2022
  • Aceito
    17 Nov 2022
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br