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FOTOGRAFIA E DOMINAÇÃO: PARA UMA HISTÓRIA VISUAL DO COLONIALISMO ALEMÃO (1884-1918)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. O arquivo com a documentação utilizada pode ser acessado no seguinte sítio eletrônico: http://ub.bildarchiv-dkg.uni-frankfurt.de.

PHOTOGRAPHY AND DOMINATION: TOWARDS A VISUAL HISTORY OF GERMAN COLONIALISM (1884-1918)

Resumo

A Sociedade Colonial Alemã esteve à frente do projeto de representação fotográfica da colonização alemã no continente africano entre 1884 e 1918. O aparato fotográfico foi um importante instrumento para a colonização não só pelo registro das atividades de europeus nas colônias, mas também porque foi um suporte privilegiado para a elaboração de um imaginário sobre a colonização. A partir do arquivo digital da Sociedade Colonial Alemã, buscamos compreender neste artigo o modo pelo qual o olhar fotográfico de tal instituição focalizou a paisagem colonial, fosse ela o espaço geográfico, fosse o espaço já com a interferência dos colonizadores. Além disso, buscamos também entender como tais fotografias foram responsáveis por construir uma narrativa sobre a colonização do espaço africano pelos alemães.

Palavras-chave
Fotografia; Colonialismo; África; Alemanha; Paisagens

Abstract

The German Colonial Society occupied the front role in the project of photographical representation of the German colonization in Africa between 1884 and 1918. Photography was an important instrument for colonization not only for the register of the European activities in the colonies, but also because it was a privileged support for the elaboration of an imaginary about the colonization. From the digital archive of the German Colonial Society, in this paper we aim to understand the way in which the colonial gaze of this institution focalized the colonial landscape, be it the geographical space, be it the space with the interventions of the colonizers. Furthermore, it is also our intention to comprehend how such photographs were responsible for building a narrative about the colonization of the African space by German colonizers.

Keywords
Photography; Colonialism; Africa; Germany; Landscape

Introdução

Pensar a fotografia enquanto um objeto histórico não é algo necessariamente novo no campo historiográfico. Desde muito tempo, historiadores e historiadoras profissionais têm investido seu tempo em investigar não só como a abordar metodologicamente, mas também em identificar, classificar e analisar arquivos inteiros que têm na fotografia seu principal suporte. No entanto, a fotografia em contexto colonial é um campo que só recentemente vem ganhando mais atenção de pesquisadores internacionais e nacionais (CORRÊA, 2020CORRÊA, Sílvio. Fotografias do exílio e da vilegiatura de uma rainha malgaxe em coleções digitais. Confluenze – Rivista di Studi Iberoamericani, Bolonha, v. 12, n. 2, 2020.; HAYES, 2015HAYES, Patricia. The uneven citizenry of photography: reading the ‘political ontology’ of photography from Southern Africa. Cultural Critique, Minnesota, n. 89, 2015.; VICENTE, 2012VICENTE, Filipa Lowndes. Fotografia e colonialismo: para lá do visível. In: JERÓNIMO, Manuel Bandeira (org.) O império colonial em questão (séculos XIX e XX): poderes, saberes e instituições. Lisboa: Edições 70, 2012.). De fato, o mesmo momento que viu nascer a técnica fotográfica foi também o período que gestou o colonialismo contemporâneo. Daí a larga utilização da fotografia em contexto colonial – seja para atestar a presença europeia nos territórios recém-conquistados, seja para produzir objetos de conhecimento e domínio sobre as regiões, seja ainda como instrumento afetivo para criar lembranças de uma vida fora da pátria-mãe. O chamado arquivo colonial1 1 Tomamos aqui a definição de arquivo colonial tal como sugeriu Sílvio Corrêa: “Arquivo colonial tem uma conotação metafórica que remete à ideia de um conjunto de documentos produzidos e acumulados pelo Estado colonial ou por alguma pessoa jurídica ou física e cujo corpus documental arquivado em diferentes suportes (papel, fotografia, filme etc.) tem relação direta com o colonialismo” (CORRÊA, 2021, p. 113). vem ganhando, dessa forma, cada vez mais espaço nas investigações históricas.

Conforme afirmou Filipa Vicente, é necessário compreender a fotografia não só como uma superfície que expõe imagens, mas também como um objeto inserido em um contexto discursivo e textual (VICENTE, 2012VICENTE, Filipa Lowndes. Fotografia e colonialismo: para lá do visível. In: JERÓNIMO, Manuel Bandeira (org.) O império colonial em questão (séculos XIX e XX): poderes, saberes e instituições. Lisboa: Edições 70, 2012., p. 434), ao qual eu acrescentaria, ainda, inserida em um contexto institucional. Sobretudo no que diz respeito à fotografia em contextos coloniais, deve-se ainda estar atento aos múltiplos usos e sentidos que a fotografia assumiu a depender de quem a produziu, em qual suporte ela se tornou pública (ou não, para o caso de fotografias privadas), por onde ela circulou, em qual arquivo ela se encontra (nas antigas colônias ou nas antigas metrópoles), a quem se destinava, quem a viu etc. Nesse sentido, a história visual do colonialismo busca compreender não só como os regimes de visualidade desenvolveram diferentes padrões estéticos para representar determinadas realidades, mas também se busca elaborar uma significação histórica para tal representação visual dentro de um circuito social muito mais amplo no qual se inserem as fotografias a serem investigadas.

No caso do presente artigo, apresentamos um estudo sobre uma série de fotografias que se encontram no arquivo digital da Sociedade Colonial Alemã (Deutsche Kolonialgesellschaft – DKG), hospedado pela Universidade de Frankfurt am Main. Fundada em 1884, a DKG era uma organização de caráter majoritariamente privado cujo principal objetivo era promover a colonização alemã em ultramar, em especial nas colônias em África2 2 No período que compreende os anos de 1884 e 1918, a Alemanha possui quatro territórios coloniais na África: África do Sudoeste Alemã (atual Namíbia), África Oriental Alemã (atual Tanzânia, Ruanda e Burundi), Togo e Camarões. Além dos territórios africanos, o império alemão possuía ainda como colônias algumas ilhas no Pacífico (Samoa e Nova-Guiné) e o enclave de Kiautschou em território chinês. . A ênfase da atuação da Sociedade Colonial recaía sobre um intenso trabalho de propaganda, não só para angariar novos membros, mas também para justificar o projeto colonialista chancelado e financiado pelo governo nacional. O discurso sobre a importância e necessidade da colonização alemã em África não foi produzido somente em um âmbito burocrático de tomadas de decisões para as atividades colonizadoras na região. A visualidade foi um dos principais meios utilizados pela DKG na construção de uma identidade colonial para o povo alemão (cf. LANGBEHN, 2011LANGBEHN, Volker. The visual representation of blackness during German imperialism around 1900. In: PERRAUDIN, Michael; ZIMMERER, Juergen (ed.). German colonialism and national identity. Nova York/ Londres: Routledge, 2011.). Dentre os inúmeros suportes materiais do regime de visualidade promovido pela Sociedade Colonial Alemã, encontramos em números elevados a produção de fotografias nas colônias. A DKG esteve à frente, portanto, do projeto de representação fotográfica da colonização e seus membros utilizaram-se do aparato fotográfico desde o início do processo de ocupação nos territórios africanos. Além disso, fotografias tiradas por viajantes, missionários e exploradores que passavam pelos territórios alemães na África eram coletadas pela instituição e mantidas em um arquivo visual que providenciava praticamente todo material imagético utilizado nas divulgações da empreitada imperial alemã (HAYES; SILVESTER; HARTMANN, 2001HAYES, Patricia; SILVESTER, Jeremy; HARTMANN, Wolfram. The colonising camera: photographs in the making of Namibian history. Cape Town: University of Cape Town Press, 2001., p. 12). Dessa forma, é notável a quantidade de material imagético disponível no arquivo da DKG, sendo cerca de 50.000 imagens entre fotografias, cartazes, panfletos etc. Hoje, mantida e disponibilizada digitalmente pela Universidade de Frankfurt, a coleção da Sociedade Colonial tem seu próprio percurso ao longo da diacronia histórica. O espólio documental da Sociedade, que encerrou suas atividades em 1943, foi destinado à Biblioteca dessa universidade logo após o findar da Segunda Guerra Mundial. No entanto, boa parte dessa documentação está envolta nos profundos silêncios que permeiam os caminhares das fontes dos historiadores (cf. CORRÊA, 2021CORRÊA, Sílvio. As marcas do silêncio em imagens de arquivos. In: FLORES, T.; CORRÊA, Sílvio; VASCONCELOS, S. (coord.) Imagens e arquivos, fotografias e filmes. Lisboa: Instituto de Comunicação da NOVA, 2021.).

Na esteira da íntima relação entre fotografia e colonialismo, está posta a questão do poder e do domínio territorial. O ato de fotografar esteve por vezes estreitamente vinculado a uma lógica “coletora” e “documentadora” da realidade (VICENTE, 2012VICENTE, Filipa Lowndes. Fotografia e colonialismo: para lá do visível. In: JERÓNIMO, Manuel Bandeira (org.) O império colonial em questão (séculos XIX e XX): poderes, saberes e instituições. Lisboa: Edições 70, 2012., p. 440). Nesse sentido, afirmo ao longo deste trabalho que uma das funções da câmera colonial era justamente a de dominar o espaço a ser colonizado: seja pela coleta de informações visuais sobre o território, seja pela construção de uma narrativa visual com objetivo de favorecer o processo colonizador europeu nesses espaços. As fotografias aqui reunidas têm, portanto, como objeto principal a paisagem, seja ela geográfica ou a paisagem colonial, já com as marcas da colonização alemã. O elemento unificador por excelência dessas fotografias é o constante modo de representação que elas apresentam: imagens panorâmicas ou com o foco exclusivo em árvores, rios e cachoeiras, por um lado, ou com o foco em alguma construção que atestasse a presença da colonização naquele ambiente, por outro. Além disso, uma característica recorrente nessas fotografias é a falta da presença de seres humanos, ou seja, tanto a figura do africano quanto a figura do colonizador não compõem este tipo de registro visual.

O objetivo é, portanto, desenvolver uma análise procurando compreender de que forma as lentes da Sociedade Colonial Alemã registraram o espaço colonial e qual narrativa podemos extrair a partir delas. Privilegia-se aqui, como recorte espacial principal, os territórios da África do Sudoeste Alemão e da África Oriental Alemã devido ao volume de fotografias no arquivo. Importante mencionar desde já que as fotografias produzidas pela Sociedade Colonial tinham como propósito principal não somente o registro das atividades alemãs em suas colônias, mas também, e acima de tudo, elas possuíam uma importante função de propaganda dessa instituição para os cidadãos na pátria-mãe.

Fotografia como suporte de veracidade

A fotografia como um suporte material para a captura e representação de imagens desenvolveu-se a partir dos anos 20 do século XIX e tem como principais nomes os franceses Joseph Niépce e Louis-Jacques Daguerre3 3 De acordo com Maria Eliza Linhares Borges, entre as décadas de 1820 e 1860, diferentes indivíduos da Europa e das Américas desenvolveram pesquisas dos processos físico-químicos para a captação de imagens. No entanto, a identificação da invenção da fotografia com os nomes de Niépce e Daguerre deveu-se ao fato da grande publicidade feita em torno à reunião dos dois cientistas, agenciada por François Arago, membro do Parlamento Francês, em 1839 (Cf. BORGES, 2011, p. 38). . A partir das técnicas desenvolvidas por ambos de captura de imagens a partir de exposições luminosas e de reprodução em superfícies sensíveis, o processo fotográfico foi rapidamente ampliado e refinado como uma nova técnica. Para além da nova tecnologia representada pelo advento da fotografia, é possível afirmar que com ela nasceu junto um novo modo de olhar o mundo, vale dizer, uma nova experiência subjetiva de lidar com um cotidiano inédito que se apresentava aos indivíduos das metrópoles urbanas europeias desse período. Conforme afirmou Maria Eliza Linhares Borges, essa novidade técnica nascia no seio de uma “sociedade cada vez mais laica, globalizada, veloz e tecnológica” (BORGES, 2011BORGES, Maria Eliza Linhares. História e fotografia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011., p. 37).

A ida aos estúdios de fotógrafos profissionais significava não só uma posição social e financeira elevada, mas também indicavam um desejo cada vez mais presente na sociedade burguesa de transcender o anonimato imposto pela metrópole urbana. Já em 1903, o sociólogo alemão Georg Simmel atentou para as transformações psíquicas ocorridas entre homens e mulheres que viveram nas grandes metrópoles urbanas na segunda metade do século XIX. Para Simmel, a intensificação dos estímulos nervosos foi a base da vida mental nesse novo cenário e os indivíduos confrontavam-se, cada vez mais, com a necessidade de manter uma personalidade própria em meio a um mundo cada vez mais massificado (SIMMEL, 1973 [1903]SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973., p. 23-24). A era dos estúdios fotográficos, dessa forma, fez parte de um novo regime de visualidade que se formou junto ao incremento de novas técnicas de “reprodução, maior circulação de imagens produzidas em massa, a invenção de um número desconcertante de novos dispositivos ópticos e novas formas institucionalizadas de ver voltadas para as classes médias” (SANDBERG, 2004SANDBERG, Mark. Efígie e narrativa: examinando o museu de folclore do século XIX. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa (org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004., p. 363).

Já no final do século XIX, a fotografia havia popularizado-se entre as camadas urbanas e estava disponível como uma comódite para consumo da pequena burguesia metropolitana. Conforme afirmou Ana Carolina Schveitzer, no ano de 1884, ano de início da Conferência de Berlim, inclusive, os estadunidenses George Eastman e William Walker haviam solicitado a patente do filme de rolo, o que tirou a exclusividade do ato de fotografar das mãos dos fotógrafos profissionais e possibilitou o acesso de um público mais amplo na produção de fotografias (SCHVEITZER, 2016, p. 29SCHVEITZER, Ana Carolina. Imagens do império: mulheres africanas pelas lentes coloniais alemãs (1884-1914). Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.). A primeira câmera portátil desenvolvida pela empresa de Eastman, a Kodak, começou a ser vendida no ano de 1888.

Para além da revolução técnica propiciada pela fotografia na forma de produzir-se imagens, seu impacto social e subjetivo sobre os processos de visualização da realidade foi algo realmente notável e que penetrou profundamente a mentalidade ocidental. De acordo com Philippe Dubois e Geneviéve van Cauwenberge, no discurso primeiro sobre a fotografia, ela foi considerada massivamente como a imitação mais perfeita da realidade. Ao longo do século XIX, o processo fotográfico foi entendido quase que exclusivamente a partir de sua capacidade mimética do real, capacidade que se dava, justamente, pela sua natureza extremamente técnica, advinda sobretudo do procedimento mecânico que “permitia fazer aparecer a imagem de maneira automática, objetiva, quase natural” (DUBOIS; VAN CAUWENBERGE, 2015DUBOIS, Philippe; VAN CAUWENBERGE, Geneviéve. De la verosimilitud al índex: pequeña retrospectiva histórica sobre la cuestión del realismo en la fotografía. In: DUBOIS, Philippe. El acto fotográfico y otros ensayos. Buenos Aires: La Marca, 2015., p. 45, tradução nossa). A ideia da fotografia como algo automático teve implicações também no modo de interpretação do que seria um fotógrafo. Segundo um acirrado debate na época, levado a cabo, inclusive, por Charles Baudelaire, o fotógrafo seria aquele que apenas assiste a cena e comporta-se quase como um assistente da máquina, ou seja, o indivíduo por trás da câmera era considerado como um técnico em produzir imagens. Em contraposição a esse papel técnico do fotógrafo, estaria o artista plástico, aquele que produz imagens a partir da pura criação imaginária subjetiva, fruto da criatividade da mente humana e da atividade das mãos do pintor.

Tanto a ideia de a fotografia ser uma reprodução mimética do mundo quanto a ideia de o fotógrafo ser um mero técnico que aciona a máquina denotam a posição que a fotografia passou a assumir nesse momento. Ela ganhou ares de artefato objetivo, livre de interferências humanas, vale dizer, assumiu um caráter científico e de documentação do real. Nessa concepção, entende-se que a fotografia não interpreta, não seleciona e não hierarquiza determinada realidade sobre outra, mas apenas retrata de forma pura e objetiva o mundo a sua frente, ela é uma opera sine manu facta, ou seja, sem intromissões subjetivas de seu produtor. O processo fotográfico, dessa forma, deu início a um novo sentido de verossimilhança entre imagem e realidade que já era buscado pela pintura no Ocidente desde, pelo menos, a técnica da perspectiva renascentista. A importância política dessa nova mídia reside no fato de que, em primeiro lugar, ela tornou acessível um tipo de visualizar o mundo para uma audiência muito mais ampla e, em segundo lugar, ela desenvolveu uma nova linguagem imagética que atestava uma experiência direta entre imagem-objeto e espectador (ROSS, 2008ROSS, Corey. Media and the making of modern Germany. New York: Oxford University Press, 2008., p. 192).

É justamente a partir desse entendimento da fotografia como a imitação mais perfeita da realidade que ela serviu aos interesses dos agentes do imperialismo europeu na África. A partir da nova linguagem visual instituída pela foto e da ideia do estabelecimento de uma relação não mediada entre imagem e espectador, a visualidade criada pelas fotografias das e nas colônias foi um elemento central utilizado pelos poderes metropolitanos, não só para a projeção do poder colonial, ou seja, a utilização da fotografia como um meio de propaganda, mas também, e sobretudo, ela foi largamente usada para integrar o tema do Império com a vida na metrópole.

Além disso, a ideia de a fotografia ser um suporte visual livre de interferências subjetivas teve um papel importante no que Mary Louise Pratt definiu como anticonquista. Segundo essa autora, o conceito de anticonquista pode ser definido pelas estratégias de representação pelas quais a burguesia europeia buscou assegurar sua inocência ao mesmo tempo em que garantiam sua dominação (PRATT, 1992PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel writing and transculturation. London: Routledge, 1992., p. 7). Conforme veremos a seguir, as fotografias da Sociedade Colonial Alemã que retrataram as paisagens das suas colônias possuíam, para além do elemento de registro da curiosidade humana, uma característica de mapear o espaço colonizado, definir os limites do território conquistado, documentar e catalogar a biodiversidade ali existente, além de auxiliar a compreender as possibilidades que o território dispunha de exploração econômica.

Domínio colonial alemão na África: um breve contexto

A África do Sudoeste Alemã (Deutsch Südwestafrika), atual Namíbia, foi, sem dúvida, a menina dos olhos da colonização alemã no continente a partir do início do século XX. Foi para lá que emigraram o maior número de colonos alemães que foram para a África4 4 De acordo com Woodruff Smith, em 1912, a África do Sudoeste Alemã possuía cerca de 14.816 colonos brancos, ao passo que, no mesmo período, havia cerca de 4.886 na Tanzânia, 1.537 no Camarões e 345 no Togo (cf. SMITH, 1978, p. 51). ; era dessa colônia que se obtinham os melhores dados para o comércio exterior alemão do período5 5 De acordo com Helmuth Stoecker, em 1913, a extração de diamantes no território rendia cerca de 52.910.000 marcos de exportação para o grande capital monopolista alemão, ao passo que a exportação de cobre girava em torno de 7.929.000 marcos naquele mesmo ano (cf. STOECKER, 1986, p. 146-147). e foi desse local que a opinião pública alemã mais se ocupou nos tempos da colonização - sobretudo, durante a agitada e brutal guerra colonial entre 1904 e 1908.

De 1884, quando da formalização do Sudoeste Africano como área de interesse alemão, até pelo menos a metade da década de 1890, a África do Sudoeste teve uma posição um tanto quanto ambígua na política imperialista alemã. Tal posição dava-se, sobretudo, por dois motivos: em primeiro lugar, pela situação política interna na Alemanha, na qual os grupos pró e contra o imperialismo em África enfrentavam-se constantemente no Reichstag e, de forma geral, exerciam diferentes graus de influência sobre o imperador Wilhelm II e, sobretudo, sobre o chanceler Otto von Bismarck e posteriormente, sobre seu sucessor Leo von Caprivi. Em segundo lugar, podemos apontar o fato de que a própria estabilidade do poder colonial dos alemães nos territórios africanos estava longe de estar equilibrada em fins do século XIX. Entre 1886 e 1892, o cenário do território alemão no Sudoeste Africano pode ser descrito da seguinte maneira: a) existiam os territórios particulares adquiridos na segunda metade do século por Aldolf Lüderitz e que, a partir de 1885, devido a crises financeiras, passaram para as mãos da Sociedade de Colonização da África do Sudoeste Alemã (Deutsche Kolonialgesellschaft für Südwestafrika), associação formada, sobretudo, por banqueiros alemães como Hansemann e Bleichröder representando os interesses do grande capital financeiro; b) havia o extenso território que estava sob proteção do Império Alemão, definido a partir de tratados firmados com os diversos povos locais a partir dos interesses comerciais sinalizados por Lüderitz e que garantiam naquele momento uma penetração alemã “legalizada” no Sudoeste Africano; c) e, finalmente, havia o território habitado pelos povos que haviam recusado, em um primeiro momento, os tratados de “proteção” com a Alemanha, sobretudo os Namas que rejeitavam categoricamente a autoridade alemã. Some-se a esse cenário o próprio panorama interno da região que há pelo menos 5 décadas vinha sendo abalado pelos conflitos entre o povo Herero, sob liderança de Samuel Maharero, e o povo Nama, sob chefia de Hendrik Witbooi. Dessa forma, conforme afirmou Helmuth Stoecker, nos anos 1890, o próprio Kaiser parecia disposto a abandonar o Sudoeste Alemão para concentrar-se na África Oriental (STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 43).

No entanto, a situação da África do Sudoeste Alemã começou a mudar quando o General Theodor Leutwein passou a empregar novas técnicas de “pacificação”6 6 A ideia de “pacificação” dos povos africanos foi desenvolvida durante a invasão colonial pelos poderes metropolitanos e expressava claramente o sentido atribuído à ocupação: a necessidade de limpar o território a ser explorado de todo e qualquer obstáculo para esse objetivo. No entanto, a historiografia eurocêntrica produzida sobre o imperialismo aceitou e difundiu a ideia de pacificação do território até pelo menos a década de 1960, marcando definitivamente a tese de que as sociedades africanas haviam aceitado facilmente a dominação europeia, ou, no caso das grandes insurreições, sustentando a tese de que tais povos eram sanguinários e pouco dados aos benefícios da “civilização” (Cf. RANGER, 2010). (leia-se subjugação) dos africanos, variando da diplomacia ao uso da força bruta contra seus oponentes. A partir daí, o Sudoeste Alemão passou a ser visto com outros olhos pelos políticos alemães que passaram a aceitar progressivamente a ideia de que esse território poderia efetivamente abrigar colonos no tão esperado projeto de colonização da Sociedade Colonial Alemã.

O território da África Oriental Alemã (Deutsch Ostafrika), por sua vez, nasceu dos interesses particulares de Carl Peters, um explorador autônomo que se lançou à aventura colonial na África pela grande admiração que tinha pelo Império Britânico. Apesar de ser considerado alguém fora dos padrões pelos seus próprios contemporâneos imperialistas, Peters foi responsável por obter “tratados de proteção” junto aos povos da região leste do continente entre os anos de 1884 e 1885, somando praticamente 14 mil km2 desse território. A partir das discussões dos tratados da Conferência de Berlim, foram desenhadas as primeiras fronteiras de zonas de influência na região entre Alemanha, França, Grã-Bretanha e Portugal. A partir dos contatos estabelecidos previamente por Peters, Bismarck declarou a região sob proteção oficial do Estado germânico.

No entanto, como a reputação de Peters era demasiado mal vista pelos financistas dos grandes bancos alemães, ele precisou recorrer diretamente ao alto escalão do governo para conseguir apoio financeiro para sua empresa de colonização, a Sociedade para Colonização da África Oriental Alemã (Deutsch Ostafrikanische Gesellschaft). Somente após a liberação de cerca de 500 mil Marcos pelo governo, os industrialistas e banqueiros sentiram-se mais confortáveis para financiar o projeto de Peters. De acordo com Marion Brepohl, esta frágil posição de Carl Peters dava-se porque ele não pertencia originalmente à burocracia estatal, tampouco havia sido parte do exército alemão, nem era um homem de letras, político ou jornalista e havia conquistado recursos pela bajulação e pela retórica patriótica dirigida tanto ao governo quanto aos homens de negócios (BREPOHL, 2010BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o imperialismo (1880-1945). Uberlândia: EDUFU, 2010., p. 162). Conforme afirmou Hannah Arendt, Peters parecia ter sido o tipo ideal de homem supérfluo que viu na corrida colonial uma oportunidade de satisfazer ao seu ego metropolitano, justamente no contexto do imperialismo europeu em África que, segundo essa autora, envolveu homens supérfluos em busca de riquezas supérfluas financiados com o capital supérfluo advindos da exploração capitalista (ARENDT, 1989 [1951]ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989., p. 219).

Entretanto, o sonho de conquistar um território que rapidamente se converteria em fonte de lucros foi abruptamente interrompido pela realidade encontrada no território ocupado. Conforme afirmou Helmuth Stoecker, logo a partir de 1887 iniciaram-se inúmeras revoltas e levantes de resistência contra os agentes coloniais alemães, sobretudo aqueles ligados à Sociedade para Colonização da África Oriental Alemã, revoltas que buscavam restabelecer seus domínios econômicos, mas que também protestavam contra a brutalidade dos agentes alemães e ao desrespeito as suas atividades culturais. Dessa forma, tanto a população costeira dos comerciantes suaílis como os povos do interior da região juntaram forças nos ataques contra seu inimigo em comum. A Sociedade Colonial Alemã junto com a Sociedade para Colonização da África Oriental Alemã e o governo imperial - que tinha claro que não podia perder prestígio junto aos seus conterrâneos imperialistas, muito menos perder territórios para eles - iniciaram um forte esquema de intervenção militar na região com a justificativa de que a estariam livrando do bárbaro comércio de escravos levado a cabo pelos árabes ali estabelecidos. Apesar da ferrenha oposição dos social-democratas, o Reichstag aprovou em janeiro de 1889 cerca de 4 milhões de Marcos para a intervenção militar na região. Seguiu-se daí até pelo menos 1894, um período de intensa atividade militar liderada pelo Coronel Hermann Wissmann e suas “forças de proteção” (Schutztruppe), formadas massivamente por mercenários de várias regiões do continente africano (MEREDITH, 2017MEREDITH, Martin. O destino da África: cinco mil anos de riquezas, ganância e desafios. Rio de Janeiro: Zahar, 2017., p. 410).

Segundo fontes da época7 7 Em 1914, Alfred Zimmermann, oficial do Escritório Colonial, publicou a História da Política Colonial Alemã onde escreveu: “No fim de fevereiro de 1892 o Sultão de Ugogo, amigo dos Wahehe, foi punido; em março a força expedicionária queimou todas as vilas de Mahenge-Mafiti, como resultado das lutas que haviam iniciado no verão” (Cf. STOECKER, 1986, p. 104, tradução nossa). , a guerra colonial na África Oriental foi dirigida pelo terror dos castigos, execuções em massa e destruições de vilas completas, enfraquecendo, dessa forma, toda a estrutura social dos povos que ali habitavam. Paralelamente à essa experiência de violência intensa, Alemanha e Grã-Bretanha finalizavam os acordos sobre os territórios do leste africano. Em 1890, os dois governos assinaram o Tratado de Heligolândia-Zanzibar que finalmente estabeleceu as fronteiras da África Oriental Alemã até 1919.

A câmera que se apropria: o olhar que se apodera da paisagem

Susan Sontag afirmou certa vez que “colecionar fotos é colecionar o mundo” (SONTAG, 2004SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2004., p. 13). Obviamente, a autora não estava se referindo ao contexto do imperialismo europeu, nem tampouco à fotografia no século XIX. No entanto, quando tive contato pela primeira vez com essa ideia, logo pensei no arquivo fotográfico da Sociedade Colonial Alemã. De fato, a ideia de fotografar para colecionar o mundo nos pareceu de pronto vinculada a uma das possíveis funções atribuídas à fotografia pelos agentes do imperialismo alemão. Conforme veremos a seguir, os insistentes retratos das paisagens dos territórios conquistados, sobretudo das maiores colônias alemãs na África, confirmam a ideia de Sontag de que a fotografia podia ser um meio de trazer para o cotidiano metropolitano todo o encantamento burguês de reunir em um só lugar (o álbum de fotos, talvez) toda a potência esperada da experiência colonial.

As fotografias abaixo da África do Sudoeste Alemã provavelmente foram feitas entre os anos de 1909 e 1912. Aparentemente, em um princípio, imagens mudas, essas figuras ganham relevância dentro do arquivo porque se mostram como um modo de representação sistematicamente buscado pelos sujeitos produtores das fotografias em análise. Fotografias semipanorâmicas (figura 1) ou que focalizavam em aspectos mais detalhados da paisagem (figura 2) foram um tipo preferencial dos fotógrafos que trabalharam para a Sociedade Colonial Alemã e constituíram um verdadeiro corpus imagético sobre o tema.

Figura 1
Paisagem I, África do Sudoeste Alemã

Figura 2
Paisagem II, África do Sudoeste Alemã

É ainda Susan Sontag quem afirma que “fotografar é apropriar-se da coisa fotografada” (SONTAG, 2004SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2004., p. 14). Assim como a metáfora de colecionar o mundo, a ideia de que a fotografia permite que os sujeitos se apropriem do objeto fotografado é ainda mais interessante para a discussão sobre as fotografias no contexto do colonialismo. Volto aqui a dialogar com Mary Louise Pratt e seu conceito de anticonquista. Como vimos, esse conceito refere-se aos modos de representação desenvolvidos durante os encontros coloniais ou, como Pratt definiu, nas zonas de contato, onde o colonizador europeu buscou desenvolver diversos meios de garantir a dominação do espaço ainda que se utilizando de discursos de neutralidade. O principal meio de representação da anticonquista discutido por Pratt foram as obras de viajantes naturalistas que se aventuraram às Américas e também à África ao longo dos séculos XVIII e XIX. Segundo a autora, foi a partir desse momento de expansão colonial contemporânea que na Europa se criou uma consciência planetária, ou seja, a ideia sustentada pela crença na ciência e no progresso de que o mundo inteiro poderia ser transformado em objeto de pesquisa para esse novo tipo de saber.

Não é inútil lembrar que a ciência moderna fundada em bases cartesianas pressupunha uma total separação entre sujeito-observador e objeto-estudado. Na concepção do paradigma científico fundada a partir do século XVI, a separação entre a natureza e o ser humano era completa. Segundo Boaventura de Sousa Santos:

[Neste paradigma] a natureza é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes ativo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana o senhor e o possuidor da natureza. (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2010., p. 25)

Foi justamente com base nessas suposições que o conhecimento fundado pelo paradigma cientificista pode dedicar-se à busca de um saber por meio de uma observação entendida como desinteressada e livre. No entanto, segundo Mary Louise Pratt, durante os processos de colonização, podemos observar uma aparente contradição de termos. As ideologias dominantes sustentavam a partir dessa lógica uma clara distinção entre a busca interessada de riquezas para a grandeza das nações metropolitanas versus a desinteressada busca por um conhecimento verdadeiro, neutro e objetivo (PRATT, 1992PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel writing and transculturation. London: Routledge, 1992., p. 18). Dessa forma, pois, entendia-se que o conhecimento científico era algo independente das motivações e vontades de seus produtores, ou, seguindo o pensamento de Edward Said, o conhecimento poderia estar assepticamente separado de suas filiações mundanas (SAID, 2011 [1993]SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011., p. 13).

Essa concepção de um conhecimento livre de comprometimentos político-sociais teve uma importante fundamentação filosófica que acompanhou o processo de desenvolvimento do paradigma cientificista, bem como caminhou junto com a primeira experiência colonial dos séculos XV e XVI nas Américas. De acordo com Enrique Dussel, a origem da modernidade filosófica é situada a partir da obra de René Descartes que, de forma geral, afirma que o sujeito do ego cogito seria uma alma independente de toda a materialidade, de toda sua extensão corpórea; segundo Dussel, a alma era para Descartes uma “coisa (res) espiritual, imortal, substância separada do corpo” (DUSSEL, 2015aDUSSEL, Enrique. Meditações anti-cartesianas: sobre a origem do anti-discurso filosófico da modernidade: parte I. Revista Filofazer, Passo Fundo, n. 46, 2015., p. 22). A partir dessa lógica esmiuçada nas obras Discurso sobre o Método (1637) e Meditações (1641), na concepção cartesiana, o corpo transforma-se em uma máquina quantitativa e funcional. Parte-se daí, seguindo os argumentos de Dussel, que essa “máquina pura” não notará e mesmo prescindirá de sua cor da pele, sua raça e seu sexo, muito embora o argumento de Descartes só possa ser pensado a partir da raça branca e do sexo masculino. Dessa forma, iniciam-se aqui “todas as abstrações ilusórias de grau zero da moderna subjetividade filosófica e da constituição do corpo como mercadoria quantificável com um preço” (DUSSEL, 2015aDUSSEL, Enrique. Meditações anti-cartesianas: sobre a origem do anti-discurso filosófico da modernidade: parte I. Revista Filofazer, Passo Fundo, n. 46, 2015., p. 24). Foi exatamente essa noção do ego cogito cartesiano que deu origem a toda uma tradição filosófica que:

(...) situaria a corporeidade dos sujeitos coloniais como máquinas exploráveis: o corpo dos índios da encomienda, da mita ou da propriedade latino-americana, ou dos escravos africanos da casa grande das plantações do Brasil, do Caribe ou da Nova Inglaterra. Nos ombros da Modernidade se retiraria para sempre, até hoje, o ‘ser humano’ dos sujeitos coloniais. (DUSSEL, 2015bDUSSEL, Enrique. Meditações anti-cartesianas: sobre a origem do anti-discurso filosófico da modernidade: parte II. Revista Filofazer, Passo Fundo, n. 47, 2015., p. 27)

A modernidade filosófica, e podemos acrescentar também a modernidade histórica, desenvolveu-se, sobretudo, a partir de um ato fundador: o ocultamento do ser colonial.

As representações tanto textuais quanto visuais produzidas pelos viajantes analisados por Pratt denunciavam a conquista justamente a partir de um discurso impregnado de uma pretensa objetividade e neutralidade. Segundo afirmou a autora, o viajante naturalizava a presença global europeia e a sua própria autoridade, vale dizer, entendia-se mesmo como um sujeito servindo apenas aos interesses científicos e não como parte integrante de um modo colonizador de ver e estar no mundo, conforme argumentado a partir de Dussel.

Entendo, pois, que as fotografias produzidas pela Sociedade Colonial Alemã com a temática de paisagens geográficas enquadram-se muito bem nessa ideia de anticonquista. Conforme avançamos ao longo do arquivo, as fotografias projetaram uma imagem homogênea de que as colônias alemãs na África eram um espaço intocado pela presença humana, desprovido de qualquer atividade cultural de transformação dessa natureza em algo utilitário para a sociedade, mas, justamente por isso, um espaço vazio que detinha um enorme potencial de exploração de recursos buscados pela sociedade capitalista industrial europeia. Nesse sentido, o fotógrafo colonial assemelhar-se-ia à imagem do viajante naturalista de Pratt que buscava tão somente representar da forma mais pura e objetiva aquilo que se apresentava a sua frente. No caso dos fotógrafos da Sociedade Colonial Alemã, o aparato da dominação que se camuflava como instrumento de registro era justamente a câmera fotográfica, uma câmera que se apropriava de um espaço e de um registro fotográfico entendido como a mímesis mais perfeita do real.

Ainda de acordo com Pratt, o mapeamento sistemático do globo relacionava-se com a busca em expansão de fontes de exploração comercial, novos mercados e terras para colonizar. Quando observamos, por exemplo, fotografias como a figura 3, logo verificamos que elas retratam um importante recurso para o desenvolvimento da indústria alemã como o óleo de palma, por exemplo.

Figura 3
Lago Tanganica, África Oriental Alemã

Gostaria, contudo, de focar por alguns instantes na figura 4. O arquivo não traz nenhuma outra informação sobre essa fotografia, a não ser que ela foi tirada em território da África do Sudoeste Alemã. No entanto, ela contém alguns elementos que chamam a atenção para pensar o modo de apropriação do espaço pelas lentes fotográficas do colonizador alemão. Vemos nessa imagem rochas enormes em um ambiente aparentemente árido e com parca vegetação. No canto inferior esquerdo, porém, notamos a presença de quatro pessoas brancas (uma família talvez, composta pelo pai e pela mãe, ambos em pé, uma moça que está sentada e ao seu lado um jovem rapaz, também sentado no chão). As suas presenças nesse registro fotográfico denunciam, acima de tudo, a dimensão das rochas (tal como recorrente na pintura romântica alemã do século XVIII): seus corpos servem de referência para o observador dessa fotografia do tamanho real das rochas encontradas nesse ambiente. Esta fotografia foi posteriormente utilizada como um cartão postal que anuncia que o local se chama Erongo (próximo a Swakopmund) e que essa localidade era um lugar turístico para os colonos que ali viviam e aos possíveis visitantes da colônia.

Figura 4
Rochas, África do Sudoeste Alemã

É importante destacar aqui que o tema relacionado à paisagem natural não era novo para o olhar alemão. De acordo com Túlio Barbosa, a estética derivada do Romantismo foi um agente impulsionador da Geografia como conhecimento científico e definidora das categorias geográficas ao longo do século XIX, especialmente a partir da obra de Alexander von Humboldt. Segundo Barbosa, o espírito germânico derivado do Romantismo promoveu o desenvolvimento do pensamento sobre a paisagem como uma categoria geográfica e sua fundamental importância no entendimento da relação entre o sujeito e o mundo, bem como na maneira de compreender como os sujeitos se comportam nessa relação (BARBOSA, 2011BARBOSA, Túlio. Estética romântica germânica e a paisagem em Humboldt: percurso da Geografia. Tese de doutorado em Geografia, UNESP, Presidente Prudente, 2011., p. 148-149). Nesse sentido, a partir da estética do Romantismo alemão, a natureza não seria meramente um objeto de estudo, mas a unidade fundamental para e com o sujeito.

Não foi à toa, portanto, que a busca pela paisagem esteve absolutamente vinculada nesse momento à ideia de subjetividade, de sentimentalismo, de liberdade e de nacionalismo pela natureza do território e do povo germânicos. Dessa estética que inundou a produção literária, poética e filosófica do período, também nasceu uma visualidade vinculada a esses elementos. Nesse sentido, podemos afirmar que o famoso quadro de Caspar David Friedrich, Caminhante sobre o mar de névoa, de 1818, representou uma apoteose do sentimento do jovem Werther de Goethe (1774) que afirmara que “Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo!”: assim como Werther, símbolo máximo do Romantismo alemão, que sofrera todas as dores pela exacerbação do seu sentimentalismo vivido intensamente por meio de sua subjetividade, o caminhante do quadro de Friedrich fita o horizonte, o infinito; solitário, ele contempla o mundo e, dessa forma, o mundo existe mediante a sua percepção, esse eu que contempla o mundo inteiro dentro de si.

No entanto, ainda que a estética filosófica e visual derivada do Romantismo tenha construído um mundo à importância da contemplação do sujeito, a experiência colonial desnudou qualquer traço de sentimentalismo na relação natureza-sujeito. A natureza, a paisagem contemplada em território colonial não possuía nenhum status de observação para autoconhecimento e sentimento de liberdade. Muito pelo contrário, para lá do Equador, o viajante solitário contemplativo que havia composto o ethos germânico ao longo do século XVIII transformou-se no viajante de olhos imperiais, aqueles olhos que se apropriam, que desejam e que dominam. O ego contemplativo da estética romântica dá lugar ao ego conquiro de Dussel – base do processo de assujeitamento colonial. O caminhante sobre o mar de névoa do quadro de Friedrich, quando em solo colonial, não contempla o infinito enquanto possibilidade de ser, e sim, mira o infinito enquanto possibilidade de ter.

As inúmeras fotografias de paisagens não se restringiam, a meu ver, em uma tentativa de capturar a natureza em estado pleno para a exploração comercial. Para além desse objetivo que se nos apresenta de forma clara nos registros do arquivo visual da Sociedade Colonial Alemã, aponto para um segundo momento, ou uma segunda função para essas fotografias: aquelas que buscavam construir a ideia de um espaço vazio da presença humana, ou seja, um território não habitado por nenhuma sociedade, fotografias que ignoravam a presença dos povos já estabelecidos nesses territórios. Evidentemente, a construção da imagem de um território vazio não era um mero acaso ou ainda um descuido por parte dos fotógrafos que privilegiavam inocentemente as belezas naturais de suas colônias. A construção da ideia de um espaço vazio foi absolutamente necessária para a manutenção do discurso de colonização da região.

De acordo com as fotografias 5 e 6 (e mais centenas desse mesmo gênero que existem no arquivo), o espectador desavisado tem de fato a impressão de que os territórios africanos não possuíam grandes contingentes populacionais e que, dessa forma, uma política de colonização poderia ser facilmente conduzida pela Sociedade Colonial Alemã. No entanto, interessa-me discutir como essas imagens representam algo muito distinto de uma imitação da realidade, mas retratam realidades muito particulares que, no discurso que se pretendia homogêneo do colonialismo, construíram uma imagem de terra vazia.

Figura 5
Panorama Tanzânia, África Oriental Alemã

Figura 6
Caminho na estepe, África Oriental Alemã

O que é muito bem escamoteado das representações fotográficas da Sociedade Colonial é o intenso processo para que as possibilidades de colonização de fato existissem nesses territórios. De acordo com Helmuth Stoecker, a partir da segunda metade da década de 1890, iniciou-se um processo de intensificação na imigração de colonos para os territórios africanos. De fato, em 1891, constavam como colonos na África do Sudoeste apenas 310 alemães, ao passo que no ano de 1903, esse número já havia subido para 2.998 indivíduos (STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 49). O próprio governo alemão passou a encorajar a ida de imigrantes. Em 1901, por exemplo, o governo colonial em Windhoek criou um fundo para empréstimos para colonos alemães que se estabelecessem na região de mais de 300 mil Marcos, além de ter nomeado Paul Rohrbach como Comissário para a Colonização.

Estava evidente para o governo colonial que as populações locais teriam que ser expulsas de suas terras para consolidar o projeto de colonização e assentamento dos imigrantes alemães. Em 10 de abril de 1898, o governo colonial promulgou o Decreto Imperial para o Estabelecimento de Reservas para os Nativos no Território Protegido do Sudoeste Africano. Nos termos do decreto, o governo tinha total autoridade para determinar quais áreas seriam destinadas para os habitantes locais e, logo após a promulgação do referido documento, foram estabelecidas duas reservas: uma para os Namas Witboois e outra nas terras dos Herero – que, logo após as guerras coloniais de 1904-1908, foram extintas. O decreto ainda estabelecia que as reservas não poderiam estar em territórios onde se desejavam construir ferrovias, nem tampouco em áreas que fossem de interesse do governo colonial ou dos colonos brancos. Em 1903, inclusive, o general Leutwein acrescentou que somente poderiam ser destinadas para novas reservas terras de tamanhos modestos. Segundo Stoecker, esse processo intenso de expropriação de terras foi um dos motivos impulsionadores das insurreições dos Herero e dos Nama nos anos subsequentes. No caso dos Herero, inclusive, para além da expropriação das suas terras, houve um intenso processo de desapropriação dos seus rebanhos de gado.

Durante todo o século XIX, uma das principais atividades do povo Herero foi a criação e manutenção de seus rebanhos que, desde meados desse século, já interessavam aos europeus que ali se estabeleciam e que foram, de fato, importantes elementos nas negociações desse povo com os colonizadores recém-chegados. No entanto, no período de 1898 a 1903, os colonos alemães estabeleceram novas formas de expropriar grandes quantidades desses rebanhos das mãos dos africanos. Esses compravam bens dos alemães no crédito e, quando esses pediam pelo pagamento e os africanos não possuíam dinheiro, os colonos exigiam a quitação do débito em cabeças de gado ou mesmo retiravam à força rebanhos inteiros das mãos dos povos locais.

A intensificação dos processos de desapropriação de terras dos povos autóctones levou à seguinte situação fundiária na África do Sudoeste Alemã no ano de 1913 (portanto, depois das guerras que dizimaram o povo Herero e o povo Nama): havia sete proprietários que possuíam mais de 100 mil hectares de terra (incluindo aí missões religiosas, como a Missão da Renânia, com 140 mil hm. e a Missão católica com 130 mil hm.); 11 proprietários que detinham entre 50 e 100 mil hectares; 88 fazendas possuíam entre 20 e 50 mil hm; 275 fazendas entre 10 e 20 mil; 481 fazendas entre 5 a 10 mil hm; e 275 fazendas com menos de 5 mil hectares (STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 144-145).

Considero, portanto, que a seleção das fotografias com o tema de paisagens naturais não representava apenas uma satisfação da curiosidade colonial, tampouco o retrato fiel da realidade encontrada nas colônias. Por mais que essas fotografias tenham tido pouca publicidade, uma vez que elas geralmente circulavam em ambientes privados, é notório quais aspectos esses sujeitos que fotografavam tais ambientes buscaram enfatizar: o potencial do território para a exploração econômica em beneficio exclusivo dos colonizadores, assim como a grande quantidade de territórios “inabitados” que poderiam servir para a tarefa de colonização alemã. É importante destacar que tais ideias que perpassam o discurso visual dessas fotografias não eram exatamente novas no imaginário construído sobre o continente africano. O regime de visualidade construído por essas fotografias em específico fazia eco com discursos já bem elaborados pelos agentes do imperialismo europeu desde fins do século XVIII, sobretudo a partir dos meios de representação que se queriam neutros e objetivos.

É importante afirmar, também, como esse modelo de representação fotográfica do espaço colonial foi essencial para produzir aquilo que o antropólogo venezuelano Fernando Coronil definiu como a “Divisão Internacional da Natureza”. Para esse autor, o mundo colonizado estava completamente fora da lógica da Modernidade europeia, ali não existiam as mesmas normas, as leis eram substancialmente diferentes para a minoria branca e para a maioria negra. No entanto, esse mesmo mundo colonizado que não tinha espaço na lógica modernizante europeia foi materialmente indispensável para a construção da civilização no continente europeu - lembremo-nos aqui das palavras de Frantz Fanon: “A Europa é a criação do terceiro mundo” (FANON, 2013 [1961]FANON, Frantz. Los condenados de la tierra. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2013., p. 94).

A câmera que transforma: o olhar que coloniza a paisagem

Após uma primeira seleção das imagens da Sociedade Colonial Alemã, começa a ficar clara a ideia de que a fotografia foi um importante instrumento utilizado na construção de um imaginário sobre o Império e sobre como tal imaginário impactou na produção de um discurso e também de práticas no ambiente colonial (RYAN, 2014RYAN, James. Fotografia colonial. In: VICENTE, Filipa (org.) O império da visão: fotografia no contexto colonial português (1860-1960). Lisboa: Edições 70, 2014., p. 39). Nesse ponto, já nos parece evidente que a fotografia não pode ser pensada como uma ferramenta de captura pura e imparcial de uma realidade objetiva, mas que o olhar fotográfico deve ser compreendido a partir de seus condicionantes sociais e culturais. Conforme afirmou Pierre Bourdieu, se, potencialmente, a natureza e as técnicas fotográficas permitem que “todas as coisas sejam objetivamente ‘fotografáveis’, de fato, da infinidade teórica das fotografias tecnicamente possíveis, cada grupo seleciona uma gama finita e definida de sujeitos, gêneros e composições” (BOURDIEU, 2017BOURDIEU, Pierre. Distribución y uso social de la fotografía. In: INDIJ, Guido; SILVA, Ana. Clic!: fotografía y sociedad. Buenos Aires: La Marca, 2017., p. 85-86, tradução nossa).

Se, em um primeiro momento, afirmei que uma das funções das fotografias da Sociedade Colonial Alemã era de alguma forma “provar” que a) os territórios coloniais ofereciam matérias-primas de primeira necessidade para a indústria alemã e b) que os espaços coloniais eram vazios de presença humana e, portanto, estariam aptos para o processo de colonização, verifico agora também a existência de um outro tipo de discurso a partir das fotografias de paisagens produzidas por essa instituição. Nessa segunda categoria, estão as fotografias que representam as transformações dos espaços coloniais com a presença dos colonizadores; observo aqui imagens que revelam os espaços urbanizados das possessões coloniais alemãs, vale dizer, aqueles espaços que foram alterados pela administração e pelo pretenso projeto de civilização e modernização levado a cabo pelos agentes coloniais.

A figura 7 permite-nos construir uma clássica narrativa colonialista com a sequência das imagens analisadas anteriormente. Vemos aqui uma plantação de chá, comódite que passou a fazer parte do gosto e do costume burguês europeu já no início do século XIX. Todo aquele espaço “vazio” apresentado pelas fotografias da seção anterior que denunciavam o potencial agrícola das colônias dá lugar agora à representação da efetivação da exploração econômica e comercial da terra pelos colonos alemães. Lembremo-nos, a esse propósito, que o imperialismo foi pensado em fins do século XIX sobretudo a partir da sua característica econômica. Segundo John Hobson (1902), Rosa Luxemburgo (1913) e Vladmir Lênin (1916) – para citar apenas alguns teóricos do imperialismo –, esse fenômeno foi pensado e levado a cabo como política nacional justamente por conta dos desenvolvimentos internos do capitalismo e das necessidades de expansão constante do capital, de seus mercados e de suas áreas de exploração8 8 Notadamente, cada um desses autores possui um posicionamento teórico próprio e cada um analisa o imperialismo a partir de diferentes perspectivas. No entanto, todos eles definem-no a partir do aspecto econômico (Cf. KRACHENSKI, 2016). .

Figura 7
Plantação de chá, África Oriental Alemã

Na mesma lógica de exploração econômica e comercial, a figura 8 representa o crescimento da cidade de Mbeya, na Tanzânia, graças à descoberta de jazidas de ouro na região do Rio Lupa. Conforme analisou Hannah Arendt em As origens do totalitarismo, a descoberta de jazidas de ouro e diamantes na África do Sul nas décadas de 1880 e 1890 aflorou a imigração para a região, bem como promoveu o estabelecimento de pequenos povoados ao redor das jazidas de Johanesburgo e Kimberly. Do mesmo modo, nas colônias alemãs, ao passo que novos recursos eram achados e passíveis de serem explorados pelos colonizadores, estabeleciam-se nas regiões em questão pequenas vilas que dariam origem a cidades e que necessitariam, cada vez mais, do desenvolvimento de um aporte logístico de transporte e de mínimas condições urbanas para os colonos europeus que ali se instalavam.

Figura 8
Descoberta de jazidas de ouro, Rio Lupa, Tanzânia, África Oriental Alemã

A representação da presença alemã em território africano mostrou-se exaustivamente em fotografias que denunciavam a formação de centros urbanos no espaço colonial. Segundo Ana Cristina Fonseca Nogueira da Silva, ao analisar fotografias dos portugueses em Moçambique no início do século XX, as imagens dos espaços urbanos pretendiam passar a impressão de que aquele era o cotidiano da colônia, de alguma forma já bem “assimilada” aos costumes e tradições europeias. Para além disso, concordamos com Silva quando ela afirma que esse tipo de fotografia não pretendia representar a África propriamente dita, e sim a presença europeia no continente, vale dizer, produzia-se a partir desse código visual um processo de “desafricanização” do espaço urbano (SILVA, 2009SILVA, Ana Cristina. Fotografando o mundo colonial africano: Moçambique, 1929. Varia história, Belo Horizonte, v. 25, n. 41, 2009., p. 116), uma vez que, conforme vimos no primeiro capítulo, o olhar europeu construído a partir da estereotipização da África somente a podia registrar a partir de esquemas como uma “terra de ninguém” (conforme as imagens anteriores) ou como um lugar de natureza indomável e selvagem.

Importa-me lembrar aqui que o próprio conceito de espaço-vital (Lebensraum) – tão utilizado pelo Nacional-Socialismo anos depois – havia sido forjado pelo geógrafo Friedrich Ratzel na segunda metade do século XIX e estabelecia que o poder de uma sociedade estaria diretamente vinculado ao seu desenvolvimento espacial, vale dizer, a demonstração de grandeza de uma cultura poderia ser medida a partir do seu grau de urbanização e pelo desenvolvimento da rede de comunicações, por exemplo. Para a ideologia da Lebensraum, que dominou o pensamento colonial germânico desde o seu início, o território era a base geográfica que estabelecia as diretrizes de um Estado-Nação. Não por acaso, as preocupações territoriais dentro e fora do continente europeu estiveram na pauta do processo de unificação do Estado Germânico e acompanhou-o durante todo o seu processo de consolidação. De acordo com Antônio Carlos Vitte, inclusive, a história do Império Guilhermino, bem como o desenvolvimento do III Reich, pode ser pensada como um projeto geográfico que orientou as bases de tais políticas coloniais (VITTE, 2018VITTE, Antônio Carlos. A Lebensraum: políticas territoriais e de conservação da paisagem no II e no III Reich. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA POLÍTICA, GEOPOLÍTICA E GESTÃO DO TERRITÓRIO, 3., 2018, Niterói. Anais. Niterói: UFF, 2018., p. 228). Dessa forma, pois, garantir a visibilidade da presença alemã nos territórios africanos por meio das fotografias não só fazia parte de uma estratégia de propaganda da Sociedade Colonial, mas também estava vinculada a todo o discurso de formação do estado nacional alemão.

Imagens da presença europeia nas colônias e as transformações do espaço que ali ocorriam eram uma boa fonte de propaganda para as associações imperialistas na Alemanha. Conforme observamos nas imagens 9 e 10, expor fotografias das construções militares na África Oriental ou uma vista panorâmica de Lüderitzbucht no Sudoeste Alemão, por exemplo, foi uma estratégia utilizada pelo periódico Colônia e Pátria em palavras e imagens (Kolonie und Heimat im Wort und Bild), um jornal produzido pela Liga de Mulheres da Sociedade Colonial Alemã (Frauenbund der Deutschen Kollonialgesellschaft). A Associação de Mulheres estava vinculada à Sociedade Colonial Alemã e recebia, inclusive, parte de seu orçamento dessa instituição. A revista Kolonie und Heimat teve sua primeira edição em 1907 e, diferentemente do Jornal Colonial Alemão (Deutsche Kolonial Zeitung), publicação oficial da Sociedade Colonial, a Kolonie und Heimat possuía um preço mais acessível, tratava de temas menos densos e estava dedicada a divulgar as ideias imperiais sobretudo para um grupo feminino, mas também possuía leitores jovens. Segundo Ana Carolina Schveitzer, a Kolonie und Heimat foi um dos periódicos ilustrados que eram vendidos no ambiente colonial, não só na África alemã, mas também nos espaços de imigração alemã na América do Sul (SCHVEITZER, 2016SCHVEITZER, Ana Carolina. Imagens do império: mulheres africanas pelas lentes coloniais alemãs (1884-1914). Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016., p. 62).

Figura 9
Revista Kolonie und Heimat: estação militar em Tanganica, África Oriental Alemã

Figura 10
Revista Kolonie und Heimat: a “cidade diamante”, Lüderitzbucht, África do Sudoeste Alemã

Podemos observar que o periódico em questão fazia uso de inúmeras fotografias em suas páginas para construir uma narrativa informativa sobre o dia a dia nas colônias, seja dos povos locais, seja dos colonos alemães. Um dos objetivos do periódico era atrair membros para a Frauenbund, em primeiro lugar, mas também conseguir financiamento para as atividades da associação em território colonial. Dessa forma, existe na narrativa visual estabelecida aqui uma idealização da colonização alemã nesses territórios em ultramar e uma ênfase na importância da associação feminina nesse processo. Conforme veremos com mais vagar no próximo capítulo, a vida dos colonos alemães em África foi cuidadosamente explorada como um projeto de sucesso, onde se vivia com autenticidade o verdadeiro “espírito alemão” ou germanidade (Deutschum). Nessa perspectiva, não por acaso as fotografias que representavam a presença alemã e seu projeto colonial nos territórios africanos eram as fotografias de paisagens que mais apareciam nas páginas de Kolonie und Heimat.

Note-se, ainda, a semelhança das fotografias encontradas no arquivo de Frankfurt (figura 11) e a fotografia de Lüderitzbucht que circulou no periódico de 1909 (figura 10): de fato, a fotografia da revista é deveras similar às imagens em questão. Dessa forma, é possível supor que a revista Kolonie und Heimat aproveitava as fotografias produzidas pelos agentes da DKG como material para suas publicações.

Figura 11
Lüderitzbucht, África do Sudoeste Alemã

Não posso deixar de mencionar que, para além de as fotografias que exaltavam os feitos europeus em solo africano ocultarem deliberadamente qualquer presença nativa na colônia transformada, a própria fauna local não se apresentava no discurso visual como um problema a ser contornado. No entanto, conforme analisou Sílvio Corrêa, a natureza desconhecida e mal dominada pelos europeus foi alvo de intensos debates entre os colonialistas que buscavam aumentar cada vez mais os seus lucros e os agentes imperialistas ligados à incipiente Medicina Tropical que buscavam erradicar as doenças que acometiam europeus e africanos durante o encontro colonial. De fato, desde fins do século XIX, assistimos nas metrópoles a um fenômeno de institucionalização da Medicina Tropical e à criação de centros de pesquisa nessa área nas principais capitais colonialistas do período como, por exemplo, Lisboa, Londres, Paris e Berlim.

É bem sabido como o discurso médico interferiu nas práticas políticas das colônias (KRACHENSKI, 2018KRACHENSKI, Naiara. Armado com sua fé e sua medicina: visões da África e do africano a partir do diário de Albert Schweitzer. Revista Esboços, Florianópolis, v. 25, n. 40, 2018.; SILVA, 2015SILVA, Jefferson Olivatto da. As resistências africanas diante das medidas preventivas coloniais contra a doença do sono na Zâmbia (1890-1920). História: Questões & Debates, Curitiba, v. 62, n. 1, jan./jun. 2015.; VAUGHAN, 1991VAUGHAN, Megan. Curing their ills: colonial power and African illnes. Standford: Standford University Press, 1991.). Quando pensamos no caso das transformações técnicas e urbanas que a presença europeia significou na África, a ideia sanitarista de limpeza dos territórios para a prosperidade dos negócios nas colônias foi um aliado indispensável na modificação do ambiente colonial. De acordo com Corrêa, na África Oriental Alemã, por exemplo, os desmatamentos e as matanças de milhares de animais selvagens havia tornado-se para o governador Rechenberg (1906-1912) a única alternativa para evitar a proliferação de moléstias como a doença do sono e as doenças que acometiam, por exemplo, o gado – como a peste bovina que em 1910 havia sido detectada na África Oriental Britânica e desencadeou ordens para matanças e desmatamentos nesse território sob esse governo (CORRÊA, 2014CORRÊA, Sílvio. Evicção da fauna bravia: medida radical de saneamento na África colonial. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 14, n. 2, 2014., p. 413). A opção pela “higienização” das colônias também previa uma tentativa da política colonial de obter uma balança comercial mais favorável, patrocinando o aumento das exportações.

Dessa forma, a ideia de desenvolvimento da civilização europeia em solo africano pressupunha não só a expropriação das terras dos povos locais, conforme vimos anteriormente, mas também introduzia uma nova maneira de interagir com a natureza: aquela que considerava que essa estava à disposição do homem branco colonizador e que, portanto, as medidas de saneamento deveriam ser aplicadas como um meio de se atingir esse fim, independentemente da fauna ali estabelecida.

A partir desse eixo temático e da conjuntura apresentada, a figura 12 denota uma imagem que busca representar o auge do processo civilizacional que os europeus acreditavam estar levando às suas colônias em ultramar. Vemos nessa fotografia um transporte sanitário que corre por entre as planícies e as palmeiras da África Oriental Alemã, simbolizando, de uma só vez, a presença da Medicina Ocidental na África colonial junto com a potência do transporte a vapor, símbolo por excelência da modernidade tecnológica na virada do século XIX para o XX. É nítido que o enquadramento dado a essa imagem buscava dar destaque aos “benefícios” que a presença alemã havia trazido para o continente africano, vale dizer, por meio de uma lógica positivista que entendia o processo de colonização como um passo necessário a ser dado para que os povos africanos pudessem alcançar o último estágio do desenvolvimento social (o estágio da civilização europeia). O transporte sanitário retratado nessa fotografia apresentava dois avanços alcançados no território graças à interferência alemã na região como parte da sua malograda “ajuda humanitária” para este local e seus habitantes. Dessa forma, novamente reiteramos o fato de que cada grupo social decide o que é digno de ser fotografado ou, segundo Bourdieu, aquilo que deve ser fixado, conservado e mostrado (BOURDIEU, 2017BOURDIEU, Pierre. Distribución y uso social de la fotografía. In: INDIJ, Guido; SILVA, Ana. Clic!: fotografía y sociedad. Buenos Aires: La Marca, 2017., p. 86).

Figura 12
Transporte sanitário, África Oriental Alemã

Um elemento que foi bastante fotografado pelos olhares dos agentes imperiais nas colônias foram os trens e a construção de todo o sistema viário necessário para a efetivação desse tipo de transporte. Conforme afirmamos acima, os trens não só representavam simbolicamente os avanços da tecnologia desenvolvida a partir da Revolução Industrial, mas também haviam se tornado o meio de transporte mais eficaz e interessante economicamente para gerir o processo de transporte de pessoas e mercadorias dentro do território colonial como, por exemplo, receber produtos manufaturados das metrópoles para venda na colônia ou para o escoamento das matérias primas aí exploradas. De acordo com Ibrahim Khaleel Abdussalam, as ferrovias construídas nas colônias, para além de terem como objetivo aperfeiçoar e maximizar o processo de exploração econômica das regiões, também eram um modo utilizado pelos poderes metropolitanos para a consolidação do Estado imperial (ABDUSSALAM, s/d).

A ferrovia representada na figura 13 é a linha Windhoek-Swakopmund que foi construída entre os anos de 1897 e 1902 e foi a primeira linha ferroviária da África do Sudoeste Alemã. Segundo Stoecker, com a abertura dessa linha e, nos anos posteriores de outras que ligavam Swakopmund a Otavi ou Lüderitzbucht a Keetmanshoop, por exemplo, a economia da colônia entre os anos de 1907 e 1914 alcançou seus melhores resultados até então (STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 143). Não podemos nos esquecer, no entanto, que esse período citado pelo autor é justamente o momento pós-guerra colonial que havia dizimado muitas populações dessa colônia e que havia transformado substancialmente o modo de trabalho, evidentemente, intensificando o modo de exploração do trabalho forçado dos africanos, que não só eram quase a totalidade da mão de obra na construção desse sistema de transporte, como também representavam a força de trabalho nas plantações, nos desmatamentos, nos serviços domésticos etc.9 9 De acordo com Stoecker, no período em questão, os fazendeiros alemães reclamavam muito para o governo colonial da falta de mão de obra local, evidentemente decorrente dos intensos massacres produzidos durante a guerra. Como a medida de trazer imigrantes de outras regiões africanas para o trabalho não foi satisfatória, o estabelecimento imperial na região decretou a caça àqueles indivíduos de tribos mais afastadas para que pudessem ser empregados para o trabalho forçado (Cf. STOECKER, 1986, p. 138). Ainda que parte fundamental dos debates no ambiente colonial e elemento integrante do estereótipo colonial sobre os africanos, o trabalho dos povos locais foi, em geral, pouco representado pelas fotografias da Sociedade Colonial Alemã.

Figura 13
Linha de trem Windhoek-Swakopmund, África do Sudoeste Alemã

Outra sequência fotográfica interessante que há no arquivo é o processo de construção do píer de Swakopund, no litoral da África do Sudoeste Alemã. Essa sequência de imagens em nenhum momento retrata os trabalhadores em ação, ao contrário, dá a impressão de que todo o trabalho manual realizado na edificação do píer é um mero detalhe, cujos indivíduos responsáveis não necessitam ser mostrados e denota a mensagem de que o importante é o resultado material final de todo o processo, justamente o que significaria toda a empresa colonial – a edificação de uma “civilização” nas colônias a partir do ocultamento do trabalho e da violência empregada ao longo do colonialismo.

Figura 14
Explosão na construção do píer de Swakopmund, África do Sudoeste Alemã

Figura 15
Reconstrução do píer, Swakopmund, África do Sudoeste Alemã

Figura 16
Píer reconstruído, Swakopmund, África do Sudoeste Alemã

Esse último grupo de imagens que selecionei sobre essa temática retratam, portanto, a presença alemã e as transformações por ela causada nas paisagens coloniais. É interessante ressaltar que esse conjunto de fotografias buscava, de certa forma, retratar uma realidade ideal sobre o que seria o verdadeiro cotidiano no espaço colonial. Conforme afirmou Ana Cristina Fonseca Nogueira da Silva, esse tipo de visualização construída do mundo colonial optava por representar um processo de colonização concluído e bem-sucedido, ocultando propositadamente as fragilidades do Estado colonial, as tensões e violências presentes no cotidiano da colônia (SILVA, 2009SILVA, Ana Cristina. Fotografando o mundo colonial africano: Moçambique, 1929. Varia história, Belo Horizonte, v. 25, n. 41, 2009., p. 115).

Nesse sentido, o conjunto de fotografias da Sociedade Colonial Alemã reunidas aqui fazem eco a uma necessidade dos agentes imperiais de construir um discurso que exaltasse o projeto colonial alemão em África. Conforme afirmaram Hayes, Silvester e Hartmann, durante o processo de captura de uma imagem há sempre relações de poder, contextos administrativos e discursos presentes que necessariamente interferem no modo de visualizar determinada realidade. Também para Simon Schama, pensando sobre paisagem e memória, o próprio ato de fotografar um determinado lugar pressupõe a nossa presença e, necessariamente, todo o fardo cultural que trazemos conosco. Nesse sentido, seguindo os passos de Schama, a paisagem idealizada em uma pintura ou, no nosso caso, em uma fotografia, é obra da mente de quem a produz. Para ele, “um panorama é formado da estratificação da memória, tanto quanto da sedimentação das rochas” (SCHAMA, 1997SCHAMA, Simon. Paesaggio e memoria. Milano: Mondadori, 1997., p. 7, tradução nossa).

Considerações finais

De acordo com nossa análise, o olhar fotográfico buscou dominar o ambiente colonial exatamente a partir da visualização do elemento mais primordial em um contexto de domínio efetivo: o espaço geográfico. Demonstramos que a partir das fotografias de paisagens – fossem elas paisagens “intocadas” pela ação humana, fossem elas referentes à ação colonizadora alemã –, os agentes do colonialismo alemão foram capazes não só de aprimorar um conhecimento sobre o território a ser colonizado (conhecimento dos espaços e das possíveis riquezas naturais das colônias), mas também de as utilizar como efeitos de propaganda, na medida em que muitas das imagens no arquivo representam o processo de colonização em andamento, ou seja, a construção de estradas de ferro, de plantações aos moldes ocidentais e de todo um aparato urbano implementado nesses espaços pelos colonizadores europeus.

No entanto, a partir dessa perspectiva, observamos também lacunas. Na construção visual do colonialismo alemão proposto pela Sociedade Colonial, o ato de fotografar e mostrar algo aos possíveis espectadores também delineava outro, que o seguia: o ato de não mostrar algo, alguém ou alguma situação. Na narrativa visual aqui desenhada, a paisagem colonial é apresentada ao observador ou como uma terra virgem, intocada e inabitada ou como um local que parece começar a prosperar exclusivamente graças à presença dos alemães.

O olhar fotográfico que dominava o espaço conquistado também nos abre uma perspectiva para pensar-se sobre como a visualidade possui uma dimensão de longa duração daquilo que está sendo representado por meio da imagem. A fotografia sendo um aparato considerado como a imitação mais perfeita do real, portanto, um artefato que exibia ares de uma documentação praticamente científica da realidade, foi largamente responsável pela produção de um grande acervo sobre o colonialismo que tinha a intenção não só de permanecer fisicamente (dado as características duradouras do material das fotos), mas sobretudo de congelar uma imagem de um tempo bastante específico que se queria universal e atemporal pelos produtores desse discurso.

Nesse sentido, as fotografias aqui analisadas sob a ótica da história visual permitem-nos também avaliar o modo pelo qual as noções sobre temporalidade foram elaboradas durante a construção do discurso colonial, notadamente a maneira como a visualidade foi um instrumento na elaboração de uma imagem estereotipada, vale dizer, fixada em uma singularidade determinada pelos agentes do imperialismo.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. O arquivo com a documentação utilizada pode ser acessado no seguinte sítio eletrônico: http://ub.bildarchiv-dkg.uni-frankfurt.de.
  • 1
    Tomamos aqui a definição de arquivo colonial tal como sugeriu Sílvio Corrêa: “Arquivo colonial tem uma conotação metafórica que remete à ideia de um conjunto de documentos produzidos e acumulados pelo Estado colonial ou por alguma pessoa jurídica ou física e cujo corpus documental arquivado em diferentes suportes (papel, fotografia, filme etc.) tem relação direta com o colonialismo” (CORRÊA, 2021CORRÊA, Sílvio. As marcas do silêncio em imagens de arquivos. In: FLORES, T.; CORRÊA, Sílvio; VASCONCELOS, S. (coord.) Imagens e arquivos, fotografias e filmes. Lisboa: Instituto de Comunicação da NOVA, 2021., p. 113).
  • 2
    No período que compreende os anos de 1884 e 1918, a Alemanha possui quatro territórios coloniais na África: África do Sudoeste Alemã (atual Namíbia), África Oriental Alemã (atual Tanzânia, Ruanda e Burundi), Togo e Camarões. Além dos territórios africanos, o império alemão possuía ainda como colônias algumas ilhas no Pacífico (Samoa e Nova-Guiné) e o enclave de Kiautschou em território chinês.
  • 3
    De acordo com Maria Eliza Linhares Borges, entre as décadas de 1820 e 1860, diferentes indivíduos da Europa e das Américas desenvolveram pesquisas dos processos físico-químicos para a captação de imagens. No entanto, a identificação da invenção da fotografia com os nomes de Niépce e Daguerre deveu-se ao fato da grande publicidade feita em torno à reunião dos dois cientistas, agenciada por François Arago, membro do Parlamento Francês, em 1839 (Cf. BORGES, 2011BORGES, Maria Eliza Linhares. História e fotografia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011., p. 38).
  • 4
    De acordo com Woodruff Smith, em 1912, a África do Sudoeste Alemã possuía cerca de 14.816 colonos brancos, ao passo que, no mesmo período, havia cerca de 4.886 na Tanzânia, 1.537 no Camarões e 345 no Togo (cf. SMITH, 1978SMITH, Woodruff. The German colonial Empire. North Carolina: University of North Carolina Press, 1978, p. 51).
  • 5
    De acordo com Helmuth Stoecker, em 1913, a extração de diamantes no território rendia cerca de 52.910.000 marcos de exportação para o grande capital monopolista alemão, ao passo que a exportação de cobre girava em torno de 7.929.000 marcos naquele mesmo ano (cf. STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 146-147).
  • 6
    A ideia de “pacificação” dos povos africanos foi desenvolvida durante a invasão colonial pelos poderes metropolitanos e expressava claramente o sentido atribuído à ocupação: a necessidade de limpar o território a ser explorado de todo e qualquer obstáculo para esse objetivo. No entanto, a historiografia eurocêntrica produzida sobre o imperialismo aceitou e difundiu a ideia de pacificação do território até pelo menos a década de 1960, marcando definitivamente a tese de que as sociedades africanas haviam aceitado facilmente a dominação europeia, ou, no caso das grandes insurreições, sustentando a tese de que tais povos eram sanguinários e pouco dados aos benefícios da “civilização” (Cf. RANGER, 2010RANGER, Terence. Iniciativas e resistências africanas em face da partilha e da conquista. In: UNESCO. História Geral da África: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010, v. 7.).
  • 7
    Em 1914, Alfred Zimmermann, oficial do Escritório Colonial, publicou a História da Política Colonial Alemã onde escreveu: “No fim de fevereiro de 1892 o Sultão de Ugogo, amigo dos Wahehe, foi punido; em março a força expedicionária queimou todas as vilas de Mahenge-Mafiti, como resultado das lutas que haviam iniciado no verão” (Cf. STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 104, tradução nossa).
  • 8
    Notadamente, cada um desses autores possui um posicionamento teórico próprio e cada um analisa o imperialismo a partir de diferentes perspectivas. No entanto, todos eles definem-no a partir do aspecto econômico (Cf. KRACHENSKI, 2016KRACHENSKI, Naiara. As colônias alemãs perdidas na África. Curitiba: Prismas, 2016.).
  • 9
    De acordo com Stoecker, no período em questão, os fazendeiros alemães reclamavam muito para o governo colonial da falta de mão de obra local, evidentemente decorrente dos intensos massacres produzidos durante a guerra. Como a medida de trazer imigrantes de outras regiões africanas para o trabalho não foi satisfatória, o estabelecimento imperial na região decretou a caça àqueles indivíduos de tribos mais afastadas para que pudessem ser empregados para o trabalho forçado (Cf. STOECKER, 1986STOECKER, Helmuth (ed). German imperialism in Africa: from the beginnings to the Second World War. Hurst: Londres, 1986., p. 138).

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
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