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Devoção e resistência: as táticas dos anfitriões da Folia de Reis na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro

Devotion and resistance: the tactics of the Folia de Reis Hosts in the metropolitan region of the State of Rio de Janeiro

Resumo

As Folias de Reis realizam circuitos de visitações às casas dos devotos em um período conhecido como giros ou jornadas, ocorrendo nas madrugadas dos fins de semana entre os dias 24 de dezembro e 6 de janeiro, dia dos Santos Reis. Para elaborar um estudo etnográfico que abarque a complexidade desse empreendimento devocional, divido este artigo em três partes: a primeira visa discutir quem são os devotos da Folia de Reis e seus papéis na execução da devoção; a segunda parte explora a ocupação dos espaços da casa e da rua no momento da realização dos giros da folia; e a parte final pauta-se na exploração das “táticas” (Certeau, 1994) praticadas pelos devotos anfitriões da bandeira para a garantia da integridade física e moral dos foliões e seus familiares durante o circuito ritual realizado na periferia da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.

Palavras-chave:
Folia de Reis; Táticas; Anfitriões; Rua; Devoção

Abstract

The Folias de Reis organize visits to the homes of the devotees in a period known as giros or journeys, taking place at dawn on weekends between December 24 and January 6, the day of the Santos Reis. In order to carry out an ethnographic study that encompasses the complexity of this devotional endeavor, this article is divided into three parts: a first part that discusses who are the devotees of the Folia de Reis and their roles in the execution of devotion, a second part explores the availability of the spaces of home and street at the time of the revelry tours, and the final part of exploring the “tactics” (Certeau, 1994) practiced by the devout hosts of the flag to guarantee the physical and moral integrity of the revelers and their families during the ritual circuit carried out on the periphery of the Metropolitan Region of the State of Rio de Janeiro.

Keywords:
Folia de Reis; Tactics; Hosts; Street; Devotion

INTRODUÇÃO

Anualmente, os devotos dos Reis Magos envolvem-se em um empreendimento religioso para o cumprimento da missão sagrada1 1 As categorias nativas serão escritas em itálico. , levando a anunciação do nascimento do menino Deus aos homens. A realização destes circuitos festivos coloca em circulação um conjunto heterogêneo envolvendo santos, pessoas, antepassados, objetos sagrados e seculares, conhecimentos e rezas, todos englobados em um saber caro à folia: o fundamento. Este processo ritual obedece a um calendário específico denominado de epifania dos Santos Reis, que se estende do dia 24 de dezembro (data do nascimento de Cristo) ao dia 6 de janeiro (dia dos Santos Magos). Tal período recebe o nome de giro ou jornada, pois dá início a um ciclo ritual que envolve visitação do santo e dos foliões aos seus anfitriões. Seja no ambiente rural, seja no urbano, esses procedimentos devocionais são feitos através de uma intensa rede de negociações entre os devotos e seus vizinhos, e o olhar etnográfico elaborado neste texto propõe desvelar as negociações e disputas pela utilização dos espaços públicos, principal- mente o da rua.

O caminho ofertado para o desenvolvimento desta análise antropológica foi seguir o senhor Antônio José da Silva, o Mestre Fumaça, e os anfitriões da Folia de Reis Bandeira Nova Flor do Oriente (Souza, 2012SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. 2012. No caminho dos mestres: um estudo sobre folia de reis Nova Flor do Oriente em São Gonçalo na segunda metade do século XX. São Gonçalo, 2012, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; 2020SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. 2020. Giros Urbanos: Uma etnografia da festa do arremate da folia de reis no estado do Rio de Janeiro. Belo Horizonte: Ancestre.) no município de São Gonçalo, segunda cidade mais populosa da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. A escolha para a realização deste estudo visa elucidar os mecanismos de negociação e as redes de solidariedade e sociabilidade acionadas pelos devotos anfitriões para a garantia do deslocamento dos santos e seus promesseiros nas zonas marginais da cidade no período da madrugada.

Para apresentar o leitor às folias de Reis e seus integrantes, descrevo uma situação etnográfica que possibilita o enquadramento (Goffman, 1986GOFFMAN, Erving. 1986. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Boston, Northeastern University Press.) organizacional do grupo através de sua preparação para a feitura do ritual. Aproximo-me da categoria analítica de Erving Goffman “frame(work)”, traduzida como enquadramento para controlar meus dados de eventos micros, mas que contribuem para a análise macrossociológica.

AS FOLIAS DE REIS E A CASA DOS ANFITRIÕES

O senhor Antônio José da Silva, o Mestre Fumaça, aguardava impacientemente em seu portão a chegada de cada um dos seus foliões para poder finalmente organizar a saída da Folia de Reis Bandeira Nova Flor do Oriente. O relógio marca 23h30 da noite do sábado do dia 2 de janeiro de 2016; o mestre transparecia sua ansiedade esbravejando e dizendo que: “vai colocar seus foliões na rua com quem tiver dentro de seu terreiro”. Próximo à meia-noite e meia, os três últimos integrantes chegaram e encaminharam-se para a sede da folia para vestir suas fardas e empunhar seus instrumentos.

A sede é o local onde ficam guardados todos os objetos rituais da Folia de Reis, dentre eles, seu símbolo máximo, a bandeira (Bitter, 2010BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP.). O mestre tem todos os elementos da folia dispostos na sala de sua casa, onde se encontram penduradas nas paredes os cabides com as vestimentas em vermelho e branco, as denominadas fardas, os instrumentos sendo guardados na estante da sala - viola, acordeom, bumbos, triângulos, tarol (as caixas de guerra). No centro do cômodo, encontra-se uma mesa ornada com tecidos de cetim, que é o altar da casa, no qual repousa a bandeira Nova Flor do Oriente; acima dela, um quadro de São João menino (segurando um carneirinho) e outro de São Sebastião. A estrutura de madeira que presentifica o santo daquela folia fica voltada para a porta recepcionando cada pessoa que circula pelo recinto. Depois de fardados, todos os foliões ficam posicionados à frente do santo para iniciar a cantoria e as rezas para a realização do giro. O mestre acende uma vela e deposita o castiçal junto a um copo d’água no altar; o próximo passo é reger a cantoria chamada de profecia: “Nessa hora abençoada vou tocar meus instrumentos/Para os três Reis do Oriente que nos deixou essa missão/Vou iniciar minha profecia pra saída da jornada/Guiado pela estrela que os santos guardem meus folião”.

A sequência da cantoria para a Bandeira Nova Flor do Oriente é: 1) uma frase das profecias é dita pelo mestre; 2) segue um intervalo em que os instrumentos sobrepõem o silêncio; 3) os foliões repetem a frase do mestre cantando. E assim ocorre, sucessivamente, com cada frase das profecias. Após o agradecimento, pedido de bênçãos e proteção aos santos e os anjos, é chegada a hora de cantar para a retirada da bandeira do altar: “Vou retirar minha bandeira desse altar abençoado/Deus nos guie e nos proteja pra nós fazer nossa missão/Pra na casa dos devotos os três reis abençoar”.

O processo do entoar das profecias dura quinze minutos, em seguida a bandeira é retirada do altar pela bandeireira para ser passada pelos corpos de todos os foliões; tal processo remete à distribuição de bênçãos e proteção dos Santos Reis aos seus devotos2 2 Este ritual é descrito em toda a sua complexidade na tese A Bandeira e a Máscara, de Daniel Bitter (2010). . Ao final, os foliões preparam-se para seguir para a casa dos devotos anfitriões dos Santos Reis.

As chamadas folias de reis são grupos rituais compostos por crianças, jovens e idosos de ambos os sexos que se responsabilizam em levar a bandeira dos Santos Reis Magos às casas dos devotos; segundo Daniel Bitter (2010BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP.), a bandeira3 3 A bandeira de reis (com “b” minúsculo) é o santo que é levado junto aos foliões para realizar a anunciação do nascimento de Cristo. É uma estrutura de madeira ornada com fitas e faixas coloridas, em cujo centro são expostos santinhos ou imagens da Sagrada Família e dos santos de devoção dos foliões. é o próprio Santo. A prática do reisado representa a missão sagrada4 4 É o ordenamento deixado pelos Santos Reis, os primeiros foliões. Essa missão é a responsabilidade que os foliões têm de levar a bandeira/Santos Reis à casa dos devotos, anunciando o nascimento do Menino Jesus. deixada pelos Santos Magos do Oriente, para que seus promesseiros anunciem o nascimento do menino Jesus e redistribuam as bênçãos por onde forem entoados os cantos, as chamadas profecias5 5 São versos de memória proferidos pelo mestre e entoados pelos foliões no período dos giros. . O arcabouço ideológico que ampara os reiseiros é chamado de fundamento, um conjunto de narrativas míticas que não se encontra, necessariamente, na bíblia cristã. Refere-se a todo um conhecimento relativo às regras de etiquetas e códigos de conduta para orientação dos foliões nos seus engajamentos nas complexas relações de troca e reciprocidade que esse empreendimento suscita. As Folias de Reis realizam circuitos de visitações às casas dos devotos em um período conhecido como giros ou jornadas, ocorrendo nas madrugadas dos fins de semana entre os dias 24 de dezembro e 6 de janeiro, dia dos Santos Reis. Na Região Metropolitana, as saídas prolongam-se até 20 de janeiro, dia de São Sebastião, santo padroeiro da cidade do Rio de Janeiro.

O mestre Fumaça é um senhor negro, forte, de 77 anos, e está à frente da Bandeira Nova Flor do Oriente desde os anos 1980. Os principais auxiliares para o cumprimento da missão sagrada são seus familiares. A vida de Antônio José da Silva sempre foi atravessada pelos giros da folia; ele relata que saía desde criança com seu tio no município de Trajano de Moraes (Região Serrana do estado do Rio de Janeiro) e depois, “quando veio tentar a vida no Rio [Região Metropolitana]”, saía com seu futuro sogro, Manuel Barcellos, cuja morte levou Fumaça a fundar a Bandeira Nova Flor do Oriente. O mestre menciona que quase deixou de realizar sua devoção nos anos noventa, devido à perda de um de seus filhos, mas foi através da insistência de suas filhas Mazinha e Verinha que a folia não deixou de existir. Estes longos anos a devoção têm contado com a participação de um grupo de instrumentistas e cantadores que varia de quinze a vinte integrantes. A oscilação numérica tem a ver com a devoção e a história pessoal de cada folião; a maioria dos devotos que estão há anos na Bandeira Nova Flor do Oriente é formada por familiares e amigos íntimos do mestre Fumaça. Todos estes carregam em suas memórias uma relação de “terem sido criados na Folia de Reis junto aos seus pais” (Souza, 2012SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. 2012. No caminho dos mestres: um estudo sobre folia de reis Nova Flor do Oriente em São Gonçalo na segunda metade do século XX. São Gonçalo, 2012, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.). Os instrumentistas e cantadores mais antigos são remanescentes de Folias de Reis desativadas da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, que procuram pelo mestre Fumaça para realizarem sua devoção. Os demais foliões que aparecem sazonalmente são devotos que pedem ao mestre para cumprir uma promessa feita aos Santos Reis retribuindo algum milagre. Estes mesmos, quando entrevistados, relatam que suas promessas são finalizadas após sete anos de giro, mas o que os dados etnográficos mostram é que esse período é bem menor, cerca de três ou quatro anos.

Os grupos são formados por um sistema hierárquico estruturado que tem como líder o mestre, que é o detentor do fundamento (Pereira, 2014PEREIRA, Luzimar. 2014. “O giro dos outros: fundamentos e sistemas nas folias de Urucuia, Minas Gerais”. Mana (Rio de Janeiro), 20(3), 545-573. https://doi.org/10.1590/S0104-93132014000300005
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), o conhecimento necessário para ministrar os cantos, relacionando os versos entoados às passagens bíblicas referentes ao nascimento de Jesus ou à vida dos profetas. Ao seu lado, está o contramestre, que também se destaca pela capacidade de dominar os mesmos conhecimentos que o mestre, além de poder ministrar as profecias com a devida autorização. O mestre concede o título de contramestre ao devoto que tem domínio do fundamento da folia, pois ele poderá se tornar o futuro líder. À frente do grupo, está a bandeireira, a foliã responsável por carregar o símbolo máximo da folia. Há todo um código de conduta para que a bandeireira possa entrar nas casas, retirar e repousar a bandeira no altar, passar o objeto ritual nos foliões e devotos. Tais ações rituais fazem parte de um modus operandi também regido pelo fundamento de que ela precisa ter domínio. Os demais integrantes são instrumentistas regidos pelo mestre, em sua maioria devotos dos Santos Reis que encontram nas folias a possibilidade de realizarem suas práticas religiosas. Grande parte das folias do estado do Rio de Janeiro é composta pelos familiares dos mestres e demais devotos.

A dinâmica do recebimento da Folia de Reis estende a noção de domínio do fundamento para os devotos anfitriões. A casa receptora da bandeira precisa, minimamente, organizar-se para tornar-se um templo para o santo. A sala do morador é, na maioria dos casos, o lugar por excelência da cantoria da folia. É nesse local que o anfitrião constrói o presépio, transformando a casa no estábulo em que nasceu o menino Deus. Os versos entoados pelo mestre e seus foliões são a representação da entrega do presente dos três Reis Magos à criança divina (Chaves, 2009CHAVES, Wagner Neves Diniz. 2009. A bandeira é o santo e o santo não é a bandeira: práticas de presentificação do santo nas folias de reis e de São José. Rio de Janeiro, 2009, Tese de Doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). O anfitrião deposita em um móvel central na sala o copo d’água e a vela: a água representa a “fartura de comida e bebida que nunca faltaram aos Santos Reis em suas jornadas”; a vela representa a “proteção do anjo da guarda e a luz da estrela que guiou os Magos à Sagrada Família”6 6 Palavras de mestre Fumaça. . A oferta de comida e bebida também se torna de extrema importância para o recebimento das folias, pois a comensalidade é a dimensão da festa que representa a fartura sobre a escassez (Pereira, 2013PEREIRA, Luzimar Paulo. 2013. “À mesa com os santos: A noção de “fartura” nas folias de Urucuia (Minas Gerais) ”. In GONÇALVES, José Reginaldo; GUIMARÃES, Roberta Sampaio; e BITAR, Nina Pinheiro. A alma das coisas: patrimônios, materialidade e ressonância. Rio de Janeiro, MauadX/Faperj.).

Existe um código de conhecimento que o devoto anfitrião precisa manejar para receber os foliões e a bandeira em sua casa. Para entender as formas de operação do fundamento, seja pelos foliões, seja pelos anfitriões, aproximo-me aqui da apropriação que Wagner Chaves (2009CHAVES, Wagner Neves Diniz. 2009. A bandeira é o santo e o santo não é a bandeira: práticas de presentificação do santo nas folias de reis e de São José. Rio de Janeiro, 2009, Tese de Doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.) faz da categoria analítica de Fredrik Barth (2000BARTH, Fredrik. 2000. “An anthropology of knowledge”. Current Anthropology (Chicago), 43(1), 1-18. https://doi.org/10.1086/324131.
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): as “tradições de conhecimento”. Assim como nas “tradições de conhecimento”, o fundamento é perpassado pelas três características: o “corpus substantivo”, que seria o conteúdo propriamente dito; “os meios comunicativos”, que estão ligados à forma de transmissão (as profecias), visto que nas folias a oralidade é predominante; e a “organização social”, que são as relações sociais em que esse conhecimento está inserido, como ele será transmitido e quem será o futuro mestre. Este processo ritual é passado de geração para geração de devotos através dos giros da folia; sendo assim, o fundamento é um elemento estruturado, mas dinâmico. Para compreender melhor este conjunto de conhecimentos multifacetados, Luzimar Pereira (2014PEREIRA, Luzimar. 2014. “O giro dos outros: fundamentos e sistemas nas folias de Urucuia, Minas Gerais”. Mana (Rio de Janeiro), 20(3), 545-573. https://doi.org/10.1590/S0104-93132014000300005
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) sinalizou que, por mais que o fundamento seja uma estrutura alicerçada em um mito originário, ele é apropriado de diversas formas pelos diferentes grupos de foliões, pois cada um tem seu “sistema”7 7 “Sistema” é uma categoria nativa analisada através de seu potencial analítico por Luzimar Pereira (2014). próprio. O “sistema” é a agência operacional de cada grupo na organização de suas Folias de Reis manifestas em seus toques, cantorias, vestimentas e cortejos. Dessa forma, temos o entendimento da relação de estrutura e agência através do fundamento e dos “sistemas” dentro da Folia de Reis.

De acordo com o mestre Fumaça, o fundamento da folia está calcado nas passagens bíblicas que mencionam a jornada dos três Reis Magos do Oriente para o cumprimento da missão sagrada de adorar o menino Jesus e, em seguida, anunciar o nascimento do salvador à humanidade. Para a realização deste feito, foi necessária uma peregrinação de doze dias, por onde as deidades passaram, receberam a assistência dos moradores que ofereciam pouso em suas residências.

Para que os três Reis pudessem se aproximar da casa dos devotos, eles começavam a tocar uns instrumentos, como se estivessem em festa! Assim os moradores não teriam medo de se relacionar com pessoas desconhecidas, oferecendo comida e um teto para eles dormirem. Por onde os santos passavam, eles falavam que estavam indo adorar o menino Jesus.

Ainda nessa narrativa, o mestre menciona que os Santos Reis só realizavam sua jornada à noite, pois eles estavam seguindo a estrela guia. Neste caso, para se aproximarem da casa dos moradores, precisavam tocar seus instrumentos para acordar os residentes. Estes, ao ouvirem o som da música, acendiam seus candeeiros e iam ver o que se passava na frente de seus portões.

Os devotos anfitriões partilham dessa mesma narrativa do fundamento: eles se projetam no tempo-espaço ritual, tornando-se os moradores que ofereceram pouso aos Santos Reis. Para isto, precisam estar no interior de suas casas com as luzes apagadas, aguardando para que “a zuada dos instrumentos dos foliões” os acordem.

Quando os foliões chegam à porta de uma residência, eles começam a tocar seus instrumentos e o mestre inicia uma profecia:

Nessa noite os folião/Em sua porta parou/Pra trazer uma lembrança dos três reis/quando procurava o Deus Menino/Meu devoto da morada/Eu vou entrar mais meus folião/Nós estamos aqui parado/Na sombra do seu telhado Mas nos deu a porta aberta/com prazer e alegria/Demostrando que é devoto/da santa Virgem Maria/Foi ela que trouxe ao mundo/o verdadeiro messias/Vossa porta está aberta/recebe a nossa bandeira.

O anfitrião fica próximo à porta para poder corresponder a cada trecho da profecia entoada, como acender a luz da varanda, abrir as janelas e portas, recepcionar a bandeira. No trecho “recebe a nossa bandeira”, o patriarca da casa ou sua esposa recebe das mãos da bandeireira o símbolo máximo da folia. São os anfitriões que levam o santo para algum lugar central e seguro da sala para depositá-lo em uma cadeira ou em um altar improvisado, pois o santo precisa ficar em algum lugar elevado na casa (Bitter, 2010BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP.). O mestre é o maestro que rege todas as performances através das profecias entoadas, é ele quem guia o código de conduta de seus foliões e dos anfitriões no momento da chegada à casa das pessoas.

A construção dos versos entoados dentro do recinto visa dialogar com a representação do presépio improvisado na casa dos devotos. Eles remetem às passagens bíblicas sobre o trajeto feito pela Sagrada Família e pelos Santos Reis em sua missão sagrada de adorar o Deus Menino. Os versos são profecias, pois, ao entoá-los, os foliões estão abençoando o devoto e a morada com as palavras (Chaves, 2009CHAVES, Wagner Neves Diniz. 2009. A bandeira é o santo e o santo não é a bandeira: práticas de presentificação do santo nas folias de reis e de São José. Rio de Janeiro, 2009, Tese de Doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.: 239). Quando há outros santos próximos ao presépio, o mestre esforça-se para performatizar trechos que remetam à vida desses personagens, como é o caso do encontro dos foliões da Bandeira Nova Flor do Oriente com o quadro da Santa Ceia no presépio de um devoto:

Deus te salve a vela acesa/ que a nós a representa/ Aquela estrela abençoada/ que brilhou no Oriente/ Vamos salvar o seu cálice/ cheio de água doce/ Que Jesus a separou/ e tirou daquela salgada/Para seu filho matar a sede/onde ele estiver/ Pai, filho e Espírito Santo/ Jesus, José e Maria/ Vou saldar seu quadro santo/ com os versos da profecias/ Com os apóstolo reunido/ Foi a palavra do Senhor/Pai nosso que está no céu/ A santa ceia começou/Jesus por ser o mestre/ Na cabeceira da mesa sentou/ E os apóstolos sempre ao seu lado/nas oração do senhor/ Comece ao centro da mesa/Jesus foi escalado/ Ergo meu joelho em terra/Deus abençoe nossas palavras/ Bendito louvado seja/ Cumprimos nossa missão/Levantando por ser devoto/ Cumprindo a obrigação [Apito marcando o encerramento].

Ao término da cantoria, o mestre e seus foliões começam a abraçar e cumprimentar cada um dos seus anfitriões; logo após, inicia-se a distribuição de comida e bebida entre os devotos.

EXTENSÕES DA CASA: O DOMÍNIO DOS ANFITRIÕES

A visita do mestre estende-se não só à casa do devoto, mas à rua do bairro. A qualidade de ser um dos “atendidos pelo mestre e sua folia” não se limita ao núcleo familiar. A moradia visitada carrega a identidade da “casa de fulano que recebe a folia”. Eu percebi a importância desse título numa conversa corriqueira em uma festa de aniversário, em que um rapaz me informou: “lá na minha rua também tem Folia de Reis, pelo menos no período do Natal tem a casa de uma pessoa lá que todo ano eles tocam”.

Para participar do evento, o devoto organiza-se para ofertar dinheiro e comida ao santo e seus foliões, mas tais preparativos não se limitam apenas a esses sujeitos. Em meu trabalho de campo, pude compreender que, no entorno das casas que recebem a Folia de Reis Nova Flor do Oriente, um amontoado de vizinhos aguarda pelo entoar das cantorias. Geralmente, o anfitrião vai à casa de seus vizinhos para avisá-los do evento que ocorrerá de madrugada. Essa medida é tomada pelos mais variados motivos: para explicar o que é receber a folia; para não se assustarem com a cantoria; para demonstrar o prestígio; para os demais devotos poderem se encontrar com o santo. Neste aspecto, não é de se admirar encontrar a rua cheia de crianças e adultos esperando pela Folia de Reis no período da madrugada na periferia.

Quando a Bandeira Nova Flor do Oriente entra no quintal das casas, há a possibilidade de os vizinhos e demais espectadores acompanhá-la. O terreno do devoto também se torna uma extensão da casa, tal como sugerem Vogel, Mello e Santos:

Em determinados momentos o quintal pode metamorfosear-se em local de festa e reuniões, abrindo-se às pessoas que, não sendo do grupo doméstico, são, no entanto, da casa - amigos, compadres e comadres, parentes e etc. Nessas ocasiões, vira uma sala informal. O traço da união lógica entre quintal e sala é, então, a hospitalidade (Vogel; Mello; Santos, 1985VOGEL, Arno e MELLO, Marco Antônio da Silva; SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos (orgs.). 1985. Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro, FINEP.: 50).

Esses locais metamorfoseiam-se para receber os santos, os foliões, os devotos, vizinhos e demais pessoas. Refiro-me “aos demais”, pois me incluo como pesquisador e acompanhante da folia, mas indico também os transeuntes do período da madrugada, como bêbados e moradores de rua. No período da realização do campo, vi isso acontecer algumas vezes. Os anfitriões acolhem todos e oferecem tanto comida quanto bebida; aqueles sujeitos tentam uma interação com os demais presentes, mas acabam por ficar deslocados somente observando.

Existem muitas variações das formas de receber as folias de casa para casa, assim como na análise de Luzimar Pereira (2013PEREIRA, Luzimar Paulo. 2013. “À mesa com os santos: A noção de “fartura” nas folias de Urucuia (Minas Gerais) ”. In GONÇALVES, José Reginaldo; GUIMARÃES, Roberta Sampaio; e BITAR, Nina Pinheiro. A alma das coisas: patrimônios, materialidade e ressonância. Rio de Janeiro, MauadX/Faperj.) sobre os sistemas de organizações das refeições coletivas durante as realizações das folias urucuianas. O autor demonstra o quanto o sistema de organizações das mesas de comida coloca em questão o prestígio dos “imperadores”8 8 Os imperadores são os principais mantenedores das Folias de Reis urucuianas, os giros iniciam e encerram em suas casas. e as avaliações da qualidade de suas festas. Em relação às casas visitadas pela Folia de Reis, pude perceber que, quanto maior é o quintal ou a varanda da casa, maior é a possibilidade de organização espacial das mesas de comida nesses ambientes. A mesa com as louças, panelas de comida e pratos de aperitivos para os foliões, familiares e convidados é exposta na varanda, de modo que, quanto maior o poder aquisitivo do anfitrião, maior é a exibição de tipos variados de comida e as marcas de refrigerantes. As cadeiras próximas à mesa são reservadas para o mestre, contramestre, bandeireira e os anfitriões, que podem se servir diretamente. Ao tomar as normas de etiqueta analisadas por Pitt-Rivers (2012)PITT-RIVERS, Julian. 2012. “The law of hospitality”. HAU: Journal of Ethnographic Theory (London), 2(1), 501-517. https://doi.org/10.14318/hau2.1.022
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, percebo que é dada a importância da proximidade do anfitrião para com o hóspede. Essa proximidade, que enaltece um aspecto de hospitalidade, também exerce uma função de controlar o hóspede, evitando assim um possível desentendimento ou conflito. A todo o momento, o anfitrião pergunta ao mestre e seus foliões se eles “estão sendo bem servidos” ou “se estão precisando de alguma coisa”. O posicionamento do anfitrião junto ao mestre denota hierarquia, respeito, mas também controle de qualquer tipo de hostilidade. Essa relação estende-se para os mais variados tipos de atendimento ao hóspede, por exemplo: se houver alguma reclamação sobre o sabor da comida ou se as bebidas estão esquentando.

As demais pessoas sentam um pouco mais distantes da mesa, a disponibilização das cadeiras sendo um demarcador da condição social do anfitrião. Quanto maiores a casa, a varanda e o número de assentos disponíveis, maior é a possibilidade de demonstração de sua condição social. O anfitrião disponibiliza não apenas cadeiras, mas distribui espacialmente os sofás e as poltronas pela varanda, visando assim oferecer acomodação aos foliões. As dádivas vão além das ofertas de comida e dinheiro aos santos; oferecer comodidade e descontração encontra-se dentro das “normas de etiqueta” do devoto anfitrião.

No tocante à questão da etiqueta, é importante ressaltar que há toda uma lógica que pode ser compreendida pelo que Pitt-Rivers (2012)PITT-RIVERS, Julian. 2012. “The law of hospitality”. HAU: Journal of Ethnographic Theory (London), 2(1), 501-517. https://doi.org/10.14318/hau2.1.022
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chama de “lei da hospitalidade”. Pitt-Rivers compreende a “lei da hospitalidade” como um conjunto de códigos sociais universais que visam estabelecer uma relação entre o anfitrião e o hóspede. O hóspede deve honrar seu anfitrião consumindo o que lhe for oferecido e não usurpar o lugar do dono da residência; já o anfitrião deve honrar seu hóspede oferecendo seu melhor, defendendo-o e protegendo-o. A “lei da hospitalidade” tem por finalidade amenizar os conflitos fundados em uma relação ambivalente buscando a ordem e tornando o desconhecido conhecido. Para Pitt-Rivers, a “lei da hospitalidade” é uma categoria de análise universal que pode ser aplicada para compreender tanto sua etnografia realizada entre os pueblos da Espanha quanto as comunidades esquimós analisadas por Boas.

Somando à análise das normas de etiqueta, Donald Pierson traz a possibilidade de compreensão da apropriação dos espaços da casa pelos anfitriões. Em sua monografia Cruz das Almas (1966), esse autor propõe entender os espaços públicos e privados dentro da casa através do convite para um “cafezinho”. Nesta lógica, existem espaços dentro da casa em que o anfitrião pode receber seu convidado estabelecendo uma espécie de gradação de acordo com o grau de intimidade entre os dois. Quanto maior a relação de amizade entre anfitrião e convidado, mais inserido no espaço privado este último se encontrará. Para dar mais consistência a esse argumento, posso exemplificar a varanda ou a sala como um espaço para receber os convidados com menor grau de afinidade, obtendo dessa forma uma configuração de controle desses hóspedes e impedindo que eles se aproximem dos espaços mais privados da moradia. Já em caso de maior afinidade entre os dois, o “cafezinho” pode ser servido em espaços mais privados, no exemplo apontado por Pierson: a cozinha. Esses estudos proporcionaram-me o refinamento do olhar etnográfico para o desenvolvimento de chaves de leitura a fim de entender as formas de receber a bandeira e a Folia de Reis. Além de assegurar uma melhor recepção e comodidade aos foliões, os anfitriões organizam-se para transformar suas varandas e espaços públicos em extensões das zonas privadas da moradia. Neste aspecto, os sofás e as poltronas são a possibilidade de transformação desse espaço público em privado.

Os demais foliões que se acomodam nesses assentos são servidos pelos familiares dos anfitriões, porém, caso queiram comer mais, podem se direcionar à mesa para servir-se. Da mesma forma que os donos da casa se posicionam próximos ao mestre, os demais convidados têm a companhia dos familiares dos anfitriões, como filhos e parentes próximos, que se colocam à disposição, conversando e os entretendo. Os filhos e parentes dos anfitriões também se enquadram no perfil de controladores de qualquer tipo de hostilidade em relação à organização da refeição e vigia da casa.

Um exemplo foi o campo realizado na madrugada do domingo 29 de dezembro de 2013. Era a primeira casa, em um terreno grande, cheio de plantas, no bairro do Colubandê, município de São Gonçalo, que iria receber a folia. A residência destacava-se na região pelo tamanho da casa e do terreno, ambos pertencentes a Mario. O devoto era dono de um depósito de bebida na mesma rua. Seus parentes amontoavam-se na varanda para ver a chegada. Na parte da frente da casa, as portas e janelas estavam fechadas, aguardando a cantoria para serem abertas. Primeiro, foram abertas as janelas, revelando um presépio que preenchia uma mesa de jantar, com doze imagens com 30 centímetros de altura cada. Do lado de dentro, estavam o dono da casa, acompanhado da esposa e de seus dois filhos, mais uns dois senhores. Após o recebimento da bandeira, ele se posicionou ao lado direito do presépio. Ao final da cantoria, o dono da casa depositou a bandeira em uma cadeira ao lado do presépio.

A apropriação dos territórios da casa ocorre de maneira inversa quando relacionamos à classe social menos favorecida. Quanto menor é o poder aquisitivo do anfitrião, mais a recepção dos foliões acontece no interior da casa. Nestas casas, a comida é exposta na mesa da cozinha e os convidados que comem à mesa são: o mestre, o contramestre, a bandeireira e os anfitriões. A lógica da etiqueta é a mesma analisada acima, sendo os demais convidados acomodados nos sofás dentro da sala, nos quartos da casa e varanda, mas sempre acompanhados de algum parente do anfitrião obedecendo aos padrões analisados. Esses parentes exercem a mesma função de servir, caso o folião necessite de algo.

No tocante à questão da “fartura”, a comida exposta na mesa denota o poder aquisitivo do devoto anfitrião. Na visita à casa do senhor Hélio no bairro do Colubandê, ele se orgulhava em dizer aos convidados: “pode comer à vontade, se não quiser frango, tem carne à vontade! É pra comer de se fartar!”. Oferecer abundância em quantidade e variedade de tipos de comida é uma forma de retribuir as “dádivas” dos santos através da comensalidade.

As categorias analíticas de Pitt-Rivers (2012)PITT-RIVERS, Julian. 2012. “The law of hospitality”. HAU: Journal of Ethnographic Theory (London), 2(1), 501-517. https://doi.org/10.14318/hau2.1.022
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e Donald Pierson (1966PIERSON, Donald. 1966. Cruz das almas. São Paulo, José Olympio.) são substanciais para a compreensão dos movimentos e articulações dos anfitriões para a manutenção da ordem no ambiente festivo da casa. Existe um código de etiqueta que rege e delimita as formas de tratamento para os foliões e o santo, manifestando-se na hierarquia da organização dos assentos e lugares à mesa, além dos posicionamentos estratégicos assumidos pelos anfitriões ao lado de seus convidados. A bandeira também recebe um tratamento singular, sendo dedicado a ela um lugar especial na casa, sempre ao lado de um oratório ou de um presépio. A elaboração para ocupação dos espaços da casa é conduzida pela interpretação que anfitriões realizam do fundamento. Pensando nas trocas realizadas entre os foliões e os anfitriões, as “tradições de conhecimento” (Barth, 2000BARTH, Fredrik. 2000. “An anthropology of knowledge”. Current Anthropology (Chicago), 43(1), 1-18. https://doi.org/10.1086/324131.
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) ajudam-me a entender como tais códigos de etiquetas são transmitidos entre os devotos no ato do recebimento da bandeira. As profecias entoadas pelo mestre e seus cantadores são os “meios comunicativos” que auxiliam o devoto nas formas de como se portar ao atender os foliões à porta de sua casa.

RECEBER E OFERTAR

De 2010 a 2016, pude perceber a existência de uma “rede” de sociabilidades que permite a manutenção das Folias de Reis através de seus giros. Os anfitriões pertencem a um entrecruzamento de relações sociais que se estende por meio da continuidade de suas devoções aos Santos Reis. Para a compreensão da categoria analítica “rede”, aproximo-me da noção de Alain Caillé:

A rede é o conjunto das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou de camaradagem, permite conservar e esperar confiança e fidelidade. Mais do que em relação aos que estão fora da rede, em todo caso. A única coisa que falta a priori nessas análises é reconhecer que essa aliança generalizada que constitui as redes, atualmente como nas sociedades arcaicas, só se cria a partir da aposta da dádiva e da confiança (Caillé, 1998CAILLÉ, Alain. 1998. “Nem holismo nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva”. Revista Brasileira de Ciências Sociais (São Paulo), 13(38), 5-38. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69091998000300001
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: 65).

A manutenção dessa rede de sociabilidade é estabelecida pela fidelidade e confiança que existem entre todos os devotos e foliões envolvidos, para que assim possam continuar se relacionando com os três Reis Magos.

Nos discursos dos devotos anfitriões mais antigos, majoritariamente a devoção se inicia através de uma promessa feita aos Santos Reis. Mas o pagamento de promessas que duraria o período de sete anos estende-se por toda uma vida e acaba por envolver os demais familiares. Neste aspecto, Renata Menezes (2004MENEZES, Renata de Castro. 2004. A dinâmica do sagrado: rituais, sociabilidade e santidade em um convento do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará.) traz a possibilidade de ampliar a perspectiva sobre a devoção aos santos para além do pagamento de promessas: “a relação de devoção envolve o pragmatismo, isto é, o atendimento de pedidos que se quer alcançar, mas também um processo de identificação dos devotos com os santos” (Menezes (2004MENEZES, Renata de Castro. 2004. A dinâmica do sagrado: rituais, sociabilidade e santidade em um convento do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará.: 238).

É uma relação de devoção que extrapola a noção de pagamento de promessas, as pessoas participam dos giros das folias manifestando o caráter de afinidade com as entidades. São devotos praticantes das folias ou na manutenção destas, porque eles se identificam com os santos e com a realização da missão deixada por estes.

As pessoas que estão dentro deste tempo ritual (Turner, 2013TURNER, Victor. 2013. O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis, Vozes.) que coloca em circulação pessoas e dádivas (Brandão, 1977BRANDÃO, Carlos Rodrigues. 1977. “A folia de reis de Mossâmedes”. Cadernos de Folclore da Funarte (Rio de Janeiro), 20, 1-33.; 1981BRANDÃO, Carlos Rodrigues. 1981. “Sacerdotes da viola”. Petrópolis, Vozes.), objetos rituais (Bitter, 2010BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP.; Pereira, 2011PEREIRA, Luzimar. 2011. Os Giros do Sagrado: Um Estudo Etnográfico Sobre as folias em Urucuia. Rio de Janeiro, 7Letras.; Souza, 2020SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. 2020. Giros Urbanos: Uma etnografia da festa do arremate da folia de reis no estado do Rio de Janeiro. Belo Horizonte: Ancestre.), homens e santos (Bitter, 2010BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP.; Pereira, 2011PEREIRA, Luzimar. 2011. Os Giros do Sagrado: Um Estudo Etnográfico Sobre as folias em Urucuia. Rio de Janeiro, 7Letras.; Chaves, 2009CHAVES, Wagner Neves Diniz. 2009. A bandeira é o santo e o santo não é a bandeira: práticas de presentificação do santo nas folias de reis e de São José. Rio de Janeiro, 2009, Tese de Doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; Souza, 2020SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. 2020. Giros Urbanos: Uma etnografia da festa do arremate da folia de reis no estado do Rio de Janeiro. Belo Horizonte: Ancestre.) estão colaborando e contribuindo para a manutenção das realizações dos giros das folias. Os devotos estão se relacionando com os santos através dos giros das folias; ao receberem as bandeiras em suas casas, eles contribuem com a realização da missão sagrada dos devotos foliões. Mesmo que a Folia de Reis de um determinado grupo se encerre, os foliões instrumentistas pertencentes a este podem se juntar a outra folia ou dar continuidade às suas práticas religiosas abrindo a porta de suas casas para receber as bandeiras de outras folias. Em suma, a devoção manifesta no ato de sair no giro ou no recebimento das folias em suas casas insere os devotos em uma “rede” alicerçada no fundamento.

Foi em uma conversa do mestre Fumaça com um de seus devotos anfitriões que ouvi a seguinte frase: “Uma mão lava a outra e com as duas lava o rosto, já dizia o meu mestre!”. Eles estavam combinando a possibilidade de realização do giro na casa desse devoto no Natal de 2015. É nessa ocasião que o devoto consegue dar suas ofertas, materializando a retribuição às dádivas concedidas pelos santos. É nos giros da folia que as pessoas se entregam ao dar suas ofertas aos santos. Para Marcel Mauss:

A circulação dos bens acompanha a dos homens, das mulheres e das crianças, dos festins, dos ritos, das cerimônias e das danças, mesmo a dos gracejos e das injúrias. No fundo, ela é a mesma. Se as coisas são dadas retribuídas, é porque se dão e se retribuem “respeitos” - podemos dizer igualmente “cortesias”. Mas é também porque as pessoas se dão, é porque se “devem” - elas e seus bens - aos outros (Mauss, 2003MAUSS, Marcel. 2003. Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac Naify.: 263).

Desta forma, ao retribuir aos santos, as pessoas se dão e por isso precisam avisar e ser avisadas das visitas das bandeiras. Este foco nos devotos possibilitou-me responder etnograficamente como se produz a aliança entre a Folia Nova Flor do Oriente e seus devotos visitados no dia dos giros. Perceber os integrantes dessa rede de sociabilidade é compreender a ligação que cada devoto tem com a folia e, acima de tudo, com os Santos Reis Magos. A manutenção dessa rede de aliança é a garantia que esses devotos têm de continuar se relacionando diretamente com os santos através das visitações da bandeira no período dos giros.

Dentro dos giros, pude perceber que a comida exerce um papel crucial: ela também é ofertada como um elemento de “retribuição às dádivas” (Mauss, 2003MAUSS, Marcel. 2003. Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac Naify.) pelos devotos por recebem a bandeira Nova Flor do Oriente no dia dos giros. A comida exerce, ainda, um papel de agente que estabelece relações entre as pessoas e os santos dentro da festa. A devoção pode se estabelecer através do compromisso de sair em algum grupo de Folia de Reis por sete anos, ou recebê-lo em sua casa para poder pagar alguma promessa feita aos Santos Reis Magos.

A CIDADE DE SÃO GONÇALO: PALCO DAS ESTRATÉGIAS E TÁTICAS

A cidade de São Gonçalo encontra-se na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro e é reconhecida por ser detentora do segundo maior índice populacional do estado, com cerca de 1.084.839 habitantes9 9 Estimativa de 2019 de acordo com o site do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/saogoncalo/panorama). , segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O município conta com 247,709 Km² e é dividido em cinco distritos, com 91 bairros registrados pela prefeitura e mais 18 bairros reconhecidos pelos cidadãos. O índice de pobreza da população chegou a 39,86%, de acordo com os índices do censo de 2003 fornecidos pelo IBGE. É nesse quadro socioeconômico que estão inseridos tanto os devotos anfitriões quanto os componentes da Folia de Reis Nova Flor do Oriente.

Este complexo quadro de desigualdade social é agravado pelos constantes conflitos entre as facções criminosas rivais que objetivam a ocupação e o domínio das regiões periféricas da cidade10 10 Na primeira semana de 2018, foi publicado na capa do jornal O São Gonçalo o “Mapa das Barricadas” do município. Segundo o site do periódico, em menos de um dia o recurso digital já havia sido acionado por milhares de pessoas. Cf. “O mapa das ‘barricadas’ mostra onde ‘mora’ o perigo na região”. O São Gonçalo, Ano 86, quarta-feira, 3 de janeiro de 2018. . Os ecos desse conflito territorial contornam as fronteiras entre o centro e a periferia das cidades da Região Metropolitana, reservando para essas áreas os altos índices de homicídios. De acordo com o Atlas da Violência de 2019:

No Rio de Janeiro, quatro entre as seis mesorregiões figuravam, em 2017, com altas taxas de violência letal: o Sul e o Norte Fluminense; a Baixada Litorânea; e a Região Metropolitana. Entre as dez cidades mais violentas do estado, cinco se encontravam na Região Metropolitana, […] A capital fluminense possuía taxa estimada de homicídio de 35,6. Além dos problemas históricos de violência no estado, que envolvem as escaramuças entre as três facções criminosas cariocas - CV, Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando Puro (TCP) -, nos últimos anos tem aumentado muito a presença das milícias, não apenas na capital, mas em muitas cidades do interior. A guerra entre grupos de milicianos e narcotraficantes, bem como entre esses últimos, tem contribuído para aumentar o número de mortes não apenas na região metropolitana, mas em todo o estado. O governo estadual, por sua vez, por meio da sua política de segurança baseada na brutalidade e nos enfrentamentos letais anódinos, tem contribuído crescentemente para o aumento das taxas de letalidade: no primeiro semestre de 2019, a polícia foi responsável por 38% das mortes na região metropolitana (Atlas da Violência, 2019INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (orgs.). 2019. Atlas da violência 2019. Brasília/Rio de Janeiro/São Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública.: 30).

E os giros da Bandeira Nova Flor do Oriente são realizados dentro desses territórios em constante disputa pelas facções e pelo braço armado do Estado. As profecias são entoadas no período da madrugada e, para o cumprimento da missão sagrada, necessitam de acordos silenciosos entre os moradores para a manutenção da integridade física e moral dos devotos promesseiros. Para a demonstração dessas negociações subterrâneas, viso ater-me às táticas dos devotos através dos dados etnográficos analisados.

O caso mais emblemático ocorreu na favela da Chumbada em São Gonçalo, que é uma região paralela à zona central que realiza conexão com quatro bairros importantes para o município: Estrela do Norte, Galo Branco (ambos dão acesso ao centro da cidade), Mutondo e Avenida Maricá (ambas dão acesso à zona comercial da cidade, o bairro de Alcântara). Essa favela é controlada pelo tráfico de drogas, tendo um dos bailes mais conhecidos da cidade e com alto índice de violência proporcionado pelos conflitos armados. Por ser morador do município e saber dos constantes confrontos ocorridos na favela, perguntei ao mestre se não haveria nenhuma complicação ao transitarmos pelo bairro. O mestre me disse que avisaria antecipadamente aos anfitriões da bandeira por telefone e me deu algumas recomendações para circular com o carro pela região: “quando a gente entrar lá, você precisa abaixar os vidros do carro, ligar os pisca-alertas do carro, se for de noite, acender a luz de salão também! É só fazer isso que ninguém vai mexer com a gente!”. Este conjunto de informações dado pelo mestre é disseminado na periferia da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, encontra-se nos muros das entradas dos complexos de favelas indicando um mecanismo de reconhecimento e controle dos indivíduos que circulam pelo local. Em uma das ruas pela qual passei, encontrava-se a seguinte mensagem: “Acenda o pisca-alerta e abaixe os vidros, senão a gente larga o aço”; a fala impositiva significa que o motorista que não atendesse às recomendações seria alvo dos soldados do tráfico.

O caminho escolhido por Fumaça foi o bairro do Mutondo e, logo no acesso à Chumbada, encontramos o primeiro impedimento. A rua estava com uma barricada feita de toras de árvores queimadas que impossibilitavam o acesso dos automóveis. Paramos o carro e perguntamos a dois senhores que estavam na esquina conversando se poderíamos passar ou se era melhor estacionarmos ali. Eles disseram que era só afastarmos as toras e passarmos com o carro, mas que deveríamos colocá-las de volta. E assim o fizemos. No momento em que me deparei com a situação, atentei-me para os jovens de moto que estavam no bar diante da barricada, que nos observavam atentamente.

A primeira casa visitada foi a da senhora Lourdes11 11 Todos os nomes citados nesta parte do artigo são pseudônimos, para não ferir a integridade de meus interlocutores. , que aparentava uns 60 anos. Ela nos atendeu no portão e disse que seria um prazer “receber a Folia de Reis naquele fim de semana”. Perguntei se teria algum problema a folia tocar lá de madrugada, e ela me respondeu que não haveria complicações. Próximo à casa, três jovens de aproximadamente 20 anos conversavam, dona Lourdes chamou-os e disse: “ô Gabriel, esse sábado a folia vai vir aqui, chama os meninos para dar uma olhadinha aqui! Eu sei que vocês gostam!”. Os meninos aos quais dona Lourdes se referia eram os “meninos do movimento”, os indivíduos inseridos no comércio varejista de drogas nas favelas cariocas e na Região Metropolitana são denominados de rapazes do “movimento” (Barbosa, 2017BARBOSA, Antônio Carlos Rafael. 2017. “Criminalidade nas periferias segue lógica de empreendimentos liberais. Entrevista especial com Antônio Carlos Rafael Barbosa”. IHU On-line, 9 jun. 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/568504-criminalidade-nas-periferias-segue-logica-de-empreendimentos-liberais-entrevista-especial-com-antonio-carlos-rafael-barbosa.
http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/...
)12 12 A palavra “movimento” (entre aspas) utilizada neste texto é uma categoria nativa que se refere aos integrantes do tráfico de drogas na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, distanciando-se de qualquer possibilidade de relação com a categoria movimentos sociais. . A região em que estávamos era completamente fiscalizada pelos soldados do tráfico. A cada esquina pela qual passávamos de carro, víamos pelo menos três rapazes, todos muito jovens. Nenhum carregava arma de fogo exposta, fora um jovem de aproximadamente 18 anos que estava à porta do centro de candomblé ao qual nos dirigimos para avisar sobre o giro. Quando nos aproximamos do portão, esse mesmo rapaz empunhou uma arma de fogo em uma mão e um rádio em outra. Ele me pediu para que levantasse a camisa, para notificar-se que eu não estava carregando nenhuma arma na cintura. O mestre disse que estava ali para falar com a mãe Rosinha, então o rapaz se pôs a bater no portão com agressividade até que uma das filhas da dona do terreiro abriu a porta e conversou com os rapazes do movimento.

Após esse incidente, direcionamo-nos à casa da última pessoa a ser avisada sobre o giro daquele fim de semana. Logo na esquina, encontramos um casarão antigo que aparentava estar abandonado, com uma estrutura de telhado de quatro águas e uma varanda. Nele, reunia-se um grupo de dezesseis jovens que provavelmente estavam relacionados ao movimento. O casarão ficava em uma parte alta da rua, configurando-se como um ponto estratégico para visualizar qualquer transeunte na rua principal que dava acesso ao bairro do Mutondo e ao bairro Estrela do Norte. Para ir à casa do finado Fióte tivemos que passar em frente ao casarão. Chegamos a um terreno extenso que comportava um conjunto de quatro casas, todas distribuídas entre os filhos de Fióte. Quem nos atendeu foi Mauro, um senhor de 50 anos que se emocionou ao conversar com Fumaça. Ele relatava que, após a morte de seu pai, “a casa tinha treze anos que não recebia nenhuma folia”. Garantiu-nos que avisaria a comunidade sobre a visita da Folia de Reis. Neste caso, avisar a comunidade englobaria não apenas os vizinhos, mas os meninos do movimento.

Na volta para a sede, passamos pela rua que dava acesso ao bairro Estrela do Norte, eu estava tenso pela situação e perguntei ao mestre se não teria problema em realizarmos o giro naquele lugar no fim de semana pela madrugada. Fumaça respondeu-me:

Olha, a Folia de Reis sempre foi a lugares assim. Se a gente fica com medo, a gente não sai nem de casa. Mas o que nós fazemos é uma missão! É claro que se o bicho tá pegando, o pessoal dá uma ligada pra gente e avisa para não botar a folia pra dentro! Aí! Nesse caso, a gente não vai com a bandeira pra lá nesse ano, deixamos pro ano que vem. Porque o devoto também precisa receber o Reis!

Não podemos perder de vista que as realizações dos giros da folia são uma missão sagrada. Quando inquirido, o mestre utiliza-se desse argumento para enfatizar o caráter religioso de sua prática ritual. As práticas das visitas são as “táticas” utilizadas pelo mestre, mas a proteção dos santos anjos e dos Santos Reis é fundamental para o mestre e seus foliões “pra botar a bandeira na rua”.

Definitivamente, estas posturas assumidas pelo mestre e seus anfitriões não são apenas o atendimento das recomendações geradas pelo “movimento”, mas ordens que mostram a coercibilidade daqueles que querem manter o domínio hegemônico da região. Compreendo este controle violento (no sentido de violação dos direitos humanos) pelo “movimento” nas periferias das grandes cidades como a “estratégia” de Certeau (1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.).

Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de força que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos e ameaças […] (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.: 99).

São mecanismos de controle, domínio e manutenção do tempo-espaço garantidos pela presença coercitiva do panóptico foucaultiano (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.: 99) corporificada pelos “soldados do tráfico”.

É importante ressaltarmos aqui que tal disputa pela ocupação dessas regiões marginalizadas não ocorre pelo completo abandono do Estado, pois todas as áreas dos municípios são palco de lutas contínuas pelos usos públicos e políticos da cidade. Essas regiões periféricas revelam-se como zonas fronteiriças que podem ser compreendidas como as “margens do Estado”, espaços de usos criativos de redes, ocupação de espaço, circulação de coisas e pessoas (Das; Poole, 2008DAS, Veena; e POOLE, Deborah. 2008. “El estado y sus márgenes. Etnografías comparadas”. Cuadernos de Antropología Social (Buenos Aires), 27, 19-52. https://doi.org/10.34096/cas.i27.4328
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):

Paradójicamente, es en estos espacios de excepción donde la creatividad de los márgenes es visible; es aquí donde formas alternativas de acción económica y política son instituidas. Sugerir que los márgenes son espacios de creatividad no es decir que las formas que adquieren la política y la economía en estos, las cuales generalmente son formadas por la necesidad de sobrevivir, no estén cargadas de terribles peligros (Das; Poole, 2008DAS, Veena; e POOLE, Deborah. 2008. “El estado y sus márgenes. Etnografías comparadas”. Cuadernos de Antropología Social (Buenos Aires), 27, 19-52. https://doi.org/10.34096/cas.i27.4328
https://doi.org/10.34096/cas.i27.4328...
: 34).

Precisamos entender também que é necessária uma estrutura básica para o comércio varejista de drogas que garanta a manutenção da estratégia coercitiva das facções. De acordo com Antônio Rafael Barbosa: “O crime se assemelha à maior parte dos empreendimentos neoliberais. Precisa que haja Estado, mas um certo tipo de funcionamento estatal que permita o desenvolvimento de suas atividades” (Barbosa, 2017BARBOSA, Antônio Carlos Rafael. 2017. “Criminalidade nas periferias segue lógica de empreendimentos liberais. Entrevista especial com Antônio Carlos Rafael Barbosa”. IHU On-line, 9 jun. 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/568504-criminalidade-nas-periferias-segue-logica-de-empreendimentos-liberais-entrevista-especial-com-antonio-carlos-rafael-barbosa.
http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/...
: não paginado).

E é em meio a esse ambiente coercitivo e violento que as Folias de Reis da Região Metropolitana do estado circulam. Dentro deste complexo quadro, os devotos empunham e recebem a bandeira, criando seus mecanismos de ação para a realização da missão sagrada. Retomo as categorias analíticas de Michel de Certeau (1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.) para compreender os planejamentos do mestre Fumaça e as artimanhas dos moradores das zonas periféricas como “táticas” para a circulação em suas vizinhanças, mesmo estas sendo zonas de conflito.

Em suma, a tática é a arte do fraco. […] Quanto maior um poder, tanto menos pode permitir-se mobilizar uma parte de seus meios para produzir efeitos de astúcia: é com efeito perigoso usar efetivos consideráveis para aparências, enquanto esse gênero de “demonstrações” é geralmente inútil e “a seriedade da amarga necessidade torna a ação direta tão urgente que não deixa lugar a esse jogo”. O poder se acha amarrado à sua visibilidade. Ao contrário, a astúcia é possível ao fraco, muitas vezes apenas ela, como o “último recurso”: “Quanto mais fracas as forças submetidas à direção estratégica, tanto mais estará sujeita a astúcia”. Traduzindo: tanto mais se torna tática (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.: 95).

Como pude demonstrar nos casos de dona Lourdes, no terreiro de mãe Rosinha e na família do finado Fióte, as táticas dos anfitriões da Bandeira Nova Flor do Oriente é o convite aos “rapazes do movimento”. É uma ação simples, mas permite ao morador uma sequência de manobras possíveis para avisar, explicar e negociar com os soldados do tráfico a presença da folia no dia do giro. O circuito ritual das Folias de Reis na Região Metropolitana depende de táticas que acionem redes de sociabilidade e solidariedade que garantam a manutenção da integridade física e moral de todos os devotos envolvidos nesse empreendimento.

A OCUPAÇÃO DAS CALÇADAS

Na madrugada em que foi realizado o giro da folia Nova Flor do Oriente, fomos à Chumbada pelo acesso do bairro Galo Branco. Eu havia colocado meu carro à disposição para levar os foliões à casa do finado Fióte. Nesse dia, o número de foliões fez com que eu tivesse que realizar três viagens de carro para levá-los. Logo na primeira viagem, deparamo-nos com uma rua extensa com barricadas feitas de móveis velhos em cada uma das três quadras pelas quais passamos. Próximo às barricadas, havia duas pessoas sentadas auxiliadas por um piloto de moto que rodeou o carro por três vezes. Eu havia cumprido todas as dicas exigidas para o automóvel quando o piloto colocou a cabeça para dentro do carro pela janela do motorista. Perguntei se ele tinha sido avisado sobre a Folia de Reis, e ele respondeu afirmativamente. Com isso, deixei sobreaviso que teria que realizar o trajeto mais duas outras vezes; em cada uma delas, o carro passava pelas ruas, e as barricadas eram retiradas e reposicionadas. Mais adiante, em um campinho de futebol, estava ocorrendo um baile de favela com carros de som estacionados reproduzindo uma música ensurdecedora. Nesse dia, tive contato com mais de trezentos soldados do tráfico em festa. Próximo ao campinho, estavam passando duas fileiras com cerca de vinte jovens ostentando suas armas e empunhando-as acima dos ombros. Segundo Antônio Rafael Barbosa, o “baile” seria um espaço complementar às prisões, possibilitando a verticalização das relações hierárquicas. Como o autor sugere:

Por sua vez, o “baile” é representativo das alianças formadas em um “espaço liso”; alianças transversais entre “crias” de várias localidades - vapores, gerentes, soldados - que fornecem uma espécie de barragem à verticalização hierárquica das relações, ao afirmar a potência de cada um em criar suas próprias redes relacionais sem depender necessariamente de sua posição nas hierarquias dos grupos locais. Espaço das alianças dissociado das amarras de um meio disciplinar, lugar do encontro entre homens e mulheres livres (em sua possível liberdade). Alianças do futuro, feitas pelos jovens, por aqueles que irão assumir ou já estão assumindo a condução do “movimento” (Barbosa, 2008BARBOSA, Antônio Carlos Rafael. 2008. “O baile e a prisão: exame de dois espaços de sociabilidade que respondem pela dinâmica segmentar do tráfico de drogas no Rio de Janeiro”. In 26ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. 2008, Porto Seguro, ABA, Anais da 26ª RBA., não paginado.: 8).

Pude passar pelo evento por três vezes sem ter problema algum e, ao entrar em um beco que dava acesso à casa do finado Fióte, tive contato com outra dimensão da proteção proporcionada pelos devotos anfitriões: a ocupação da calçada. Os filhos, netos e bisnetos do finado estavam ocupando a calçada, conversando ao som das caixas do rádio que foram posicionadas em cima do muro voltadas para a rua, onde refrigerantes e petiscos nos foram oferecidos. Esse “enquadre” pode parecer simples, mas ele foge de todo o contexto ritual das chegadas da Folia de Reis. No contexto ritual, os moradores precisam estar dentro de suas casas fechadas com as luzes apagadas, só acendendo ao toque dos foliões e abrindo as janelas e portas respondendo à cantoria de acordo com as profecias entoadas. A ocupação da calçada inseria-se em outra lógica, era transformação de um território público em privado. Os familiares levam seus assentos, caixas de som, bebidas e comidas, transformando a calçada em uma extensão do espaço interno da casa. Porém, o diferencial, neste caso, é a “tática” utilizada pelos devotos anfitriões para garantir a integridade física e moral de seus visitantes em uma zona controlada pelo movimento. Essa é uma forma de avisar a comunidade que aquela casa está em um período festivo, além do “enquadre” da possibilidade de garantir a proteção do hóspede e controlar, na medida do possível, os prováveis conflitos com o pessoal do movimento.

Quando todos os integrantes da Bandeira Nova Flor do Oriente chegaram, os devotos da morada entraram levando consigo todas as coisas e dando início à visitação da folia naquelas residências.

As “estratégias” e as “táticas” são as ferramentas teóricas que me auxiliam a pensar as articulações dos foliões e dos anfitriões para a ocupação do espaço público em meio às zonas de conflito da cidade, as “margens do Estado”. Diferentemente das “leis da hospitalidade” de Pitt-Rivers (2012)PITT-RIVERS, Julian. 2012. “The law of hospitality”. HAU: Journal of Ethnographic Theory (London), 2(1), 501-517. https://doi.org/10.14318/hau2.1.022
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, que se concentram nas relações entre anfitrião e hóspede no espaço privado da casa, as categorias de Michel de Certeau põem à disposição chaves interpretativas para o entendimento dos mecanismos operados pelos moradores das periferias das cidades para a ocupação festiva da rua. Nesse sentido, a casa torna-se um espaço privilegiado para a manutenção da ordem festiva estabelecida pelo fundamento; em contrapartida, as incertezas proporcionadas pelo risco da rua fazem com que tanto os foliões quanto os anfitriões transgridam a “tradição de conhecimento” que rege a Folia de Reis. Mas o risco não exclui nem impossibilita o cumprimento da missão sagrada; para o fundamento, o perigo iminente nas peregrinações é complementar e instituidor das narrativas míticas sobre o nascimento do menino Jesus, a Sagrada Família e os Santos Reis. Na hagiografia dos Reis Magos, o imperador Herodes coloca seus soldados no encalço dos peregrinos para descobrirem e assassinarem Cristo. A Sagrada Família também foge para o Egito após ser avisada pelos Magos dos planos de Herodes. Desta forma, os riscos da rua são inseridos no tempo e no espaço do fundamento; conforme Roger Caillois (2015CAILLOIS, Roger. 2015.“O sagrado de transgressão: Teoria da festa”. Tradução de Carlos Eduardo Schmidt Capela. Outra Travessia Revista de Literatura (Florianópolis), 19, 15-55. https://doi.org/10.5007/2176-8552.2015n19p15
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)13 13 Nas palavras do autor: “Todos os excessos são permitidos, pois deles mesmos, como também dos desperdícios, das orgias e das violências a sociedade espera a sua regeneração, intentando assim alcançar um vigor novo da explosão e do esgotamento” (Caillois, 2015: 41-42). nos alerta, o perigo revela o caráter violento inserido no mítico festivo das Folias de Reis. As “táticas” utilizadas pelo mestre e seus anfitriões para circulação e recebimento da bandeira são as práticas que inscrevem no plano físico - através dos corpos atravessados pela devoção - o metafísico do fundamento das Folias de Reis.

CONCLUSÃO

O ciclo ritual das Folias de Reis coloca em circulação pessoas, santos, objetos, promessas, bênçãos e dádivas. E, para dar conta da diversidade presente nesta devoção, propus analisar as apropriações do fundamento feitas pelo mestre e os anfitriões da Bandeira Nova Flor do Oriente. Demonstrei como as “tradições de conhecimentos” são garantidas através de sua transmissão e manutenção pelo entoar das profecias. No tocante a esta questão, os giros da folia possibilitam que os reiseiros e seus anfitriões se insiram na cosmologia dos Santos Reis, tornando a casa um espaço duplo: o do nascimento e o da anunciação da vinda do menino Deus.

Busquei analisar etnograficamente os entraves enfrentados nas procissões dos devotos promesseiros, pois a circulação das Folias de Reis na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro ocorre, majoritariamente, nas periferias. São realizadas em zonas de conflito controladas pelo poder coercitivo do tráfico de drogas. Mas o espaço-tempo ritual também revela os mecanismos e artimanhas dos moradores dessas áreas: é através delas que o santo circula e distribui suas bênçãos e proteção.

No momento em que os foliões e os devotos ocupam a rua e a casa, elas se tornam extensões uma da outra. Mais do que uma ocupação devocional, estas festividades religiosas nos permitem enxergar atuações micropolíticas de “usos da cidade” (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.). Mesmo que as regiões periféricas sofram com a presença ostensiva da violência proporcionada pelo tráfico de drogas, este artigo propôs apontar mecanismos de atuação dos devotos anfitriões para a manutenção de suas práticas religiosas. Atuações como a ocupação das calçadas e a comunicação com os “meninos do movimento” são cruciais para a realização dos giros das Folias de Reis pela Região Metropolitana.

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  • 1
    As categorias nativas serão escritas em itálico.
  • 2
    Este ritual é descrito em toda a sua complexidade na tese A Bandeira e a Máscara, de Daniel Bitter (2010)BITTER, Daniel. 2010. A bandeira e a máscara: A circulação de objetos rituais nas folias de reis. Rio de Janeiro, 7 Letras, Iphan/CNFCP..
  • 3
    A bandeira de reis (com “b” minúsculo) é o santo que é levado junto aos foliões para realizar a anunciação do nascimento de Cristo. É uma estrutura de madeira ornada com fitas e faixas coloridas, em cujo centro são expostos santinhos ou imagens da Sagrada Família e dos santos de devoção dos foliões.
  • 4
    É o ordenamento deixado pelos Santos Reis, os primeiros foliões. Essa missão é a responsabilidade que os foliões têm de levar a bandeira/Santos Reis à casa dos devotos, anunciando o nascimento do Menino Jesus.
  • 5
    São versos de memória proferidos pelo mestre e entoados pelos foliões no período dos giros.
  • 6
    Palavras de mestre Fumaça.
  • 7
    “Sistema” é uma categoria nativa analisada através de seu potencial analítico por Luzimar Pereira (2014)PEREIRA, Luzimar. 2014. “O giro dos outros: fundamentos e sistemas nas folias de Urucuia, Minas Gerais”. Mana (Rio de Janeiro), 20(3), 545-573. https://doi.org/10.1590/S0104-93132014000300005
    https://doi.org/10.1590/S0104-9313201400...
    .
  • 8
    Os imperadores são os principais mantenedores das Folias de Reis urucuianas, os giros iniciam e encerram em suas casas.
  • 9
    Estimativa de 2019 de acordo com o site do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/saogoncalo/panorama).
  • 10
    Na primeira semana de 2018, foi publicado na capa do jornal O São Gonçalo o “Mapa das Barricadas” do município. Segundo o site do periódico, em menos de um dia o recurso digital já havia sido acionado por milhares de pessoas. Cf. “O mapa das ‘barricadas’ mostra onde ‘mora’ o perigo na região”. O São Gonçalo, Ano 86, quarta-feira, 3 de janeiro de 2018.
  • 11
    Todos os nomes citados nesta parte do artigo são pseudônimos, para não ferir a integridade de meus interlocutores.
  • 12
    A palavra “movimento” (entre aspas) utilizada neste texto é uma categoria nativa que se refere aos integrantes do tráfico de drogas na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, distanciando-se de qualquer possibilidade de relação com a categoria movimentos sociais.
  • 13
    Nas palavras do autor: “Todos os excessos são permitidos, pois deles mesmos, como também dos desperdícios, das orgias e das violências a sociedade espera a sua regeneração, intentando assim alcançar um vigor novo da explosão e do esgotamento” (Caillois, 2015CAILLOIS, Roger. 2015.“O sagrado de transgressão: Teoria da festa”. Tradução de Carlos Eduardo Schmidt Capela. Outra Travessia Revista de Literatura (Florianópolis), 19, 15-55. https://doi.org/10.5007/2176-8552.2015n19p15
    https://doi.org/10.5007/2176-8552.2015n1...
    : 41-42).
  • Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2019
  • Aceito
    02 Jun 2020
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