Acessibilidade / Reportar erro

Nação, simbolismo e revolução na Ucrânia: experiência etnográfica tensa na/da liminaridade

Resumo

Na Ucrânia, uma ex-colônia do Império Russo e ex-república da União Soviética, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, milhares de pessoas tomaram as ruas dos centros urbanos, principalmente a Maidan Nezalejnosti, a praça principal de Kiev. Os manifestantes reivindicavam a assinatura de um acordo de livre-comércio com a União Europeia. Como o presidente decidiu adiar a assinatura do acordo, em prol do estreitamento dos laços com a Rússia, o movimento de protesto passou a reivindicar a renúncia do governo. O processo revolucionário assim desencadeado, conhecido como EuroMaidan ou Revolução da Dignidade, representaria um espaço-tempo liminar, durante o qual formas e ações simbólicas seriam negociadas para a conformação de uma nova ideologia de nation-building, marcada por uma forte distanciação dos vínculos históricos com a Rússia. Trata-se aqui de apresentar algumas reflexões etnográficas sobre as formas e ações simbólicas de uma nação em vias de reconstrução a partir de observações realizadas em Kiev na primeira metade de fevereiro de 2014.

Palavras-chave:
Nação; Simbolismo; Sociação; Liminaridade; Euromaidan

Abstract

In Ukraine, a former colony of the Russian Empire, as well as a former republic of the Soviet Union, between November 2013 and February 2014, thousands of people took the streets of the main towns of the country, mainly the Maidan Nezalejnosti, the biggest square of Kiev. The demonstrators were pacifically demanding the signing of a free trade agreement with the European Union. As the president decided to postpone the signing of the agreement in favor of closer ties with Russia, the demonstrators moved to demand the resignation of the government. The revolutionary process thus triggered, known as EuroMaidan or the Revolution of Dignity, represented a liminal moment, during which symbolic forms and actions were negotiated in order to shape of a new nation-building ideology, marked by a strong distancing from historical ties with Russia. I will present here some ethnographic reflections on the symbolic forms and actions of a nation under reconstruction, using for that my own experiences in Kiev in the first half of February 2014.

Keywords:
Nation; Symbolism; Sociation; Liminality; Euromaidan

INTRODUÇÃO: UMA “AUTÊNTICA” REVOLUÇÃO?

Durante mais de 90 dias, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, as ruas das principais cidades da Ucrânia foram tomadas por manifestantes e se tornaram palco de um movimento mundialmente conhecido, desde os seus primeiros dias, como EuroMaidan (Євромайдан), em seguida denominado de Revolução da Dignidade (Революція гідності) (Kvit, 2017KVIT, Serhiy. 2017. “One Hundred Years of the Ukrainian Liberation Struggle”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 4: 145-152. Disponível em: <https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uploads/2017/07/One-Hundred-Years-of-the-Ukrainian-Liberation-Struggle1.pdf>
https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uplo...
; Shveda, 2015SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 83-96.)1 1 Em outubro de 2014, o presidente Petro Poroshenko instituiu o dia 21 de novembro, dia do início dos protestos em Kiev, como o Dia da Dignidade e da Liberdade. . Os manifestantes reivindicavam a aproximação política e simbólica com a Europa por oposição à tendência do governo do presidente Viktor Yanukovich de se voltar cada vez mais para o atendimento dos interesses econômicos e das necessidades de influência da Rússia de Vladimir Putin (Burkovsky, 2015BURKOVSKY, Petro e HARAN, Olexiy. 2015. “Before and After the Euromaidan: Ukraine Between the European Choice and the Russian Factor”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 73-82.; Hnatiuk, 2019HNATIUK, Ola. 2019. “Dreams of Europe: The Role of Intellectuals in Shapping the European Orientation of Ukraine (2004-2014) ”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 401-436.; Portnov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.).

O movimento, que se iniciou na Praça da Independência ou Maidan Nezalejnosti (Майдан Незалежності), a principal da capital ucraniana, apresentou algumas peculiaridades: foi o primeiro movimento de contestação ocorrido na Europa do século XXI que tenha desembocado na queda de um governo estabelecido, ou seja, um “autêntico movimento revolucionário” (Shveda, 2015SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 83-96.); foi um movimento popular auto-gerenciado que conseguiu mobilizar grande parte da população citadina da parte ocidental do país por pelo menos três meses, servindo de referência para os anseios de outros movimentos de contestação pela Europa; isso gerou um forte sentimento de pertença e, junto com as outras duas revoluções ocorridas respectivamente em 1990-1991 e 2004, serviu para a revisão da identidade nacional e seus símbolos, agora baseada na solidariedade e na integração para além das diferenças (Kuzio, 2006bKUZIO, Taras. 2006b. “National Identity and History Writing in Ukraine”. Nationalities Papers, v. 34, n. 4: 407-427. Disponível em: <http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=f9605e3d-d389-4668- b6f1-7e34e00c3722%40sessionmgr4008>
http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.ca...
; Liubarets, 2016LIUBARETS, Andriy. 2016. “The Politics of Memory in Ukraine in 2014: removal of the soviet cultural legacy and Euromaidan commemorations”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 3: 197-214. Disponível em: <http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410>
http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/739...
; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.; Shulga, 2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.); e enfim, a base partidária do movimento foi representada - ou melhor, apropriada politicamente ma non troppo - sobretudo por grupos de centro-direita, direita, centro-esquerda e até de extrema-direita, todos mais ou menos anticomunistas, unidos contra o poder russo (Kuzio, 2019KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.; Perepelystia, 2019PEREPELYTSIA, Hryhorii. 2019. “The Outcome of the Three Revolutions in Ukraine: A Comparative Pespective”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 503-552.; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.).

Apresentarei algumas breves informações sobre a história da Ucrânia para contextualizar o movimento revolucionário de 2013-2014. Em seguida, exibirei o desencadeamento dos fatos cronologicamente relacionados ao aumento da tensão durante o processo revolucionário até o momento em que eu estive na EuroMaidan, entre 8 e 15 de fevereiro de 2014. Algumas fotos, todas de minha autoria, tratarão do que estou chamando aqui, ainda que de modo pouco problematizado, de etnografia imagética tensa na/da liminaridade. Enfim, esboçarei uma curta reflexão sobre as for- mas simbólicas (Cohen, 1969COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.; 1979COHEN, Abner. 1979. “Political Symbolism”. Annual Review of Anthropology, n. 8: 87-113.) utilizados e/ou forjados na EuroMaidan. Essas formas se apresentavam para mim como elementos de materialização da sociação (Simmel, 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.) que estaria na base de uma possível identidade nacional em (re) construção na Ucrânia naquele momento por oposição aos vínculos históricos - coloniais e imperialistas - com a Rússia.

Ainda que o objetivo desse texto possa não parecer inovador, trata-se de acrescentar mais elementos à sempre atual discussão sobre as relações entre simbolismo e nacionalismo - ou entre ações e formas simbólicas e ideologias de nation-building e projetos nacionais. Aqui, essa relação será tratada com ênfase no universo simbólico negociado precisamente durante um processo revolucionário que, como tantos outros, apresenta um forte teor de dramatização, já que é caracterizado pela configuração altamente ritualizada de espaços-tempos liminares. Como desfecho do processo revolucionário e dos agenciamentos simbólicos ali negocia- dos, há a tão desejada elaboração do que Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.) chamou de “matriz única de meta-significados” como marca de um novo projeto nacional ucraniano marcado pelo distanciamento do universo simbólico russo-soviético do passado e pela conseguinte incorporação de valores europeus e a integração de fato no sistema-mundo moderno/colonial.

CONTEXTUALIZAÇÃO: UMA NAÇÃO SEMPRE DIVIDIDA ENTRE DOIS MUNDOS

Antes da dominação soviética, o espaço ocupado soberanamente hoje pela Ucrânia nunca foi, de fato, o território de uma nação unificada, estando quase sempre sob a dominação polonesa-lituana, austríaca ou russa. Isso acabou por gerar, a oeste do território, um modo de vida ou “cultura” mais voltada para a Europa Central e, a leste, uma “cultura” mais voltada para a Rússia - ou seja, o Mar Negro, o Cáucaso e a Ásia Central (Burkovsky, 2015BURKOVSKY, Petro e HARAN, Olexiy. 2015. “Before and After the Euromaidan: Ukraine Between the European Choice and the Russian Factor”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 73-82.). A região de Kiev - o Rus de Kiev - é considerada o berço do povo eslavo russo e um centro de difusão da religião cristã ortodoxa. A hegemonia regional política e militar foi, contudo, ditada pelos russos das proximidades de Moscou a partir do século XIII. Entre os séculos XIV e XVII, após a ocupação mongol, foi a vez da dominação polonesa-lituana, vencida pela força militar dos cossacos (originários do Rus de Kiev) com o auxílio dos russos na luta contra os inimigos ocidentais (Balcer, 2019BALCER, Adam. 2019. “The Great Steppe, The Cossacks, and the Revolution of Dignity: A Historical and Cultural Anthropology of Maidan.” In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges, e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 133-158.). O afã expansionista russo entre os séculos XVII e XVIII fez da Ucrânia uma colônia e, no início do século XX, uma das repúblicas da União Soviética (Deschanet, 2014DESCHANET, Maxime. 2014. “Introduction à l’Histoire de l’Ukraine”. Disponível em: <https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00994650/document> . Acesso em: 13 de abril 2020.
https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-009...
).

Kiev, a capital, tornou-se a terceira cidade mais importante tanto do Império Russo, como da União Soviética, perdendo apenas para Moscou e São Petersburgo (Leningrado), com inúmeros palacetes ricamente ornamentados, opulentos mosteiros e igrejas com cúpulas douradas e amplas praças ostentando monumentos gloriosos (Deschanet, 2014DESCHANET, Maxime. 2014. “Introduction à l’Histoire de l’Ukraine”. Disponível em: <https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00994650/document> . Acesso em: 13 de abril 2020.
https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-009...
; Lebedynsky, 2008LEBEDYNSKY, Iaroslav. 2008. Ukraine, une Histoire en Question. Paris, L’Harmattan.; Magocsi, 2007MAGOCSI, Paul R. 2007. Ukraine: An Illustrated History. Toronto, Toronto University Press.; Subtelny, 2009SUBTELNY, Orest. 2009. Ukraine: A History. Toronto, University of Toronto Press (quarta edição).). Apesar (ou talvez por causa) da riqueza alardeada e concentrada nas mãos de poucos, movi- mentos nacionalistas se desenvolveram na primeira metade do século XX, liderados principalmente por Stepan Bandera e apoiados na necessidade de redistribuição de renda e de melhoria das condições de vida da grande massa de ucranianos empobrecidos (Kuzio, 2006bKUZIO, Taras. 2006b. “National Identity and History Writing in Ukraine”. Nationalities Papers, v. 34, n. 4: 407-427. Disponível em: <http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=f9605e3d-d389-4668- b6f1-7e34e00c3722%40sessionmgr4008>
http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.ca...
; Kvit, 2017KVIT, Serhiy. 2017. “One Hundred Years of the Ukrainian Liberation Struggle”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 4: 145-152. Disponível em: <https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uploads/2017/07/One-Hundred-Years-of-the-Ukrainian-Liberation-Struggle1.pdf>
https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uplo...
). Data desse momento, iniciado na última década do século XIX e continuado ao longo da primeira metade do século XX, a imigração de ucranianos para o Brasil.

Nas décadas de 1920 e 1930, o programa de industrialização promovido por Josef Stalin e seu principal assessor, o ucraniano Lazar Kaganovich, pesou fortemente sobre o campesinato, que tinha que aumentar a produção de alimentos sem ter os equipamentos adequados para tal. A coletivização da produção agrícola imposta pelo poder central soviético, realizada sem muito planejamento, gerou uma situação de miséria que levou à morte de milhões de pessoas, naquilo que ficou conhecido como o “genocídio ucraniano”. A conjuntura se agravou com o expurgo de grande parte da elite intelectual da Ucrânia composta por opositores ao regime soviético. A situação de calamidade teve como consequência o fortalecimento das ideologias nacionalistas ao fomentar o ódio aos políticos russos, ao regime soviético e ao “orientalismo” por ele representado (Burkovsky, 2015BURKOVSKY, Petro e HARAN, Olexiy. 2015. “Before and After the Euromaidan: Ukraine Between the European Choice and the Russian Factor”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 73-82.; Deschanet, 2014DESCHANET, Maxime. 2014. “Introduction à l’Histoire de l’Ukraine”. Disponível em: <https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00994650/document> . Acesso em: 13 de abril 2020.
https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-009...
; Kuzio, 2006bKUZIO, Taras. 2006b. “National Identity and History Writing in Ukraine”. Nationalities Papers, v. 34, n. 4: 407-427. Disponível em: <http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=f9605e3d-d389-4668- b6f1-7e34e00c3722%40sessionmgr4008>
http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.ca...
; Kvit, 2017KVIT, Serhiy. 2017. “One Hundred Years of the Ukrainian Liberation Struggle”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 4: 145-152. Disponível em: <https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uploads/2017/07/One-Hundred-Years-of-the-Ukrainian-Liberation-Struggle1.pdf>
https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uplo...
; Magocsi, 2007MAGOCSI, Paul R. 2007. Ukraine: An Illustrated History. Toronto, Toronto University Press.). O modelo russo de assujeitamento e dominação - tanto aquele marcado pelo colonialismo da Rússia dos czares, quanto aquele marcado pelo imperialismo soviético - passou a ser questionado em sua forma poderosa e persistente de colonialidade (Quijano, 2000QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonialidad del Poder y Classificación Social”. Journal of World- Systems Research, v. 6, n. 2: 342-386. Disponível em http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/view/228
http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/vi...
), tendo a Europa ocidental como um contraponto libertário, o que desembocou nos movimentos revolucionários anti-russos das décadas de 1990, 2000 e 2010. Com isso, deixava-se a esfera de dominação russa, mas submetia-se ao sistema-mundo moderno/colonial representado pela União Europeia e seus aliados (Lander, 2005LANDER, Edgardo (org.). 2005. A Colonialidade do Saber. Buenos Aires, Clacso.).

Em outubro de 1990, em Kiev, estudantes se reuniram na Praça da Revolução de Outubro, logo em seguida chamada de Praça da Independência, para reivindicar direitos políticos, econômicos e sociais. Esse movimento ficou conhecido como Revolução no Granito (Революція на граніті), pois os manifestantes passaram dias sentados no piso de pedra da praça (Codogni, 2019CODOGNI, Paulina. 2019. “The 1990 Revolution on Granite as an Example of a Nonviolent Revolution” In: KOWAL, Pawel; MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 195-224.; Onuch, 2019ONUCH, Olga. 2019. “The Forgotten Revolution on the Granite (1990): the legacy contention in independent Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 175-194.). A Ucrânia se tornou independente em 1991, na onda do colapso da União Soviética, e procurou se aproximar paulatinamente da União Europeia numa demonstração nítida de contrariedade com o passado russo pré- e soviético, embora uma importante parcela da população fosse russa e tivesse o russo como primeira língua. Após uma década de crise econômica e política marcada pela inflação galopante, a corrupção descontrolada e uma oligarquia empresarial capitalista se revezando desavergonhadamente no poder, o país teve um momento de estabilização e crescimento com o apoio da União Europeia (Katchanovski, 2008KATCHANOVSKI, Ivan. 2008. “The Orange Evolution? The “Orange Revolution” and Political Changes in Ukraine”. Post-Soviet Affairs, v. 24, n. 4: 351-382. Disponível em: <https://www-tandfonline.ez3.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.2747/1060-586X.24.4.351>
https://www-tandfonline.ez3.periodicos.c...
; Kuzio, 2019KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.).

Em 2004, protestos tomaram as ruas das principais cidades do país, após a controversa eleição de Viktor Yanukovich, um político mais preocupado em atender aos interesses russos do que continuar a aproximação com a União Europeia (Gretskiy, 2019GRETSKIY, Igor. 2019. “Russian Intervention in Ukrainian Presidential Elections of 2004”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 297-332.). Violentamente reprimidas, as manifestações - intituladas de Revolução Laranja (Помаранчева революція) - conseguiram, contudo, anular o pleito e trazer ao poder Viktor Yushchenko e Yulia Tymoshenko, ambos favoráveis ao estreitamento dos laços com a União Europeia, sem deixar de manter relações comerciais com a Rússia. Vale lembrar que a Ucrânia tem uma razoável proporção da população de origem russa, sobretudo moradora das regiões industriais e agrícolas do leste e do sul do país, enquanto a outra grande parte, moradora das regiões centro e oeste com terras mais acidentadas e menos agráveis, é historicamente mais próxima das nações europeias ocidentais, o que vem marcando inevitavelmente os resultados das eleições desde a independência (Katchanovski, 2008KATCHANOVSKI, Ivan. 2008. “The Orange Evolution? The “Orange Revolution” and Political Changes in Ukraine”. Post-Soviet Affairs, v. 24, n. 4: 351-382. Disponível em: <https://www-tandfonline.ez3.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.2747/1060-586X.24.4.351>
https://www-tandfonline.ez3.periodicos.c...
; Kuczkowski, 2019KLUCZKOWSKI, Jacek. 2019. “The Orange Revolution in Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 225-276.; Kuzio, 2006aKUZIO, Taras. 2006a. “The Orange Revolution at the Crossroads”. Demokratizatsyia. The Journal of Post-Soviet Democratization, v 14, n. 4: 477-493. Disponível em: <http://demokratizatsiya.pub/archives/14_4_16085W5388J6340G.pdf>
http://demokratizatsiya.pub/archives/14_...
; Samokhvalov, 2006SAMOKHVALOV, Vsevolod. 2006. “Ukraine and the Orange Revolution: democracy or a ‘velvet restoration’?” Southeast European and Black Sea Studies, v. 6, n. 2: 257-273. Disponível em: <http://web-b-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=c082e5d7-6532-4405-80b5-35279e93c327%40pdc-v-sessmgr03>
http://web-b-ebscohost.ez3.periodicos.ca...
; Umlad, 2009UMLAD, Andreas. 2009. “Understanding the Orange Revolution: Ukraine’s democratization in the Russian Mirror”. Geopolitika, 24/11/2009. Disponível em: <http://www.geopolitika.lt/?artc=3686> . Acesso em 13 de abril 2020.
http://www.geopolitika.lt/?artc=3686...
).

Descontente com os fatos e receosa de perder a lealdade da Ucrânia (considerada pelos russos como o “celeiro” da União Soviética até os dias de hoje em razão do agronegócio na região leste russificada), a Rússia de Vladimir Putin se serviu do fornecimento de gás natural ao país para desestabilizar a economia ucraniana ao forçar a primeira-ministra Yulia Tymoshenko a assinar um acordo deficitário sobre o preço do gás natural desfavorável à Ucrânia (Baranovsky, 2015BARANOVSKY, Olexander. 2015. “Ukraine’s Economy: Current Challenges”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 127-136.; Katchanovski, 2008KATCHANOVSKI, Ivan. 2008. “The Orange Evolution? The “Orange Revolution” and Political Changes in Ukraine”. Post-Soviet Affairs, v. 24, n. 4: 351-382. Disponível em: <https://www-tandfonline.ez3.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.2747/1060-586X.24.4.351>
https://www-tandfonline.ez3.periodicos.c...
; Kuczkowski, 2019KLUCZKOWSKI, Jacek. 2019. “The Orange Revolution in Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 225-276.). Em 2010, Viktor Yanukovich logrou êxito nas eleições presidenciais, com vitória esmagadora no leste e no sul russificados. A partir de então, Tymoshenko, uma executiva bem-sucedida da indústria de petróleo e gás natural antes de se tornar primeira-ministra, passou a ser vítima de perseguição por parte das forças políticas pró-Rússia, encabeçadas pelo próprio presidente, acusando-a de ter precisamente assinado aquele acordo desfavorável à Ucrânia, o que desembocou em sua condenação e prisão. Yanukovich voltou-se à Constituição anterior à Revolução Laranja de 2004 para concentrar mais poderes em suas mãos e impedir o avanço da oposição - por exemplo, proibiu as coligações em eleições legislativas e as candidaturas independentes e teria utilizado ostensivamente os meios de comunicação públicos para favorecer o seu próprio partido. (Hnatiuk, 2019HNATIUK, Ola. 2019. “Dreams of Europe: The Role of Intellectuals in Shapping the European Orientation of Ukraine (2004-2014) ”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 401-436.; Kuczkowski, 2019KLUCZKOWSKI, Jacek. 2019. “The Orange Revolution in Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 225-276.; Umlad, 2009UMLAD, Andreas. 2009. “Understanding the Orange Revolution: Ukraine’s democratization in the Russian Mirror”. Geopolitika, 24/11/2009. Disponível em: <http://www.geopolitika.lt/?artc=3686> . Acesso em 13 de abril 2020.
http://www.geopolitika.lt/?artc=3686...
; Onuch, 2015ONUCH, Olga. 2015. “The Maidan, Past and Present: Orange Revolution (2004) and the EuroMaidan (2013-2014)”. In: MARPLES, David R. and MILLS, Frederick V. (orgs.). Ukraine’s Euromaidan: Analysis of a Civil Revolution. Nova York, Columbia University Press.; Stepanenko & Pylynsky, 2015bSTEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 11-28.).

EUROMAIDAN, RELATOS DE UMA DEMOCRACIA EM VIAS DE SE REINVENTAR2 2 Os relatos que compõem essa seção foram elaborados a partir da minha própria experência de observação direta e conversas com diversas pessoas na Maidan em fevereiro de 2014 e das obras de autores, geralmente ucranianos (Kuzio, 2019; Liubarets, 2016; Onuch, 2015; Perepelystia, 2019; Portonov & Portnova, 2015; Riabchuk, 2019; Shulga, 2015; Stepanenko & Pylynsky, 2015b; Voznyak, 2019).

Os vigorosos protestos que aconteceram durante mais de 90 dias entre 21 de novembro de 2013 e a segunda metade de fevereiro de 2014 nas principais cidades da Ucrânia, principalmente nas regiões central e ocidental, parecem ser consequentes de uma série de eventos e fatores, dentre os quais são proeminentes os que seguem: a rejeição de um acordo de livre-comércio com a União Europeia e a reaproximação com a Rússia promovidas por Yanukovich; as tentativas de mudar a Constituição em seu favor; as inúmeras denúncias comprovadas de corrupção em seu governo; as evidências de violações dos direitos humanos; e, não menos importante, o destacado abuso de poder presidencial e o uso excessivo das forças policiais, principalmente a tropa de choque. Cidadãos descontentes, forças partidárias e grupos políticos de oposição, principalmente de centro-direita, de direita e de centro-esquerda, mas também de extrema-direita, numa surpreendente e improvável união, tomaram a principal praça de Kiev, a partir daí apelidada nas redes sociais de EuroMaidan, construíram barricadas por toda a cidade nas proximidades dos prédios públicos, ocuparam esses prédios e estabeleceram intensas redes de solidariedade com o intuito inicial de convencer o presidente a assinar o acordo com a União Europeia e, em seguida, com a radicalização do movimento, de levar o presidente à renúncia (Kuzio, 2019KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.; Onuch, 2015ONUCH, Olga. 2015. “The Maidan, Past and Present: Orange Revolution (2004) and the EuroMaidan (2013-2014)”. In: MARPLES, David R. and MILLS, Frederick V. (orgs.). Ukraine’s Euromaidan: Analysis of a Civil Revolution. Nova York, Columbia University Press.; Portnov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.; Stepanenko & Pylynsky, 2015bSTEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 11-28.). Relatarei brevemente o desencadeamento dos fatos que levaram ao aumento das tensões e ao desfecho violento em fevereiro de 2014, pontuando o relato com fotos de minha autoria produzidas em Kiev durante as manifestações.

Em 2013, o Produto Interno Bruto ucraniano per capita era de pouco mais de 4.000 dólares dos Estados Unidos (USD), enquanto o da Romênia, que havia sido admitida na União Europeia em 2007, era de quase 9.500 USD, e o da Polônia, admitida em 2004, de quase 13.800 - o da França era de cerca de 42.600, o da Rússia, aproximadamente 16.000, e o do Brasil, a título de comparação, 12.3003 3 Esses dados estão disponíveis para consulta, atualizados regularmente, no sítio eletrônico da Divisão Estatística da Organização das Nações Unidas (ONU), em <https://unstats.un.org/unsd/snaama/CountryProfile>. Acesso em 13 de abril 2020. . No final de novembro desse ano, Yanukovich estava prestes a assinar um acordo para viabilizar a aproximação econômica com a União Europeia. Para uma grande parcela da população, isso representaria não somente uma melhoria considerável nas relações comerciais e, por conseguinte, das condições gerais de vida, mas também uma possibilidade real de aproximação do ideal de práticas de justiça e direitos vigentes na Europa ocidental - enquanto na Rússia, o regime de Vladimir Putin se tornava cada vez mais autoritário, denunciado por inúmeras violações dos direitos humanos, com a repressão a mino- rias étnicas e a homossexuais. No entanto, poucos dias antes da data prevista para a conclusão do acordo, o governo anunciou que não mais o assinaria, para surpresa geral da população. Desencadeava-se, a partir desse exato momento no dia 21 de novembro, o movimento de protestos em diversas cidades do país, convocados inclusive pelas redes sociais, iniciando-se na Praça da Independência ou Maidan Nezalejnosti, em Kiev (Burkovsky, 2015BURKOVSKY, Petro e HARAN, Olexiy. 2015. “Before and After the Euromaidan: Ukraine Between the European Choice and the Russian Factor”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 73-82.; Portnov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.; Stepanenko & Pylynsky, 2015bSTEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 11-28.).

Iniciava-se, assim, um período de liminaridade, um espaço-tempo marginal entre dois estados estruturais da existência, durante os quais os símbolos (ou os termos contratuais) da agregação social poderiam ser reelaborados para gerar uma ponderação interessante sobre a identidade nacional (Turner, 1974TURNER, Victor.1974. O Processo Ritual. Rio de Janeiro, Vozes.). Parecia ser, logo, um momento privilegiado para a observação da nação em seu estado reflexivo. O que havia de revolucionário nesse momento não era tanto o fato de que o presidente poderia ser deposto e novas eleições convocadas em razão da força do movimento popular, mas o fato de que um espaço-tempo estava sendo criado para que os vínculos sociais fossem reinventados, amalgamados por um conjunto heteróclito de formas simbólicas num novo modo de sociação (Simmel, 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.). Uma etnografia produzida principalmente com imagens permitia analisar o processo de construção de identidade nacional ou ideologia de nation-building em andamento (Peirano, 1992PEIRANO, Mariza. 1992. Uma Antropologia no Plural. Brasília, Editora da UnB.), contrário aos efeitos de uma configuração bem peculiar de colonialidade do saber e do poder (Quijano, 2000QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonialidad del Poder y Classificación Social”. Journal of World- Systems Research, v. 6, n. 2: 342-386. Disponível em http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/view/228
http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/vi...
) imposta pelo histórico colonialista e imperialista russo4 4 Tlostanova (2008) utiliza-se da perspectiva da colonialidade do saber e do poder de Quijano (2000) para fazer uma interessante análise da maneira como a Rússia - tanto a imperial, quanto a soviética - se desenvolveu como potência colonial a partir do século XVIII, baseando-se, inclusive, em hierarquias raciais. A autora não trata especificamente da Ucrânia, mas, seguindo as pistas por ela propostas, pode-se compreender os efeitos dos nacionalismos russo e soviético justificando a subjugação até mesmo de povos eslavos, como os ucranianos, sobre bases raciais, considerados como povos a serem “civilizados” por meio da russificação. Por isso, adota-se aqui também a perspectiva da colonialidade de Quijano .

No dia 22 de novembro, estudantes se mobilizaram, constituindo o eixo principal do movimento nesse primeiro momento. Receberam o reforço, nos dias 24 e 25 de novembro, de milhares de manifestantes vindos do interior para um ato político que já havia sido agendado para a data da assinatura do acordo. Na Maidan, os partidos políticos e os grupos mais ou menos institucionalizados só estavam autorizados a se manifestar com a condição de que não protagonizassem a cena. No dia 26 de novembro, juntaram-se na Maidan dois grupos que até então manifestavam em locais distintos: os estudantes e os manifestantes do interior, por um lado e, por outro, os representantes desses partidos e grupos políticos de oposição. Naquele momento, como oposição ao partido de Yanukovich, o Partido das Regiões (Пáртiя регióнiв), encontravam-se nas ruas A Pátria (батькiвщна), de Yulia Tymoshenko (ainda encarcerada nesse momento) e a Aliança Democrática pela Reforma (Партiя удар), de Vitali Klitschko (um ex-pugilista), ambos liberais de centro-direita pró-Europa, além da União Pan-Ucraniana ou Liberdade/Svoboda (Свобода), de Oleg Tyahnyb, de extrema-direita, herdeiro de Stepan Bandera, o ultranacionalista das décadas de 1930-1940. Ao lado dessas estruturas partidárias oficializadas, aproveitaram-se ainda da situação diversos grupúsculos ultranacionalistas, muitos deles com referências neonazistas e antissemitas, que se reuniram na Maidan em grande parte sob uma mesma bandeira vermelha (representando o sangue) e preta (o fértil solo ucraniano)5 5 Não se deve, portanto, confundir essa bandeira com aquela comum dos movimentos anarquistas. Curiosamente, no Brasil, em atos ocorridos em maio e junho de 2020 em apoio ao Presidente da República e contrários ao Supremo Tribunal Federal, manifestantes se apropriaram de símbolos nacionalistas ucranianos, tais como essa bandeira do movimento de Stepan Bandera da década de 1930, e chegaram até mesmo a preconizar a “ucranização do Brasil”, referindo-se à necessidade de se ocupar prédios públicos, como o que tinha ocorrido na Ucrânia nesse período revolucionário. Ver: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52900757>. Acesso em 20 de junho 2020. , aquela do que passou a ser chamado a partir de então de Setor Direito (правии сектор), sob a liderança de Dmytro Yarosh - na sequência do movimento revolucionário, o Setor Direito se tornaria um partido político oficializado e Yarosh, depois de ter sido candidato à presidência, foi eleito parlamentar (Portnov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.; Shveda, 2015SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 83-96.).

Quanto às formações de esquerda, havia na Ucrânia, nesse momento, uma compreensível associação, por parte do eleitorado, dos partidos e grupos comunistas e socialistas com o passado soviético. O Partido Comunista fazia parte da base governista de Yanukovich e alguns grupos autodeclarados de esquerda manifestaram, por sinal, contra a EuroMaidan, como o grupo A Luta (боротьба) - um grupo com base principalmente em cidades do leste russificado, como Kharkiv e Odessa. A “nova esquerda”, representada por comunistas não-estalinistas, anarquistas, feministas e LGBTs (pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais/transgêneres) ficou extremamente dividida diante das reivindicações da EuroMaidan, por não vislumbrarem com clareza a associação entre as suas pautas e agendas. Por sinal, na Maidan, a montagem de barracas representando os diversos setores dessa “nova esquerda” foi veementemente impedida pelo Svoboda e o Setor Direito - no interior do país, essa esquerda teve mais espaço nas mobilizações, como pudemos constatar em Lviv, na região ocidental próxima à Polônia, onde bandeiras, por exemplo, do arco-íris representantivas de LGBTs aparecia ao lado de bandeiras da União Europeia. A participação de pessoas da “nova esquerda” se deu, portanto, de forma um pouco mais individualizada na EuroMaidan (Shveda, 2015SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 83-96.; Stepanenko & Pylynsky, 2015aSTEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). 2015a. “Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes”. Berna, Peter Lang, pp. 127-136.).

Figura 1

Havia a esperança de que o acordo com a União Europeia fosse assinado até o dia 29 de novembro, quando terminaria uma reunião de líderes europeus, da qual participava Yanukovich, realizada na capital lituana, Vilnius. O acordo não foi, contudo, assinado. Na noite de 30 de novembro, as forças policiais, representadas em grande parte pela temida tropa de choque, a Berkut (беркут), reprimiram violentamente as manifestações, deixando diversos feridos. O pretexto da Berkut para o afrontamento foi a instalação de uma gigantesca árvore de Natal na Maidan. A instalação da árvore nunca seria finalizada e a estrutura serviria, durante as semanas que se seguiram, para a disposição das bandeiras, banners e cartazes dos muitos grupos e entidades ali representados. Durante o afrontamento, muitos manifestantes foram encontrar refúgio no Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas (Михайлівський золотоверхий монастир), não muito distante dali, que acabou se tornando, nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, o local de encontro da massa popular enfurecida diante da brutalidade das forças policiais em sua ação contra estudantes desprotegidos.

Essa massa popular - a partir daí engrossada por profissionais liberais, médicos, advogados, funcionários públicos, militares reformados, comerciantes, pequenos e médios empresários, intelectuais e escritores, professores e artistas (em geral, grande parte diplomada do ensino superior e sem vínculos com partidos políticos, sindicatos e/ou organizações não-governamentais), além dos jovens estudantes nascidos no período um pouco anterior à ou logo depois da independência -, decidiu caminhar em direção à Maidan, no que ficou conhecido como a “Marcha dos Milhões”. O objetivo da marcha era reunir o máximo de pessoas contra a truculência das forças policiais e a insistência do governo em não assinar o acordo com a Europa. A violência contra os estudantes teve como efeito, contrariamente ao que podiam acreditar as forças policiais, a acentuação da mobilização, já que no dia 1º de dezembro estimou-se que mais de meio milhão de pessoas se reuniram na Maidan e nas imediações em apoio ao movimento, aos gritos de “Eles nos dão corrupção, nós devolvemos com revolução”.

Uma nova direção foi dada ao movimento a partir daquele momento: não mais unicamente reivindicar a assinatura de um acordo com a Europa, mas sobretudo induzir veementemente à renúncia do governo de Yanukovich. Embora os partidos e grupos políticos tenham tomado conta rapidamente da parte estrutural da organização da EuroMaidan, é unânime o fato de que se tratou de um movimento cidadão das camadas médias urbanas que despontaram após a independência, geralmente críticas aos políticos e a sua atuação (Hnatiuk, 2019HNATIUK, Ola. 2019. “Dreams of Europe: The Role of Intellectuals in Shapping the European Orientation of Ukraine (2004-2014) ”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 401-436.; Portnov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.). Nota-se, com o avanço do neoliberalismo, a proliferação desse tipo de movi- mento “anti-políticos” - mas não forçosamente anti-política, nem apolítico -, como o Occupy que, desde a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, ganhou diversos países do mundo a partir de 2011 ou o Movimiento 15-M na Espanha também em 2011 ou ainda os protestos contra a “classe política” nas ruas de Beirute, no Líbano, em 2019 e 2020.

Figura 2

Reforçaram-se, nesse momento, os grupos de autodefesa para proteger os manifestantes dos abusos da Berkut, com mais vigor após um outro ataque violento ocorrido no dia 11 de dezembro que deixou mais algumas centenas de feridos. Durante a noite desse ataque, todos os sinos do Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas tocaram, em homenagem aos que estavam na Maidan - a última vez que isso havia acontecido remonta- va ao século XIII, quando da invasão mongol. Enormes barricadas feitas de terra e gelo no entorno da Praça foram rapidamente erguidas, lembrando as fortificações dos acampamentos medievais eslavos, e membros desses grupos passaram a filtrar a entrada e a saída dos manifestantes da área protegida. Militares reformados ajudavam a treinar essas brigadas. As brigadas foram logo em seguida mais ou menos unificadas sob a responsabilidade de um membro do Svoboda, contando com entre 200 e 300 pessoas divididas em unidades chamadas de “sotnya” (Cотня) e seguindo a tradição dos famosos guerreiros cossacos (коза́ки) dos tempos gloriosos da resistência ucraniana nos séculos XVII e XVIII (Urazova, 2016URAZOVA, Dinara. 2016. ‘Out With the Gang!’: Mass Mobilization in Ukraine’s Euromaidan. Budapeste, 2016, Dissertação de Mestrado, Department of Political Science, Central European University.). Ativava-se, desse modo, uma memória e forjava-se um imaginário nacionalista anti-russo - por exemplo, aos domingos, na Maidan, acontecia uma assembleia popular para decidir sobre os rumos do movimento, nomeada como as assembleias populares eslavas medievais; e a própria Maidanera muitas vezes nomeada como se nomeavam os acampamentos fortificados ucranianos no passado, centros das decisões militares e políticas de então (Balcer, 2019BALCER, Adam. 2019. “The Great Steppe, The Cossacks, and the Revolution of Dignity: A Historical and Cultural Anthropology of Maidan.” In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges, e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 133-158.; Liubarets, 2016LIUBARETS, Andriy. 2016. “The Politics of Memory in Ukraine in 2014: removal of the soviet cultural legacy and Euromaidan commemorations”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 3: 197-214. Disponível em: <http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410>
http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/739...
).

Figura 3

Na Maidan, as diversas barracas montadas, cujo número aumentava a cada dia, serviam como: hospedagem para as pessoas de outras cidades e de bairros distantes da capital; cozinhas e restaurantes que ofereciam refeições diversas vezes ao dia; capelas e espaços ecumênicos (e depois, altares dos mártires já mortos nos afrontamentos com a Berkut); depósitos de mantimentos diversos; brechós que distribuíam roupas usadas para os mais necessitados, em razão das temperaturas negativas comuns no inverno ucraniano; salas de debates e conferências; comitês de grupos e partidos políticos; enfermarias e postos de atendimento de saúde; oficinas de conserto de celulares e notebooks; salas de imprensa; lan-houses de fortuna; e até galerias de arte... dando vida à communitas instalada ali, típica do espaço-tempo liminar, nos termos de Turner (1974TURNER, Victor.1974. O Processo Ritual. Rio de Janeiro, Vozes.).

Figura 4

Com o aumento da movimentação a partir de 11 de dezembro (e do cerco à Maidan feito pelas forças policiais), alguns prédios públicos do entorno foram transformados em hospitais de campanha, pontos de apoio, escritórios de auxílio jurídico e depósitos de mantimentos, como os prédios da Casa dos Sindicatos, dos Correios e da Federação do Comércio. Todos os serviços e produtos eram oferecidos gratuitamente. A enorme estrutura montada era auto-gerenciada e parecia criar, de modo dinâmico, uma espécie de sentimento de pertencimento compartilhado para além das tantas diferenças, um sentimento que poderia estar na base de uma outra maneira de se ver como ucranianos, ou seja, uma ideia de nação não mais “dividida” entre ucranianos e russos (Stepanenko & Pylynsky, 2015STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 11-28.a). A intensa rede de interações marcada pela reciprocidade de ações assim estabelecida entre os indivíduos, impulsionada de modo passional pelo desejo de compartilhar um ideal de pertencimento nacional em comum (apesar das diferenças ou para além delas), parecia configurar uma nova modalidade de sociação, esse processo representado pelos sistemas de cooperação, solidariedade e colaboração, tal qual definido por Simmel (2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.), estimulada pelo caráter liminar da situação.

Figura 5

Maidan continuou ocupada e o governo, irredutível, até que em 16 de janeiro foi decretado um conjunto de medidas repressivas, chamadas pelos manifestantes de “leis ditatoriais”, com o intuito de pôr fim ao movimento, tais como: a interdição de agrupamento de mais de cinco veículos motorizados, o confisco de material anti-governo que incitasse à violência, a prisão de pessoas que perturbassem a ordem social, a proibição de participação em manifestações pacíficas trajando capacetes ou uniformes militares, o impedimento de montagem de barracas sem a permissão da polícia, o controle do fluxo da conexão à internet, etc. Essas medidas visavam claramente à limitação das manifestações e à imposição de uma censura para o controle dos manifestantes e a sua movimentação - o Partido Comunista contribuiu com as medidas, exigindo a condenação por profanação dos monumentos do período soviético, por exemplo. A interdição dos agrupamentos de veículos se dava pelo fato de que os manifestantes com veículos automotivos se juntavam para fechar ruas e estradas ou propagar as mensagens da EurdoMaidan com muita frequência, para além dos espaços-tempos liminares. A proibição do uso de capacetes, por sua vez, fez com que diversas pessoas passassem a andar pelas ruas da cidade, como pude constatar, com panelas decoradas na cabeça ou capacetes de construção civil, também ricamente decorados ou com dizeres de protesto. Era a forma criativa de resistir encontrada pelos manifestantes, mais uma forma simbólica que o movimento tomava diante das medidas do governo para reprimir o modelo de sociação que estava em construção, uma forma de levar os valores da liminaridade para outros espaços da cidade.

Figura 6

Acredita-se que essas medidas tiveram como efeito imediato uma radicalização do movimento. No domingo, 19 de janeiro, as falas das personalidades que se sucediam no grande palco no centro da Maidan, tomada por mais de 100.000 manifestantes, inevitavelmente destacavam o caráter repressivo das novas leis. Num determinado momento, a multidão foi convocada a participar de uma marcha até o Parlamento ou Verkhovna Rada (Верхо́вна Ра́да), situado nas proximidades da Maidan. Na Rua Mikhailo Hroushevskoho (михаила грушевського), a multidão, armada de cassetetes artesanais e em grande parte trajando balaclavas, foi surpreendida pela Berkut fortemente aparelhada com cassetetes de ferro, armas de fogo, bombas de efeito moral e granadas. Quatro pessoas pelo menos foram mortas, duas ou três delas por arma de fogo, dentre as quais Serhyi Nigoyan, um jovem cuja família havia imigrado para a Ucrânia fugindo dos conflitos entre a Armênia e o Azerbaijão na região do Nagorno-Karabakh (por isso, pode-se notar uma bandeira da Armênia na Figura 7 e, na Figura 8, fotografias dos mortos naqueles confrontos). Esses foram os primeiros mártires do movimento. A situação se deteriorou mais ainda nas horas que se seguiram até o dia 22 de janeiro. A Berkut passou a enviar para o meio da multidão mercenários infiltrados chamados de titushky (тітушки) para semear a discórdia, promover a violência e dissolver a communitas, muitas des- sas pessoas sendo descobertas pelos manifestantes e submetidas a xingamentos e até suplícios pelos membros das brigadas de autodefesa - mais uma demonstra- ção da forma de resistência e de reação à truculência das forças policiais. Diversos líderes e membros das brigadas foram presos e torturados, um deles encontrado morto no entorno de Kiev alguns dias depois, logo tornado mártir do movimento com suas fotos expostas em altares na Maidan.

Figura 7

Figura 8

Nesse momento, percebia-se mais uma inflexão no movimento, em razão da escalada da violência. Os três líderes partidários que vinham se destacando na EuroMaidan passaram a ser hostilizados por serem contrários aos afrontamentos diretos com a Berkut. No final de janeiro, esses chefes da oposição conseguiram fazer respeitar uma trégua e retomaram as negociações com o governo. No dia 23 de janeiro, eles anunciaram ao público na Maidan o plano resultante das negociações: os manifestantes teriam que liberar os prédios da administração pública tomados nos últimos dias e desbloquear a Rua Mikhailo Hroushevskoho, que dava acesso à sede do governo e a diversos ministérios e embaixadas; em troca, o governo libertaria alguns prisioneiros. Mas, os manifestantes rejeitaram em assembleia popular o plano em bloco e continuaram a exortar a renúncia do presidente. O governo, numa manobra política desajeitada, propôs que os dois líderes partidários principais do movimento assumissem o cargo de primeiro-ministro, o que também foi prontamente rejeitado pelos manifestantes e pelos próprios interessados. Enfim, nos últimos dias de janeiro, o governo acabou por acenar positivamente para o movimento: o primeiro-ministro pediu demissão, as “leis ditatoriais” foram revogadas pela Rada e uma lei de anistia aos prisioneiros foi aprovada, com a condição de que entrasse em vigor somente de- pois que os manifestantes deixassem os prédios públicos ocupados. Os manifestantes liberaram alguns prédios, desbloquearam parte da Rua Mikhailo Hroushevskoho e a violência cessou, embora a Maidan continuasse ocupada e as barricadas de pé, pelo menos até 18 de fevereiro, quando a Rada deveria debater sobre a volta à vigência da Constituição fruto da revolução de 2004 e escolher um novo primeiro-ministro.

Figura 9

Estive em Kiev de 8 a 15 de fevereiro, no final desse curto período de calmaria entre os afrontamentos violentos do final de janeiro e a brutalidade do massacre que viria pela frente. Eu estava realizando uma viagem por ex-Repúblicas Soviéticas (Armênia, Geórgia, Lituânia, Letônia e Ucrânia). As fotografias de minha autoria que compõem esse artigo foram todas tomadas durante esses dias em Kiev, produzidas a partir de um certo olhar etnográfico preocupado em captar a estranheza da relação entre tensão e serenidade que espantosamente depreendia dessa situação de negociação de ideologia de nation-building7 7 Não serão apresentadas fotografias ou relatos da cidade de Lviv, no oeste do país, onde estive logo após Kiev,. Também não serão apresentadas fotografias das cenas de violência policial que presenciei nos dias 10 e 11 de fevereiro. Sugiro o documentário White on Fire, de 2015, dirigido por Evgeny Afineevsky e produzido pela Netflix. . Foram dias de experiência física da liminaridade para o turista-antropólogo que eu estava sendo naquela ocasião. Eis um trecho do diário que escrevi durante a visita, precisamente no dia de minha chegada a Kiev, demarcando o espaço-tempo liminar da Maidan:

A cidade se apresentava para mim com duas faces: por um lado, a vida normal da movimentação usual dos aeroportos e estações ferroviárias, do tráfego de veículos e dos engarrafamentos nos grandes eixos de circulação, das fervorosas orações dos fieis nas inúmeras igrejas e mosteiros coloridos caracterizados pelas cúpulas douradas de formato acebolado, da barulheira nos mercados de comidas, dos agitados cafés lotados, dos ricos museus recebendo poucos turistas durante o gélido inverno que marca a baixa temporada, etc. Por outro, às vezes a menos de 10 ou 20 metros das estações, das avenidas movimentadas, das igrejas, dos mercados, dos cafés e dos museus, viam-se barricadas feitas de restos de materiais diversos e sacos de areia molhada congelada, manifestantes silenciosos marchando com as bandeiras de seus movimentos ou partidos e cartazes com dizeres e símbolos, ruas e avenidas ocupadas por homens e mulheres vestidos com roupas militares aquecendo suas mãos nas fogueiras feitas no chão nas proximidades dos acampamentos provisórios, barracas onde aconteciam pequenas encenações teatrais ou debates políticos ou continham senhoras idosas servindo sopas, pães e biscoitos aos manifestantes e acampados ou ainda onde se distribuíam roupas e sapatos para os mais vulnerabilizados, etc. Entre esses dois espaços, a majestosa Maidan, cercada de barricadas com entradas controladas por guardas encapuzados. (Diário, sábado, 8 de fevereiro de 2014)

Figura 10

Figura 11

Compartilho também aqui um outro trecho em que relato a primeira impressão da Maidan, escrito um pouco antes do trecho acima:

Famílias passeando pelas barracas e barricadas, pessoas servindo comida, bandeiras de partidos, rapazes encapuzados e com uniformes militares, tensão e, ao mesmo tempo, paz e serenidade... e um quase insuportável cheiro de queimado, querosene... No meio, um palco com programação quase ininterrupta - quando cheguei, havia uma oração e os ouvintes, acompanhando. Percebi membros e lideranças de diversas religiões nesse ato ecumênico: sacerdotes católicos ortodoxos, padres católicos romanos, um mufti islâmico e até budistas! Emocionante! O termômetro no alto de um prédio marcava 0 grau. Fiquei por umas duas horas andando entre barracas e barricadas, estupefato. Acabei chamando a atenção e, claro, me aproveitei da situação para conversar com umas oito pessoas. Sei que, no meio dos liberais e moderados que pedem a volta de Yulia Tymoshenko, há a extrema-direita, provavelmente representada por esses rapazes com bastões de beisebol, uniformes militares e capuzes e rostos escondidos... Inclusive, dois membros da segurança da praça, uniformizados e encapuzados, fizeram questão de me explicar o que era o Setor Direito. Também há o estranho (para mim, claro) movimento nacionalista ucraniano, que já lutou contra os alemães e os soviéticos na II Guerra Mundial... De lá, vim, ainda extasiado, por ruas muito escuras paralelas à avenida onde fica o Parlamento e o Palácio Presidencial, para o hotel. Muitos policiais parados nas ruas, escondidos atrás de seus escudos, alguns visivelmente com frio e outros até dormindo. Em uma dessas ruas, deixei cair o gorro que segurava na mão e um desses policiais da Berkut veio, pegou o gorro e me entregou com um sorriso. A avenida dos palácios está, obviamente, interditada, com carros do exército e milhares de policiais e militares controlando entrada e saída, forte tensão no ar... Entre os militares e os militantes, uma curiosidade: uma ruela com lojas de grifes de luxo internacionais, como Prada, Louis Vuitton, Gucci, lojas funcionando, o que só reforça a ideia da liminaridade da Maidan, enquanto os espaços estruturais no entorno continuam sua vida normalmente (ou quase). (Diário, sábado, 8 de fevereiro de 2014)

Na praça, as pessoas pareciam alegres, efusivas e radiantes, pois estavam cheias de esperança. Cantavam, dançavam e conversavam muito no ritmo dos sons que vinham do palco ou das inúmeras barracas instaladas por toda parte. Domingo, 9 de fevereiro de 2014, famílias passeavam entre as barricadas, parecendo pouco preocupadas com o arsenal bélico policial instalado do outro lado, onde homens armados até os dentes estavam prontos para atacar a qualquer momento. Percebendo que eu era estrangeiro, muitos partidários me seduziam para explicar o que estava acontecendo, de acordo com o seu ponto de vista - todos eram unânimes em começar a conversa dizendo que queriam liberdade, queriam direitos, queriam ser reconhecidos como europeus. Foi assim que consegui entrar na Federação do Comércio e nos Correios, além do prédio da administração municipal, quase que numa espécie de visita guiada, com direito a relatos interessantíssimos sobre a cronologia dos eventos, tal como expus acima. Não foi difícil perceber que a solidariedade, que talvez estivesse se perdendo do cotidiano dessas pessoas em razão das agruras da vida causadas pelas mazelas políticas e os arrochos econômicos, parecia ser o sentimento em voga na praça, um doce sentimento. O que parecia estar em jogo era a luta por um mundo - que incluiria a Ucrânia - mais unido, fluido, circular, interativo e inclusivo, ao contrário da proposta de mundo representada por Yanukovich e seu parceiro russo, nada porosa, individualista, belicista e exclusivista8 8 Qualquer semelhança com a realidade brasileira atual não parece ser mera coincidência (Cesarino, 2019). . Enfim, na praça, tensão e serenidade caminhavam de mãos dadas, fazendo da solidariedade o mote da nova ideologia nacional que se estava tentando fragilmente se reconfigurar aos gritos de Слава Україні (Glória à Ucrânia!). Mas, será que o jogo se reduzia mesmo a essa dicotomia descrita assim como tão simples? Seria realmente a Europa garantidora da liberdade tão sonhada por esses ucranianos da Maidan e a Rússia, por conseguinte, promotora das privações?

Entre 18 e 23 de fevereiro, apenas alguns dias depois de eu ter partido de Kiev em direção à Lituânia, com uma parada de poucos dias em Lviv, a situação se deteriorou de modo surpreendente. Manifestantes marcharam em direção à Rada para fazer pressão a favor da volta à Constituição em seu modelo de 2004 e à escolha de um novo primeiro-ministro. Mais uma vez, os manifestantes foram surpreendidos pelas decisões do governo. As forças policiais autorizadas por Yanukovich a desocupar a Maidan com tanques encurralaram os manifestantes em diversos pontos - homens, mulheres e crianças - e franco-atiradores não pouparam sequer membros da Cruz Vermelha e sacerdotes, acarretando no massacre de mais de uma centena de pessoas na Rua Mikhailo Hroushevskoho, nas proximidades do Parque Mariinsky (Маріїнський парк) e sobretudo na Rua Instytutska (Інститутська)9 9 Essa última rua passou a ser conhecida como Rua da Centena Celestial e, em 2019, um memorial seria construído ali. Ver, a esse respeito, a reportagem a seguir: <https://www.rferl.org/a/ukrainians-rue-lack-of-justice-for-euromaidan-killings/29780996.html>. Acesso em 15 de abril 2020. . Tudo isso foi filmado e fotografado. Enquanto os manifestantes tentavam produzir com pneus em chamas uma densa fumaça que impedisse, por alguns momentos, que os franco-atiradores os vissem e, assim, os feridos pudessem ser salvos e os corpos retirados, as forças policiais destruíam todas as estruturas de fortuna da Maidan e incendiavam os hospitais de campanha, como aquele da Federação do Comércio, carbonizando feridos, agentes de saúde e voluntários.

Um acordo foi firmado logo em seguida com a participação de observadores europeus e russos, prevendo a antecipação do fim do mandato de Yanukovich, a soltura de Tymoshenko e eleições presidenciais para dezembro de 2014. No entanto, os manifestantes reforçaram o seu repúdio com relação às forças políticas institucionalizadas, hostilizando publicamente até mesmo aqueles líderes da oposição que vinham participando da EuroMaidan, chamados de traidores e criminosos. Alguns manifestantes ameaçaram, então, uma investida contra a sede do poder executivo. Yanukovich acabava de viajar para uma atividade que já havia sido agendada na região pró-Rússia e, nesse momento, a oposição o acusou de estar fugindo de suas obrigações, principalmente em razão do massacre que acabava de ocorrer. A Rada decidiu rapidamente pela sua destituição com o voto favorável de 328 dos seus 450 membros. Um governo interino de emergência foi formado pela casa e marcou as eleições presidenciais para maio de 2014. A Rada tomou imediatamente ainda algumas decisões que teriam consequências diretas no desencadeamento dos eventos que marcaram os próximos meses de 2014 e o ano de 2015, tais como: além da emissão da ordem de prisão de Yanukovich e a abertura de um processo por crime contra a humanidade junto ao Tribunal Penal Internacional, decidiu-se pela abolição da lei que estabelecia que nas áreas em que menos de 10% da população fosse falante de uma língua minoritária essa língua pudesse ser também considerada como oficial, o que prejudicou diretamente a relação com as regiões mais russificadas. A Rússia declarou internacionalmente que não reconhecia o governo interino e que o que tinha se passado na Ucrânia era um golpe de Estado, além de tomar medidas econômicas de repúdio à Ucrânia10 10 Ver <https://www.elmundo.es/internacional/2014/02/22/53086e73e2704ec87a8b456a.html>, <https://elpais.com/internacional/2014/02/21/actualidad/1392967433_822026.html>, <https://www.abc.es/internacional/20140226/abci-rusia-ucrania-presidencia-201402252104.html?ref=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2F>. Acesso em 15 de abril 2020. . Para fugir das perseguições, Yakunovich se exilou na Rússia com seus assessores, de onde teriam comandado juntamente com o presidente russo os protestos pró-Rússia nas regiões leste e sul da Ucrânia, culminando na anexação da estratégica Península da Criméia pela Rússia e no acirramento da divisão entre ucranianos pró-Europa e ucranianos pró-Rússia (Kuzio, 2019KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.; Perepelystia, 2019PEREPELYTSIA, Hryhorii. 2019. “The Outcome of the Three Revolutions in Ukraine: A Comparative Pespective”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 503-552.; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.).

PERSPECTIVAS: FORMAS SIMBÓLICAS E IDEOLOGIA DE NATION-BUILDING

No filme documentário lançado em 2015 pela Netflix e dirigido por Evgeny AfineevskyAFINEEVSKY, Evgeny.2015. Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom. Dirigido por Evgeny Afineevsky. 1h38. Netflix. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80031666
https://www.netflix.com/br/title/8003166...
, Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom (Inverno em Chamas: a Luta da Ucrânia pela Liberdade), um dos entrevistados, aos 34 minutos, diz: “Quando as pessoas viam as barricadas diziam que pareciam as barricadas históricas do século 16. Por que não deveríamos usar as leis, as regras, a hierarquia dos nossos ancestrais?”11 11 Tradução fornecida como legenda do documentário (Netflix). Na Maidan, as barricadas, assim como as pequenas torres de vigilância feitas de madeira em estilo eslavo medieval, as roupas tradicionais coloridas usadas por muitos participantes, os altares sempre iluminados com velas e cuidadosamente ornamentados com cruzes ortodoxas, a minuciosa organização das brigadas de auto-defesa em “sotnya” cossaca e o impressionante funcionamento das assembleias populares no modelo eslavo (durante as quais se tomavam as principais decisões) pareciam remeter voluntariamente ao passado glorioso da federação das tribos eslavas cristãs que, desde Kiev, dominou, entre os séculos IX e XIII, toda a região que abarca hoje a Belarus, a parte ocidental da Rússia e a Ucrânia, sob o nome de Rus de Kiev, terra de origem dos destemidos cossacos que impor-se-iam ao mundo entre os séculos XVII e XVIII.

Esses símbolos capturados do passado pareciam claramente ter sido escolhidos com cuidado para se contrapor à associação da nova Ucrânia à ameaçadora Rússia - e relembrar que o povo russo é originário da Ucrânia -, sobretudo quando articulados com outros símbolos mais modernos - pois, europeus - e, assim, conformando uma ideologia de nation-building que contribuísse para a legitimação da reivindicação ucraniana à autonomia, à liberdade e à dignidade de sua identidade nacional. Quando se levam em consideração algumas das consequências imediatas da EuroMaidan - o aguçamento da animosidade com a Rússia através da anulação dos contratos de venda de gás natural russo para a Ucrânia, a anexação da Crimeia, a autodeclarada independência de duas das maiores cidades industriais situadas no leste do país, a invasão de parte do território por guerrilhas apoiadas por Moscou e os constantes ataques a postos militares de fronteira, etc. -, fica nítida a importância da reinvenção de tradições (Hobsbawn, 2006HOBSBAWN, Eric. 2006. “A Invenção das Tradições”. In: HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence (orgs.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 9-21.), a criação de uma comunidade imaginada (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. 2008. “Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo”. São Paulo, Companhia das Letras.) e a reelaboração dos símbolos nacionais para a consolidação e a manutenção da própria independência da Ucrânia e do reconhecimento da sua soberania sobre a integridade de um território histórico. O que parecia estar em jogo, na EuroMaidan, era a própria elaboração de um nacionalismo moderno baseado num novo modo de sociação composto por símbolos capazes de unificar as diferenças (políticas e partidárias) aparentemente contraditórias representadas pelo movimento.

Em sua caracterização da sociedade baseada na distinção entre forma e conteúdo, Simmel diz que a interação entre os indivíduos acontece em razão de uma série infinita de motivações (“[i]nstintos eróticos, interesses objetivos, impulsos religiosos, objetivos de defesa, ataque, jogo, conquista, ajuda, doutrinação [...]” - Simmel, 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.: 60) que exercem efeitos sobre os demais e sofre os efeitos dos demais. Isso é o que o autor estabelece como sendo o conteúdo da sociação, ou seja tudo o que existe nos indivíduos e na realidade histórica “[...] como impulso, interesse, finalidade, tendência, condicionamento psíquico e movimento nos indivíduos - tudo o que está presente nele de modo a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os outros ou a receber esses efeitos dos outros.” (ibidem: 60). Mas, segundo o autor, esses se tornam conteúdos ou materiais da sociação somente quando agregam indivíduos em “[...] determinadas formas de estar com o outro e de ser para o outro que pertencem ao conceito geral de interação.” (ibidem: 60) Assim, a sociação seria

[...]a forma (que se realiza de inúmeras maneiras distintas) na qual os indivíduos, em razão de seus interesses - sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, movidos pela causalidade ou teleologicamente determinados -, se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual esses interesses se realizam. Esses interesses, sejam eles sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, casuais ou teleológicos, formam a base da sociedade humana. (Simmel, 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.: 60-61)

O que parecia depreender das atividades na Maidan era precisamente uma reflexão sobre quais os conteúdos que deveriam se alinhar em que forma para gerar uma unidade possível, como vimos acima e através das fotos apresentadas. Simmel alerta para o fato de que os indivíduos dão aos materiais que compõem a sociação determinadas formas, de acordo com os seus interesses, mas a própria dinâmica histórica da vida social faz com que haja corriqueiramente uma guinada “[...] da determinação das formas pelas matérias da vida para a determinação de suas matérias pelas for- mas que se tornam valores definitivos [...]” (Simmel, 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar.: 62). Isso acontece, por exemplo, quando os indivíduos, motivados pela necessidade de organizar os seus interesses e condutas, estabelecem um conteúdo de normas e regras que configurarão o Direito; mas, uma vez estabelecido enquanto forma institucional, o Direito deixa de ser um meio e passa a ser uma finalidade por si mesmo. Na EuroMaidan, era a negociação desses materiais que estava em jogo com o intuito de configurar uma nova forma simbólica nacional unificada - e contra a determinação das matérias pelas formas, o que era representado pelo colonialismo e o imperialismo russos e a colonialidade do saber e do poder russa que se impunham sobre as matérias ou conteúdos ucranianos (Tlostanova, 2008TLOSTANOVA, Madina. 2008. “Por qué Cortarse los Piés para Caber en los Zapatos Occidentales?: Las ex colónias soviéticas no europeas y el sistema de género colonial moderno. In: MIGNOLO, Walter (org.). Género y Descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Siglo, pp. 85-122.).

Realizando pesquisas em contextos etnográficos distantes da realidade ucraniana, Cohen afirma que as formas simbólicas são um conjunto de elementos que marcam a identidade e a exclusividade de um determinado grupo político, tais como “[...] emblemas, marcas faciais, mitos de origem, costumes de endogamia ou de exogamia, crenças e práticas associadas aos ancestrais, genealogias, cerimônias específicas, estilos de vida especiais, altares, noções de pureza e poluição e assim sucessivamente.” (Cohen, 1969COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.: 219). Leach (1996LEACH, Edmund. 1996. Sistemas Políticos da Alta Birmânia. São Paulo, EdUSP. [1954]) já havia advogado a favor da interpretação das ações e manifestações simbólicas em termos de relações sociais, assim como Nadel (1951NADEL, S. F. 1951. “The Foundations of Social Anthropology”. Londres, Cohen & West.), Goffman (1985GOFFMAN, Erving. 1985. “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”. Rio de Janeiro, Vozes. [1969]), Douglas (1996 [1970])DOUGALS, Mary. 1996. “Natural Symbols”. Londres, Routledge. Geertz (1973GEERTZ, Clifford. 1973. “Religion as a Cultural System”. In: GEERTZ, Clifford. Interpretation of Cultures. Nova York, Basic Books, pp. 87-125.), Turner (1974TURNER, Victor.1974. O Processo Ritual. Rio de Janeiro, Vozes.), Todorov (1977TODOROV, Tzetan. 1977. Théories du Symbole. Paris, Seuil.) e toda uma tradição de pesquisadores que também propuseram e vêm sugerindo que as relações sociais se expressam por meio de for- mas simbólicas. A principal função das formas simbólicas seria precisamente a de objetivar e/ou materializar as relações sociais (e as relações de poder subjacentes).

Para Cohen (1969COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.), um regime político pode conseguir se impor e manter no poder através da força, mas é somente através dos agenciamentos simbólicos que a sua estabilidade é garantida. Contrariamente ao que se pode supor, as formas simbólicas não são o apanágio de sistemas religiosos ou de tradições codificadas de um passado pré-moderno. Cohen sustenta que, tanto nas sociedades capitalistas, como nas sociedades socialistas da época em que escreve, “[...] emblemas, slogans, insígnias, desfiles de massa, títulos, hinos e músicas patrióticas [...]”13 13 Tradução livre do inglês: “[…] emblems, facial markings, myths of origin, customs of endogamy or of exogamy, beliefs and practices associated with the ancestors, genealogies, specific ceremonials, special styles of life, shrines, notions of purity and pollution, and so on.” (Cohen, 1969: 219 (Cohen, 1969COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.: 219), assim como toda sorte de outros símbolos, são acionados para a manutenção da ordem política, o que demonstra a força das formas simbólicas no mundo secularizado. Precisamente, são essas formas simbólicas - compartilhadas no con- texto contemporâneo inclusive por meios digitais, como a internet - que estavam sendo alinhavadas de modo criativo e original na Ucrânia, gerando talvez uma espécie de comunidade imaginada (Anderson, 2007ANDERSON, Benedict. 2007. “Under Three Flags: Anarchism and the Anti-Colonial Imagination”. Londres/Nova York, Verso., 2008ANDERSON, Benedict. 2008. “Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo”. São Paulo, Companhia das Letras.) capaz de produzir a instabilidade do regime, num primeiro momento e, em seguida, a sua reestruturação, como aconteceu ao longo das três revoluções ucranianas das últimas décadas, principalmente com o desfecho da EuroMaidan.

Considerando o nacionalismo como “[...] a crença e a prática que visam criar comunidades unificadas, mas únicas (nações), dentro de um espaço soberano (estados)”14 14 Tradução livre do inglês: “[…] the belief and the practice aimed at creating unified but unique communities (nations) within a sovereign space (states).” (Puri, 2006: 341) (Puri, 2006PURI, Jyoti. 2006. “Sexuality, State and Nation”. In: SEIDMAN, Steven, FISCHER, Nancy e MEEKS, Chet (orgs.). Handbook of the New Sexuality Studies. Londres, Routledge, pp. 340-347.: 341), estima-se facilmente a relevância do simbolismo para os novos projetos nacionais em construção: é preciso que haja o compartilhamento mínimo de um mesmo conteúdo de materiais - imaginados - para que uma forma - comunitária - seja produzida com características nacionais. Por simbolismo, Cohen (1979COHEN, Abner. 1979. “Political Symbolism”. Annual Review of Anthropology, n. 8: 87-113.) entende o conjunto formado pelas formas simbólicas e os padrões de ação simbólica. Na EuroMaidan, como visto acima, formas simbólicas rememora- das do passado do Rus de Kiev e da resistência guerreira cossaca, além do cristianismo ortodoxo, misturavam-se a bandeiras da União Europeia e de países que compõem o bloco, algumas poucas bandeiras do arco-íris referentes às pessoas LGBTs, músicas entoadas por popstars da atualidade, sanduíches de uma loja do McDonald’s situada na Maidan ou kebabs e pizzas também do entorno, cânticos budistas e orações islâmicas, cartazes e banners de líderes políticos nacionalistas do início do século XX e fotos de mártires estampadas em verdadeiros totens e altares, encenações teatrais épicas, presépios de fortuna, concerto de piano e violino sobre os sacos de gelo e areia de uma barricada, exposição de ilustrações caricatas, e tantas outras coisas ou formas, compondo, numa improvável - porém viável e serena - harmonia, uma ação simbólica padronizada, por excelência anti-russa - pois, anti-soviética e anti-colonialista.

Para autores ucranianos, como Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.), nas duas primeiras décadas após a independência, faltava à Ucrânia uma “matriz única de meta-significados” (ibidem: 231) reconhecida pela maioria da sociedade e com a qual os indivíduos pudessem compreender e interpretar o mundo a sua volta, dando-lhes o conforto psicológico necessário para promover a estabilidade do todo social. Essa matriz parte da - e extrapola - a noção de universo simbólico, no sentido atribuído por Berger e Luckmann (2004BERGER, Peter and LUCKMANN, Tomas. [1966] 2004. “A Construção Social da Realidade”. Rio de Janeiro, Vozes. [1966]). O universo simbólico soviético teria perdido a sua hegemonia cultural na Ucrânia a partir das Revoluções no Granito e Laranja, embora permanecesse presente na esfera pública. No entanto, um novo universo simbólico não se mostrava suficientemente consistente e integrado enquanto ma- triz de meta-significados e set of meanings para se tornar hegemônico em termos de ações e formas simbólicas sustentadoras de uma nova sociação e de uma nova ideologia nacional, desencadeando assim o que o autor chama de “guerra de símbolos”. A EuroMaidan teria reativado o que estava na base dos problemas ucranianos, a saber: a tensão entre formas e ações simbólicas soviéticas persistentes e o desejo de liberdade representado pelo pertencimento à Europa. A dramatização ao longo dos três meses do processo revolucionário, com a marca da liminaridade, acrescida da impotência gerada pela anexação da Crimeia pela Rússia e da violência da guerra civil na parte oriental da Ucrânia tiveram como desfecho dessa “guerra de símbolos”, como diz Shulga (2015), a definição de uma matriz única de meta-significados - ou uma nova ideologia de nation-building, como se advoga aqui (Peirano, 1992PEIRANO, Mariza. 1992. Uma Antropologia no Plural. Brasília, Editora da UnB.).

Até a EuroMaidan, havia, segundo Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.), confirmado por Perepelystia (2019)PEREPELYTSIA, Hryhorii. 2019. “The Outcome of the Three Revolutions in Ukraine: A Comparative Pespective”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 503-552. e Riabchuk (2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.), dois modelos alternativos competindo pela hegemonia cultural ucraniana. O mesmo não acontecia na Rússia, dando a este país a força para continuar sustentando um dos modelos na Ucrânia. Na Rússia, não teria havido uma tentativa de mudança dos traumas culturais do passado, pois eles parecem ser ainda o alimento dos processos de socialização das novas gerações pós-soviéticas, segundo Shulga (2015)SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240. 15 15 Em um artigo em preparação, trataremos desse tema com relação à República da Buriácia, uma das unidades federativas russas. . Nunca houve uma tentativa de substituição do trauma cultural da “Grande Guerra Patriótica” (como é chamada a Segunda Guerra Mundial na Rússia), com gigantescas paradas militares ainda sendo realizadas na Praça Vermelha, em Moscou, por outras memórias e símbolos mais atuais, como a luta pelo fim do regime soviético - precisamente, porque não houve ruptura completa com o passado soviético.

Já na Ucrânia, tem havido uma ênfase maior na valorização da história do genocídio por fome de 1932-33 perpetrado por Stalin, chamado Holodomor, como pude verificar em exposições no Museu Nacional da Ucrânia. Isso se confirma na apreciação elaborada por Liubarets (2014)LIUBARETS, Andriy. 2016. “The Politics of Memory in Ukraine in 2014: removal of the soviet cultural legacy and Euromaidan commemorations”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 3: 197-214. Disponível em: <http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410>
http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/739...
das políticas de memória e na análise compara- tiva feita por Koposov (2016KOPOSOV, Nikolay. 2016. “Les Lois Mémorielles em Russie et en Ukraine: une histoire croisée”. Écrie l’Histoire, n. 16: 251-256. Disponível em: <https://journals.openedition.org/elh/1141>
https://journals.openedition.org/elh/114...
) das “leis memoriais” adotadas na Rússia e na Ucrânia na sequência da EuroMaidan. Essas duas pesquisas mostram como se colocam, por parte dos políticos ucranianos, o Holodomor como um marco memorial importante para a história do país, enquanto, por parte dos políticos russos, o país vizinho, por não valorizar as comemorações relacionadas à “Grande Guerra Patriótica”, é associado ao nazismo e ao antissemitismo (acusação intensificada por conta da participação de grupos ultranacionalistas durante a EuroMaidan).

Para manter a hegemonia cultural, a Rússia usaria, não somente a força militar - daí as inúmeras campanhas bélicas, como as guerras no Cáucaso ou até mesmo as incursões atualmente na Síria e alhures -, mas também a supervalorização do universo simbólico russo-eslavo, em detrimento da ampla diversidade étnico-cultural presente no vasto território russo (Tlostanova, 2008TLOSTANOVA, Madina. 2008. “Por qué Cortarse los Piés para Caber en los Zapatos Occidentales?: Las ex colónias soviéticas no europeas y el sistema de género colonial moderno. In: MIGNOLO, Walter (org.). Género y Descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Siglo, pp. 85-122.). Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.) aponta ainda para o fato de que, na EuroMaidan, houve uma total rejeição do paternalismo e da primazia do Estado sobre os interesses dos cidadãos, como era típico dos regimes russos, por um lado e, por outro, os discursos de construção da ideologia nacional se voltaram também para o pertencimento a valores europeus, para além do passado puramente eslavo. A “guerra de símbolos” assim desencadeada acabou se transformando inevitavelmente numa guerra real, com vítimas reais e consequências econômicas e sociais reais, já que a Ucrânia da EuroMaidan provocava os próprios princípios da hegemonia cultural russa na região.

Enfim, os eventos que presenciei na Ucrânia em 2014 parecem compor, de fato, um processo revolucionário. A Revolução da Dignidade não representou, aparentemente, como geralmente se define uma revolução nos dicionários, uma reestruturação social, econômica e/ou política profunda e radical, inclusive com a eventual tomada do poder à força por um determinado grupo (Shveda, 2015SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 83-96.)17 17 Ver, a esse respeito, o que dizem os dicionários online Michaelis e Houaiss: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/revolu%C3%A7%C3%A3o/> e <https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v5-2/html/index.php#1>. Acesso em 13 de abril 2020. . Foi um típico período de experiência da liminaridade, sem que a estrutura fosse completamente e/ou radicalmente abalada. Mas, tratou-se de mostrar de forma bem sucinta, com esse relato etnográfico imagético na/da liminaridade, um momento ainda não totalmente concluído nos dias de hoje (Vozniak, 2019VOZNIAK, Taras. 2019. “Ukraine - An Uncompleted Revolution: An Attempting of Interpreting the Revolutionary Situation of 2013-2014”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 487-502.) de consolidação do que Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.) define como uma matriz única de meta-significados, concebida por ações e formas simbólicas bem particulares. O compartilhamento de uma nova matriz única de meta-significados ou a elaboração de novos conteúdos para uma nova forma social parecem se apresentar, logo, como uma revolução no senti- do que daria a esse termo tanto Arendt (1990ARENDT, Hannah. 1990. “Da Revolução”. São Paulo, Ática.), como Gramsci (2002)GRAMSCI, Antonio. 2002. “Cadernos do Cárcere - Volume 5”. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. Os símbolos nacionais encenam, dessa forma, o poder, como nos ensina Cohen, quando diz que “[r]elações de poder são objetivadas, desenvolvidas, mantidas, expressadas ou camufladas por meio de formas simbólicas e padrões de ação simbólica [...].”18 18 Tradução livre do inglês: “[p]ower relations are objectified, developed, maintained, expressed, or camouflaged by means of symbolic forms and patterns of symbolic action […].” (Cohen, 1979: 219). (Cohen, 1979: 89). As formas e ações simbólicas em cena durante a EuroMaidan - e depois - materializaram as relações de poder que contribuiriam para renegociar, sobre novas bases culturais, a estrutura social, econômica e política ucraniana, sustentando-a e legitimando-a.

Um exemplo interessante do que está em andamento na Ucrânia é o das paradas do orgulho de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneres, queers, intersexuais e outres (LGBTQI+) realizadas em Kiev. Embora tenham se iniciado em 2013, tomaram proporções maiores a partir da segunda metade da década de 2010. As forças policiais - aquelas que na EuroMaidan atiravam sobre os manifestantes em defesa do governo pró-Rússia19 19 A truculenta Berkut foi dissolvida após a EuroMaidan, com a restauração da Guarda Nacional da Ucrânia. Uma ala da Berkut, no entanto, se aliou aos russos na anexação da Crimeia, tornando-se parte da Guarda Nacional Russa. -, agora protegem, às centenas, os manifestantes em suas performances e encenações moldadas nas paradas realizadas no Ocidente, ostentando bandeiras da União Europeia e dos Estados Unidos. As forças policiais defendem os manifestantes contra os ataques dos grupos de extrema-direita e religiosos radicais que vêm tentando sistematicamente abafar as paradas, queimando bandeiras do arco-íris e da União Europeia20 20 Ver, sobre a proteção policial aos manifestantes e a violência às margens das paradas, os vídeos a seguir, disponíveis no Youtube: < https://www.youtube.com/watch?v=UTpSASdRwvY>, <https://www.youtube.com/watch?v=LHk-OCoMyHI> e <https://www.youtube.com/watch?v=wvvP5JwnWTs> . Em 2019, diplomatas ocidentais e políticos ucranianos participaram da parada e o novo presidente recém-empossado, Volodymyr Zelenskyi, chegou até a se pronunciar sobre o assunto, dizendo que defende a igualdade e a liberdade para todas as pessoas.21 21 Ver, sobre a parada de 2019, as seguintes reportagens: <https://www.reuters.com/article/us-gay-pride-ukraine/ukraine-hosts-biggest-ever-gay-pride-parade-idUSKCN1TO0EH>, <https://www.bbc.com/news/world-europe-48738251> e <https://www.independent.co.uk/news/world/europe/ukraine-pride-parade-kiev-lgbt-a8971371.html>. A história dirá, com precisão infalível, o preço pago pela Ucrânia por ter optado por formas e ações simbólicas anti-russas, como proposto por Koposov (2016KOPOSOV, Nikolay. 2016. “Les Lois Mémorielles em Russie et en Ukraine: une histoire croisée”. Écrie l’Histoire, n. 16: 251-256. Disponível em: <https://journals.openedition.org/elh/1141>
https://journals.openedition.org/elh/114...
), Liubarets (2014) e Shulga (2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.), em prol da modernidade oferecida pelo alinhamento a oeste, na construção de uma nova ideologia de nation-building mais fluida e inclusiva - mas, não menos colonizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ANDERSON, Benedict. 2007. “Under Three Flags: Anarchism and the Anti-Colonial Imagination”. Londres/Nova York, Verso.
  • ANDERSON, Benedict. 2008. “Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo”. São Paulo, Companhia das Letras.
  • ARENDT, Hannah. 1990. “Da Revolução”. São Paulo, Ática.
  • BALCER, Adam. 2019. “The Great Steppe, The Cossacks, and the Revolution of Dignity: A Historical and Cultural Anthropology of Maidan.” In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges, e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 133-158.
  • BARANOVSKY, Olexander. 2015. “Ukraine’s Economy: Current Challenges”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 127-136.
  • BERGER, Peter and LUCKMANN, Tomas. [1966] 2004. “A Construção Social da Realidade”. Rio de Janeiro, Vozes.
  • BURKOVSKY, Petro e HARAN, Olexiy. 2015. “Before and After the Euromaidan: Ukraine Between the European Choice and the Russian Factor”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 73-82.
  • CESARINO, Letícia. 2019. “Identidade e Representação no Bolsonarismo.” Revista de Antropologia, v. 62, n. 3: 530-557.
  • CODOGNI, Paulina. 2019. “The 1990 Revolution on Granite as an Example of a Nonviolent Revolution” In: KOWAL, Pawel; MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 195-224.
  • COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.
  • COHEN, Abner. 1979. “Political Symbolism”. Annual Review of Anthropology, n. 8: 87-113.
  • DESCHANET, Maxime. 2014. “Introduction à l’Histoire de l’Ukraine”. Disponível em: <https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00994650/document> Acesso em: 13 de abril 2020.
    » https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00994650/document
  • DOUGALS, Mary. 1996. “Natural Symbols”. Londres, Routledge.
  • GEERTZ, Clifford. 1973. “Religion as a Cultural System”. In: GEERTZ, Clifford. Interpretation of Cultures Nova York, Basic Books, pp. 87-125.
  • GOFFMAN, Erving. 1985. “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”. Rio de Janeiro, Vozes.
  • GRAMSCI, Antonio. 2002. “Cadernos do Cárcere - Volume 5”. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
  • GRETSKIY, Igor. 2019. “Russian Intervention in Ukrainian Presidential Elections of 2004”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 297-332.
  • HNATIUK, Ola. 2019. “Dreams of Europe: The Role of Intellectuals in Shapping the European Orientation of Ukraine (2004-2014) ”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 401-436.
  • HOBSBAWN, Eric. 2006. “A Invenção das Tradições”. In: HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence (orgs.). A Invenção das Tradições Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 9-21.
  • KATCHANOVSKI, Ivan. 2008. “The Orange Evolution? The “Orange Revolution” and Political Changes in Ukraine”. Post-Soviet Affairs, v. 24, n. 4: 351-382. Disponível em: <https://www-tandfonline.ez3.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.2747/1060-586X.24.4.351>
    » https://www-tandfonline.ez3.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.2747/1060-586X.24.4.351
  • KLUCZKOWSKI, Jacek. 2019. “The Orange Revolution in Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 225-276.
  • KOPOSOV, Nikolay. 2016. “Les Lois Mémorielles em Russie et en Ukraine: une histoire croisée”. Écrie l’Histoire, n. 16: 251-256. Disponível em: <https://journals.openedition.org/elh/1141>
    » https://journals.openedition.org/elh/1141
  • KUZIO, Taras. 2006a. “The Orange Revolution at the Crossroads”. Demokratizatsyia. The Journal of Post-Soviet Democratization, v 14, n. 4: 477-493. Disponível em: <http://demokratizatsiya.pub/archives/14_4_16085W5388J6340G.pdf>
    » http://demokratizatsiya.pub/archives/14_4_16085W5388J6340G.pdf
  • KUZIO, Taras. 2006b. “National Identity and History Writing in Ukraine”. Nationalities Papers, v. 34, n. 4: 407-427. Disponível em: <http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=f9605e3d-d389-4668- b6f1-7e34e00c3722%40sessionmgr4008>
    » http://web-a-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=f9605e3d-d389-4668- b6f1-7e34e00c3722%40sessionmgr4008
  • KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.
  • KVIT, Serhiy. 2017. “One Hundred Years of the Ukrainian Liberation Struggle”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 4: 145-152. Disponível em: <https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uploads/2017/07/One-Hundred-Years-of-the-Ukrainian-Liberation-Struggle1.pdf>
    » https://kvit.ukma.edu.ua/wp-content/uploads/2017/07/One-Hundred-Years-of-the-Ukrainian-Liberation-Struggle1.pdf
  • LANDER, Edgardo (org.). 2005. A Colonialidade do Saber Buenos Aires, Clacso.
  • LEACH, Edmund. 1996. Sistemas Políticos da Alta Birmânia São Paulo, EdUSP.
  • LEBEDYNSKY, Iaroslav. 2008. Ukraine, une Histoire en Question Paris, L’Harmattan.
  • LIUBARETS, Andriy. 2016. “The Politics of Memory in Ukraine in 2014: removal of the soviet cultural legacy and Euromaidan commemorations”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 3: 197-214. Disponível em: <http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410>
    » http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410
  • MAGOCSI, Paul R. 2007. Ukraine: An Illustrated History Toronto, Toronto University Press.
  • NADEL, S. F. 1951. “The Foundations of Social Anthropology”. Londres, Cohen & West.
  • ONUCH, Olga. 2015. “The Maidan, Past and Present: Orange Revolution (2004) and the EuroMaidan (2013-2014)”. In: MARPLES, David R. and MILLS, Frederick V. (orgs.). Ukraine’s Euromaidan: Analysis of a Civil Revolution Nova York, Columbia University Press.
  • ONUCH, Olga. 2019. “The Forgotten Revolution on the Granite (1990): the legacy contention in independent Ukraine”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 175-194.
  • PEIRANO, Mariza. 1992. Uma Antropologia no Plural Brasília, Editora da UnB.
  • PEREPELYTSIA, Hryhorii. 2019. “The Outcome of the Three Revolutions in Ukraine: A Comparative Pespective”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 503-552.
  • PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 59-72.
  • PURI, Jyoti. 2006. “Sexuality, State and Nation”. In: SEIDMAN, Steven, FISCHER, Nancy e MEEKS, Chet (orgs.). Handbook of the New Sexuality Studies Londres, Routledge, pp. 340-347.
  • QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonialidad del Poder y Classificación Social”. Journal of World- Systems Research, v. 6, n. 2: 342-386. Disponível em http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/view/228
    » http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/view/228
  • RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.
  • SAMOKHVALOV, Vsevolod. 2006. “Ukraine and the Orange Revolution: democracy or a ‘velvet restoration’?” Southeast European and Black Sea Studies, v. 6, n. 2: 257-273. Disponível em: <http://web-b-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=c082e5d7-6532-4405-80b5-35279e93c327%40pdc-v-sessmgr03>
    » http://web-b-ebscohost.ez3.periodicos.capes.gov.br/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=2&sid=c082e5d7-6532-4405-80b5-35279e93c327%40pdc-v-sessmgr03
  • SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 231-240.
  • SHVEDA, Yuriy. 2015. “The Revolution of Dignity in the Context of Theory of Social Revolutions”. In: STEPANENKO, Viktor; PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 83-96.
  • SIMMEL, Georg. 2006. Questões Fundamentais da Sociologia Rio de Janeiro, Zahar.
  • STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). 2015a. “Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes”. Berna, Peter Lang, pp. 127-136.
  • STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes Berna, Peter Lang, pp. 11-28.
  • SUBTELNY, Orest. 2009. Ukraine: A History Toronto, University of Toronto Press (quarta edição).
  • TLOSTANOVA, Madina. 2008. “Por qué Cortarse los Piés para Caber en los Zapatos Occidentales?: Las ex colónias soviéticas no europeas y el sistema de género colonial moderno. In: MIGNOLO, Walter (org.). Género y Descolonialidad Buenos Aires: Ediciones del Siglo, pp. 85-122.
  • TODOROV, Tzetan. 1977. Théories du Symbole Paris, Seuil.
  • TURNER, Victor.1974. O Processo Ritual Rio de Janeiro, Vozes.
  • UMLAD, Andreas. 2009. “Understanding the Orange Revolution: Ukraine’s democratization in the Russian Mirror”. Geopolitika, 24/11/2009. Disponível em: <http://www.geopolitika.lt/?artc=3686> Acesso em 13 de abril 2020.
    » http://www.geopolitika.lt/?artc=3686
  • URAZOVA, Dinara. 2016. ‘Out With the Gang!’: Mass Mobilization in Ukraine’s Euromaidan Budapeste, 2016, Dissertação de Mestrado, Department of Political Science, Central European University.
  • VOZNIAK, Taras. 2019. “Ukraine - An Uncompleted Revolution: An Attempting of Interpreting the Revolutionary Situation of 2013-2014”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity Stuttgart, Verlagen, pp. 487-502.
  • AFINEEVSKY, Evgeny.2015. Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom Dirigido por Evgeny Afineevsky. 1h38. Netflix. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80031666
    » https://www.netflix.com/br/title/80031666
  • 1
    Em outubro de 2014, o presidente Petro Poroshenko instituiu o dia 21 de novembro, dia do início dos protestos em Kiev, como o Dia da Dignidade e da Liberdade.
  • 2
    Os relatos que compõem essa seção foram elaborados a partir da minha própria experência de observação direta e conversas com diversas pessoas na Maidan em fevereiro de 2014 e das obras de autores, geralmente ucranianos (Kuzio, 2019KUZIO, Taras. 2019. “Three Revolutions, One War and Ukraine’s West Moves East”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 91-120.; Liubarets, 2016LIUBARETS, Andriy. 2016. “The Politics of Memory in Ukraine in 2014: removal of the soviet cultural legacy and Euromaidan commemorations”. Kiyv-Mohyla Humanities Studies, n. 3: 197-214. Disponível em: <http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/73968/69410>
    http://kmhj.ukma.edu.ua/article/view/739...
    ; Onuch, 2015ONUCH, Olga. 2015. “The Maidan, Past and Present: Orange Revolution (2004) and the EuroMaidan (2013-2014)”. In: MARPLES, David R. and MILLS, Frederick V. (orgs.). Ukraine’s Euromaidan: Analysis of a Civil Revolution. Nova York, Columbia University Press.; Perepelystia, 2019PEREPELYTSIA, Hryhorii. 2019. “The Outcome of the Three Revolutions in Ukraine: A Comparative Pespective”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 503-552.; Portonov & Portnova, 2015PORTNOV, Andriy and PORTNOVA, Tetyana. 2015. “The Ukrainian ‘Eurorevolution’: Dynamics and Meaning”. In: STEPANENKO, Viktor e PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 59-72.; Riabchuk, 2019RIABCHUK, Mykola. 2019. “Ukrainian Identity after Three Revolutions and One (Unfinished) War”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges and REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 61-90.; Shulga, 2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of Symbols, Real War and Nation Building”. In: STEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240.; Stepanenko & Pylynsky, 2015bSTEPANENKO, Viktor and PYLYNSKY, Yaroslav. 2015b. “Ukraine’s Revolution: The National Historical Context and the New Challenges for the Country and the World”. In: Ukraine after the Euromaidan: challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 11-28.; Voznyak, 2019VOZNIAK, Taras. 2019. “Ukraine - An Uncompleted Revolution: An Attempting of Interpreting the Revolutionary Situation of 2013-2014”. In: KOWAL, Pawel, MINK, Georges e REICHARDT, Iwona (orgs.). Three Revolutions: Mobilization and Changs in Contemporary Ukraine I - Theoretical Aspects and Analyses on Religion, Memory, and Identity. Stuttgart, Verlagen, pp. 487-502.).
  • 3
    Esses dados estão disponíveis para consulta, atualizados regularmente, no sítio eletrônico da Divisão Estatística da Organização das Nações Unidas (ONU), em <https://unstats.un.org/unsd/snaama/CountryProfile>. Acesso em 13 de abril 2020.
  • 4
    Tlostanova (2008)TLOSTANOVA, Madina. 2008. “Por qué Cortarse los Piés para Caber en los Zapatos Occidentales?: Las ex colónias soviéticas no europeas y el sistema de género colonial moderno. In: MIGNOLO, Walter (org.). Género y Descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Siglo, pp. 85-122. utiliza-se da perspectiva da colonialidade do saber e do poder de Quijano (2000)QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonialidad del Poder y Classificación Social”. Journal of World- Systems Research, v. 6, n. 2: 342-386. Disponível em http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/view/228
    http://jwsr.pitt.edu/ojs/jwsr/article/vi...
    para fazer uma interessante análise da maneira como a Rússia - tanto a imperial, quanto a soviética - se desenvolveu como potência colonial a partir do século XVIII, baseando-se, inclusive, em hierarquias raciais. A autora não trata especificamente da Ucrânia, mas, seguindo as pistas por ela propostas, pode-se compreender os efeitos dos nacionalismos russo e soviético justificando a subjugação até mesmo de povos eslavos, como os ucranianos, sobre bases raciais, considerados como povos a serem “civilizados” por meio da russificação. Por isso, adota-se aqui também a perspectiva da colonialidade de Quijano
  • 5
    Não se deve, portanto, confundir essa bandeira com aquela comum dos movimentos anarquistas. Curiosamente, no Brasil, em atos ocorridos em maio e junho de 2020 em apoio ao Presidente da República e contrários ao Supremo Tribunal Federal, manifestantes se apropriaram de símbolos nacionalistas ucranianos, tais como essa bandeira do movimento de Stepan Bandera da década de 1930, e chegaram até mesmo a preconizar a “ucranização do Brasil”, referindo-se à necessidade de se ocupar prédios públicos, como o que tinha ocorrido na Ucrânia nesse período revolucionário. Ver: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52900757>. Acesso em 20 de junho 2020.
  • 7
    Não serão apresentadas fotografias ou relatos da cidade de Lviv, no oeste do país, onde estive logo após Kiev,. Também não serão apresentadas fotografias das cenas de violência policial que presenciei nos dias 10 e 11 de fevereiro. Sugiro o documentário White on Fire, de 2015, dirigido por Evgeny AfineevskyAFINEEVSKY, Evgeny.2015. Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom. Dirigido por Evgeny Afineevsky. 1h38. Netflix. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80031666
    https://www.netflix.com/br/title/8003166...
    e produzido pela Netflix.
  • 8
    Qualquer semelhança com a realidade brasileira atual não parece ser mera coincidência (Cesarino, 2019CESARINO, Letícia. 2019. “Identidade e Representação no Bolsonarismo.” Revista de Antropologia, v. 62, n. 3: 530-557.).
  • 9
    Essa última rua passou a ser conhecida como Rua da Centena Celestial e, em 2019, um memorial seria construído ali. Ver, a esse respeito, a reportagem a seguir: <https://www.rferl.org/a/ukrainians-rue-lack-of-justice-for-euromaidan-killings/29780996.html>. Acesso em 15 de abril 2020.
  • 10
  • 11
    Tradução fornecida como legenda do documentário (NetflixAFINEEVSKY, Evgeny.2015. Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom. Dirigido por Evgeny Afineevsky. 1h38. Netflix. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80031666
    https://www.netflix.com/br/title/8003166...
    ).
  • 13
    Tradução livre do inglês: “[…] emblems, facial markings, myths of origin, customs of endogamy or of exogamy, beliefs and practices associated with the ancestors, genealogies, specific ceremonials, special styles of life, shrines, notions of purity and pollution, and so on.” (Cohen, 1969COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: the Analysis of the Symbolism of Power Relations”. Man, v. 4, n. 2: 215-235.: 219
  • 14
    Tradução livre do inglês: “[…] the belief and the practice aimed at creating unified but unique communities (nations) within a sovereign space (states).” (Puri, 2006PURI, Jyoti. 2006. “Sexuality, State and Nation”. In: SEIDMAN, Steven, FISCHER, Nancy e MEEKS, Chet (orgs.). Handbook of the New Sexuality Studies. Londres, Routledge, pp. 340-347.: 341)
  • 15
    Em um artigo em preparação, trataremos desse tema com relação à República da Buriácia, uma das unidades federativas russas.
  • 17
    Ver, a esse respeito, o que dizem os dicionários online Michaelis e Houaiss: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/revolu%C3%A7%C3%A3o/> e <https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v5-2/html/index.php#1>. Acesso em 13 de abril 2020.
  • 18
    Tradução livre do inglês: “[p]ower relations are objectified, developed, maintained, expressed, or camouflaged by means of symbolic forms and patterns of symbolic action […].” (Cohen, 1979COHEN, Abner. 1979. “Political Symbolism”. Annual Review of Anthropology, n. 8: 87-113.: 219).
  • 19
    A truculenta Berkut foi dissolvida após a EuroMaidan, com a restauração da Guarda Nacional da Ucrânia. Uma ala da Berkut, no entanto, se aliou aos russos na anexação da Crimeia, tornando-se parte da Guarda Nacional Russa.
  • 20
    Ver, sobre a proteção policial aos manifestantes e a violência às margens das paradas, os vídeos a seguir, disponíveis no Youtube: < https://www.youtube.com/watch?v=UTpSASdRwvY>, <https://www.youtube.com/watch?v=LHk-OCoMyHI> e <https://www.youtube.com/watch?v=wvvP5JwnWTs>
  • 21
  • Financiamento

    A pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, por meio da concessão da Bolsa de Produtividade em Pesquisa, Nível 2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2020
  • Aceito
    08 Maio 2020
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com