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Uso de club drugs entre estudantes de graduação: prevalência, características associadas e a influência dos pares

Club drugs use among undergraduate students: prevalence, associated characteristics and peer influence

RESUMO

Objetivo

Medir a prevalência do uso na vida, no último ano e no último mês de duas club drugs – o ecstasy e o LSD –, bem como as características associadas ao uso dessas substâncias, no último mês, entre estudantes de graduação de uma universidade no Sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal conduzido no ano de 2015 com amostragem aleatória sistemática por conglomerados. Participaram 1.423 estudantes de graduação. Foi utilizado um modelo de análise multivariável em três níveis hierárquicos por meio da regressão de Poisson com ajuste robusto da variância.

Resultados

As prevalências de uso na vida, no último ano e no último mês de club drugs foram de 12,7%, 7,8% e 3,8%, respectivamente. Indivíduos do sexo masculino, com orientação sexual homossexual ou bissexual, mais jovens, que moravam com seus pares, solteiros, e que relataram uso no último mês de tabaco e maconha apresentaram maior probabilidade de ter feito uso no último mês de alguma club drug. Entretanto, a variável mais fortemente associada a esse desfecho foi ter algum amigo que já fez uso de alguma droga ilícita na vida (RP = 19,54).

Conclusões

O ambiente universitário parece ser um terreno fértil para a difusão do uso de club drugs. O fortalecimento de uma rede de apoio institucional da universidade, capaz de propor atividades de prevenção, bem como de identificar, acolher e encaminhar casos em que haja abuso e dependência dessas substâncias, pode ser uma estratégia importante para lidar com essa problemática.

Ecstasy; LSD; club drugs; estudantes; universidade

ABSTRACT

Objective

To measure the prevalence of lifetime, last-year, and last-month use of two club drugs – ecstasy and LSD –, as well as the characteristics associated with the last-month use of these substances among undergraduate students at a university in southern Brazil.

Methods

This was a cross-sectional study conducted in 2015 with a clustered systematic sampling strategy. Overall, 1,423 undergraduate students participated. A three-level hierarchical multivariate analysis model was used through Poisson regression with robust adjustment of variance.

Results

Prevalence of lifetime, last-year, and last-month use of club drugs were 12.7%, 7.8% and 3.8%, respectively. Male participants, with homosexual or bisexual sexual orientation, younger, who lived with their peers, who were single, and who reported last-month use of tobacco and marijuana had higher probability of last-month use club drugs. However, the variable most strongly associated with this outcome was having a friend with lifetime use of illicit drugs (PR = 19.54).

Conclusions

University environment seems to be a fertile ground for the spread of the use of club drugs. The strengthening of the university’s institutional assistance network, capable of proposing prevention activities, as well as identifying, supporting and referring cases where there is abuse and dependence on these substances can be an important strategy to deal with this problem.

Ecstasy; LSD; club drugs; students; university

INTRODUÇÃO

A história do uso de substâncias com atividade psicoativa [que atuam no sistema nervoso central (SNC) com a capacidade de modificar comportamento, humor e cognição11. Galduróz JCF. Abuso e dependência de drogas. Adolescência uso e abuso de drogas: uma visão integrativa. São Paulo: Fap Unifesp; 2011.] se confunde com a história da humanidade. Existem evidências arqueológicas que indicam ter havido uso de cerveja em 11.000 a.C. e de maconha em 8.200 a.C. por Homo sapiens que viviam onde hoje são Israel e Japão, respectivamente22. Samorini G. The oldest archeological data evidencing the relationship of Homo sapiens with psychoactive plants: A worldwide overview. J Psychedelic Stud. 2019:1-18.. Contudo, é no século XX que essas substâncias começam a ser produzidas em laboratório, inicialmente com objetivos terapêuticos. Durante as décadas de 1960 e 1970, intensificam-se os estudos sobres as possibilidades de tratamento com o uso dessas substâncias. Paralelamente, começou a crescer nos Estados Unidos o movimento do uso recreativo dessas drogas, principalmente entre estudantes universitários33. . Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas: leitura recomendada para alunos a partir do 7º ano do ensino fundamental. 5ª ed. Brasília, DF: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas; 2011. 64p.. Atualmente, existem diversos tipos de drogas sintéticas, e o número de substâncias alucinógenas e estimulantes laboratorialmente manipuladas vem crescendo44. Chavant F, Boucher A, Le Boisselier R, Deheul S, Debruyne D. New synthetic drugs in addictovigilance. Therapie. 2015;70(2):167-89.. No contexto brasileiro, as drogas sintéticas mais prevalentes são o ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina – MDMA) e o LSD (dietilamida do ácido lisérgico). Essas substâncias atuam primeiramente como perturbadoras do SNC, produzindo, também, efeitos estimulantes11. Galduróz JCF. Abuso e dependência de drogas. Adolescência uso e abuso de drogas: uma visão integrativa. São Paulo: Fap Unifesp; 2011.,33. . Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas: leitura recomendada para alunos a partir do 7º ano do ensino fundamental. 5ª ed. Brasília, DF: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas; 2011. 64p..

O ecstasy é uma anfetamina simpaticomimética com uma estrutura química semelhante à da serotonina, sendo habitualmente distribuída sob a forma de pequenos comprimidos, cápsulas ou pó branco. Essa droga estimula a liberação simultânea de dopamina, serotonina e noradrenalina, agindo como estimulante e psicodélico, induzindo sentimentos de aumento de energia e prazer, principalmente por meio de estimulação tátil. Seus efeitos duram cerca de três a seis horas, e as doses são repetidas frequentemente para manter os efeitos55. Gudelsky GA, Yamamoto BK. Actions of 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) on cerebral dopaminergic, serotonergic and cholinergic neurons. Pharmacol Biochem Behav. 2008;90(2):198-207.. O LSD, por sua vez, é um produto sintético com ação alucinógena ou psicodélica, primeiramente produzido na sua forma cristalina. Geralmente se apresenta sob forma de barras, cápsulas, tiras de gelatina, micropontos e, principalmente, em folhas de papel perfurado embebidas com a substância. Os efeitos dependem da dose administrada, da tolerância, de experiências anteriores, de aspectos psicológicos e do ambiente social66. Guerreiro DF, Carmo AL, Silva JA, Navarro R, Góis C. Club drugs: Um novo perfil de abuso de substâncias em adolescentes e jovens adultos. Acta Med Port. 2011;24(5):739-56.. O uso do LSD pode produzir alterações do pensamento, do humor, sensoperceptivas (principalmente visuais e auditivas), que podem gerar sensações de euforia, maior senso de conexão e compaixão consigo mesmo e com os outros, redução na ansiedade e aumento na libido77. Betzler F, Viohl L, Romanczuk-Seiferth N. Decision-making in chronic ecstasy users: a systematic review. Eur J Neurosci. 2017;45(1):34-44..

Novas drogas sintéticas são produzidas com grande velocidade, dificultando o entendimento de seus possíveis danos à saúde no curto, médio e longo prazo. Substâncias sintéticas alucinógenas e estimulantes parecem ser utilizadas, em sua maioria, por jovens adultos que participam do cenário das festas de músicas eletrônicas88. Hassen GW, Ghobadi F, Kalantari H. Synthetic drugs: a new trend and the hidden danger. Am J Emerg Med. 2013;31(9):1413-5.. Apesar de existirem diversos subtipos de drogas sintéticas, o ecstasy e o LSD se consolidaram como substâncias tradicionais nesses ambientes99. Leung KS, Cottler LB. Ecstasy and other club drugs: a review of recent epidemiologic studies. Curr Opin Psychiatry. 2008;21(3):234-41.. Em razão dessa característica marcante do uso recreativo no contexto das festas, bares e raves, essas substâncias têm sido chamadas de club drugs99. Leung KS, Cottler LB. Ecstasy and other club drugs: a review of recent epidemiologic studies. Curr Opin Psychiatry. 2008;21(3):234-41.. Apesar de a prevalência de uso na vida de club drugs não ser elevada na população geral brasileira – entre 0,7% e 0,8% – 1010. Bastos FIPM, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NB, Coutinho CFS. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2017., entre frequentadores de festas a proporção de indivíduos que já experimentaram ecstasy e LSD é de 45,2% e 25,5%, respectivamente1111. Kelly BC, Parsons JT, Wells BE. Prevalence and predictors of club drug use among club-going young adults in New York city. J Urban Health. 2006;83(5):884-95..

Entre as principais motivações para o uso desse grupo de drogas, usuários reportam o desejo de sentirem-se com mais energia e resistentes, para experimentar um estado de transe, ficar mais desinibidos e não pensar em problemas1212. Biolcati R, Mancini G. Club drugs and rave parties: A pilot study on synthetic drug consumption styles in a sample of young Italian ravers. Open Public Health J. 2018;11:474-84.. Pessoas podem acreditar que club drugs são seguras, pois muitas vezes se apresentam de forma semelhante a medicamentos prescritos1313. American Academy of Family Physicians. Club drugs: What you should know. Am Fam Physician. 2018;98(2):1-2.. Apesar dessas drogas poderem produzir efeitos de curto prazo desejáveis, existem riscos de complicações graves. Dentre elas, destacam-se a possibilidade de sangramento hipertensivo, desidratação, hipertermia, crises psicóticas e até coma e morte. No longo prazo, o uso crônico pode produzir sintomas depressivos, degeneração de axônios de neurônios serotoninérgicos, redução de matéria cinzenta no cérebro e diminuição na atividade do hipocampo77. Betzler F, Viohl L, Romanczuk-Seiferth N. Decision-making in chronic ecstasy users: a systematic review. Eur J Neurosci. 2017;45(1):34-44.,88. Hassen GW, Ghobadi F, Kalantari H. Synthetic drugs: a new trend and the hidden danger. Am J Emerg Med. 2013;31(9):1413-5..

Existe crescente evidência da propagação do uso dessas substâncias, particularmente entre subgrupos específicos, como, por exemplo, estudantes1414. Sullivan AK. Club drugs: what’s happening? Sex Transm Infect. 2015;91(6):388.. Pesquisas realizadas com universitários descrevem que aproximadamente metade dos estudantes relata ter experimentado pelo menos uma droga ilícita durante a vida. A prevalência de uso na vida de ecstasy e outros alucinógenos parece ser duas até dez vezes maior que na população geral1010. Bastos FIPM, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NB, Coutinho CFS. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2017.,1515. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas Entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad); 2010. e apresenta um aumento significativo em relação às outras drogas, sendo maior entre indivíduos jovens do sexo masculino1616. Andrade AG, Duarte PCAV, Barroso LP, Nishimura R, Alberghini DG, Oliveira LG. Use of alcohol and other drugs among Brazilian college students: effects of gender and age. Braz J Psiquiatr. 2012;34:294-305.,1717. Wagner GA, Oliveira LG, Barroso LP, Nishimura R, Ishihara LM, Stempliuk VA, et al. Drug use in college students: a 13-year trend. Rev Saúde Pública. 2012;46:497-504..

Uma breve busca nas bases de dados apontará uma vasta quantidade de pesquisas que buscam investigar e compreender o uso de álcool, tabaco, maconha e cocaína entre universitários brasileiros. Contudo, mesmo existindo diversos relatos internacionais sobre o crescimento no uso de club drugs, especialmente entre jovens adultos, existem poucos estudos sobre esse comportamento no Brasil. Portanto, tendo em vista o exposto, o objetivo geral deste estudo foi medir a prevalência das club drugs ecstasy e LSD e identificar características individuais associadas a esse comportamento em uma amostra representativa de graduandos de uma universidade pública do Sul do Brasil.

MÉTODOS

Delineamento e população-alvo

Este estudo possui um delineamento transversal quantitativo e tem como população-alvo os estudantes de graduação da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Foram considerados elegíveis os estudantes com idade igual ou superior a 18 anos, que estudavam na modalidade presencial, regularmente matriculados no primeiro semestre de 2015. Foi utilizado como critério de exclusão ter abandonado a disciplina no momento da coleta de dados, pois a localização desses indivíduos, um a um, prejudicaria a natureza confidencial e impessoal da pesquisa.

Amostragem

Para a realização desta pesquisa, utilizou-se a técnica de amostragem sistemática por conglomerados, feita em um único estágio, a partir da relação de todas as disciplinas obtidas no sistema da universidade. Portanto, a unidade amostral desta pesquisa foram as turmas, que foram definidas como o conjunto de indivíduos matriculados em uma disciplina. Como o processo amostral foi feito a partir da listagem das turmas, foi levado em conta o efeito do delineamento amostral. Para esse cálculo, foram utilizados o tamanho do conglomerado (número médio de alunos em cada turma, estipulado em 20)1515. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas Entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad); 2010. e o coeficiente de correlação intraclasse (assumido como sendo 0,02)1818. Silva NN. Amostragem probabilística: um curso introdutório. 2ª ed. São Paulo: EDUSP; 2001.. Assim, o valor obtido para o efeito de delineamento foi de 1,5.

Após essa etapa, foram realizados dois cálculos de tamanho amostral, um para prevalência e outro para fatores associados. No cálculo amostral descritivo, utilizou-se como prevalência estimada para o desfecho 10%. Também se adotou uma margem de erro de dois pontos percentuais e nível de significância de 5%. Assim, foi calculado um N de 780 indivíduos. Acrescentando 10% para possíveis perdas e multiplicando pelo efeito de delineamento amostral esperado, obteve-se um N de 1.290 indivíduos. Para o cálculo de fatores associados, assumiram-se como parâmetros razão de proporção expostos/não expostos de 1 para 4, razão de prevalência (RP) de 1,8, poder de 80% e nível de significância de 5%. Por fim, foram acrescidos ao total mais 10% para possíveis perdas e recusas, 15% para controle de fatores de confusão e 50% para o efeito de delineamento amostral esperado. Portanto, o N final obtido foi de 1.811. Na relação obtida no sistema constavam 2.107 turmas.

Levando em conta o número médio de alunos por disciplina ser de aproximadamente 201515. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas Entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad); 2010. e o tamanho necessário para amostra de 1.811 alunos, seriam necessárias 91 turmas. Entretanto, para garantir o êxito em atingir o tamanho amostral necessário, e considerando que um mesmo aluno poderia estar em mais de uma turma e que alguns não teriam 18 anos completos, acrescentou-se 10% ao tamanho de amostra previamente calculado. Portanto, seriam necessárias 101 turmas para compor o processo amostral, as quais foram sistematicamente selecionadas do sistema da universidade a partir de um intervalo de seleção previamente calculado.

Variáveis e instrumento

Um questionário autoadministrado e confidencial foi utilizado. Foram avaliados os usos na vida (experimentação), no ano (últimos 12 meses) e no mês (últimos 30 dias) de LSD e ecstasy. As perguntas sobre uso das substâncias incluídas nesse estudo foram estruturadas de acordo com recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para estudos sobre o uso de drogas com estudantes1919. World Health Organization. A methodology for student drug-use surveys. Geneva: WHO; 1980.. Mais especificamente, para medir esses diferentes tipos de uso, segue-se um encadeamento de perguntas sobre experimentação (“Você já experimentou alguma vez na sua vida ecstasy?” e “Você já experimentou alguma vez na sua vida LSD?”), uso nos últimos 12 meses que antecederam a pesquisa (“Usou essa substância pelo menos uma vez nos últimos 12 meses?”) e uso nos últimos 30 dias (“Usou essa substância pelo menos uma vez nos últimos 30 dias?”). Essa forma de avaliar o uso de drogas é amplamente utilizada, por exemplo, nos levantamentos nacionais sobre uso de drogas entre a população geral brasileira1010. Bastos FIPM, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NB, Coutinho CFS. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2017. e de estudantes universitários1515. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas Entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad); 2010.. Essa estratégia permite maior comparabilidade entre estudos, independentemente da população e do contexto em questão1919. World Health Organization. A methodology for student drug-use surveys. Geneva: WHO; 1980..

A variável desfecho foi operacionalizada como o uso na vida, no ano e no mês de club drugs, que consistiu no uso de pelo menos uma dessas substância no respectivo período. Os participantes também foram questionados sobre questões socioeconômicas, demográficas e comportamentais, especificamente: sexo; orientação sexual; idade; cor da pele; renda familiar; escolaridade dos pais (tercis); migração acadêmica; situação de moradia; situação de relacionamento; uso de drogas ilícitas por familiares; uso de drogas ilícitas por amigos; prática religiosa; e uso de drogas lícitas pelo participante (uso no mês de álcool e tabaco) e uso no mês de outra droga ilícita avaliada no estudo, a maconha.

Procedimentos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Área de Saúde (Cepas) da Universidade Federal do Rio Grande sob o número de registro 37/2015. Um estudo-piloto foi realizado na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Nessa ocasião, a aplicação do questionário foi cronometrada e problemas de interpretação foram avaliados e corrigidos para a versão final do instrumento. Os dados foram coletados entre abril e junho de 2015. Inicialmente, entrou-se em contato com todos os professores responsáveis pelas disciplinas selecionadas e agendaram-se o dia e o horário de aplicação do instrumento na aula. Os estudantes foram informados de que a participação era voluntária e a não participação não acarretaria danos individuais. Aqueles que concordaram em participar foram solicitados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Cada participante respondeu ao instrumento e depositou-o em uma urna, como estratégia para aumentar o sigilo e a confiabilidade das respostas. Cada turma foi visitada pelo menos duas vezes para minimizar as perdas do estudo. Após duas visitas, as turmas que tiveram mais de 10 perdas foram revisitadas. Indivíduos que não foram encontrados nessas revisitas ou que se recusaram a participar foram considerados como perdas. Os questionários preenchidos foram digitados duplamente por diferentes profissionais utilizando o software Epidata versão 3.1.

Análise de dados

As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Stata IC 13.1. A análise univariada foi realizada para descrever a amostra, calculando a prevalência das variáveis independentes e do desfecho. Análises bivariadas foram conduzidas para calcular a frequência de uso de club drugs no último mês associada às variáveis de exposição. A análise multivariável foi feita por meio de regressão de Poisson com ajuste robusto para variância2020. Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3(21).. Para tanto, elaborou-se um modelo hierárquico de análise de três níveis2121. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7., no qual as variáveis foram controladas para aqueles do mesmo nível ou de níveis mais elevados. Esse modelo de regressão utiliza o teste de Wald para heterogeneidade de proporções para verificar se houve diferença significativa do desfecho entre as categorias de exposição. Para testar a associação linear entre a idade e o uso de club drugs, foi realizado o teste de Wald para tendência linear. As diferenças foram descritas em RPs, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) e valores p.

As variáveis foram selecionadas para o modelo final por meio do método backward. Apenas as variáveis com valor-p ≤ 0,2 foram mantidas no modelo como estratégia de controle de confusão. As estimativas foram calculadas levando em consideração o efeito de delineamento. O nível de significância foi estabelecido em 5% para testes bicaudais.

RESULTADOS

Foram sorteadas 101 turmas, das quais oito foram excluídas por não terem alunos matriculados. A amostra final foi composta por 93 turmas. No total, foram contabilizadas 2.459 matrículas, das quais 721 eram não elegíveis (alunos com idade inferior a 18 anos, matriculados em mais de uma turma sorteada, que haviam desistido no momento da pesquisa ou que haviam solicitado trancamento da disciplina). Assim, o estudo totalizou 1.738 indivíduos elegíveis (média de 19 alunos por turma). Portanto, a amostra final do estudo incluiu um total de 1.423 estudantes, o que representa uma taxa de resposta de 81,9% e 18,1% de perdas (15,6% não encontrados e 2,5% de recusas).

A amostra final, conforme apresentado na tabela 1, constitui-se majoritariamente de respondentes do sexo feminino (50,7%), heterossexuais (87,9%) com idades entre 18 e 25 anos (67,5%), de cor de pele branca (78,6%) e com renda familiar de até seis salários mínimos (74,3%). Foi observado que aproximadamente um terço da amostra migrou para estudar na universidade e que 12,8% moravam sozinhos e 21,4%, com pares. Além disso, 57,9% dos participantes estavam em um relacionamento no momento da pesquisa, 63,7% reportaram ter ao menos um amigo que já fez uso de drogas ilícitas e 12,9% relataram ter familiares que já utilizaram alguma droga ilícita. As prevalências de uso no mês de álcool, tabaco e maconha foram de 70,6%, 16,1% e 16,8%, respectivamente. A prevalência de uso na vida, no ano e no mês de club drugs foram, nesta ordem, de 12,7%, 7,8% e 3,8%. Quando observadas individualmente, foi identificado que o uso de LSD e ecstasy foram estatisticamente equivalentes em todas as medidas (Tabela 2).

Tabela 1
Descrição da amostra de estudantes de graduação da FURG de acordo com variáveis sociais , econômicas e demográficas e prevalência de uso na vida, ano e mês de ecstasy e LSD – Rio Grande, RS, Brasil, 2015
Tabela 2
Uso na vida, no ano e no mês de club drugs entre estudantes de graduação da FURG (N = 1.423) – Rio Grande, RS, Brasil, 2015

Na tabela 3 são apresentados os resultados das análises brutas e ajustada do uso no mês de club drugs. Nas análises brutas, apenas as variáveis cor da pele e renda não apresentaram associação com o desfecho de interesse. Após a análise ajustada, permaneceram independentemente associadas ao desfecho as seguintes variáveis: ser do sexo masculino (RP = 1,89; IC95% 1,17-3,05); identificar-se como homossexual ou bissexual (RP = 1,99; IC95% 1,14-3,47); morar com pares (RP = 3,05; IC95% 1,37-6,80); estar solteiro (RP = 2,57; IC95% 1,39-4,77); ter amigo que usou alguma droga ilícita na vida (RP = 19,54; IC95% 2,60-146,84); e ter relatado uso no último mês de tabaco (RP = 2,15; IC95% 1,25-3,70) e maconha (RP = 8,47; IC95% 2,79-25,69). Houve uma associação inversa entre idade e uso de club drugs, de forma que quanto menor a idade do respondente, maior a probabilidade de uso no mês dessas substâncias (valor p de tendência linear < 0,001). O modelo final de análise apresentou um R2ajustado de 31,6%.

Tabela 3
Razões de prevalência brutas e ajustada para associações entre uso no mês de club drugs e variáveis independentes. Análise multivariável conduzida por meio da regressão de Poisson com ajuste robusto da variância, considerando modelo hierárquico de três níveis e efeito de delineamento – Amostra de estudantes de graduação da FURG (N = 1.423) – Rio Grande, RS, Brasil, 2015

DISCUSSÃO

Esta pesquisa identificou que 12,7% relatam já ter experimentado alguma club drug, 7,8% as usaram pelo menos uma vez nos últimos 12 meses e 3,8% reportaram ter feito uso no último mês. A prevalência encontrada neste estudo foi maior do que na população geral brasileira, mesmo quando comparado com as faixas etárias mais novas1010. Bastos FIPM, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NB, Coutinho CFS. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2017., bem como foi superior aos resultados encontrados no levantamento nacional sobre o uso de drogas entre universitários1515. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas Entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad); 2010.. Entretanto, essas proporções encontradas em nosso estudo foram semelhantes a estudo conduzido com universitários estadunidenses2222. Wish ED, Fitzelle DB, O’Grady KE, Hsu MH, Arria AM. Evidence for significant polydrug use among ecstasy-using college students. J Am Coll Health. 2006;55(2):99-104.. É possível que a alta frequência de club drugs tenha ocorrido por causa das características da população universitária. Esse grupo é formado majoritariamente por adultos jovens, que vivem em uma cultura na qual frequentar festas é um hábito recorrente. Nesse contexto, as club drugs, que são drogas associadas ao ambiente de festas88. Hassen GW, Ghobadi F, Kalantari H. Synthetic drugs: a new trend and the hidden danger. Am J Emerg Med. 2013;31(9):1413-5.,1212. Biolcati R, Mancini G. Club drugs and rave parties: A pilot study on synthetic drug consumption styles in a sample of young Italian ravers. Open Public Health J. 2018;11:474-84., podem ter maior circulação, aumentando o número de usuários.

Foi observado que indivíduos do sexo masculino, mais jovens e participantes homossexuais ou bissexuais tiveram maior probabilidade de uso de club drugs, perfil semelhante ao encontrado em outras investigações com essa temática1111. Kelly BC, Parsons JT, Wells BE. Prevalence and predictors of club drug use among club-going young adults in New York city. J Urban Health. 2006;83(5):884-95.,1212. Biolcati R, Mancini G. Club drugs and rave parties: A pilot study on synthetic drug consumption styles in a sample of young Italian ravers. Open Public Health J. 2018;11:474-84.,1414. Sullivan AK. Club drugs: what’s happening? Sex Transm Infect. 2015;91(6):388.,2323. Fazio A, Joe-Laidler K, Moloney M, Hunt G. Gender, sexuality, and ethnicity as factors of club drug use among Asian Americans. J Drug Issues. 2010;40(2):405-32.. Estudos indicam que homens apresentam maior percepção de facilidade no acesso a drogas ilícitas e menor percepção de risco no uso dessas substâncias, quando comparados às mulheres2424. Hynes M, Demarco M, Araneda JC, Cumsille F. Prevalence of Marijuana Use among University Students in Bolivia, Colombia, Ecuador, and Peru. Int J Environ Res Public Health. 2015;12(5):5233-40.,2525. Bejarano J, Ahumada G, Sánchez G, Cadenas N, Marco M, Hynes M, et al. Perception of risk and drug use: An exploratory analysis of explanatory factors in six Latin American countries. Int J Alcohol Drug Res. 2011;1(1):9-17., o que pode ser uma explicação plausível para o fenômeno observado em nossa pesquisa. Outra possibilidade é que indivíduos do sexo masculino tendem a expor-se a maiores números de situações de risco do que mulheres, um possível reflexo da masculinidade tóxica socialmente estabelecida2626. Schraiber LB, Gomes R, Couto MT. Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10:7-17.,2727. Schwarz E. Reflexões sobre gênero e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17:2581-3.. Indivíduos jovens são mais predispostos à busca por novas sensações, o que pode ter contribuído para os resultados encontrados. Além disso, é na juventude que se desenvolvem a identidade e, consequentemente, a busca pela aceitação dos pares2828. Andrews JA, Tildesley E, Hops H, Li F. The influence of peers on young adult substance use. Health Psychol. 2002;21(4):349-57.,2929. Papalia DE, Feldman RD. Desenvolvimento Humano. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.. Em relação à orientação sexual, existem evidências de que homens e mulheres homossexuais e bissexuais possuem maior probabilidade de usar drogas lícitas e ilícitas, incluindo club drugs, do que seus pares heterossexuais1414. Sullivan AK. Club drugs: what’s happening? Sex Transm Infect. 2015;91(6):388.,2323. Fazio A, Joe-Laidler K, Moloney M, Hunt G. Gender, sexuality, and ethnicity as factors of club drug use among Asian Americans. J Drug Issues. 2010;40(2):405-32.,3030. Hahm HC, Wong FY, Huang ZJ, Ozonoff A, Lee J. Substance use among Asian Americans and Pacific Islanders sexual minority adolescents: findings from the National Longitudinal Study of Adolescent Health. J Adolesc Health. 2008;42(3):275-83.. Esse resultado é importante, uma vez que o uso de club drugs entre esse subgrupo populacional tem sido associado ao aumento no número de infecções sexualmente transmissíveis, tornando-se um importante fator de risco para desfechos negativos na saúde física e mental desses indivíduos1414. Sullivan AK. Club drugs: what’s happening? Sex Transm Infect. 2015;91(6):388.,3131. Maxwell JC. Party drugs: properties, prevalence, patterns, and problems. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1203-40..

Indivíduos solteiros apresentaram maior prevalência de uso de club drugs no último mês. O contexto universitário, principalmente a nível de graduação, apresenta uma cultura de intenso envolvimento com festas, as quais apresentam maior disponibilidade e incentivo de uso de substâncias psicoativas. Pessoas solteiras constituem a maior proporção de frequentadores de festas, ambientes voltados para a diversão e o prazer. O fator de grupo, combinado com o efeito desejado do entretenimento, é um elemento que incentiva o uso de drogas entre jovens adultos2828. Andrews JA, Tildesley E, Hops H, Li F. The influence of peers on young adult substance use. Health Psychol. 2002;21(4):349-57.. Além disso, existem evidências de que a diversão é uma das principais motivações para o uso de drogas sintéticas1212. Biolcati R, Mancini G. Club drugs and rave parties: A pilot study on synthetic drug consumption styles in a sample of young Italian ravers. Open Public Health J. 2018;11:474-84.. Ainda, festas universitárias são, em geral, marcadas pelo consumo excessivo de álcool. Entretanto, o uso de club drugs não esteve associado ao consumo de álcool. Esse resultado pode ser um indicativo de um contexto específico do uso dessas substâncias: as festas de música eletrônica ou raves3131. Maxwell JC. Party drugs: properties, prevalence, patterns, and problems. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1203-40.. Nesses ambientes é comum maior consumo de água (em detrimento de outras bebidas, como as alcoólicas), por causa dos efeitos fisiológicos e da possível reação de hipertermia que o uso dessas substâncias pode causar.

Participantes que relataram uso no último mês de tabaco e maconha tiveram maior probabilidade de ter reportado uso de club drugs. Estudantes universitários possuem maior percepção de risco do uso de tabaco e menor percepção de risco do uso de drogas ilícitas, quando comparados à população geral de jovens adultos2525. Bejarano J, Ahumada G, Sánchez G, Cadenas N, Marco M, Hynes M, et al. Perception of risk and drug use: An exploratory analysis of explanatory factors in six Latin American countries. Int J Alcohol Drug Res. 2011;1(1):9-17.. Entre universitários que já fumaram em algum ponto de suas vidas, a percepção de risco do uso ocasional de drogas ilícitas parece ser baixa, possivelmente porque, na interpretação dos alunos, os possíveis riscos de longo prazo à saúde impostos por essas substâncias não serão muito piores do que aqueles aos quais eles já se expuseram2525. Bejarano J, Ahumada G, Sánchez G, Cadenas N, Marco M, Hynes M, et al. Perception of risk and drug use: An exploratory analysis of explanatory factors in six Latin American countries. Int J Alcohol Drug Res. 2011;1(1):9-17.. Dessa forma, é possível que o mesmo fenômeno tenha ocorrido em nossa amostra. Quanto à maconha, outras investigações também encontraram resultados semelhantes2222. Wish ED, Fitzelle DB, O’Grady KE, Hsu MH, Arria AM. Evidence for significant polydrug use among ecstasy-using college students. J Am Coll Health. 2006;55(2):99-104.,3131. Maxwell JC. Party drugs: properties, prevalence, patterns, and problems. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1203-40.,3232. Verduin ML, Payne RA, McRae AL, Back SE, Simpson SA, Sarang RY, et al. Assessment of club drug use in a treatment-seeking sample of individuals with marijuana dependence. Am J Addict. 2007;16(6):484-7.. Análises temporais sobre o uso de substâncias entre universitários estadunidenses indicam que a percepção de risco das drogas ilícitas tem permanecido estável, exceto do LSD e da maconha, que diminuiu. Além disso, enquanto para a maioria das substâncias ilícitas a percepção de facilidade de acesso diminuiu, para essas duas substâncias ela permaneceu estável3333. Lipari R, Jean-Francois B. Trends in perception of risk and availability of substance use among full-time college students. The CBHSQ Report. Rockville (MD): Substance Abuse and Mental Health Services Administration (US); 2016.. Levando em consideração que pessoas que percebem como baixo o risco de uso de uma substância apresentam maior probabilidade de usá-las99. Leung KS, Cottler LB. Ecstasy and other club drugs: a review of recent epidemiologic studies. Curr Opin Psychiatry. 2008;21(3):234-41., é possível que indivíduos que usam uma substância perturbadora do SNC possam perceber outras também como de baixo risco, aumentando a probabilidade de uso de ambas.

A hipótese central deste trabalho é a influência dos pares no uso dessas substâncias. Isso já foi destacado quando foram discutidos os dados sobre idade, estado civil e uso de tabaco e maconha. Entretanto, outras duas variáveis parecem dar ainda mais consistência a essa hipótese. Primeiramente, foi identificado que indivíduos que moram com os pares tiveram probabilidade três vezes maior de ter usado club drugs no último mês, quando comparados com aqueles que moravam com familiares. Em segundo lugar, participantes que reportaram ter algum amigo que já usou alguma droga ilícita apresentaram a maior medida de efeito deste estudo, uma RP de 19,54. Observando esses dois dados de forma combinada, eles podem nos indicar dois importantes fenômenos: 1) indivíduos que moram com os pares tendem a ter menor contato com o monitoramento familiar3434. Martins SS, Storr CL, Alexandre PK, Chilcoat HD. Adolescent ecstasy and other drug use in the National Survey of Parents and Youth: The role of sensation-seeking, parental monitoring and peer’s drug use. Addict Behav. 2008;33(7):919-33. e, paralelamente, podem experimentar aumento nas oportunidades e ofertas para o uso dessas substâncias, bem como uma redução em suas capacidades de recusá-las3535. Pinchevsky GM, Arria AM, Caldeira KM, Garnier-Dykstra LM, Vincent KB, O’Grady KE. Marijuana exposure opportunity and initiation during college: Parent and Peer Influences. Prev Sci. 2012;13(1):18.,3636. Kassa A, Taddesse F, Yilma A. Prevalence and factors determining psychoactive substance (PAS) use among Hawassa University (HU) undergraduate students, Hawassa Ethiopia. BMC Public Health. 2014;14.; 2) tendo amigos que usam ou já usaram alguma substância ilícita, os universitários podem apresentar um aumento ainda maior no número de oportunidades para usá-las3535. Pinchevsky GM, Arria AM, Caldeira KM, Garnier-Dykstra LM, Vincent KB, O’Grady KE. Marijuana exposure opportunity and initiation during college: Parent and Peer Influences. Prev Sci. 2012;13(1):18.. Associado a isso, a influência dos amigos ocorre na medida em que os jovens buscam adotar o comportamento do grupo em que estão inseridos, buscando status e sentimento de pertencimento, motivados pela busca de diversão, prazer e redução da ansiedade e do estresse3737. Santos DDM, Guimarães MM, Bodevan EC, Rocha RL, Pinheiro MLP. Use of psychoactive substance among university students. SMAD. 2019;15(3):1-9..

É importante destacar algumas limitações e fortalezas deste estudo. Primeiro, por ser um estudo transversal, não é possível estabelecer temporalidade. Portanto, as associações com variáveis comportamentais são suscetíveis ao viés de causalidade reversa. Segundo, a prevalência do uso de club drugs pode ter sido subestimada, em razão da ocorrência de respostas socialmente aceitas e pela exclusão de indivíduos que já haviam abandonado ou formalmente desistido do curso. Terceiro, comorbidades psiquiátricas não foram avaliadas, as quais podem se constituir como possíveis fontes de confusão nas associações investigadas. Quadros de abuso ou dependência de drogas podem produzir grande sofrimento psicológico (e vice-versa)3838. National Institute on Drug Abuse. Part 1: The connection between substance use disorders and mental illness. Disponível em: https://www.drugabuse.gov/publications/research-reports/common-comorbidities-substance-use-disorders/part-1-connection-between-substance-use-disorders-mental-illness. Acesso em: 4 out. 2020.
https://www.drugabuse.gov/publications/r...
. Contudo, revisões sistemáticas e metanálises nacionais3939. Candido FJ, Souza R, Stumpf MA, Fernandes LG, Veiga R, Santin M, et al. The use of drugs and medical students: a literature review. Rev Assoc Med Bras. 2018;64(5):462-8.,4040. Pacheco JP, Giacomin HT, Tam WW, Ribeiro TB, Arab C, Bezerra IM, et al. Mental health problems among medical students in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Braz J Psiquiatr. 2017;39(4):369-77. e internacionais4141. Ibrahim AK, Kelly SJ, Adams CE, Glazebrook C. A systematic review of studies of depression prevalence in university students. J Psychiatr Res. 2013;47(3):391-400.

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-4343. Li ZZ, Li YM, Lei XY, Zhang D, Liu L, Tang SY, et al. Prevalence of suicidal ideation in Chinese college students: a meta-analysis. PLoS One. 2014;9(10):e104368. sobre saúde mental e uso de drogas entre estudantes universitários não têm identificado associação significativa entre uso de substâncias e sofrimento psicológico. É possível que isso se deva ao fato de serem, em geral, estudos sobre uso recreativo de drogas, incluindo um grupo grande de indivíduos que não desenvolveram transtornos de uso de substâncias. Quanto aos pontos fortes, destaca-se que esta investigação contou com uma amostra expressiva, representativa e com uma taxa de resposta adequada, que garantem a validade interna deste estudo. Considerando o diminuto número de pesquisas que avaliam o uso de club drugs entre universitários brasileiros, este artigo possui caráter inédito. Por fim, o uso de estratégias de análise multivariável auxiliou na obtenção de resultados robustos e precisos, que permitem a utilização das conclusões apresentadas pelos profissionais que atuam diretamente com essa população.

CONCLUSÕES

Dentre os resultados obtidos, destacam-se as altas prevalências encontradas, quando comparadas com a população geral e de universitários brasileiros, e os fatores associados: ser do sexo masculino, ter orientação homossexual ou bissexual, ser mais jovem, estar solteiro, morar com os pares, ter amigo que já fez uso de droga ilícita e ter feito uso no último mês de tabaco e maconha. De forma geral, o contexto universitário parece ser terreno fértil para a difusão do uso de club drugs, em razão da extensa rede de pessoas que já fez uso de drogas ilícitas, por ser um ambiente marcado pela cultura das festas (incluindo festas eletrônicas e raves) e pela grande proporção de indivíduos jovens que moram afastados do monitoramento familiar.

Drogas sintéticas, como o ecstasy e o LSD, podem causar diversos impactos negativos no curto e longo prazo. Portanto, é importante que as universidades assumam uma posição de responsabilidade e promovam ações voltadas para a conscientização sobre o uso dessas drogas, as quais possam ser direcionadas paras os grupos de risco identificados. Intervenções como palestras, grupos de apoio, canais de informação e grupos de estudo sobre o tema podem ser medidas importantes a serem tomadas. Por fim, sugere-se o fortalecimento de serviços de assistência estudantil capazes de identificar e acolher casos de uso, abuso e/ou dependência dessas (e de outras) substâncias e de referenciá-los à rede de atenção psicossocial, quando necessário.

AGRADECIMENTOS

O primeiro autor recebeu uma bolsa de estudos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para conduzir este estudo. O segundo autor é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2020
  • Aceito
    1 Nov 2020
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