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Cardiomiopatia hipertrófica em gêmeos monozigóticos
Aloir Q. Araujo; Edmundo Arteaga; Charles Mady
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Aloir Queiroz de Araujo InCor Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-900 São Paulo, SP e-mail: aloirqueiroz@cardiol.br
Gêmeos monozigóticos (GM) com 19 anos de idade, portadores de cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, sintomas iniciados em torno dos 13 anos (dispnéia CF II) e apresentação clínica similar (sopro sistólico de ejeção 3/6 na borda esternal esquerda, eletrocardiograma com sinais evidentes de hipertrofia ventricular esquerda). Nos dois pacientes, ao ecocardiograma, havia aumento moderado do átrio esquerdo, hipertrofia septal acentuada (>30mm) e gradiente obstrutivo severo na via de saída do ventrículo esquerdo, sem diferenças significativas entre ambos. Algumas discordâncias foram observadas nos aspectos bidimensionais (fig. 1). O Doppler colorido demonstrou dilatação importante de ramos coronarianos septais no gêmeo G (fig. 2), o que não foi evidenciado no gêmeo V. Na evolução, o gêmeo G teve piora importante da sintomatologia (angina e dispnéia), refratária à medicação, sendo encaminhado para realização de miectomia cirúrgica.
A cardiomiopatia hipetrófica é uma doença primária do miocárdio causada por um grande número de mutações em genes codificadores para proteínas sarcoméricas1, e o fenótipo pode sofrer influência de genes modificadores2 e fatores ambientais. Assim, as manifestações clínicas e morfológicas da doença são muito variadas, indo da ausência de sintomas até a insuficiência cardíaca avançada, mesmo entre portadores da mutação em uma determinada família.
GM são considerados geneticamente idênticos (genes causadores e modificadores), e qualquer discordância fenotípica entre eles tem sido creditada à ação de fatores ambientais. Nos GM com cardiomiopatia hipertrófica, seriam esperadas expressões similares da doença, como observado por Maron e cols.3, admitindo-se pequenas diferenças. Entretanto, os casos relatados na literatura não dão sustentação a essa premissa. Há relatos de pares com fenótipos concordantes3-6 e discordantes4,7. Nossos pacientes, em termos gerais, apresentaram a doença com o mesmo espectro, mas alguns aspectos ecocardiográficos e a evolução clínica, os diferenciaram parcialmente.
Os casos que estamos relatando e a revisão da literatura trazem mais dúvidas do que respostas a respeito dos mecanismos patogenéticos implicados no desenvolvimento da cardiomiopatia hipertrófica. Não há uma explicação razoável para tantos contrastes encontrados, ou seja, pares de GM com apresentações muito similares e pares com expressões fenotípicas tão diferentes, incluindo severidade dos sintomas, grau e distribuição da hipertrofia, presença de obstrução, idade de apresentação e curso a longo prazo.
Podemos assumir que a base genética em GM é absolutamente idêntica? A maioria deles se desenvolve a partir da separação das células do embrião único no estágio de 2 células mas, em humanos, a separação pode ocorrer em estágios tão tardios quanto 7 dias de gestação, e o tempo em que ocorre a separação poderia determinar diferenças umbelicais e anastomóticas placentárias, levando a ambientes intra-uterinos diferentes8. Adicionalmente, existem discussões sobre mecanismos que resultariam em diferenças genotípicas e epigenéticas em gêmeos idênticos9, mas são fenômenos raros e não devem ser assumidos como causas coadjuvantes importantes das discordâncias aqui discutidas.
Referências
1. Marian AJ, Roberts R. The molecular genetic basis for hypertrophic cardiomyopathy. J Mol Cell Cardiol 2001; 33: 655-70.
2. Marian AJ. Modifiers genes for hypertrophic cardiomyopathy. Curr Opin Cardiol 2002;17:242-52.
3. Maron BJ, Casey AS, Almquist AK. Hypertrophic cardiomyopathy in monozygotic twins. Circulation 2002; 105: 22-9.
4. Littler WA. Twin studies in hypertrophic cardiomyopathy. British Heart Journal 1972; 34: 1147-51.
5. Ciró E, Nichols PF, Maron BJ. Heterogeneous morphologic expression of genetically transmitted hypertrophic cardiomyopathy. Two-dimensional echocardiographic analysis. Circulation 1983; 67: 1227-33.
6. Wylie L, Ramage A, MacLeod DC. Hypertrophic cardiomyopathy with shared morphology in identical twins: a case report. Scott Med J 2002; 47: 64-5 .
7. Clarck CE, Henry WL, Epstein SE. Familial prevalence and genetic transmission of idiopathic hypetrophic subaortic stenosis. N Engl J Med 1973; 289: 709-14.
8. Singh SM, Murphy B, O'Reilly R. Epigenetic contributors to the discordance of monozygotic twins. Clin Genet 2002; 62: 97-103.
9. Machin GA. Some causes of genotypic and phenotypic discordances in monozygotic twin pairs. Am J Med Genet 1996; 61: 216-28.
Recebido para publicação em 3/3/04
Aceito em 25/3/04
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Maio 2004 -
Data do Fascículo
Abr 2004