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A maldição da tolerância e a arte do respeito nos encontros de saberes - 2ª. Parte

The curse of tolerance and the art of respect in the encounter of knowledges - 2nd. Part

RESUMO

A partir de uma retomada analítica da noção de respeito tal qual aparece principalmente nas religiões de matriz africana e em outros coletivos afroindígenas, este artigo pretende mostrar não apenas a centralidade dessa noção para as práticas vinculadas a essas tradições, como, a partir daí, conectar a noção com a própria prática da antropologia. Por meio de uma cuidadosa justaposição entre filósofos, escritores, pensadores indígenas, afroindígenas, quilombolas e afro-brasileiros, especula-se, assim, a possibilidade de uma relação mais respeitosa com outras práticas de conhecimento, capaz de contribuir para uma renovação das nossas. A experiência dos chamados encontros de saberes funciona, nesse sentido, como um meio a partir do que se tenta pensar essas questões de modo a estabelecer uma relação transversal com as práticas com as quais se busca dialogar. Ou seja, uma relação definida pelo mais absoluto respeito diante das fronteiras que temos que cruzar para estabelecer esse diálogo, e pela vergonha diante de qualquer possibilidade de assimilar ou destruir aquilo com o que se pretende estabelecer uma relação.

PALAVRAS-CHAVE
Afroindígenas; cosmopolítica; encontro de saberes; racismo; religiões de matriz africana; respeito; tolerância

ABSTRACT

Based on an analytical elaboration of the notion of respect, as it is formulated in African American religions and other afroindigenous groups, this article seeks to display the centrality of this notion in the practices linked to these traditions and, from that point onwards, to connect this notion with the practice of anthropology itself. Through a careful juxtaposition between philosophers, writers, indigenous, afroindigenous, Quilombola and Afro-Brazilian thinkers, we speculate about the possibility of a more respectful relationship with other practices of knowledge. A relationship that would be capable of contributing to the renewal of our own practices of knowledge. In this sense, the experience of the so-called "Encounters of Knowledges" works as a context from which we set out to think about these issues in order to establish a transversal relationship with the practices with which we seek to dialogue. A relationship defined by the most absolute respect for the frontiers that we have to cross in order to establish this dialogue, as well as by the shame against any possibility of assimilating or destroying that what we intend to establish a relationship with.

keywords
Afro-indigenous; cosmopolitics; encounter of knowledges; racism; African american religions; respect; tolerance

O RESPEITO E O RITUAL

Não é difícil perceber a proximidade entre essa arte do respeito e práticas rituais que podem se configurar, também, como uma verdadeira arte ritual. Podemos mesmo dizer que o respeito deve ser incorporado a toda prática ritual como uma cuidadosa arte da dosagem, ou seja, da composição de relações de aproximação e afastamento entre diversas forças espirituais. Essa arte requer atenção, mas, como tudo o mais — e seguimos com as religiões de matriz africana como o caso que nos faz pensar — ela não inclui entre suas obrigações a necessidade de coincidir entre os diferentes terreiros ou casas de religião. Cada casa é sempre um caso (Barbosa Neto, 2012BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. 2012. A máquina do mundo: variações sobre o politeísmo em coletivos afro-brasileiros. Rio Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ. Tese de Doutorado.: Introdução). Mas é provável que em muitos desses casos, senão em todos, uma certa vizinhança entre a potência e a vulnerabilidade, presente de modo muito importante nessa arte ritual, nos permita pensar que aquilo que se ganha e se cria na vida, não é vivido como se estivesse ganho e criado de uma vez por todas. É possível, aliás, que o ritual ofereça uma imagem da existência como alguma coisa pela qual jamais se pode parar de lutar, porque afinal, nas religiões de matriz africana o que é "dado" também tem que ser sempre e continuamente "feito" (Goldman, 2012GOLDMAN, Marcio. 2012. "O dom e a iniciação revisitados: o dado e o feito em religiões de matriz africana no Brasil". Mana. Estudos de Antropologia Social, vol. 18, n. 2: 269-288. DOI 10.1590/S0104-93132012000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-9313201200...
). A complexa temporalidade implicada nos ritos de iniciação, que nas casas de batuque com as quais um de nós conduziu sua pesquisa podem ser designados como "fazer o chão", parece testemunhar nessa direção. Pensamos que a frase de Pai Ricardo, "o tempo caminha comigo e eu caminho com o tempo", é também um enunciado ritual.

Pai Radamez Guterres (Mano de Oxalá), de Pelotas, no Rio Grande do Sul, contava a história de um jovem que era periodicamente acometido por terríveis convulsões, no início interpretadas como crises de epilepsia. Elas ocorriam a qualquer hora do dia, e os médicos, depois de inúmeros exames, não conseguiram identificar a razão do problema. A mãe do jovem solicitou a ajuda de Mano de Oxalá. Tão logo "abriu os búzios", ele viu que era Oxalá, orixá do rapaz, que estava querendo comer, e por isso se aproximava violentamente do seu corpo, jogando-o no solo, fazendo-o contorcer-se em surtos que muitas vezes o deixavam bastante machucado. O jovem foi para o "chão". Feito, contudo, o ritual, nunca mais pôde deixar de fazê-lo novamente. O retorno periódico do rito orienta-se pelo propósito de impedir o retorno de todos aqueles sintomas, sugerindo que a descontinuidade entre o "antes" e o "depois", muitas vezes pressuposta pelo modelo do rito de passagem, é um pouco mais complicada do que parece.

Se a iniciação muitas vezes ocorre em função de eventos que começaram antes dela, isso nos permite pensar que a pessoa que irá se iniciar já se encontra, de algum modo, no interior da "religião". Iniciar-se, nesse caso, não é simplesmente, ou não é apenas, fazer a pessoa entrar, masredefinir a sua maneira de já estar dentro. Existe um "antes" antes do "antes" da iniciação. A ruptura, contudo, não se complica apenas para trás, no momento de definir onde passa o corte, mas também, e talvez sobretudo, para frente, naquilo que acontece depois do corte. Ocorre que a iniciação sempre põe a delicada questão de sua própria continuidade. Se ela é uma prática que visa a pôr termo a uma série de eventos negativos na vida de alguém, não se pode achar que uma vez alcançado esse resultado tudo então estará resolvido, tendo-se a partir daí a segurança de que tais eventos não poderão voltar. Até o fim da vida essa pessoa deverá repetir periodicamente o "chão", submetendo-se a ritos cuja estrutura é em tudo semelhante à do primeiro. "A precariedade do equilíbrio entre o iniciado e suas divindades", tal como descrita por Halloy (2005: 425, 621)HALLOY, Arnaud. 2005. Dans l'intimité des Orixás. Corps, rituel et apprentissage religieux dans une famille-de-saint de Recife, Brésil. Thèse de Doctorat. Bruxelles / Paris, ULB-Bruxelles / EHESS-Paris., nos permite entender que, se o objeto da iniciação pode ser a criação de uma "divina proporção" (Vogel, Mello e Barros, 2001VOGEL, Arno; MELLO, Marco Antônio da Silva; BARROS, José Flávio Pessoa de. 2001. A Galinha d'angola: iniciação e identidade na cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas.: 52), muitas vezes orientado por um propósito de natureza terapêutica, o ritual não é invulnerável ao seu próprio efeito, e assim, como se pode notar, ele não pode interromper definitivamente a circunstância que o gerou, mas sim inseri-la em uma série de transformações contínuas cuja interrupção pode provocar o retorno à situação anterior.

O ritual, portanto, não introduz nenhuma solução por ruptura definitiva, mas pela repetição contínua de si mesmo, isto é, pela repetição da transformação que é o seu efeito (como já antevisto por Lévi-Strauss, 1971LÉVI-STRAUSS, Claude. 1971. L'Homme Nu. Paris: Plon.). O depois seria assim como a continuação da diferença entre o "antes" e o "depois". A descontinuidade que ele produz é inseparável da sua continuidade. Pensamos, por exemplo, que o "cuidado com o santo" (Rabelo, 2014RABELO, Miriam. 2014. Enredos, Feituras e Modos de Cuidado. Dimensões da Vida e da Convivência no Candomblé. Salvador: EDUFBA.), que estabelece entre a pessoa e o seu orixá um conjunto de relações e obrigações cotidianas, pode ser interpretado como a continuação da iniciação por outros meios; ela parece pouco eficaz fora de tudo aquilo que se segue a partir dela, e que é a sua reativação em planos que podem ser seus análogos rituais ou mesmo que tenham com ela uma relação mais heterogênea, como parece ser o caso do "cuidado".

Os "cuidados com o duplo", na expressão de José Carlos dos Anjos (2001: 147)ANJOS, Jose Carlos Gomes dos. 2001. O corpo nos rituais de iniciação do Batuque. In LEAL, Ondina Fachel (org.). Corpo e significado: ensaios de antropologia social. Porto Alegre: Editora da UFRGS. pp.137-151., exigem uma atenção cotidiana redobrada, como evitar que se passe "com um copo contendo bebida alcoólica sobre a cabeça do iniciado", não aceitar que se toque nela "por motivos fúteis", etc. No Batuque gaúcho, há pessoas que evitam, em qualquer circunstância, ingerir líquidos muito quentes, pois isso poderia "espantar o orixá". É necessário, em todos esses casos, respeitar o prato no qual come o orixá. Do mesmo modo, jamais se pode permitir que uma mulher menstruada corte os cabelos de alguém cuja cabeça é compartilhada com uma divindade. Pai Luis da Oyá costumava dizer que é preciso ter muito cuidado com quem se cortam os cabelos, pois, face à relação direta que mantêm com a "bandeja do santo", poderiam ser facilmente utilizados para fazer algo contra a pessoa.

Não se trata, portanto, de dizer que aquela diferença entre um "antes" e um "depois" não existe e sim de dizer que ela deve ser continuamente retomada, inclusive por esses gestos mínimos que são como a existência do rito até mesmo quando se está, aparentemente, fora dele. O ritual não cria a diferença sem deixar de criar a sua repetição. Em outras palavras, a passagem criada pela prática ritual obriga a pessoa a passar continuamente por ela, o que retira do "rito de passagem" sua eventual dimensão passageira, constituindo o cuidado, ou o respeito, como objeto de uma atenção que se confunde com a própria vida.

Pensamos que o respeito, nessa acepção que o vincula à "arte do cuidado" de que falamos acima, está muito próximo da experiência que Donna Haraway (2007: 88)HARAWAY, Donna. 2007. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press. procurou caracterizar ao fazer uso dessa mesma palavra. Respeito, como ela lembra, é respecere, "olhar de volta", "manter em consideração". É precisamente o oposto da indiferença e da tolerância, que autorizam respectivamente a negligência e a consideração fingida. Haraway chega a essa formulação pelo enfrentamento de um problema situado no que ela denomina "tornar-se com" e que envolve um conjunto de questões, de vida e de morte, que podem emergir "quando espécies se encontram" (Haraway, 2007HARAWAY, Donna. 2007. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.). "Tornar-se com", em certas conexões entre humanos e animais, supõe encontros que podem criar problemas que fazem hesitar diante das soluções disponíveis. Experiência, claro, em nada estranha ao universo das religiões de matriz africana.

Uma dessas situações é o uso experimental de animais em laboratórios, mas também os casos de criação de animais para o abate em uma escala que pode ser a da produção industrial de carne, embora não se limite a ela. Diante dos horrores do "complexo industrial de carnes", desses "porcos forçados a viver e a morrer em indústrias de criação", Haraway (2011: 397; 2007)HARAWAY, Donna. 2011. "Companhias multiespécies nas naturezaculturas: uma conversa entre Donna Haraway e Sandra Azerêdo". In: MACIEL, Maria Esther (org.). Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: Editora UFSC. pp. 389-417. se pergunta: "por que não sou uma ativista feminista vegana? Como eu e outras pessoas ousamos matar e comer porcos?". Trata-se de uma questão que ela formula exatamente por sentir sua resistência a ser respondida, uma questão cujo efeito depende de sua permanência como questão, para a qual uma resposta, portanto, interromperia o processo decisivo: pensar diante de algo cuja existência está no limite do que se pode pensar.

E é na relação com esse limite que Haraway (2007: 80, 105,106)HARAWAY, Donna. 2007. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press. também se pergunta se o princípio judaico-cristão do "não matarás" não teria que ser recolocado como um "não tornarás matável". Se seria "possível, individual e coletivamente, matar com respeito não inocente, ou se isso é uma desculpa para recusar a profundidade da mudança necessária, especialmente, mas não apenas, nas regiões ricas do mundo?". Somente "sob condições estritas de prática natural-cultural, sociomaterial", ela afirma que é possível sustentar "que gerar e matar porcos para comer pode ser matar sem tornar matável" (Haraway, 2011HARAWAY, Donna. 2011. "Companhias multiespécies nas naturezaculturas: uma conversa entre Donna Haraway e Sandra Azerêdo". In: MACIEL, Maria Esther (org.). Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: Editora UFSC. pp. 389-417.: 397).1 1 Em um fascinante romance (City of illusions, Cidade de ilusões) onde vislumbramos uma possível inspiração para as reflexões de Donna Haraway, Ursula K. Le Guin descreve a conquista do planeta Terra em um futuro distante por um povo alienígena capaz de mentir telepaticamente e que praticamente só conhece uma regra absolutamente inviolável que é imposta a ferro e fogo: não matar. O que não impede que destruam tudo o que a eles se opõe e que façam outros se matarem entre si ou os usem para matar por eles.

São essas condições — que evidentemente não coincidem com as da produção industrial de carne — que podem impedir que à morte dos porcos se associe sua transformação em animais matáveis. Como dizíamos, questão em nada estranha às religiões de matriz africana, nas quais as relações com os animais estão marcadas por práticas rituais que criam, do seu modo, essa possibilidade de "matar com respeito não inocente".

"O povo do axé", escreveu recentemente Sidnei Nogueira (2020: 104)NOGUEIRA, Sidnei. 2020. Intolerância religiosa. São Paulo: Editora Jandaíra., "sabe exatamente como fazer para evitar essa tensão negativa [ligada ao momento da morte do animal] e beneficiar-se de uma carne plena de força vital com todo respeito à vida do animal, que é elevada à posição de divindade" (grifo do autor). É Lucas, vinculado a um terreiro de candomblé angola localizado em Belo Horizonte, quem nos oferece uma importante explicação sobre essa maneira singular de compor relações com a morte e com a vida:

"[…] Às vezes as pessoas pensam que a gente mata bicho por matar. Não é assim. Tudo tem que ser sacralizado. A gente faz os rituais para pedir a bênção e a autorização, pois não fomos nós que geramos e criamos aquele animal. Não sacrificamos animais. Nós os sacralizamos1 1 Em um fascinante romance (City of illusions, Cidade de ilusões) onde vislumbramos uma possível inspiração para as reflexões de Donna Haraway, Ursula K. Le Guin descreve a conquista do planeta Terra em um futuro distante por um povo alienígena capaz de mentir telepaticamente e que praticamente só conhece uma regra absolutamente inviolável que é imposta a ferro e fogo: não matar. O que não impede que destruam tudo o que a eles se opõe e que façam outros se matarem entre si ou os usem para matar por eles. . Sacrifício é matar na indústria da carne, na qual se mata um boi machucando o coração dele. Nós cortamos os animais para consumi-los. Nós e os Santos comemos o animal. Nós não machucamos e nem estressamos os animais. Eles precisam estar de acordo. Vou te dar um exemplo. Antes do corte tem todo um ritual, fazemos as rezas, recolhem-se as folhas, pedese permissão para usar as folhas, mas, se o animal não quiser, nada feito, ele não é levado à força. Afinal, se ele não foi é porque não estava pronto. Como se vai comer o que não está pronto ou o que não quer ser comido? No Candomblé, eles possuem vontades. Lá na casa de pai [de santo] tem um cabrito. Aquele bicho é um capeta, mas todos têm amor a ele. Ele não quis ser cortado. Preparou-se todo o ritual e na hora ele refugou. Hoje ele está lá e tem anos que vive conosco […]" (Marques, 2015MARQUES, Carlos Eduardo. 2015. Bandeira Branca em Pau Forte. A Senzala de Pai Benedito e o Quilomblé Urbano de Manzo Ngunzo Kaiango. Tese de doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.: 217).3 3 Lucas é companheiro de Mametu Muiandê, mãe de Makota Kidoiale, mas, conforme observa Carlos Eduardo Marques, ele foi iniciado e está vinculado a um outro terreiro de candomblé angola e não ao Manzo Ngunzo Kaiango (Marques, 2015: 96). .

Como já sugerimos, não se trata de ver nessa impressionante descrição uma regra supostamente válida para todas as situações. Nada mais distante do candomblé do que pensar assim. Gostaríamos apenas de observar que, neste caso, os cabritos não são mortos pelo fato de serem matáveis, pois eles não são separados de sua morte pela presença de qualquer direito humano sobre sua vida. Os cabritos não são mortos à revelia de sua própria existência. Há aqui uma composição muito complexa de vontades, que envolve animais, pessoas e divindades. No limite, como podemos ver, não é incomum que o ritual deixe de acontecer, ou que possa eventualmente acontecer de outra forma, por um gesto de recusa do animal, um gesto que, no entanto, jamais se separa da relação entre esse animal e a divindade à qual está vinculado. Um animal que se recusa a morrer é também uma divindade que renuncia a comê-lo.

Tornar matáveis os cabritos ou os porcos, no caso contrário a esse que acabamos de descrever, nos desobrigaria de ter que pensar diante do próprio ato de matá-los, como se estivéssemos autorizados, por alguma presumida condição intrínseca que faria deles animais-a-serem-mortos, a desconsiderar o acontecimento de sua morte. Para voltarmos a Haraway e ao aspecto de seu argumento que aqui mais nos interessa, "o respeito é uma prática sintonizada com a mortalidade; respeito não é uma coisa fácil, não é uma ideia abstrata. O respeito requer ficar com a morte assim como com a vida, de modo a cuidar da complexidade do "tornando-se-com" (Haraway, 2011HARAWAY, Donna. 2011. "Companhias multiespécies nas naturezaculturas: uma conversa entre Donna Haraway e Sandra Azerêdo". In: MACIEL, Maria Esther (org.). Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: Editora UFSC. pp. 389-417.: 397).

"Não tornarás matável" se distancia do "não matarás" porque cria a obrigação de considerar a ação de matar como uma ação que não pode abstrair a maneira como é situada em cada caso. O complexo industrial de carne não é apenas uma indústria da morte; ele é, sobretudo, a produção de corpos matáveis. Mas a dissociação entre matar e tornar matável, nos casos concretos em que ela pode ser formulada dessa maneira, não deve ser pensada como uma operação simples, como se finalmente tivéssemos encontrado uma fórmula que tornaria dispensável a necessidade de ter que pensar nisso, que poderia, enfim, ser usada como parâmetro moral para avaliar, em conjunto, as mais diversas situações. Não tornarás matável é menos uma solução do que um outro modo de caracterizar o problema, e o que ele exige de nós é que sejamos capazes de inventar formas de continuar com ele, de "permanecer com o problema", na feliz expressão de Donna Haraway — ou "seguir com o problema", como foi traduzida, de modo igualmente feliz, a expressão para o espanhol. Não se trata, precisamente, de uma fórmula e é sempre necessário resistir a qualquer tentativa de apreendê-la dessa maneira. Assim, por exemplo, a alternativa moral que mobiliza o princípio do juízo para confrontar uma situação com a culpa ou com a inocência elimina o problema fingindo resolvê-lo. É por esse motivo que Haraway compreende que "as políticas de direito à vida […] apontam para a inocência, não para o respeito e a responsabilidade" (Haraway, 2011HARAWAY, Donna. 2011. "Companhias multiespécies nas naturezaculturas: uma conversa entre Donna Haraway e Sandra Azerêdo". In: MACIEL, Maria Esther (org.). Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: Editora UFSC. pp. 389-417.: 398).

O que nos interessa nesse modo de formular todas essas questões é o lugar de absoluta exigência no qual ela situa a prática do respeito. Não se trata de alguma coisa fácil e jamais devemos confundi-lo com uma ideia puramente abstrata. O respeito requer uma arte e pensamos que ela é criada contra o fundo de não inocência implicado no acontecimento de um encontro, que pode ser um encontro ritual entre pessoas, animais e divindades, um encontro entre diferentes práticas religiosas, um encontro entre saberes etc. A arte do respeito, na maneira como procuramos pensá-la, é também a arte de criar conexões não inocentes com tudo aquilo que pode ser afirmado como importante. Se o respeito, como sustentamos, deve ser caracterizado como um pharmakon é porque pensamos que uma relação não inocente com a existência é imanente ao que sua arte supõe ou exige.

MONOTEÍSMOS

Acabamos de chamar a atenção para o risco de tentar inscrever as elaborações de um praticante do candomblé na chave do universal, fazendo supor que ele pretenderia impor a todo mundo seu modo de ver a questão do sacrifício — ou melhor, da sacralização. Como também observamos, nada mais estranho às religiões de matriz-africana do que esse modo de pensar. Como observou Ordep Serra (1995: 27; 129, nota 79)SERRA, Ordep. 1995. Águas do Rei. Petrópolis: Vozes., o candomblé baiano, por exemplo, se caracteriza por uma certa forma de "pluralismo religioso" que permite considerar a tradição que se segue mais adequada para seu próprio grupo e outras tradições mais adequadas para outros grupos, cada casa, sendo, como dizíamos acima, um caso. Abertas em princípio a todos, as religiões de matriz-africana não podem, contudo, exigir nenhum tipo de exclusivismo ou mesmo a conversão de fiéis, na medida em que ninguém nelas pode ingressar, como se repete incessantemente, "porque quer", mas apenas porque assim é determinado pela potência transcendente das divindades. O que significa que não há nenhuma verdade única que vale para todos. Como respondeu Mãe Stella de Oxóssi ao ser indagada sobre qual orixá regeria o ano de 2013, a pergunta correta não é essa, mas "qual o orixá rege o ano para aquelas pessoas que cultuam estas divindades e estão vinculadas à comunidade em que o Jogo de Búzios foi utilizado" (Santos, 2012SANTOS, Maria Stella de Azevedo (Mãe Stella de Oxóssi). 2012. "Que orixá rege o ano?". Jornal A Tarde, 04 de janeiro de 2012. Disponível em <http://mundoafro.atarde.uol.com.br/tag/mae-stella/>. Último acesso em 02 de setembro de 2021.
http://mundoafro.atarde.uol.com.br/tag/m...
).

Esse modo de articular o respeito com o chamado universal assume contornos interessantes quando pensado a partir de um caso que nos parece exemplar. A tradução da Declaração Universal dos Direitos Humanos, texto que evidentemente aspira à universalidade, suscita questões significativas, as quais não se restringem aos aspectos propriamente linguísticos, sobretudo quando se trata de traduzi-la para línguas e culturas diferentes daquela na qual foi escrita. Pedro Pitarch (2013)PITARCH, Pedro. 2013. La cara oculta del pliegue. Ensayos de Antropología Indígena. México: Artes de México/Conaculta. nos conta a história de sua tradução do espanhol para o tzeltal, língua maia falada por povos indígenas que vivem no estado mexicano de Chiapas. A tradução foi realizada em 1996 por Miguel Gómez Gómez e Juan Santiz Cruz, indígenas originários de Cancuc. Alguns anos depois, no começo de 2000, Pitarch se reuniu com Gómez para trabalhar sobre a tradução que ele havia realizado. Decidiram tomar como referência apenas o texto em tzeltal a fim de permitir sua tradução de volta para o espanhol. É precisamente esse experimento de tradução reversa que está associado à possibilidade de "complicar o universal" (Cassin, 2016CASSIN, Barbara. 2016. Éloge de la traduction: compliquer l'universel. Paris: Fayard.).

Mantalil, termo usado para traduzir a palavra "lei" — e que na expressão composta mantalil jun refere-se ao conjunto da declaração — existe em uma relação de estreita vizinhança com uma noção de "ética" ou "ética da vida", à qual também se associa um aspecto "estético", o que, nesse caso, indica a existência de uma relação que não se limita aos humanos. Por isso, Miguel Gómez sugere que a "ética tzeltal" é mais universal do que as Nações Unidas, pois inclui "o mundo extra-humano". Mantal, por sua vez, designa, nas palavras de Miguel Gómez, o modo

como devemos nos relacionar com as pessoas, como devemos respeitar os vizinhos, mas também tudo aquilo que nos rodeia, as árvores, o que dizem os pássaros, tudo isso está conectado conosco, forma parte de nosso sangue. Eu acredito que quando falamos de universal também incluímos o direito (isto é, o respeito) pelo que existe no mundo […] (Gómez em Pitarch, 2013PITARCH, Pedro. 2013. La cara oculta del pliegue. Ensayos de Antropología Indígena. México: Artes de México/Conaculta.: 187).

A segunda palavra-chave da tradução, "direito", na sua dupla acepção de um domínio específico que responde por aquilo que é e não é devido e como algo que se pode exigir (ter um direito), recebe a tradução de ich'el ta muk, cujo significado, observa Pitarch, coincide com aquele associado ao termo "respeito". Assim, "ter direito" é traduzido por "ter respeito", "ser respeitado" e "direitos humanos" por "respeito pelos seres humanos". "Do ponto de vista indígena, aquilo que se busca na Declaração não é tanto a 'justiça' e sim o 'respeito'":

O respeito não é algo dado de antemão, mas algo que se adquire na medida em que as obrigações [tais como a de troca e a da reciprocidade] são cumpridas. Só quando uma pessoa cumpre com suas responsabilidades sociais será credora de respeito, isto é, de direitos. Disso se segue que o respeito/direito se adquire progressivamente ao longo da vida' (Pitarch, 2013PITARCH, Pedro. 2013. La cara oculta del pliegue. Ensayos de Antropología Indígena. México: Artes de México/Conaculta.: 188).

A tradução nos permite perceber como a noção de respeito, do ponto de vista das relações entre o "dado" e o "feito", tem o seu sentido torcido pela passagem entre dois modos diferentes de compreender os vínculos sociais. Se a declaração pressupõe que "o respeito é uma propriedade inata (um direito) dos seres humanos - todo ser humano merece respeito pelo fato de pertencer à espécie e por isso as formas sociais da relação são (ou deveriam ser) o resultado desse respeito", os indígenas, por sua vez, imaginam que "as formas sociais da relação são dadas, imanentes, e o que deve ser obtido é o respeito. As relações sociais estão organizadas para produzir o respeito, e não o respeito para produzir as relações sociais" (2013: 189). E é precisamente aqui, como demonstra Pitarch, que reside a importância da vergonha como sentimento entre os indígenas, conforme se verá mais adiante neste texto. Ela "manifesta o descumprimento de certas formas inatas de relação e o que resulta [daí] é um déficit de respeito", podendo, em alguns casos, ser pensada como uma doença decorrente do não cumprimento de alguma obrigação recíproca dada. "É notável [enfim] que uma das primeiras exigências das reivindicações políticas dos indígenas do México e da Guatemala seja aquela do 'respeito': 'Queremos que os governos nos respeitem!' (Pitarch, 2013PITARCH, Pedro. 2013. La cara oculta del pliegue. Ensayos de Antropología Indígena. México: Artes de México/Conaculta.: 189). Pensamos que a exigência do respeito, à qual retornaremos, constitui um importante ritornelo afroindígena.

Para voltarmos ao que dizíamos anteriormente, trata-se de uma espécie de universal - cuja extensão, como demonstra o caso acima, pode ser ainda maior do que se imagina - subtraído de qualquer vocação universalista ou universalizante, um universal que não autoriza que se fale em seu nome para arrancar os outros de seus lugares. Como vimos de passagem, Antonio Bispo dos Santos (2015)BISPO DOS SANTOS, Antônio. 2015. Colonização, quilombos. Modos e significações. Brasília: INCTI. considera que é justamente esse pluralismo do que ele denomina "povos politeístas" que impede que aquilo se ajunta necessariamente se misture e que tudo se torne, desse modo, igual. No entanto, e por outro lado, sabe-se como a questão do politeísmo e sua articulação com o monoteísmo é complexa do ponto de vista das religiões de matriz africana.

Em seu importante livro sobre o monoteísmo, Jan Assmann (2010)ASSMANN, Jan. 2010. The price of monotheism. Stanford, California: Stanford University Press, 2010. observa que a diferença mais significativa entre o monoteísmo e o politeísmo não é aquela que distingue entre um deus único e vários deuses, mas a que opõe a verdade ao erro, o verdadeiro ao falso, e da qual resulta precisamente um conceito de verdade ao mesmo tempo universal e exclusivo. Não pensamos que seu argumento pressuponha a existência da "distinção mosaica" (a distinção entre a verdade e o erro) como uma necessidade inerente ao monoteísmo. O problema não é que precisamos necessariamente nos livrar do monoteísmo para deixar de pagar o preço que ele impôs sobre nós, mas sim se podemos liberá-lo das imagens antagônicas que o constituíram, as quais, no caso que interessa a Assmann, concernem ao seu desrespeito dogmático pelo Egito (classificado como idólatra e politeísta) e sua disposição à violência religiosa.

Entre os praticantes de religiões de matriz africana no Brasil é bastante comum a afirmativa de que essas religiões são monoteístas. Em lugar de nos enredarmos em uma discussão que logo se tornaria ridícula sobre a verdade dessa proposição, acreditamos que seu caráter aparentemente contraintuitivo nos permite formular a seguinte questão: o que pode se tornar o monoteísmo nessa passagem pelas religiões de matriz africana? Ou, em um vocabulário mais próprio dessa tradição, o que ele vira quando vira nessas religiões? Não se trata, vemos, de traçar uma oposição simples com o politeísmo, mas de se opor a uma certa maneira de organizar essa oposição quando pensada do ponto de vista monoteísta das chamadas religiões mundiais. Porque o monoteísmo jamais se limitou a afirmar que Deus é um só, incluindo sempre um enunciado correlato a este, a de que o monoteísmo é um só. Como sugeriu Paul Veyne em alguma parte, o Deus dos hebreus era muito mais objeto de uma relação monogâmica do que propriamente monoteísta e não é impossível imaginar que o cristianismo e o Islã simplesmente conjugaram esses dois princípios em um monoteísmo absolutamente exclusivista, permitindo que o enunciado "Deus é um só" fosse capturado por um princípio de equivalência sem o qual, como veremos a seguir, nos parece muito difícil analisar o racismo religioso.

Pai Ricardo de Moura, em uma de suas aulas do curso "Catar Folhas", afirmou: "Não somos politeístas. Somos monoteístas. Nós temos um Deus só. Em cada parte do que existe, ele está presente. Cada pedaço desse mundo é um Deus para mim". Tata Kamugenan não gosta especialmente da palavra politeísmo, mas, certa vez, em uma conversa com um de nós, ele disse ter percebido que essa noção não se limitava à ideia de vários deuses, mas dizia respeito, principalmente, à multiplicidade interna daquilo que existe, como se "o leque que refrescasse o rosto de Deus", expressão da ópera "Alabê de Jerusalém" de Altay Veloso, fosse ele próprio heterogêneo. Diante da formulação de Pai Diamantino de Oxalá, lembrada por um de nós nessa mesma conversa, na qual este dizia que "nós dividimos deus em forma de natureza, em forma de orixá. Na verdade é um deus só […] Só que se eu quiser falar com deus em forma de Iansã, eu vejo o vento […] Para mim, deus está no vento" (Kosby, 2009KOSBY, Marília. 2009. 'Se eu morrer hoje, amanhã eu melhoro': sobre afecção na etnografia dos processos de feitura da pessoa de religião no Batuque, em Pelotas, RS. Dissertação de Mestrado. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas.: 45), Tata Kamugenan afirmou: "não há um único vento, assim como não há um único rio ou mar, que seja igual ao outro".

Os orixás, em uma de suas várias possibilidades de caracterização, são pensados como forças da natureza, mas esta, na prática das religiões de matriz africana, é concebida como diversa. Como escreveu Roger Sansi, não se trata da "adoração a uma ideia abstrata de natureza, mas do culto bastante concreto de lugares específicos nos quais certas coisas acontecem ou podem acontecer" (Sansi, 2003SANSI, Roger. 2003. Fetishes, images, art works: afro-brazilian art and culture in Bahia. PhD Dissertation. Chicago: University of Chicago.: 176). A natureza, como já observara Edison Carneiro (1991: 174-175)CARNEIRO, Édison. 1991. Religiões negras e negros bantos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., "não chega a ser divinizada como natureza, isto é, como mundo ou como força estranha ao homem, dele independente". Os praticantes do candomblé não a imaginam "como um todo à parte" e isso os torna "inexcedíveis no conhecimento das 'folhinhas' do mato". Relacionam-se com ela de forma parcelada, "dividindo-a em diversos pedaços […]". Não generalizar a natureza, ser capaz de perceber cada uma das árvores, é como uma versão de tudo aquilo que impede que essas práticas religiosas incluam a sua universalização como uma dimensão daquilo que obriga as pessoas.

O que a virada afro-brasileira do monoteísmo pode ensinar, e Tata Kamugenan afirmou isso diversas vezes em sua aula, é que Deus acolhe, na vasta e virtualmente infinita diversidade que criou, as maneiras muito variadas pelas quais se pode cultuá-lo. Nesse sentido, talvez seja preciso retomar, mas em uma acepção diferente, a importante expressão usada por Pierre Verger para caracterizar o culto dos orixás no mundo ioruba: "monoteísmos múltiplos" (Verger, 2012VERGER, Pierre. 2012. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na antiga costa dos escravos, na África. São Paulo: EDUSP.: 15).4 4 "Apesar da multiplicidade dos deuses [Verger está se referindo ao mundo ioruba localizado na Nigéria e no Benim] tem-se algumas vezes a impressão de que não se trata de politeísmo, mas de monoteísmos múltiplos, justapostos, em que cada crente, sendo consagrado apenas a um deus, reverencia unicamente a este, mantendo ao mesmo tempo, em relação às divindades vizinhas, sentimentos que não vão além do simples respeito" (Verger, 2012: 15). Não existe nenhuma contradição entre o politeísmo proclamado por Antonio Bispo dos Santos e o monoteísmo reivindicado pelas religiões de matriz africana porque este nunca é o monoteísmo exclusivista que se encontra na raiz de uma das principais características das chamadas religiões mundiais: aquilo que o mesmo Bispo dos Santos (2015: 32)BISPO DOS SANTOS, Antônio. 2015. Colonização, quilombos. Modos e significações. Brasília: INCTI. denominou magnificamente sua "cosmofobia", esse "terror" ao cosmo e à diferença que quase inevitavelmente se converte em terror contra a diferença na forma assumida por seu proselitismo. A relação entre esse monoteísmo e esse politeísmo de matriz africana talvez seja mais ou menos aquela imaginada por Deleuze (1990: 185)DELEUZE, Gilles. 1990. Pourparlers 1972-1990. Paris, Minuit. para conectar o monismo spinozista com o pluralismo nietzschiano, o fato de que eles se reencontram quando são rigorosamente levados a suas últimas consequências, permitindo assim "chegar à fórmula mágica que buscamos todos: PLURALISMO = MONISMO" (Deleuze e & Guattari, 1980DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 1980. Mille plateaux. Paris: Minuit.: 31).

Às chamadas religiões de conversão (ou de supressão da diversidade) seria possível, assim, opor aquelas que procedem por "confluência" e que poderíamos denominar, talvez, "religiões de viração", para usar essa polissêmica expressão tão importante em boa parte das religiões de matriz africana. "A minha religião", afirmou Iyalodè Ósún Ifé em sua primeira aula no curso "Catar Folhas", "não é de púlpito e de convencimento. Não vim aqui para convencer ninguém". Ou, como sustentou Tata Kamugenan em sua aula, "não tem o certo e o errado. A gente tem linha".

Deleuze e Guattari (1991: 88-89)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 1991. Qu'est-ce que la philosophie? Paris: Minuit. sugeriram que cada religião pode secretar seu próprio ateísmo, do que podemos inferir que existem tantos ateísmos quanto religiões. Talvez o mesmo pudesse ser dito sobre monoteísmo e politeísmo, a saber, que cada um secreta invariavelmente seu aparente oposto de tal modo que para cada monoteísmo existe um politeísmo e vice-versa. E mesmo nos raríssimos casos (um ou dois…) em que o monoteísmo se atribui a missão de eliminar não apenas os politeísmos que encontra, mas também os outros monoteísmos que cruzam seu caminho, não é certo que isso não seja feito às custas do estabelecimento de um politeísmo perverso.

Muitas etnografias recentes sobre as religiões de matriz africana demonstram que essa indiscernibilidade entre monoteísmo e politeísmo, entre tradição e variação, entre unidade e diversidade, não impede ninguém de considerar, por vezes, que o vizinho esteja errado, ainda que na maior parte dos casos ele seja considerado apenas como alguém que segue outra tradição (de nação, de linha, de casa…). Em outras palavras, imanente a essas religiões parecem existir "mecanismos coletivos de inibição" (Deleuze & Guattari, 1980DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 1980. Mille plateaux. Paris: Minuit.: 442) que bloqueiam a perigosa passagem da avaliação ritual para o juízo moral. E é por isso que mães e pais de santo sabem muito bem que o "errado" pode dar "certo" dependendo do lado em que se está, mesmo naqueles casos, como o de Pai Luis da Oyá, em que não se sabe dizer muito bem que lado é esse: "um dia vais chegar aqui e me perguntar 'o que é isso que estás fazendo? Que nação é essa?' E eu vou responder 'não sei, só sei que está funcionando'".

Isso significa, portanto, que, do ponto de vista das religiões de matriz africana, "Deus é um só" não aponta para a uniformização das práticas religiosas ou para que sejam tornadas equivalentes, mas na direção de interpretar sua enorme diversidade e heterogeneidade como interna a Deus, como se todas as religiões fossem linhas, lados, que se cruzam em Deus. Nos termos do próprio candomblé, tal qual Flaksman (2014)FLAKSMAN, Clara. 2014. Narrativas, Relações e Emaranhados: Os Enredos do Candomblé no Terreiro do Gantois, Salvador, Bahia. Tese de doutorado: Rio Janeiro: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. os aprendeu no Terreiro do Gantois, tudo se passa então, poder-se-ia dizer, como se Deus tivesse "enredo" com todas as religiões e todas as forças que nele se cruzam.

Quando enunciada nessa chave "menor", em lugar de autorizar o racismo religioso e seu correlato princípio de equivalência generalizada, essa proposição torna-se um importantíssimo enunciado diplomático, engajando-se no que talvez seja um modo mais exigente de imaginar a política ecumênica ou inter-religiosa. Na raiz dessa subversão, talvez seja possível ver a atuação desse vastíssimo campo conceitual recoberto pelas noções de linha e de lado, essa topologia do cosmo que parece supor uma lateralização virtualmente infinita da existência, constituindo uma ontologia modulatória cheia de casas e de corpos feitos de múltiplos lados, de seres e forças que permanentemente viram e se enredam uns com os outros. Em suma, todo um dispositivo capaz de engendrar e acolher acontecimentos cosmopolíticos que neutralizam qualquer emergência de racismo religioso.

O RESPEITO E A TOLERÂNCIA

Quando o terreiro de Mãe Clara da Iansã, na cidade de São Lourenço do Sul (RS), foi invadido pela polícia, Mano de Oxalá, que se identificava como branco e na época era seu pai-de-santo, fez questão de registrar que a violência deveria ser caracterizada como racismo e não como intolerância. Em seu livro sobre a intolerância religiosa, Sidnei Nogueira (2020: 89)NOGUEIRA, Sidnei. 2020. Intolerância religiosa. São Paulo: Editora Jandaíra. observa que o racismo não incide somente "sobre praticantes dessas religiões, mas sobre as origens da religião, sobre as práticas, sobre as crenças e sobre os rituais". E Daniel de Oxaguian, babalorixá da Comunidade da Renovação Ilè Asé Òsógiyan, localizada em Tremembé (SP), afirma que a expressão "intolerância religiosa", apesar de seu uso bastante frequente,

limita nossa luta apenas aos ataques isoladamente. Entretanto, se o ampliarmos para racismo religioso somos conduzidos para a estrutura racializada do Brasil, onde se encontra a raiz do problema. Sabemos que tudo o que está ligado às africanidades é tratado de forma secundária, sem valor. Inclusive sua religiosidade. Acontece que isso é apenas mais uma forma de expressão do racismo, que leva pessoas que professam outras fés a demonizar as religiões de matrizes africanas, como a Umbanda e o Candomblé (apudNogueira, 2020NOGUEIRA, Sidnei. 2020. Intolerância religiosa. São Paulo: Editora Jandaíra.: 86).

Em novembro de 2016, o jornal Folha de Pernambuco publicava um artigo de Paulo Trigueiro, que reproduzia as palavras de um praticante de uma religião de matriz africana pernambucana sem, infelizmente, identificá-lo. Ele dizia:

Não quero tolerância, eu quero respeito. Tolerar é uma forma de dizer que a minha religião está errada, mas dá para fingir que não. Preciso é que respeitem o candomblé da mesma maneira que eu respeito todas as religiões. Já vieram na porta da minha tenda espiritual e disseram que o diabo estava aqui. Bom, eu sempre respondo duramente a esse tipo de coisa e falei que realmente o diabo estava lá porque a própria pessoa tinha trazido.

Diante dessa caracterização, não deve nos surpreender que a palavra tolerância possa ser concebida como uma prática pedagógica que permite a uma professora de ensino religioso, em uma escola localizada no Rio de Janeiro, tentar convencer alguns de seus estudantes, crianças de candomblé, que eles estão errados. É Stela Caputo, em seu importante trabalho sobre as relações entre a escola e as crianças de candomblé, quem nos conta essa história:

Pergunto à professora qual o conteúdo de seus textos, desse, por exemplo, que deu a esse aluno [aluno, praticante do candomblé, que saiu da aula ao receber o texto e depois voltou]. 'Era o texto: 'Você é muito importante para mim', que fala de Jesus Cristo e do quanto ele nos ama e nós não percebemos', respondeu. Pergunto também porque ela acha que os alunos que inicialmente se recusam a assistir as aulas 'acabam voltando'. 'Porque quando somos tolerantes eles entendem que estavam errados, no caminho errado. Não é que o Ensino Religioso deva ser uma conversão, mas acaba sendo. Ano passado, por exemplo, eu tinha uns oito ou dez alunos do candomblé que depois vieram me dizer que se tornaram cristãos. Eles mesmos entendem que estavam errados […] (Caputo, 2012CAPUTO, Stela Guedes. 2012. Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de Candomblé. Rio de Janeiro: Pallas.: 217).5 5 Stela Caputo caracteriza de maneira muito importante o "conceito de tolerância". "O conceito de tolerância é um daqueles que chamo de conceito dupla face, ou do tipo xipófago, ou seja, nunca consegui dizê-lo sem ser grudado no conceito de poder" (grifo da autora). "O que é hegemônico aceita apenas o que não lhe afeta tanto, o que afinal não é "tão diferente assim"' (2012: 230). Como afirma Mãe Beata para Stela Caputo: "Se a escola excluir alunos de candomblé, a escola não merece nenhum respeito" (2012: 208).

"Não queremos tolerância. Queremos respeito!", estampavam também os dois cartazes suspensos entre as árvores da Praça do Preto Velho (Praça Treze de Maio), no bairro da Graça, em Belo Horizonte (MG), por ocasião da Noite da Libertação, anualmente celebrada em homenagem aos pretos velhos e para a qual convergem diferentes terreiros. Alguns dias antes da festa, um vídeo postado no Youtube mostrava um pastor evangélico conclamando as pessoas a se posicionarem contra a sua realização. "Outro dia me falaram em Belo Horizonte que vai ter a festa do preto velho. Eu falei: 'ninguém me pediu!' Eu não aceito. Não vai ter festa nem de preto velho, nem de preto roxo, nem de preto branco. Eu falei que não vai ter" (Altivo, 2016ALTIVO, Bárbara Regina. 2016. "'Subjetivações políticas do 'Povo de Axé': modos de existência afro-brasileiros no espaço público de Belo Horizonte". Anais XXV Encontro Anual da Compós. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.: 13). Essa bravata racista, no entanto, não impediu nada e isso é o que realmente importa.

Organizada por Pai Ricardo de Moura e pelos filhos e filhas da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, essa festa é precedida por uma minuciosa preparação dos corpos e da praça, pois, como observa Pai Ricardo, "é preciso muito cuidado. Tomar os banhos, acender as velas, fazer as orações. Somente com disciplina podemos receber, no meio de uma praça, os nossos pais e mães velhos" (Altivo, 2016ALTIVO, Bárbara Regina. 2016. "'Subjetivações políticas do 'Povo de Axé': modos de existência afro-brasileiros no espaço público de Belo Horizonte". Anais XXV Encontro Anual da Compós. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.: 13). O cuidado com a praça incluiu a "restauração material da estátua do preto velho" ali existente: "o cachimbo, que estava quebrado, foi trocado por um novo, assim como uma grande pichação com a palavra 'Jesus' foi removida e outras marcas de ataque à estátua foram atenuadas" (Altivo, 2016ALTIVO, Bárbara Regina. 2016. "'Subjetivações políticas do 'Povo de Axé': modos de existência afro-brasileiros no espaço público de Belo Horizonte". Anais XXV Encontro Anual da Compós. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.: 13). O cuidado, aliás, foi um dos temas de que Pai Ricardo tratou em suas aulas na primeira edição do curso "Catar Folhas", em 2016, e que talvez possa ser resumido numa expressão que, enunciada por ele, tornou-se uma espécie de ritornelo de todo o curso: "a gente que mexe com o outro lado precisa ter muito respeito".

Do mesmo modo, Pai Luis da Oyá, de Pelotas, costumava repetir para suas filhas e filhos de santo que "precisam entender que aqui nós tratamos com espíritos. É preciso ter cuidado". Mãe Michele da Oxum, também de Pelotas, estendia, por sua vez, essa precaução para a própria maneira de compreender a "religião" e aquilo que ela exige dos seus praticantes: "na religião", dizia ela, "a gente mexe com a vida das pessoas. Por isso é preciso ter cuidado".

De fato, tem se tornado cada vez mais comum entre religiosos afro-brasileiros considerar excessivamente tímidos os apelos por "tolerância religiosa" e afirmar o caráter fundamentalmente racista do que se costuma ocultar por trás do eufemismo da intolerância. Claro que sabemos que a intolerância significa uma recusa da diferença, transformando-a em um bloco unitário, tornando impensável a possibilidade de pensar a relação como uma relação entre diferenças heterogêneas e não entre identidades homogêneas — em suma, bloqueando a compreensão de que os outros também têm os seus outros. Mas precisamos também saber que seu aparente oposto, a tolerância, é na verdade, por mais que possa passar por bondoso, um sentimento ou atitude vergonhosa que consiste basicamente em aceitar os "equívocos" dos outros na medida em que supomos que vivem em um estado de "crença" ou de "ingenuidade" que nós teríamos abandonado ou perdido há muito tempo. A tolerância é, portanto, apenas a outra face da arrogância universalista que também nos caracteriza, e consiste, basicamente, em aceitar tudo desde que se pareça com o que nós mesmos fazemos — "nós" que não designa nenhum conjunto substantivo, mas um certo estado de espírito que pode acometer a todo mundo quando nos tornamos emissores ou destinatários do que Stengers denomina a "mensagem moderna". A tolerância é esse sentimento ou atitude que, muito rapidamente, se converte em seu oposto ao se defrontar com aquilo que pode considerar "excessivo", com aquilo frente ao que se exclama "aí já é demais!"; atitude que pode envolver até mesmo uma certa "nostalgia" pelo que teríamos perdido e a que de vez em quando temos vontade de retornar.

RESPEITO E VERGONHA

Desde o início deste texto, levantamos a hipótese de que o respeito, entendido de um modo particular, poderia funcionar como princípio para uma prática mais saudável das ciências humanas em geral e da antropologia em particular. Aludimos também, de passagem, a uma certa vizinhança entre o respeito e a vergonha, lembrando que Deleuze faz desta um importante impulso para pensar. Nossos colegas Eduardo Nunes, Geraldo Andrello e Tânia Stolze Lima, a quem agradecemos imensamente, chamaram a nossa atenção para o fato de que seja entre os Karajá, no Alto Rio Negro ou entre os Yudjá, respectivamente, "respeito" é praticamente um sinônimo de "vergonha". Acreditamos que a proximidade dessas noções não é exclusiva desses contextos etnográficos, nem mesmo do contexto ameríndio, e que ela reaparece de diferentes formas com coletivos afro-americanos e afroindígenas em geral. O que nos leva a retomar a conexão entre essas ideias no contexto do nosso próprio pensamento.

Como se sabe, foi a partir de sua experiência como prisioneiro em um campo de extermínio que Primo Levi (2004)LEVI, Primo. 2004. Os afogados e os sobreviventes. São Paulo: Paz e Terra. propôs a noção de vergonha como um instrumento muito mais eficaz do que a de culpa para pensar situações como esta. Ao retomar essa ideia, Deleuze (Deleuze e & Parnet, 2004DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. 2004. L'Abécédaire de Gilles Deleuze - R comme résistance (DVD).) deu a ela uma maior amplitude, sugerindo que em diferentes escalas ela também permite pensar melhor situações não extremas como aquela de que fala Levi. Trata-se, os dois autores o dizem, de uma certa vergonha, não exclusiva ou necessariamente pelo que nós mesmos fizemos ou fazemos, mas pelo que podemos fazer e pelo que alguns (humanos como nós) efetivamente fizeram e fazem. "Vergonha de ser um homem", de ser humano, diz Levi; vergonha pelo simples fato de existirem seres humanos e estruturas sociais que praticam o horror; mas vergonha também por essa sensação confusa de não ser capaz de impedir a existência desse horror e, pior, de muitas vezes fazer concessões a ele e, no limite, com ele compactuar. Deleuze observou que essa vergonha é o sinal de que somos inevitavelmente manchados pelo horror, e que ela não tem nada a ver com esses sentimentos de culpa que só conduzem ao suposto direito arrogante de julgar quem é culpado e quem é inocente, ou ao duplo absurdo de afirmar que todos ou ninguém são culpados. Porque a culpa pode nos acompanhar por toda a existência (temos até uma ciência que a coloca como fundamento da nossa existência…) — permitindo, portanto, que as respostas ao horror possam ser debatidas, postergadas e colocadas sob o duvidoso signo da bondade, da justiça, da concessão. Mas a vergonha exige e provoca respostas imediatas, ela é intolerável, e é intolerável porque se defronta com o próprio intolerável. Não temos que ter vergonha apenas do que fazemos ou poderíamos fazer, mas também pelo que alguns fazem e que, portanto, também podemos fazer. No nosso caso específico, vergonha também diante daqueles sobre quem escrevemos e diante do que escrevemos sobre eles. E é por isso, como lembramos acima, que Deleuze faz da vergonha uma poderosa força de pensamento que obriga a assumir responsabilidades face àquilo, àquelas e àqueles sobre quem se escreve, ou melhor, com quem ou diante de quem se escreve.

Nesse sentido — repetimos, nesse sentido —, parece-nos, a vergonha também é uma forma de resistência à maldição da tolerância, e, como o respeito, não precisa ser concebida de modo vertical, celebrando assim as hierarquias, nem horizontal, com o abstrato elogio da diferença que disso decorre. Porque a vergonha também pode ser de algum modo transversal, atravessando diferentes planos sem aboli-los e estabelecendo, desse modo, conexões entre diferenças sem a necessidade de homogeneizá-las ou escaloná-las. Porque evidentemente a vergonha de Primo Levi por ser reduzido a uma condição não humana não é da mesma natureza que a eventual vergonha de quem o reduz a isso nem daquela que qualquer um pode sentir em relação a isso. No entanto, e de todo modo, mesmo essa vergonha minoritária (como a que sente uma criança que pratica o candomblé ao ser discriminada na escola) pode e deve ser convertida nessa força de pensamento e de resistência de que falamos. Não se decide sentir ou não sentir vergonha, a questão é o que fazer com ela quando acontece. Para isso, é bem possível que algumas pessoas, culturas e povos que souberam cultivar o que entre nós passa por um sentimento puramente individual possam nos ajudar, como observa Ursula K. Le Guin ao recordar a lição que recebeu de Robert, amigo Yurok de seu pai, Alfred Kroeber:

Robert me apresentou a um sentimento moral muito Yurok, a vergonha. Não a culpa, não havia nada de que ser culpada; apenas vergonha. Você fica vermelha de ressentimento, segura sua língua e entende. Devo agradecer a Robert por meu profundo respeito pela vergonha como instrumento social. Acredito que a culpa seja contraproducente, mas a vergonha pode ser extremamente útil (Le Guin, 2004LE GUIN, Ursula K. 2004. The wave in the mind. Boston: Shambhala Publications.: 25).

Desse ponto de vista, a vergonha — e aqui nos aproximamos do trabalho de Grada Kilomba (2019: 45)KILOMBA, Grada. 2019. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. — é também uma questão de percepção, uma percepção vinculada à obrigação de criar permanentemente uma relação não inocente com nossas práticas. Para a autora, que tem em conta o racismo e o processo de seu reconhecimento por pessoas brancas, a vergonha é um afeto provocado por experiências de discrepância, quando os brancos descobrem que sua percepção sobre si mesmos e sobre o que fazem não coincide necessariamente com aquela percepção que os negros têm a respeito deles. A vergonha é o que acontece quando essa divergência encontra um meio para se tornar sensível e perceptível, criando uma trajetória que permitirá reaprender uma prática, pensá-la diante de outros possíveis. Afirmamos a vergonha como um dos afetos que nos permite experimentar a divergência, ou honrá-la, na prática da antropologia.

O efeito principal da vergonha, na medida em que conseguimos incluir, na nossa percepção, uma outra percepção a respeito do que fazemos, é bloquear a possibilidade de formular a pergunta moral cujo pressuposto é a alternativa entre a absolvição, sempre esperada, ou a condenação, sempre temida: "eu sou racista?". A questão, como escreve Grada Kilomba (2019: 46)KILOMBA, Grada. 2019. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó., torna-se outra, algo do tipo "como posso desmantelar meu próprio racismo", pergunta que, ao ser feita, cria o próprio processo ao qual se refere, e que não pode ser formulada sem ser sentida como parte do que é preciso fazer. Ela abre a possibilidade de pensar que a existência, na sua relação com o racismo, não é simplesmente culpada ou inocente, muito embora, claro, também possa ser. Vale para a vergonha o que afirmamos para o respeito: não se trata de julgar, pois o ponto de partida, para nós, é necessariamente aquele da não inocência.

Em suma, a vergonha e o respeito nos impedem de dizer que podemos saber, sozinhos, o que está implicado nas nossas práticas. É diante dessa impossibilidade e, sobretudo, da incógnita que ela faz emergir que nos sentimos obrigados a aprender, isto é, a nos perguntar se somos capazes de fazer de outro modo aquilo que fazemos. Sabendo que essa aprendizagem não é exatamente espontânea, só podemos nos esforçar para, conectando-nos com a força de tantos outros, dar às situações que emergem desses modos de ajuntamento "o poder de nos fazer pensar" (Stengers, 2009STENGERS, Isabelle. 2009. Au Temps des catastrophes. Résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte.: 197).

A FRONTEIRA, O AMOR, O RESPEITO

Em O Homem Urso — o impressionante documentário de Werner Herzog (2005) sobre Timothy Treadwell, alguém que amava tanto os ursos pardos do Alasca que queria viver com eles e como eles e que acabou morto e devorado por um deles —, Sven Haakanson, antropólogo Alutiiq e curador do Museu Kodiak Alutiiq, explica ao diretor do filme o que aconteceu. A história de Treadwell, diz ele, é algo:

(...) trágico porque ele morreu e a sua namorada também morreu porque ele tentou ser um urso. Ele tentou agir como um urso, e para nós na ilha, não se pode fazer isso. Você não pode invadir o território deles. Quando está no território deles, você precisa saber que está lá. E quando está por perto, tenha certeza de que eles sabem que você está nas redondezas. Sabe, para ele agir como um urso, tal como ele fazia, deveria ser… Não sei. Para mim, foi o último ato de desrespeito pelo urso e por tudo o que o urso representa.

Herzog ainda tenta argumentar que Treadwell estava tentando proteger os ursos, ao que Haakanson responde:

Eu acho que ele prejudicou mais os ursos do que ajudou. Porque quando você acostuma os ursos aos humanos, eles pensam que todos os humanos são seguros. Onde eu cresci, os ursos nos evitam e nós os evitamos. Não estão habituados à nossa presença. Do ponto de vista da minha cultura, Timothy Treadwell ultrapassou uma fronteira com que nós vivemos durante 7.000 anos… uma fronteira não falada, uma fronteira desconhecida. Mas quando sabemos que a cruzamos, pagamos o preço.

Trata-se aqui de sublinhar o caráter, digamos, transcendental do respeito para toda prática da diferença, pois ele também consiste em uma sabedoria das fronteiras e dos limites, obrigando a cada instante a colocar a questão de até onde se pode ir, até onde pode ir uma diferença sem anular outra e sem anular a si mesma; e, ao mesmo tempo, sem necessariamente ignorá-la. Toda uma arte do cuidado e da boa distância, para falar como Lévi-Strauss, ou melhor, como os ameríndios. Ou, como também ensina Antonio Bispo dos Santos, como ir até o limite, retornar, seguir de novo até o limite, retornar, e assim por diante sem nunca cruzar o limiar de desterritorialização que nos conduziria ao inferno ou à destruição.6 6 "Eu cheguei junto com vocês, andando com vocês, respeitando a fronteira. Esta é a questão. O saber orgânico anda com o saber sintético respeitando a fronteira. O saber orgânico chega na fronteira, e a fronteira para o saber orgânico é um espaço de diálogo (…). Quando ele chega na fronteira, ele não tem fronteira, ele tem limite, e ele não consegue dialogar com outro saber do conflito. Quando ele chega no outro saber ele puf!, não reconhece o outro saber, não dialoga e chega no limite (…). Às vezes eu tenho a felicidade de chegar primeiro em um lugar e esperar os outros que ainda não chegaram. Mas também às vezes eu chego e vocês já chegaram e eu respeito quem chegou" (Bispo dos Santos, 2019a: 91). Aqui poderíamos, quem sabe, reencontrar o amor, mas no sentido proposto por Houria Boutelja (2016)BOUTELDJA, Houria. 2016. Les blancs, les juifs et nous. Vers une politique de l'amour révolutionnaire. Paris: La Fabrique. em seu impressionante livro sobre o "amor revolucionário": aquele que, se a entendemos bem, significa a possibilidade de amar no limite das fronteiras, ou seja, com e, às vezes, por causa das diferenças.

Se o respeito vertical aposta na pura manutenção das fronteiras e dos territórios, e o respeito horizontal canta as virtudes da abolição de todas as fronteiras e territórios, o respeito transversal é uma arte que sabe que o fato inelutável das fronteiras não significa que estas sejam fixas ou imutáveis. Significa sim que elas simplesmente não podem nem devem deixar de existir na medida em que são a condição de preservação da diferença e, portanto, da relação. E que para atravessá-las é preciso cuidado e, justamente, respeito. Porque o sonho moderno de um mundo sem fronteiras é o pesadelo de um mundo feito de entidades isoladas que só podem entrar em relação na medida em que perdem sua singularidade e sua aspereza.

Aqui, reencontramos Isabelle Stengers (2005: 193)STENGERS, Isabelle. 2005. "Introductory notes on an ecology of practices". Cultural Studies Review, vol. 11, n. 11: 183196. DOI 10.5130/csr.v11i1.3459
https://doi.org/10.5130/csr.v11i1.3459...
, quando ela afirma que "ao propor a diplomacia como um nome para o caráter de desafio das práticas, enfatizo a necessidade de levar as fronteiras a sério", princípio que está no fundamento da "ecologia das práticas" que ela propõe e com a qual procuramos aprender aqui. Porque essa ecologia

implica, em primeiro lugar, que qualquer que seja sua boa vontade, seus praticantes não cruzarão a fronteira da prática a que se dirigem sem uma transformação da intenção e do objetivo do destino, o que é frequentemente chamado de mal-entendido. E a certeza prática do mal-entendido é algo que uma ecologia da prática tem que afirmar sem nostalgia do que poderia ser uma comunicação fiel. (Stengers, 2005STENGERS, Isabelle. 2005. "Introductory notes on an ecology of practices". Cultural Studies Review, vol. 11, n. 11: 183196. DOI 10.5130/csr.v11i1.3459
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: 189).

Em outras palavras, se, como vimos, Stengers tem toda a razão ao desconfiar do uso universalizante (ou do hierarquizante) da noção de respeito, o mesmo não ocorre quando esta noção é acionada no sentido daquilo que nos obriga quando estamos prestes a atravessar uma fronteira. E é por isso que não pensamos ser um exagero ver na nossa questão um problema terrivelmente análogo àquele formulado pela própria Stengers quando se pergunta como é possível respeitar ou honrar uma verdade sem que haja a necessidade de construir, do outro lado, o erro. Eis o ponto: o respeito não requer abstenção, mas uma imagem muito mais exigente da existência e de todos os cuidados que daí derivam. O que é realmente mortal é a facilidade com a qual passamos de algo que nos obriga para algo que nos autoriza a julgar, a insultar e, no limite, a destruir os outros — a facilidade e a arrogância com as quais cruzamos e destruímos as fronteiras. Afinal, nas palavras da própria Stengers (1997: 123)STENGERS, Isabelle. 1997. La Guerre des sciences - Cosmopolitiques I. Paris: La Découverte., "o único empreendimento verdadeiramente tolerante e relativista que conheço é o capitalismo".

Para terminar. O que tentamos aqui nos parece inevitavelmente conectado com essa figura que José Carlos dos Anjos (2006)ANJOS, Jose Carlos Gomes dos. 2006. No território da linha cruzada: a cosmopolítica afrobrasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS. colocou no centro da prática antropológica: a encruzilhada, lugar onde caminhos que não se confundem se cruzam de modo a poderem se interfecundar reciprocamente. Isso significa que a justaposição que aqui experimentamos entre filósofos, escritores, pensadores indígenas, afroindígenas, quilombolas e afrobrasileiros, pode talvez permitir discernir um lugar, digamos, mais decente para a prática antropológica. Acreditamos firmemente que esta só faz sentido e só pode funcionar de modo saudável se for, ela também, capaz de estabelecer uma relação transversal com as práticas com as quais se encontra. Ou seja, uma relação definida por um intransigente respeito e vergonha diante das fronteiras que temos que cruzar sem a pretensão, a ilusão ou a intenção de destruir.7 7 "Uma fronteira tem dois lados. É uma interface, um limiar, um espaço liminar, com todo o perigo e a promessa da liminaridade. O lado da frente, o lado yang, o lado que se autodenomina a fronteira, é para onde você ousadamente vai onde ninguém foi antes, avançando como a frente de tempestade, como uma frente de batalha (…). O outro lado da fronteira, o lado yin: é onde você mora. Você sempre viveu lá. Está a seu redor, sempre esteve. É o mundo real, o mundo verdadeiro e certo, cheio de realidade. E é para onde eles vêm. Você não tinha certeza de eles existirem até que eles vieram" (Le Guin, 2004: 28).

  • 1
    Em um fascinante romance (City of illusions, Cidade de ilusões) onde vislumbramos uma possível inspiração para as reflexões de Donna Haraway, Ursula K. Le Guin descreve a conquista do planeta Terra em um futuro distante por um povo alienígena capaz de mentir telepaticamente e que praticamente só conhece uma regra absolutamente inviolável que é imposta a ferro e fogo: não matar. O que não impede que destruam tudo o que a eles se opõe e que façam outros se matarem entre si ou os usem para matar por eles.
  • 2
    Observemos a ressonância entre a recusa afro-brasileira do termo "sacrifício" (que não obstante continua sendo imputado às religiões dessa matriz a fim de persegui-las e destruí-las) e a crítica à lógica sacrificial elaborada por Donna Haraway a partir de Lévinas e Derrida: "Na linhagem dos filósofos ocidentais (…) apenas o Humano pode responder; os animais reagem. O Animal está para sempre posicionado do outro lado de uma lacuna intransponível, uma lacuna que reafirma ao Humano sua excelência por meio do empobrecimento ontológico do mundo da vida que não pode ser seu próprio fim ou conhecer sua própria condição. Seguindo Lévinas (…), Derrida lembra que nessa lacuna reside a lógica do sacrifício, dentro da qual não há responsabilidade para com o mundo vivo senão o humano" (Haraway, 2007HARAWAY, Donna. 2007. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.: 77-78).
  • 3
    Lucas é companheiro de Mametu Muiandê, mãe de Makota Kidoiale, mas, conforme observa Carlos Eduardo Marques, ele foi iniciado e está vinculado a um outro terreiro de candomblé angola e não ao Manzo Ngunzo Kaiango (Marques, 2015MARQUES, Carlos Eduardo. 2015. Bandeira Branca em Pau Forte. A Senzala de Pai Benedito e o Quilomblé Urbano de Manzo Ngunzo Kaiango. Tese de doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.: 96).
  • 4
    "Apesar da multiplicidade dos deuses [Verger está se referindo ao mundo ioruba localizado na Nigéria e no Benim] tem-se algumas vezes a impressão de que não se trata de politeísmo, mas de monoteísmos múltiplos, justapostos, em que cada crente, sendo consagrado apenas a um deus, reverencia unicamente a este, mantendo ao mesmo tempo, em relação às divindades vizinhas, sentimentos que não vão além do simples respeito" (Verger, 2012VERGER, Pierre. 2012. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na antiga costa dos escravos, na África. São Paulo: EDUSP.: 15).
  • 5
    Stela Caputo caracteriza de maneira muito importante o "conceito de tolerância". "O conceito de tolerância é um daqueles que chamo de conceito dupla face, ou do tipo xipófago, ou seja, nunca consegui dizê-lo sem ser grudado no conceito de poder" (grifo da autora). "O que é hegemônico aceita apenas o que não lhe afeta tanto, o que afinal não é "tão diferente assim"' (2012: 230). Como afirma Mãe Beata para Stela Caputo: "Se a escola excluir alunos de candomblé, a escola não merece nenhum respeito" (2012: 208).
  • 6
    "Eu cheguei junto com vocês, andando com vocês, respeitando a fronteira. Esta é a questão. O saber orgânico anda com o saber sintético respeitando a fronteira. O saber orgânico chega na fronteira, e a fronteira para o saber orgânico é um espaço de diálogo (…). Quando ele chega na fronteira, ele não tem fronteira, ele tem limite, e ele não consegue dialogar com outro saber do conflito. Quando ele chega no outro saber ele puf!, não reconhece o outro saber, não dialoga e chega no limite (…). Às vezes eu tenho a felicidade de chegar primeiro em um lugar e esperar os outros que ainda não chegaram. Mas também às vezes eu chego e vocês já chegaram e eu respeito quem chegou" (Bispo dos Santos, 2019aBISPO DOS SANTOS, Antônio. 2019a. Colonização, quilombos. Modos e significações. Brasília: INCTI. Segunda Edição Revista e Ampliada.: 91).
  • 7
    "Uma fronteira tem dois lados. É uma interface, um limiar, um espaço liminar, com todo o perigo e a promessa da liminaridade. O lado da frente, o lado yang, o lado que se autodenomina a fronteira, é para onde você ousadamente vai onde ninguém foi antes, avançando como a frente de tempestade, como uma frente de batalha (…). O outro lado da fronteira, o lado yin: é onde você mora. Você sempre viveu lá. Está a seu redor, sempre esteve. É o mundo real, o mundo verdadeiro e certo, cheio de realidade. E é para onde eles vêm. Você não tinha certeza de eles existirem até que eles vieram" (Le Guin, 2004LE GUIN, Ursula K. 2004. The wave in the mind. Boston: Shambhala Publications.: 28).
  • FINANCIAMENTO: A pesquisa não contou com financiamento

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2021
  • Aceito
    05 Ago 2021
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